Criação de um “Rito Amazônico”?

Dentre as muitas ideias ruins que circularam nos últimos dias, por ocasião do Sínodo da Amazônia, a proposta de elaboração de um “Rito Amazônico” para os “povos originais” é das mais chocantes.

E isso por uma razão bem simples: é que a Liturgia não é uma criação humana, mas uma dádiva dos Céus. Não é uma coisa que nós produzimos, confeccionamos, mas que recebemos de Deus e, nesta condição, temos o dever de custodiar, preservar e desenvolver. Esta é talvez uma das diferenças mais marcantes da Religião Verdadeira em relação às falsas religiões: enquanto, nestas, o homem busca alcançar a divindade, n’Aquela é o próprio Deus que vem ao encontro da humanidade decaída.

Não se trata de mero jogo de palavras: é uma diferença essencial. Ora, o homem, enquanto tal, tem sede de Deus. A natureza humana é dotada de uma insatisfação intrínseca, de um anseio pelo absoluto, que se manifesta no sentimento religioso encontrado em todas as culturas. Os homens de todas elas, cada um a seu modo, na medida de suas limitações, como quem abre um caminho desconhecido, como que às apalpadelas, desenvolveram naturalmente sistemas religiosos que pudessem, de alguma maneira, responder, um pouco que fosse, ao seu desejo de Deus. Neste sentido, a religião é um fenômeno humano.

Ora, religião, entre outras coisas, vem de religare. Religar, reunir, tornar a ligar — no caso, a humanidade (pecadora) a Deus (três vezes Santo). Normalmente os caminhos são abertos a partir do ponto de partida e em direção ao ponto de chegada. Ninguém pensa em abrir um caminho partindo da chegada para a partida, porque a chegada é, por definição, o lugar onde nós não estamos e para onde queremos ir. Ninguém pensa em começar o caminho já do lado de lá.

Mas houve quem pensasse. Deus, sabendo que seria impossível aos homens abrirem um caminho que, partindo da terra, chegasse até o Céu, resolveu abrir-lhes Ele próprio este caminho, começando do Céu e descendo até a terra. Todas as religiões naturais são tentativas do homem de alcançar a Deus; o Cristianismo, a Religião Verdadeira é a tentativa de Deus alcançar o homem — aliás, mais do que tentativa, é realização, é o encontro último e definitivo que satisfaz aquela inquietação do coração humano da qual falava Santo Agostinho (feciste nos ad Te, Domine, et inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te).

Pois bem, hoje estas verdades andam sumariamente esquecidas. Fala-se em um “rito amazônico” — a proposta consta do Documento Final do Sínodo e não estava presente, ao menos não de maneira explícita, no Instrumentum Laboris — que, “segundo usos e costumes dos povos ancestrais, (…) expresse o patrimônio litúrgico, teológico, disciplinar e espiritual amazônico”. A ideia é tão ruim, e em tantos aspectos, que fica até difícil comentar. A comparação de um tal “rito amazônico” com os demais ritos católicos é tão nonsense que chega a ser acintosa.

Primeiro que a diversidade ritual existente na Igreja tem uma justificativa histórica muito forte: são, todos, ritos milenares, surgidos dos Apóstolos ou dos seus sucessores imediatos, nascidos do primeiro contato do Evangelho com as culturas pagãs, em um movimento de forte expansão do Cristianismo nascente.

Depois, estes ritos integram famílias eclesiais próprias — Igrejas sui juris — que detêm uma certa autonomia dentro do Catolicismo. A razão de essas Igrejas particulares existirem, mais uma vez, encontra-se em circunstâncias históricas específicas e irrepetíveis.

Em terceiro lugar, todos os ritos tiveram um desenvolvimento orgânico e contemporâneo ao próprio processo de evangelização. Foram levados a efeito, de maneira natural, pelos evangelizadores e evangelizados. De modo diferente, propõe-se, agora, que “rito amazônico” seja elaborado — de maneira artificial e burocrática — por comitês e comissões, passados cinco séculos da evangelização da Amazônia.

