Carta aberta para todos os cristãos – pe. Eugenio Maria

Com um pouco de atraso, publico – na íntegra – a corajosa “Carta aberta a todos os cristãos” do revmo. pe. Eugenio Maria, FMDJ. Os negritos e itálicos são do original que recebi, por email. O reverendíssimo sacerdote fala sobre diversos assuntos, com extrema pertinência e um raro poder de concisão. Em particular, a seguinte fase sobre o celibato é lapidar, e bem poderia ser gravada em letras garrafais na entrada de todos os seminários, e enviada para todos os “católicos” que militam pela abolição desta santa disciplina:

O problema verdadeiro é que o celibato vai contra a idéia que existe hoje de um sexo “não repressivo”, um sexo “sem preconceito” e a persistente existência do celibato é uma censura para o mundo ocidental hedonista.

Segue a carta. E que, neste ano sacerdotal, a Virgem Santíssima nos conceda santos sacerdotes.

* * *

Na carta aos cristãos da Irlanda o Papa fala para uma Igreja ferida e desorientada pelas notícias relativas aos padres pedófilos. Denuncia com voz fortíssima os “crimines abnormais”, “vergonha e desonra”, a violação da dignidade das vítimas, um golpe vibrado contra a Igreja “de tal modo a que não tinham chegado nem os séculos de perseguição”. Em nome da Igreja “exprime abertamente vergonha e remorso”. Enfrenta o problema do ponto de vista do direito canônico, reafirmando com força, como foi a “falta de aplicação” por parte de alguns Bispos e não as suas normas, a causar tanta vergonha. Assim como também a vida espiritual dos sacerdotes, cujo desleixo está na raiz do problema, e aos quais o Santo Padre pede a volta através da Adoração Eucarística, das Santas Missões e da prática freqüente da confissão. Se estes remédios forem tomados a sério, é possível que a Providência, que sabe tirar o bem também do mal, poderá, neste Ano Sacerdotal, levar os sacerdotes “para uma estação de renascimento e renovação espiritual”, mostrando ao mundo que “onde abundou o pecado superabundou a Graça” (Rom.5,20). Doutro lado, ninguém deve pensar que esta penosa situação possa resolver-se em tempo breve.

Todavia, o Papa oferece elementos de interpretação desse problema, que certamente não é especifico nem da Irlanda nem da Igreja. Bento XVI indica “os graves desafios à fé, nascidos de uma rápida transformação e secularização da sociedade irlandesa”. “Verificou-se – explica o Papa – uma rápida mudança social, que muitas vezes atingiu com efeitos hostis a tradicional adesão do povo ao ensinamento e aos valores católicos”. Daí começou uma rápida descristianização da sociedade que entrou também no interior da Igreja: “a tendência também por parte de sacerdotes e religiosos, de adotar modo de pensamento e de julgamento da realidade secular, sem suficiente referimento ao Evangelho”. O programa de renovação proposto pelo Concilio Vaticano II foi às vezes mal interpretado. Muitas vezes, as práticas sacramentais e devocionais que sustêm a fé e as tornam capazes de crescer, como, por exemplo, as confissões freqüentes, as orações cotidianas e os retiros anuais, foram abandonados. É neste contexto geral de “enfraquecimento da fée de perda de respeito pela Igreja e pelos seus ensinamentos que devemos compreender o desconcertante problema do abuso sexual sobre os menores.

E o Papa Bento continua na sua reflexão: É verdade que as normas do Direito Canônico foram violadas, é verdade também que a vida de piedade de muitos sacerdotes ficou morna; por que isso aconteceu? E o Papa volta a falar de uma incompreensão dos documentos do Concilio Vaticano II por parte do Clero e, de modo especial, pelos Bispos, principais responsáveis pelo rebanho a eles confiado, que levou a uma secularização não só do mundo, mas também da Igreja. De fato, está claro para todos que existiu um relaxamento no crer, no se sentir Igreja e no comportamento dos cristãos. Desde o divórcio ao aborto e à homossexualidade, os governos e as leis que os regem não respeitam mais os preceitos das Igrejas Cristãs.

O ano de 1968 parece o tempo de uma perturbação dos costumes, que iniciou escavando sulcos profundos não somente na sociedade, mas também dentro da Igreja e, de fato, foi propriamente em 1968 o ano da dissensão pública contra a Encíclica “Humanae Vitae” de Paulo VI. O que houve de errado? Para mim, aquela tomada de posição até de eclesiásticos gerou uma crise de autoridade da qual dificilmente existirá retorno.

