Arraste-me para o Inferno

[ATENÇÃO! CONTÉM SPOILERS!]

dragmetohell“Arraste-me para o Inferno” é um filme muito, muito tosco. Quem assiste ao trailler – ou quem vê o cartaz de divulgação do filme – é levado a pensar que se trata de um filme de terror, se não do calibre de um “O Exorcismo de Emylly Rose”, ao menos perto de um “Evocando Espíritos”. Puro engano. O filme não se decide entre o terror verdadeiro, o horror nojento e a comédia.

A intensidade dos efeitos especiais chega a ser cômica, em alguns momentos. Bem feitos, mas – nunca pensei que eu fosse dizer isso – desnecessariamente exagerados. Aquele chão se abrindo já logo no começo e arrastando o menino inteiro para as profundezas do Inferno não assusta. Aquela cabra, quase no final do filme, na qual “entra” o demônio e começa a falar, me arrancou verdadeiras gargalhadas. Isso sem contar quando as cenas são simplesmente nojentas, como a do olho no bolo e a do cadáver da velha vomitando sobre a menina (que me lembraram as mais tenebrosas cenas de “Fome Animal”). Claro, há algumas que valem a pena: a mulher fugindo do demônio que sobe a escada, o portão rangendo e as panelas balançando na cozinha… mas, sinceramente, são poucas. E a indecisão manifesta sobre qual é exatamente o gênero do filme estraga tudo.

À história. A mulher nega a regularização de um empréstimo a uma velha cigana e é amaldiçoada por esta. A velha pega um botão do seu casaco, lança uma mandinga e o devolve; a partir daí, a garota vai ser perseguida por três dias por um demônio – Lamia -, ao final dos quais o ser das trevas vai levar a alma (com corpo e tudo, como já falei) dela para o inferno. A mulher tenta de tudo para se livrar do demônio: procura falar com a velha (que encontra morta), procura um vidente, sacrifica um gato à Lamia (!), paga 10.000 dólares por uma médium experiente, tenta devolver o botão amaldiçoado à velha bruxa (porque a Lamia viria buscar “o dono do objeto amaldiçoado”)… tudo, menos procurar um exorcista de verdade. Nada adianta (a última tentativa, de “repassar” o objeto amaldiçoado, não funciona por mero acaso). A jovem protagonista é arrastada para o inferno ao final do filme. O que, aliás, faz com que o título do filme, no imperativo (mesmo em inglês), não faça o menor sentido… mas deixa pra lá.

Interessam-me aqui principalmente duas coisas: a noção de maldição e as escolhas morais feitas no filme. Primeiro, maldições e exorcismos existem de verdade (há pelo menos duas entrevistas com o pe. Amorth – famoso exorcista de Roma – disponíveis na internet, uma no site do Shalom e, outra, no da Montfort), mas não para “levar a pessoa para o inferno”. As pessoas vão para o Inferno por causa de seus pecados pessoais, e não “arrastadas” por outras. Malefícios podem causar muito mal às pessoas, sim, e o demônio pode atormentar bastante pessoas que deles foram vítimas, sim. Mas Satanás não pode levar para o inferno quem esteja em estado de Graça, e o único capaz de perder a Graça Santificante é a própria pessoa que a possui, por meio do pecado mortal. Nem possessões demoníacas levam ao inferno.

Lembro-me de Fausto, que – aí sim! – é uma história majestosa de pacto com Satanás. O final é apoteótico: Fausto (que havia vendido a alma a Mefistófeles na juventude) morto, a cratera do inferno aberta de um lado, os anjos do Céu descendo do outro e afastando os demônios… Salva-se. Mas o que interessa é que, no caso do clássico de Goethe, o negócio foi feito entre o demônio e o próprio dono da alma. Vender almas de terceiros não faz sentido.

E as escolhas morais… ao final da trama, a senhorita tem a opção de entregar o botão amaldiçoado para alguém e, assim, livrar-se do Inferno. Pois Lamia viria buscar “o dono do objeto amaldiçoado”… Aqui, a injustiça atinge as raias do surreal: vai-se ao inferno pelo simples ato de se receber um botão velho, ainda que não se saiba o significado do gesto! A garota pensa quem vai ser “presenteado” com a maldição. Encontra um velho doente e pensa em entregar-lhe, mas desiste. Pensa no seu colega de trabalho que a havia desonestamente passado para trás, chega a chamá-lo, mas desiste. Por fim, pensa na velha (morta) que a amaldiçoou. E decide fazê-lo.