Finalmente, last but not least, todos os ritos surgiram em momentos de plena vitalidade da Igreja, de Sua expansão apaixonada, de um ardor missionário tal que, nos dias de hoje, seria provavelmente considerado fanatismo. Estes ritos expressam a Fé porque foram forjados nela, em um ambiente onde ela era universalmente considerada um tesouro recebido dos Céus. Hoje a Igreja passa por uma crise terrível, o Cristianismo amazônico se encontra decadente e os responsáveis pela região são claramente incapazes de levar Nosso Senhor às almas que lá vivem. Deveriam ser destituídos de seus cargos, e não chamados para inventar — e aplicar! — soluções mirabolantes para os problemas que eles próprios causaram.

O projeto de um “rito amazônico” é uma tragédia anunciada. Se for realmente levado a cabo será um desastre e uma traição, mais uma chaga aberta no Corpo Místico de Cristo que é a Igreja, mais um capítulo doloroso deste mysterium iniquitatis que Deus permite abater-se sobre nós. Até quando…?

Da conveniência de uma Liturgia Universal

Confesso ter certa dificuldade com uma coisa que, em tempos normais, não deveria ser capaz de angustiar católico algum: assistir a Santa Missa em um lugar distinto do habitual. Se a Igreja é Católica — i.e., Universal — e se a Liturgia é o serviço público da Igreja (“público” aqui tem o sentido de “oficial”), seria de se esperar que esta catolicidade se refletisse, também e talvez até principalmente, na maneira como a Igreja presta o Seu culto a Deus, independente do lugar em que se desse a celebração do Santo Sacrifício.

Eu entendo o argumento de que o Evangelho não é uma cultura pronta e acabada mas, ao contrário, uma força capaz de orientar para Cristo tudo aquilo que é verdadeiramente humano — e, portanto, tem em Si próprio a força de elevar a Deus qualquer cultura. Mas disso não me parece decorrer que o culto a Deus deva reproduzir as particularidades de cada povo, de cada grupo social, de cada costume local (ainda que legítimo). Ao contrário: penso que, no que diz respeito à Sagrada Liturgia, a catolicidade da Igreja deve se sobrepôr à legítima particularidade dos fiéis que do culto divino tomam parte em um momento histórico específico e em um lugar determinado do globo terrestre. Há, penso, diversas razões para que isto deva ser dessa maneira, das quais as três a seguir não são as menos importantes.

Em primeiro lugar, por uma questão de, se é possível chamar assim, sacramentalidade. O sacramento é um sinal e isto significa que a Liturgia da Igreja é, ela toda, uma linguagem. Para além da graça eficaz que é inerente a todo Sacramento, há uma mensagem que a Liturgia precisa transmitir — e esta mensagem precisa falar à inteligência, à compreensão de cada fiel. Ora, esta mensagem é por definição extraordinária: a linguagem da qual ela se reveste, portanto, para ser proporcionada ao conteúdo que se presta a transmitir, precisa ser, ela também, extraordinária. Precisa se afastar do quotidiano, das coisas do dia-a-dia, dos símbolos usados ordinariamente para tratar das coisas da vida: a Liturgia precisa, assim, distanciar-se dos costumes e usos sociais legitimamente vigentes em cada sociedade. Isso é necessário para que o católico veja, na Liturgia, já ao primeiro vislumbre, algo diferente do comum dos dias: é a clássica distinção entre o sagrado e o profano, difícil de exprimir hoje em dia porque o segundo termo adquiriu um caráter pejorativo que não se pode ignorar. O que quero dizer é simplesmente o seguinte: nem tudo o que é humanamente legítimo é adequado à Sagrada Liturgia e nem tudo o que não cabe no Culto Divino é, por isso mesmo, pecaminoso ou indigno. Esta é uma compreensão que se precisa urgentemente resgatar: munidos dela, os católicos seriam mais comedidos em introduzir nas suas celebrações estes elementos estranhos ao espírito da Liturgia e que tanto atrapalham a frutuosa participação dos fiéis.