No inicio dos anos 90, um teólogo católico podia escrever que a “revolução cultural” de 1968 não foi um fenômeno que se abateu fora da Igreja, ao contrário, essa revolução foi preparada e introduzida pelos fermentos post-conciliares do catolicismo; se assim não fosse “permaneceriam incompreensíveis as crises e os fermentos internos do catolicismo post-conciliar”. O Teólogo em questão era o Cardeal Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé.

Várias hipóteses se deram a respeito daquele fenômeno, entre outras aquela de Alan Gilbert, segundo o qual a revolução dos anos 60 foi o boom econômico, que contribuiu para afastar as pessoas das Igrejas; e aquela de Callum Brown, segundo o qual foi decisiva a difusão da ideologia feminista, do divórcio, da pílula anticoncepcional e do aborto.

Na minha modesta opinião, somente esses fatores não poderiam explicar uma revolução tão grande. Sem dúvida alguma contribuiu o boom econômico e o feminismo, mas também aspectos mais estritamente culturais presentes fora da Igreja e dentro das comunidades cristãs, como o encontro entre “marxismo e psicanálise” e o nascer das “novas teologias”.

Bento XVI, na sua carta se mostra consciente de que existiu uma verdadeira revolução não menos importante que a Reforma Protestante e a Revolução Francesa, que foi rapidíssima e que assestou um duro golpe na tradicional adesão do povo ao ensino e aos valores católicos.

No Brasil tivemos um grande pensador católico, que não é muito apreciado pela maioria dos intelectuais católicos de esquerda, como também por vários Bispos da teologia da libertação, Plínio Corrêa de Oliveira, que falou de uma quarta revolução que penetrou “in interiore homine” capaz de desorganizar não só o corpo social, mas até o corpo humano.

A Igreja Católica não conseguiu entender a gravidade desta revolução que contagiou, segundo Bento XVI, “também sacerdotes e religiosos”, determinou incompreensões na interpretação do Concilio e causou uma “insuficiente formação humana e espiritual nos seminários e nos noviciados”. É claro que nem todos os sacerdotes e religiosos não formados suficientemente caíram na homossexualidade ou na pedofilia: sabemos com certeza absoluta, estatísticas nas mãos, que uma minoria verdadeiramente exígua caiu em tal depravação, embora gostássemos que fosse zero o número de homens da Igreja que se mancharam de tais graves delitos.

Mas a história da Quarta Revolução da qual falamos é importante para entender o que aconteceu depois, pedofilia inclusa e para encontrar remédios concretos.

Se esta revolução, como falava Plínio Corrêa de Oliveira, à diferença das precedentes revoluções, é moral e espiritual e toca, portanto, a interioridade do homem, então, somente da restauração da vida espiritual e de uma verdade integral da pessoa humana, poderão brotar os verdadeiros remédios. Para fazer isso, não bastam sociólogos, psicólogos e psiquiatras, são necessários Padres, Mestres e educadores Santos. Necessitamos do Papa, deste Papa que ainda uma vez diz a verdade na Caridade e pratica a caridade na verdade!

A questão dos padres e dos religiosos que abusaram de menores está ocupando muitas páginas dos jornais e também tempo da televisão. Justamente ficamos indignados por tais obscenidades e certamente aqueles que não vigiaram atentamente o rebanho que o Senhor Jesus lhe tinha confiado, Cardeais, Bispos, Superiores, padres espirituais, mestres dos noviços… deveriam igualmente ser punidos com extrema severidade (não basta trocar de paróquia,  para fazer-nos entender…). Dito isso, paremos de acusar sempre o mesmo imputado: a Igreja Católica e olhemos seriamente de onde vem a maioria absoluta desses fatos devassos.

Partamos da realidade e coloquemos de lado a ideologia. A pedofilia, infelizmente, sempre existiu como forma de perversão de algumas personalidades doentes. No século XV, na França, foi celebérrimo o acontecimento de Gilles de Rais: homem de origem nobre lutou ao lado de Joana dArc, confessou ter cometido repetidamente violência e abusos de menores. Gilles, verdadeiramente arrependido, caminhou contente para o patíbulo. Depois dele os pedófilos continuaram a existir, mas com um inegável crescimento neste último período da história; dizem-no as crônicas e os tribunais de menores. As violências contra menores, até bebês, são feita por pais, padrastos, madrastas, tios e amigos da família.

A explicação desse aumento, eu acredito que está certamente nesta nossa cultura sempre mais decadente, no qual o sexo se torna mania, uma obsessão contínua: é transmitido a cada momento do dia na TV, nos jornais, na internet, entra nas escolas onde à criança de quarta série se fala do ato sexual, encobrindo tudo como educação sexual. Doloroso é depois para mim aqueles programas que utilizam as crianças nos seus espetáculos de show: meninos metidos a pequenos divos, empenhados em cantar canções sedutoras se não até transgressivas. Obrigado Marta Suplicy por este progresso que tanto decanta cada vez que se torna a “paladina” dos gays, lésbicas e simpatizantes. Obrigado pela cultura que oferece aos brasileiros.