E eu fiquei pensando… obviamente é imoral passar maldições – aliás, fazer qualquer mal – para terceiros que não têm nada a ver com a história. Mas, na impossibilidade de se destruir o malefício, não será lícito devolvê-lo a quem o lançou? Na minha opinião, é um caso de legítima defesa contra o agressor injusto, sim. Não é uma vingança pura e simples, porque não foi “outra” maldição que a garota lançou – ela pensou em devolver a mesmíssima. A agressão estava “em acto”, e não era passada, dado que Lamia ainda não viera buscar-lhe a alma. Não houve desproporcionalidade. Não havia opções. Neste final do filme, parece-me que conseguiram apresentar uma escolha razoável: o dilema diante das opções de injustiça (p. ex., passar o botão até mesmo para o sujeito que lhe havia sacaneado), a recusa de escolher qualquer uma delas, a escolha definitiva que é – no meu entender – defesa legítima.

Mas permanece o bizarro e o surreal, porque esta reação dependia da entrega, física, do objeto amaldiçoado – e a menina acaba entregando outra coisa à velha, por engano. E o chão se abre sob os pés dela, e os demônios a arrastam para o inferno. À injustiça de ser levada para o inferno por maldição de outrem, juntou-se a injustiça de não ter – por acaso, por uma troca de envelopes – conseguido defender-se da agressora injusta. Neste mundo kafkiano retratado pelo filme, realmente, é complicado viver. Se o filme quis passar desesperança, conseguiu.

Algoritmos Genéticos e Banda Djavú

Estando em curso um post cá no blog sobre Teoria da Evolução, achei curioso que, hoje, do nada, lá no laboratório da Universidade, a conversa sobre procedimentos matemáticos e biológicos tenha parado nos Algoritmos Genéticos.

Lembro-me deles, porque tive que os implementar numa cadeira sobre – salvo engano – inteligência artificial. A idéia é resolver os problemas de otimização modelando os possíveis resultados como se fossem indivíduos de uma “população” e, a partir daí, aplicar operadores inspirados na biologia – mutação (modificar aleatoriamente um resultado) e crossover (obter um resultado a partir da combinação de outros dois) – para gerar novos “indivíduos” a partir dos antigos (i.e., novos resultados) e, selecionando iterativamente os melhores, fazer com que a “população” convirja em torno do melhor “indivíduo”, que vai ser então o melhor resultado e, portanto, a solução para o problema. Para quem quiser visualizar isso, tem um interessante Applet na internet que mostra como funciona.

Acontece que, lá na Universidade, surgiu-me uma dúvida terrível, cuja resposta eu não lembrava a partir das minhas aulas da graduação: como impedir a “população” de diminuir? Porque a operação de crossover – segundo lembrava – pega dois resultados e gera um único novo, combinado a partir dos dois: assim, o espaço de resultados que se está analisando cai pelo menos à metade a cada nova “geração”, o que torna impossível fazer um algoritmo exploratório decente. Pensando melhor agora, depois de almoçar, acho que me equivoquei de manhã: se não me engano, o crossover gera dois resultados “filhos” a partir dos dois “pais” e, assim, mantém a população estável.

Não diminuir o número de indivíduos da população é uma necessidade dos algoritmos genéticos, a fim de que eles funcionem a contento. Esta necessidade é óbvia e salta aos olhos quando se imagina um problema concreto. Não dá para modelar virtualmente nada, caso as operações de crossover troquem sempre dois resultados por um, a cada iteração, e este escoamento de espaço exploratório não seja compensado de alguma maneira. Por qual motivo, então, é tão difícil para as pessoas do século XX entenderem que elas não podem ter somente um filho?

Provavelmente, porque elas estão sendo, cada vez mais, condicionadas a seguirem os instintos em detrimento da razão. O que será a banalização do sexo que vemos nos nossos dias, se não a imposição do “prazer pelo prazer” sobre o “prazer ordenado”? A defesa da moral sexual católica é complicada, porque o terreno de combate é-lhe desfavorável. As pessoas, via de regra, não estão interessadas em saber se a posição católica tem argumentos coerentes: querem saber se ela é “prazerosa”, como a pagã se apresenta.

Exemplo do cachorro de Pavlov moderno: quando eu vinha para o trabalho, estava tocando uma música (que depois descobri ser da Banda Djavú) que dizia: “pega, pega, pega, pega, pega e não se apega, beija mas não se apega, pega e não se apega. Se der mole na balada eu vou pegar geral: a moda é beijar e tchau tchau” (!). Ora, se os processos intelectivos aprendidos pela juventude resumem-se ao estímulo (“pega, pega, pega”) e ao prazer (a relação casual na “balada” ao som de “pega, pega, pega”)…  como é possível falar de castidade e matrimônio? O próprio terreno onde se está pisando é distinto: o condicionamento é “dançar e pegar”, ao invés de ouvir e pensar.

As pessoas deveriam aprender Algoritmos Genéticos antes de ouvirem a Banda Djavú (sim, o nome ridículo é exatamente esse). Deveriam aprender a submeter os instintos à razão, quando eles ainda são dóceis, e as paixões ainda não estabeleceram império sobre o resto do homem. Deveriam ser mais interiores e menos voltadas para o exterior. Mas como isso é possível, se até mesmo andando para o trabalho você não consegue evitar ouvir o hipnótico “pega e não se apega”…?