Em segundo lugar, porque todo legítimo processo de inculturação é mais passivo do que ativo: isto significa que os homens mais têm a sua cultura purificada pela Igreja e moldada ao vigor do Evangelho do que constroem, eles próprios, o seu contributo pessoal ao Catolicismo, o seu tijolo personalizado a integrar as muralhas da Cidade Santa de Deus. O contato transformador com o Evangelho não é um exercício imaginativo ou uma experiência inefável com um fantasma amorfo: se os primeiros cristãos encontraram-se com um Cristo verdadeiramente humano, com um rosto próprio e uma voz particular, é com uma Igreja concreta que se prolonga na História este encontro salvífico — e esta Igreja tem a Sua própria face e a voz que indistintamente é d’Ela. Tem Seus símbolos e Sua linguagem, que A identificam e sem os quais não é possível haver verdadeiro encontro entre os filhos de Deus e a Esposa de Cristo. Se é verdade que há muitas características distintas que cabem no conceito de “homem”, é igualmente verdade que no Verbo de Deus encarnado encontram-se características humanas específicas — uma dada cor de pele, um específico tom de voz, determinada cor de olhos e de cabelos etc. Ora, é claro que há incontáveis elementos humanos com os quais se poderia conceber uma instituição que anunciasse o Evangelho; mas a Igreja, que é o Corpo de Cristo, possui alguns elementos determinados e específicos que respondem por Sua individualidade histórica e por Sua natureza encarnada. E da mesma forma que todo ser humano encontra-se em Cristo Encarnado sem que Ele precise ter ao mesmo tempo todas as distintas características físicas de cada indivíduo, toda cultura humana encontra-se na Igreja de Cristo sem que Ela precise reproduzir em Si mesma todas as culturas — ou cultura nenhuma.

Em terceiro lugar, por fim, por uma questão de catolicidade. A unidade de rito faz com que todo católico, em qualquer parte do mundo em que se encontre, possa vivenciar a Liturgia do modo que está acostumado. Isso complementa admiravelmente o que se dizia acima: se por um lado o católico precisa sentir-se sempre um pouco estrangeiro ao adentrar na igreja da sua terra natal, por outro ele precisa experimentar sempre um ar de familiaridade ao ingressar na igreja de uma terra estranha. O rito católico, justamente por ser universal, não é de lugar algum e é simultaneamente de todos: não existe nenhum fiel capaz de pretender que aquele rito reflita exatamente os costumes particulares do seu povo ou do seu grupo, mas também ninguém pode dizer tratar-se de celebração alienígena que em tudo lhe é estranha. A Sagrada Liturgia é de todos exatamente por não ser de ninguém em particular; esta manifestação sensível de catolicidade fortalece a Igreja e contribui para que todo fiel possa viver melhor a sua Fé. Fazer diferente disso não é enriquecer a cultura particular do fiel, mas ao contrário: é sepultar a cultura universal de todo católico e, fechando-lhe o acesso ao fiel, privá-lo de uma dimensão de eclesialidade que não se pode satisfatoriamente substituir.

Eu pensava nessas coisas porque, em viagem, precisei recentemente assistir a Santa Missa em lugar que eu não conhecia. Mas os meus temores não se concretizaram: Deus foi misericordioso comigo, e me presenteou com uma Missa impecável, celebrada por um sacerdote zeloso cujos olhos estavam o tempo inteiro voltados para Deus. Que o Altíssimo abençoe e recompense aquele padre, que me proporcionou uma bela Missa. Uma Missa sóbria, reverente, comedida, sem invencionices, que poderia ter sido celebrada em qualquer lugar do mundo, por qualquer sacerdote — e, justamente por isso, uma Missa tão católica.

Canção Nova Sertaneja: ê, vida de gado…

É necessário fazer coro à denúncia do Fratres in Unum sobre a “Missa Sertaneja” (ou seja lá que aberração for essa) que a Canção Nova promoveu (e transmitiu!) no último final de semana. A foto abaixo é a que saiu no Fratres, mas há outras no próprio Flickr da Canção Nova (entre as quais encontrar pessoas – fiéis e celebrantes – de chapéu no meio da Santa Missa (!) é o que há de menos chocante).

A coisa é tão aterradora que a gente fica pensando estar enganado; pensamos que uma coisa assim obviamente não pode ter acontecido na mesma Canção Nova que há não muito tempo organizou (embora não tenha transmitido – mas as fotos correram a internet) uma Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano. Mas infelizmente é verdade; o evento foi anunciado pela Canção Nova, foi transmitido pela TV e há fotos dele (aliás esta aqui é verdadeiramente aberrante) nos canais oficiais de divulgação da comunidade. Portanto, aconteceu: para opróbrio de Deus Nosso Senhor e vergonha da Igreja Católica nesta Terra de Santa Cruz, a maior emissora católica do Brasil realizou e divulgou uma depravação do Santo Sacrifício da Missa.