Queremos sempre fingir que a pedofilia seja o problema de alguns padres e não da sociedade como um todo. Queremos somente focar nos 17 casos de violência contra menores cometidos por religiosos e denunciados pelo governo austríaco e fazer de conta que não existem os outros 510 casos denunciados pelo mesmo Governo, cometidos por leigos nos mais diferentes ambientes? Assim como na Alemanha, desde 1995 foram denunciados 210 mil casos de abusos e somente 95 são imputáveis a religiosos. Dos outros silenciamos, não queremos fazer justiça? Será porque estão implicadas personalidades públicas e da política?

O “Corriere della Sera on line” do mês de março de 2010 apresentou 500 sites web com violências sexuais contra menores, de 3 a 12 anos, em menos de duas horas, denunciados pela associação “Meter onlus”, de um sacerdote italiano, que tive a honra de conhecer Don Di Noto, que há anos combate contra a pedofilia. Isso para dizer que na rede internet circula sempre com maior freqüência esse material pornográfico que leva muitas mentes fracas à emulação e que são origens de muitas ações criminais. Contudo, não se fala muito dessas coisas, aliás, parece que não interessam a ninguém: nem aos jornalistas nem aos políticos.

Da mesma maneira, ninguém se indignou quando, na Holanda, nasceu o partido dos pedófilos. A Holanda, como se sabe, é um país extremamente livre, extremamente laicizado, talvez por isso se possa perdoar-lhe tudo: da invasão islâmica, à droga livre, ao divórcio relâmpago, à perversão sexual difusa. Contudo, o nascimento do NVD (amor do próximo, liberdade, diversidade), devia fazer-nos refletir mais. Tal partido, de fato, reivindica a difusão na TV de pornografia (infantil e não) também durante o dia e a liceidade do sexo com meninos e animais, como simples variações dos gostos sexuais do tipo: você gosta assim, eu gosto assado!

Talvez não seja a mesma mensagem mais ou menos veiculada por muitos políticos da teoria do “gender”? Não é aquilo que se ouve dizer sempre mais vezes, isto é, que ninguém tem o direito de dizer o que é o amor verdadeiro, o que é família, o que é moral e o que não é? Não se diz sempre mais freqüentemente que ninguém tem o direito de limitar a livre sexualidade de qualquer pessoa? O relativismo triunfante de hoje afirma exatamente isso, muitas vezes contra aquela que chamam de a sexo-fobia católica. Não finjamos não entender!

No fim destas breves considerações sobre uma certa cultura atual que defende qualquer liberdade sexual, inclusive a pedofilia, seríamos hipócritas se ficássemos pasmos diante dos atos de pedofilia. Estudei em uma escola católica que tem hoje mais de cem anos e nunca ouvi falar de algum abuso sexual; contemporaneamente, era um fato conhecido que em uma escola estatal os professores faziam entender às moças, que apreciavam e premiavam as “mini saias”, que tinham comportamentos ambíguos e faziam apreçamentos pesados em voz baixa e, às vezes, em voz alta. O Cume destes acontecimentos foi o caso de um professor que teve um relacionamento sexual com uma aluna que depois se suicidou. Aquele professor, por anos, continuou a lecionar naquela escola, sem que ninguém o perturbasse. Naquela mesma escola, um sacerdote que ensinava religião, foi acusado de ter inclinações pedófilas. Uma senhora se apresentava todos os dias na frente da escola para acusá-lo. Explicou aos juízes, que a condenaram por mentiras e moléstias, que tinha conhecimento de tudo isso, pessoalmente, por Nossa Senhora, durante uma aparição. Mas, no entanto, o coitado do padre, reconhecido inocente, saiu em todos os jornais e na boca de todo mundo, tanto que teve que deixar o ensinamento.

Atentos, portanto, porque existem os pedófilos e hoje em dia, eis o progresso, também uma forte cultura pró-pedofilia veiculada quase que livremente! Mas existem também e em abundância os mitômanos, e aqueles que entenderam depressa que, com certas acusações, se destroem pessoas e se ganha dinheiro fácil.

Tornou-se moda sustentar que os escândalos dos abusos sexuais que atualmente afligem a Igreja, seja a maior crise desde o tempo da reforma protestante. No meu modesto parecer, os problemas dos abusos é somente uma pequeníssima parte da crise muito maior que arrastou a Igreja, depois do Vaticano II, que não foi entendido pela maioria dos Bispos e que se tornou algo de sério para ser consertado.

Abolir o celibato? A última coisa que um padre que abusa de coroinhas necessita e queira é ter uma mulher: Não existe nenhum celibato obrigatório na Igreja Anglicana, mas isto não impediu casos de pedofilia também ali. O problema verdadeiro é que o celibato vai contra a idéia que existe hoje de um sexo “não repressivo”, um sexo “sem preconceito” e a persistente existência do celibato é uma censura para o mundo ocidental hedonista; assim, o Vaticano deve ser persuadido a aboli-lo – como deve abolir a condenação do divórcio, da contracepção, da homossexualidade e de todos os outros fetiches da sociedade liberal.

As vítimas irlandesas ficaram desiludidas com a carta do Papa. Elas estavam desiludidas antes ainda de lê-la, antes que fosse escrita. Qualquer outra resposta diminuiria o poder que podem brandir contra a Igreja. Têm uma legitima razão para reclamar? Na maioria dos casos, sim. Elas têm um feroz ressentimento contra a “sujeira” (termo inventado por Bento XVI muito antes que começasse a pressão da opinião pública) que os ofendeu e os tratou como animais.

Como podia o clero transgredir tão gravemente a doutrina da Igreja? Quais doutrinas? Estes reatos tiveram lugar no sulco do Vaticano II, quando as doutrinas foram jogadas fora como lixo. Uma vez que se desonra o Corpo Místico de Cristo, sujar os coroinhas se torna fácil.

Os Sacramentos e as práticas devocionais “descuidados”; eles foram afrouxados ativamente por Bispos e sacerdotes a favor de pequenas comunidades de base, de confissões comunitárias que não tinham nenhum valor sacramental, da teologia da libertação de cunho marxista. Neste período que vivi inicialmente aqui no Brasil, existia um só pecado mortal na Igreja Católica: ousar olhar para a tradição milenária da Igreja. Um sacerdote que abusasse de um coroinha seria trocado de paróquia, mas para um sacerdote tradicionalista existia somente zombaria e até, se não agüentava, devia procurar-se uma nova Diocese. Nos seminários se ordenavam jovens padres “simpáticos’ que soubessem cantar, dançar e ganhar dinheiro… naturalmente para o bem dos pobres….. Não existia uma catequese séria de cunho doutrinal. Aquela foi uma geração, totalmente ignorante na fé, que na Irlanda alcançou a prosperidade material. Inicialmente eles ainda freqüentavam a Missa (ou aquela que era oferecida como Missa) somente por conformismo social. Depois os abusos sexuais deu aos agnósticos irlandeses a desculpa perfeita para a apostasia: dezena de milhares de pessoas que nunca foram abusadas, nem que conhecessem alguém que tivesse sido abusado, encontraram a desculpa para ficar na cama no domingo de manhã. Devemos confessar com profundo pesar, que foi por culpa da Igreja progressista a perda do significado do domingo como dia do Senhor, como tinha trovejado da Catedral de São Lourenço o então Cardeal Siri. E todos percebemos isso. Assim, hoje em dia, não se vai mais à Missa nem no sábado nem no domingo e, secularizando o domingo, abrimos as portas ao mundo, para não fazer mais descansar os trabalhadores. De fato os patrões se aproveitaram desta brecha para abrir lojas e supermercados também aos domingos, sem nenhuma culpa na consciência.

Os sacerdotes pedófilos não são os únicos a ser hipócritas. “Eu estou tão aborrecido com os escândalos dos abusos sexuais que estou deixando a Igreja”. Mas muito bem. Assim pelo fato de que alguns degenerados – que nunca deveriam ter sido ordenados – abusaram de jovens, significa que o Filho de Deus não veio sobre a terra para redimir a humanidade sobre a Cruz e fundar a Igreja? Este escândalo terrível compromete as verdades de fé mais do que a carreira de Alexandre VI ou de qualquer Papa corrupto da época do Renascimento.

Os Bispos deveriam ser constringidos a se demitir? Certamente, pelo menos 50% deles no mundo inteiro. Bispos, com suas mitras pseudo étnicas, acompanhados por padres que celebram a Eucaristia com indumentária africana e jogando pipoca, outros com paramentos em poliéster, com símbolos  naif que pregam sermões sem sentido algum, prejudicaram a Igreja mais do que os abusos sexuais: extinguiram a fé católica com suas fatuidades modernistas. Esses Bispos deveriam ser presos e fechados em mosteiros e passar o restante de suas vidas pensando como dar conta a Deus de sua missão fracassada e que custou milhões de almas perdidas para eternidade.