Eu já falei aqui por diversas vezes que sou um profundo entusiasta da tese “Save the Liturgy, Save the World”; estou honestamente convencido que a maneira mais rápida e eficaz de promover a recristianização da sociedade é cuidar com bastante zelo do santo serviço do Altar, das coisas que se referem diretamente ao culto que a Esposa de Cristo presta «em toda parte, do nascer ao pôr do sol» ao Seu Divino Esposo. E, em contrapartida, distorcer o Rito Romano a ponto de torná-lo praticamente irreconhecível sob um amontoado de elementos (para dizer o mínimo!) que lhe são estranhos é uma forma diabolicamente útil de corroer a Fé Católica nas almas e formar uma multidão de “fiéis” que, no final das contas, não fazem a menor idéia do que vão fazer na Missa aos domingos (isto considerando que eles continuem cumprindo o preceito da Missa Dominical).

Nunca é demais repetir que o Santo Sacrifício da Missa é, literalmente, um e o mesmo sacrifício com Aquele que foi um dia celebrado na Cruz do Calvário. Nunca é demais lembrar que, em cada Santa Missa que é celebrada em qualquer lugar do mundo, torna-se presente o mesmíssimo Sacrifício da Cruz que Nosso Senhor Jesus Cristo ofereceu um dia e para sempre para o perdão dos nossos pecados. Ora, se é importante (como de fato o é) para a nossa saúde espiritual entendermos estes acontecimentos da nossa Redenção, se conhecer os Santos Mistérios da nossa Religião é-nos crucial para melhor participarmos deles, o que justifica deturpar o Rito Romano aos limites do irreconhecível? Toda Santa Missa deve apontar para a Cruz de Cristo elevada sobre o Calvário! Não dá para entender o que se passa pela cabeça dos que querem fazer de cada celebração uma coisa completamente diferente de todas as demais, quando é exatamente o contrário e o grande milagre invisível por detrás das rubricas é que toda e qualquer missa é sempre e em todo lugar a Mesma! A Liturgia deve ajudar os homens a encontrar o que se encontra sob os seus signos, e não afastá-los ainda mais das realidades escondidas sob o véu sacramental. Podem ainda se dizer católicos os que não entendem estas coisas tão básicas? Ao contrário, agem como animais irracionais que são arrastados para lá ou para cá ao som de qualquer berrante que algum Anjo Decaído confunda com trombeta e resolva fazer soar.

Sobre Missa Crioula e outras aberrações transvestidas de “legítima inculturação”, deixo este texto do Salvem a Liturgia! publicado no ano passado, que é o desabafo de um gaúcho diante desta abominação, e do qual destaco:

O “rito crioulo” é artificial porque cria elementos não presentes em nenhum outro rito e completamente destoante até mesmo da espiritualidade católica tradicional. Não usa uma linguagem adequada para a liturgia também. De outra sorte, nem mesmo atende a um legítimo anseio do povo gaúcho: tradicional por tradicional (que é o que esse rito pretende ser), a forma extraordinária do rito romano é muito mais.

Além disso, ele não se pretende outro rito, mas uma variação do rito romano, ou um rito romano inculturado. Entretanto, o próprio Vaticano II – como bem recordava João Paulo II – só permitiu a inculturação litúrgica salvaguardada a unidade substancial do rito romano. Além disso, é preciso autorização de Roma. Esse rito crioulo, de romano não tem nada (nada mesmo!), e, se é um rito novo, só poderia ser “criado” a partir de desenvolvimento litúrgico (o que não se faz, ademais, de uma hora para outra; desenvolvimento supõe anos, décadas, séculos). Outrossim, só quem pode criar ou reformar ritos é o Papa.

Melhor faria a Canção Nova se divulgasse os legítimos tesouros da Igreja de Cristo da Qual ela se diz servidora. Ao contrário, espalhando esta espécie de lixo blasfemo a comunidade está é prestando um enorme favor a Satanás, que é o primeiro a odiar  as coisas sagradas por meio das quais a ação santificadora de Deus se faz presente no mundo.