Bento XVI deveria aproveitar a vantagem desta onda popular de aversão contra este episcopado falido, para demiti-los; deveria chamar os Núncios Apostólicos e os Presidentes de cada Conferência Episcopal para esclarecer, de uma vez para sempre, as diretrizes a serem tomadas: “tolerância zero”! Seria uma oportunidade única para abater o pastor mercenário e todos aqueles que obstaculizam a “Summorum Pontificum”.

Com razão o presidente do Senado italiano Marcello Pera, em uma carta aberta, escreveu: “Esta guerra ao cristianismo não seria tão perigosa se os cristãos a entendessem Ao contrário, desta incompreensão participam muito deles. São aqueles teólogos frustrados pela supremacia intelectual de Bento XVI. Aqueles Bispos incertos que pensam que um compromisso com a modernidade seria a maneira melhor para atualizar a mensagem cristã. Aqueles Cardeais em crises de fé, que começam a insinuar que o celibato dos sacerdotes não é um dogma e que talvez fosse melhor repensá-lo. Aqueles intelectuais católicos que pensam existir um problema não resolvido entre cristianismo e sexualidade. Aquelas Conferências Episcopais que erram a ordem do dia e enquanto auspiciam a política das fronteiras abertas para todos, não têm a coragem de denunciar as agressões que os cristãos suportam e a humilhação que experimentam em vários lugares do mundo (…) Ou aqueles chanceleres, vindos do leste, que apresentam um belo ministro do exterior homossexual enquanto atacam o Papa sobre qualquer argumento ético, ou aqueles nascidos no Oeste, que pensam que o Ocidente deve ser laico, ou seja, anticristão. A guerra dos laicos continuará, porque um Papa como Bento XVI, que sorri mas que não desvia um milímetro, continua a alimentá-la”.

Penso que chegou o momento de interromper os “mea culpa” e recomeçar com a Apologética, para reconstruir tudo o que foi destruído nestes últimos 40 anos, para enfrentar liberais e secularistas como fizeram muitas gerações de católicos no passado; para proclamar novamente as verdades imutáveis da Única e Verdadeira Igreja de Jesus Cristo.

Pe. Eugenio Maria, FMDJ

São Francisco de Assis, pelo Papa Bento XVI

É interessante notar, por um lado, que não é o Papa quem ajuda para que a Igreja não caia, mas um religioso pequeno e insignificante, que o Papa reconhece em Francisco quando este o visita. Inocêncio III era um papa poderoso, de grande cultura teológica, como também de grande poder político e, no entanto, não é ele quem renova a Igreja, e sim um pequeno e insignificante religioso: é São Francisco, chamado por Deus. Por outro lado, no entanto, é importante observar que São Francisco não renova a Igreja sem ou contra o Papa, mas em comunhão com ele. As duas realidades estão juntas: o Sucessor de Pedro, os bispos, a Igreja fundada sobre a sucessão dos apóstolos e o carisma novo que o Espírito Santo cria nesse momento para renovar a Igreja. Na comunhão se dá a verdadeira renovação.

[…]

O Pobrezinho de Assis havia compreendido que todo carisma dado pelo Espírito Santo deve ser colocado ao serviço do Corpo de Cristo, que é a Igreja; portanto, agiu sempre em comunhão plena com a autoridade eclesiástica. Na vida dos santos não há contraposição entre carisma profético e carisma de governo e, se houver alguma tensão, estes sabem esperar com paciência os tempos do Espírito Santo.

[…]

Neste Ano Sacerdotal, quero também recordar a recomendação dirigida por Francisco aos sacerdotes: “Ao celebrar a Missa, ofereçam o verdadeiro sacrifico do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, pessoalmente puros, com disposição sincera, com reverência e com santa e pura intenção” (Francisco de Assis, Escritos). Francisco mostrava sempre um grande respeito pelos sacerdotes e recomendava respeitá-los sempre, inclusive no caso de que pessoalmente fossem pouco dignos. A motivação do seu profundo respeito era o fato de que eles receberam o dom de consagrar a Eucaristia. Queridos irmãos no sacerdócio, não nos esqueçamos jamais deste ensinamento: a santidade da Eucaristia nos pede que sejamos puros, que vivamos de maneira coerente com o Mistério que celebramos.

Bento XVI, Audiência Geral, 27 de janeiro de 2010.

O convento e o altar

Fundação Sarney aluga convento para festa sexy. A notícia é menos chocante do que parece à primeira vista, porque o convento em questão já não funciona como convento há anos; em 1990, ele foi doado pelo então governador do Maranhão à Fundação Sarney. É um prédio histórico no centro histórico de São Luís.