Jesus, o “Mano dos Manos”: inculturação e nova evangelização

É de São Paulo aquela história de fazer-se judeu para os judeus, fraco com os fracos, «tudo para todos a fim de salvar a todos» (1Cor 9, 22b). Também foi o Apóstolo quem colocou o Deus Altíssimo nos altares dos pagãos dedicados “a um Deus Desconhecido” (At 17, 23), e a própria Virgem Imaculada Mãe de Deus, sendo judia, não Se incomodou em apresentar-Se ao mundo como uma negra ou uma índia. Na mesma esteira, os missionários que catequizaram o Brasil recém-descoberto não hesitaram em ensinar aos índios que o verdadeiro Tupã era o Deus de Israel.

Isto porque fazer-se entender é uma necessidade imperativa do Cristianismo, que precisa levar a Boa-Nova do Evangelho a todos os homens de todos os povos e culturas. Tal (chamemo-lo assim) empréstimo de elementos culturais, contudo, não pode ser confundido com irenismo ou sincretismo. Os antigos pagãos tanto entenderam que Nosso Senhor não era um deus pagão que não Lhe conferiram um lugar no Pantheon de Agrippa, e os nativos mexicanos tanto entenderam que a Virgem de Guadalupe não era uma divindade de seus antepassados que se fizeram todos católicos. A verdadeira inculturação significa ordenar uma cultura em torno a Cristo Rei do Universo, e não “relativizar” a Fé para adequá-la às crenças de não-católicos e nem muito menos pressupôr que quaisquer manifestações religiosas são, de per si, outras formas (em princípio válidas) de se referir ao Deus Verdadeiro.

Neste sentido, algumas “inculturações” modernas (ou seja lá o nome que se lhes dê) são inúteis ou contraproducentes, quando não desrespeitosas e até mesmo blasfemas: poderíamos lembrar, p.ex., que na África não tem “missa afro” ou que até mesmo os usuários de drogas de São Paulo sabem ser errado chamar a Virgem Santíssima de Nossa Senhora do Crack. O objetivo da verdadeira inculturação não é “inventar” nada, e sim facilitar o encontro entre almas que não conhecem a Cristo e o Senhor que lhes está à porta e bate. É um meio, e não um fim. Deve mostrar (muitas vezes a partir dos ídolos) o Deus Verdadeiro que existe para além dos ídolos – ou, melhor ainda, do Qual os ídolos são meras caricaturas grosseiras -, e não transformar Deus num ídolo nem dizer que o ídolo é Deus. É na sua oportunidade e na sua fidelidade ao Deus Revelado que se encontra o discrímen entre a inculturação legítima e a traição ao Evangelho pura e simples.

À luz dessas considerações, qual a justificativa para estas representações de Nosso Senhor como “Hip-Hop” (2010) ou “Mano dos Manos” (2009)? Tal iconografia não raia a irreverência? Ela não se presta muito mais a provocar uma acomodação ao status quo do que a propiciar uma verdadeira conversão? Ela não supervaloriza os movimentos modernos, ao invés de apontar para o Deus que transcende a História?

Deus nos livre de algumas dessas idéias “geniais” destes que são (ou pensam ser, ou deveriam ser) expoentes da Nova Evangelização! Graças aos Céus, no entanto, em Roma os ventos sopram diferente. Para o Papa Bento XVI (in “Novos Evangelizadores para Nova Evangelização”, encontro recém-realizado no Vaticano), «o poder da Palavra não depende principalmente de nossa ação, dos nossos meios, do nosso “fazer”, mas de Deus, que esconde o seu poder sob os sinais da fraqueza, que se faz presente na brisa suave da manhã (cf. 1 Re 19, 12), que se revela no lenho da Cruz». Sim, Senhor, levantai-Vos e agi em favor do Vosso povo! Porque, ao que parece, são muitos os que estão empenhados em confundi-lo. Aparentemente, são muitos os que agem para afastar as almas de Vós.

“O culto não pode nascer da nossa fantasia” – Bento XVI

Se na liturgia não emergisse a figura de Cristo, que está no seu princípio e está realmente presente para a tornar válida, já não teríamos a liturgia cristã, toda dependente do Senhor e toda suspensa da sua presença criadora.