Sarney disse que não sabia nada sobre a festa. Li num comentário do Estadão que era, na verdade, uma festa à fantasia. O mais triste, no entanto, é a dessacralização, o que quer que tenha acontecido no Convento das Mercês.

Aliás, ela começou bem antes. O convento é de 1654. Não sei quando foi que ele fechou as portas; mas um convento vazio é um prédio triste. Mutatis mutandis, aqui em Recife temos muitas igrejas antigas com altares laterais belíssimos que não são mais utilizados: um altar sobre o qual não é oferecido o Santo Sacrifício da Missa é uma coisa muito triste.

Porque trata-se de algo que perdeu a sua finalidade. Se o sal perde o sabor, para mais nada serve senão para ser lançado fora. Se o convento perde as vocações, só serve para prédio histórico estéril (ou, pior ainda, para festas mundanas). Se o altar perde a Santa Missa, só serve para apoiar vasos de flores ou castiçais.

A perda de vocações é algo sintomático e preocupante. Não se dá de repente – como também não é do dia para a noite que o prédio se transforma, de convento, em salão de festas. O sal perde o sabor aos poucos… e, se não percebemos a tempo, o futuro é a festa realizada no prédio histórico.

Tarde demais…? Com o quê será restituído o sabor ao sal? Um sacerdote meu amigo disse-me outra vez que o seu sonho era “ressuscitar altares”, celebrando a Santa Missa nos altares das igrejas onde ela não é celebrada há muitos anos. É um belo sonho. Desejo-lhe muitas ressurreições. Porque, se aos homens é impossível reverter a crise que atravessa a Igreja, a Deus não é impossível. A Deus, nada é impossível.

Por meio da Santa Missa, nada é impossível. O convento e o altar têm muito em comum, ordenados que são ambos a Deus. Ressuscitar os altares é ressuscitar os conventos. Pedir ao Senhor da messe que mande operários é já antecipar os campos repletos de trabalhadores. Deus é fiel. A despeito de nossas infidelidades.

Rezemos ao Altíssimo. Peçamos vocações. Ofereçamos as nossas vidas em desagravo pelas dessacralizações, pelas festas nos antigos celeiros de almas consagradas, pelas flores murchas esquecidas nos altares onde Cristo era imolado. Ele é fiel. E não Se esquecerá do Seu povo. O sal há de recuperar o sabor. O convento e o altar voltarão a servir a Deus. Para a Sua maior glória.

Escutai, senhores bispos do Brasil!

Prezados Irmãos, nos decênios sucessivos ao Concílio Vaticano II, alguns interpretaram a abertura ao mundo, não como uma exigência do ardor missionário do Coração de Cristo, mas como uma passagem à secularização, vislumbrando nesta alguns valores de grande densidade cristã como igualdade, liberdade, solidariedade, mostrando-se disponíveis a fazer concessões e descobrir campos de cooperação. Assistiu-se assim a intervenções de alguns responsáveis eclesiais em debates éticos, correspondendo às expectativas da opinião pública, mas deixou-se de falar de certas verdades fundamentais da fé, como do pecado, da graça, da vida teologal e dos novíssimos. Insensivelmente caiu-se na auto-secularização de muitas comunidades eclesiais; estas, esperando agradar aos que não vinham, viram partir, defraudados e desiludidos, muitos daqueles que tinham: os nossos contemporâneos, quando vêm ter conosco, querem ver aquilo que não vêem em parte alguma, ou seja, a alegria e a esperança que brotam do fato de estarmos com o Senhor ressuscitado.

[Bento XVI, aos bispos da Conferência Episcopal do Brasil dos Regionais Oeste 1 e 2 em visita ad limina apostolorum]

Que primor! Escutai, senhores bispos do Brasil, escutai. É Pedro quem fala, e vai diretamente ao ponto. “Neste deserto de Deus”  – prossegue o Sumo Pontífice – “a nova geração sente uma grande sede de transcendência”.

“Deserto de Deus”! Que expressão dura. Não menos dura que outra utilizada pelo Papa pouco antes: “ambiente eclesial secularizado”. Expressões duras, mas não menos verdadeiras. Escutai, senhores bispos do Brasil, Pedro falar!

Já há muito tempo vivemos no “deserto de Deus”. Já há muito tempo morremos de sede, à míngua, nesta que outrora foi chamada Terra de Santa Cruz. Já há muito tempo temos fome de transcendência, e as migalhas catadas em meio ao lixo que recebemos dos nossos legítimos pastores não nos são suficientes. Já há muito tempo o ar pestilento do “ambiente eclesial secularizado” tem envenenado e envergonhado a nossa Pátria Amada. Já há muito tempo o cheiro de enxofre e a fumaça de Satanás tomaram o lugar do incenso de agradável odor que, um dia, perfumou as nossas igrejas. Escutai, senhores bispos, porque não somos nós que falamos: é Pedro que fala.

“[E]sperando agradar aos que não vinham, viram partir, defraudados e desiludidos, muitos daqueles que tinham”… que frase espetacular! Escutai, senhores bispos, escutai: há aqueles que não vêem. E não adianta tocar fogo na Igreja em atenção a eles. Não adianta conspurcar o leito conjugal com as prostitutas. O Bom Pastor vai atrás da ovelha tresmalhada, sim, mas entendei, senhores bispos, que os porcos não fazem parte do aprisco do Senhor. Os porcos, exorcizam-se. E não é resfolegando na lama que os senhores bispos ireis trazer de volta os que não querem ser católicos. Escutai, senhores bispos, e entendei: agindo assim, só vereis partir muitos daqueles que tendes. Escutai, senhores bispos, porque é Pedro quem fala, e não nós!

Rezemos pelo clero. Em especial, pelo episcopado. E rezemos pelo Papa. Peçamos ao Senhor – de joelhos! – pela conversão dos pecadores, liberdade e exaltação da Santa Madre Igreja.

A viúva e a Virgem

Quia hodie nomen tuum ita magnificavit, ut non recedat laus tua de ore hominum, qui memores fuerint virtutis Domini in aeternum (Jd 13, 25a).

Hoje a Igreja celebra a festa da Assunção, em Corpo e Alma, da Virgem Santíssima ao Céu. As palavras em epígrafe, retiradas da epístola da missa (tridentina) de hoje, foram dirigidas a Judite muitos anos antes do nascimento de Cristo. Mas elas são, no entanto, o eco vetero-testamentário de outras palavras que – estas, sim! – nós conhecemos muito bem: ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes (Lc I, 48b). Judite é – nas palavras do Papa Leão XIII – a “ilustre heroína em quem era figurada a Virgem Maria” (Encíclica Superiore Anno, 3).

Fazendo este paralelo entre a notável filha da Sinagoga e a gloriosa Mãe da Igreja, diz-nos ainda Leão XIII uma outra coisa muito interessante: Judite é aquela “que conteve a impaciência dos judeus, os quais, na sua estultícia, queriam a seu arbítrio fixar a Deus o tempo para socorrer a cidade” (id. ibid). A história é interessante: os assírios estavam em guerra contra os judeus, e Holofernes, general dos exércitos dos assírios, estava cercando Betúlia, cidade judia. Após o cerco ter se apertado, quando os judeus não tinham mais água, cogitaram se entregar e levaram as suas lamúrias a Ozias, chefe da cidade, ao que ele respondeu: “[t]ende bom ânimo, irmãos, e por estes cinco dias esperemos a misericórdia do Senhor. Talvez se aplaque a sua ira e dê glória ao seu nome. Mas se, passados estes cinco dias, não nos vier socorro, faremos o que vós dissestes” (Jd 7, 23b-25).

Judite, viúva, que “tinha muito temor de Deus e não havia ninguém que dissesse dela uma palavra em desfavor” (Jd 8, 8b), indigna-se com este proceder e censura os anciãos da cidade: “[q]ue palavra é esta, com a qual concordou Ozias, de entregar a cidade aos assírios, se dentro de cinco dias vos não viesse socorro? E quem sois vós, que tentais o Senhor? (…) Vós fixastes um prazo à misericórdia do Senhor e ao vosso arbítrio lhe assinastes o dia” (Jd 8, 10b-11. 13). O resto da história é bem conhecido: a valente viúva sai da cidade sitiada, vai ao encontro do acampamento inimigo, engana os assírios e, quando tem oportunidade, corta a cabeça de Holofernes e a leva de volta a Betúlia, inflamando assim o ânimo dos judeus ao mesmo tempo em que espalha o terror sobre as tropas assírias, que fogem quando os soldados de Israel precipitam-se sobre elas.

Mas meditemos um pouco sobre a “impaciência dos judeus” e que é, em última instância, a impaciência de toda a raça humana. A tentação de que o socorro nos venha quando e como queremos espreita-nos dia e noite, e é preciso ter cuidado para não sucumbirmos diante dela – para não fazermos as coisas do nosso jeito. Árduo trabalho o de encontrar a vontade de Deus nas coisas das nossas vidas! Não fosse por Judite, como saber se não era da vontade do Altíssimo que Betúlia se entregasse? O que mais angustia na história é ver que o clamor do povo judeu diante de Ozias parece-nos mais sensatez do que estultícia. Tinham resistido. Tinham sido fiéis. No entanto, estavam à míngua. Por que não mudar as disposições iniciais, que tinham falhado tão miseravelmente…?