Como estão distantes de tudo isto quantos, em nome da inculturação, decaem no sincretismo introduzindo ritos tomados de outras religiões ou particularismos culturais na celebração da Santa Missa (cf. Redemptionis Sacramentum, 79)! O mistério eucarístico é um «dom demasiado grande – escrevia o meu venerável predecessor o Papa João Paulo II – para suportar ambigüidades e reduções», particularmente quando, «despojado do seu valor sacrificial, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesa» (Enc. Ecclesia de Eucharistia, 10). Subjacente a várias das motivações aduzidas, está uma mentalidade incapaz de aceitar a possibilidade duma real intervenção divina neste mundo em socorro do homem. Este, porém, «descobre-se incapaz de repelir por si mesmo as arremetidas do inimigo: cada um sente-se como que preso com cadeias» (Const. Gaudium et spes, 13). A confissão duma intervenção redentora de Deus para mudar esta situação de alienação e de pecado é vista por quantos partilham a visão deísta como integralista, e o mesmo juízo é feito a propósito de um sinal sacramental que torna presente o sacrifício redentor. Mais aceitável, a seus olhos, seria a celebração de um sinal que corresponda a um vago sentimento de comunidade.

Mas o culto não pode nascer da nossa fantasia; seria um grito na escuridão ou uma simples auto-afirmação. A verdadeira liturgia supõe que Deus responda e nos mostre como podemos adorá-Lo. «A Igreja pode celebrar e adorar o mistério de Cristo presente na Eucaristia, precisamente porque o próprio Cristo Se deu primeiro a ela no sacrifício da Cruz» (Exort. ap. Sacramentum caritatis, 14). A Igreja vive desta presença e tem como razão de ser e existir ampliar esta presença ao mundo inteiro.

Discurso de Bento XVI aos bispos do Brasil, região Norte-2,
em visita ad limina apostolorum

Bispo, pajé, xamã… ?

O respeito devido aos sacerdotes é particularmente difícil nos nossos dias. Quando as próprias autoridades religiosas não se dão ao respeito e parecem querer uma excessiva “mundanidade”, o que é que nós podemos fazer?

Foto: Maria Luiza Silveira
Foto: Maria Luiza Silveira

Soube hoje que o bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM) foi ordenado com um cocar. Foi o próprio Dom Edson Damian que escolheu ser “ordenado em meio aos indígenas”, numa cerimônia aberta pelo pajé que “entrou balançando o Yaigê” [uma “grande lança ritual”] que serve para afastar “qualquer resquício de malefício”, na presença de “dezenas de padres, além de 11 bispos de vários locais do Brasil”.

A matéria não diz se também foi Sua Excelência que escolheu ser “coroado” com um cocar; mas diz que este foi “[u]m dos pontos altos da cerimônia”. Depende do ponto de vista, digo eu. Desconheço se Satanás já chegou outra vez tão alto no seu propósito de ridicularizar a Igreja de Deus. E, sob outra ótica, desconheço se uma cerimônia de sagração episcopal já foi tão rebaixada assim em outra época da história.

Um cocar! Vejam só, é ridículo. Para afastar os maus espíritos, Sua Excelência parece preferir o Yaigê às orações católicas; para ser coroado no dia de sua sagração, Sua Excelência parece preferir um cocar indígena a uma mitra católica. Parece preferir o paganismo ao Evangelho. E um sucessor dos Apóstolos recém-sagrado!

E não me venham com balelas de “inculturação”. Se os índios da época do descobrimento não precisaram de Yaigês para entenderem o que era a Santa Missa, por que os de hoje precisariam? Se os índios foram evangelizados ao longo de vários séculos sem que ninguém precisasse paganizar a Santa Missa, por que isso hoje seria necessário? Ademais, a inculturação (além de ser um processo orgânico e não artificial como este escândalo) pressupõe a purificação da cultura, e a superstição besta de afastar “qualquer resquício de malefício ou impedimentos” balançando umas sementes está longe de ser um elemento purificado, está longe de ser compatível com a Doutrina Católica.

Dom Damian quer ser bispo católico para levar o Evangelho da Salvação aos índios, ou quer brincar de ser pajé ou xamã no século XXI para ficar fazendo parte de rituais pagãos sobre os quais há muito tempo já imperou a Cruz de Cristo? Não há meio termo possível. Está nas Escrituras Sagradas que não existe união alguma entre Cristo e Belial. E acrescento eu: tampouco entre Cristo e Tupã.