Resposta difícil! E eu arriscaria dizer até mais: humanamente impossível. Na verdade, precisamos – tal como os judeus daquela época – de alguém que contenha a nossa impaciência e faça, por nós, o que nós próprios não podemos fazer. Que nos dê a vitória quando tudo pareça estar perdido. Que não nos permita agir por conta própria, por mais que a situação se nos apresente sem saída. Precisamos de uma Judite. E Deus, em Sua infinita misericórdia, deu-nos Alguém que é muito maior do que Judite, Alguém junto a qual a ilustre viúva é menos que sombra. Deu-nos o Altíssimo a Sua própria Mãe.

Deu-nos a Virgem Santíssima, Aquela que esteve de pé diante da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, que soube esperar os três dias nos quais o Seu Divino Filho esteve no sepulcro, sem jamais desesperar. Diante do drama da Paixão de Cristo, as guerras judaicas parecem insignificantes: o que é uma cidade sitiada cujo povo passa sede, perto do filho de Deus morto no túmulo frio? Dir-se-ia o mundo inteiro sitiado pelas hostes do inferno, e as almas sedentas da Graça de Deus sem terem onde A encontrar. Mas a Virgem Santíssima não desesperou. Acheguemo-nos a esta Mulher admirável e, aos Seus pés, despejemos as nossas inquietudes e impaciências: se uma viúva salvou o povo judeu dos assírios, temos aqui conosco uma Virgem que é maior do que Judite; não poderá Ela nos salvar? O que são os problemas de hoje diante do corpo sem vida de Deus pendente de uma Cruz? Aquela que pôde sustentar a Igreja nascente enquanto Nosso Senhor descia aos infernos, acaso não poderá sustentar a Igreja de hoje na crise que Ela atravessa?

Que seja em nosso favor Aquela que trouxe ao mundo o Salvador do mundo, que trouxe em Seu seio Aquele que nem mesmo os Céus puderam conter, que venceu sozinha todas as heresias do mundo inteiro, que o próprio Deus coroou como Rainha dos Céus e da Terra. Que seja em nosso favor Aquela que, sob o júbilo de todas as cortes celestes, foi assunta aos Céus em corpo e alma. Que seja em nosso favor a Bem-Aventurada e Gloriosa Sempre Virgem Maria, pois sem Ela pereceremos sem dúvida alguma e, com Ela, nada nos poderá abalar. Assumpta est Maria in Caelum, alleluia – o Regina in Caelum assumpta, ora pro nobis.

Oração Abrasada – São Luís de Montfort

Um amigo teve a gentileza de enviar, para uma lista de emails da qual participo, esta preciosa oração que, agora, disponibilizo para os leitores do Deus lo Vult!:

Oração Abrasada – São Luís Maria Grignion de Montfort

A despeito de ser longa, vale muito a pena rezá-la, com fé e confiança na Providência de Deus que não abandona jamais os Seus filhos. Vale particularmente rezá-la nestes tempos de crise, de incêndio na casa de Deus, onde quase não vemos saída e somos tentados ao desespero. Deus cuida de Sua Igreja e, se parece dormir, não tardará a que Se levante.

[…]

E Vós, grande Deus, embora haja tanta glória, doçura e proveito em servir-Vos, quase ninguém tomará o Vosso partido? Quase nenhum soldado se alistará sob Vossos estandartes? Quase nenhum São Miguel clamará no meio de seus irmãos, cheio de zelo pela Vossa glória: Quis ut Deus?

Ah!, permiti-me bradar por toda parte: fogo, fogo, fogo! Socorro, socorro, socorro! Fogo na casa de Deus, fogo nas almas, fogo até no santuário! Socorro, que assassinam nosso irmão; socorro, que degolam nossos filhos; socorro que apunhalam nosso bom Pai!

Qui Domini est jungatur mihi: que venham todos os bons sacerdotes espalhados pelo mundo cristão, quer os que estejam atualmente no combate, quer os que se tenham retirado da confusão da batalha para os desertos e ermos; que venham esses bons sacerdotes e se unam a nós, vis unita fit fortior, a fim de formarmos, sob o estandarte da Cruz, um exército em boa ordem de batalha e bem disciplina, para de concerto atacar os inimigos de Deus que já tocaram a rebate: sonuerunt, frenduerunt, fremuerunt, multiplicati sunt.

Dirumpamus vincula eorum et projiciamus a nobis jugum ipsorum. Qui habitat in caelis irridebit eos. Exsurgat Deus et dissipentur inimici eius! Exsurge, Domine, quare obdormis? Exsurge.

Erguei-Vos, Senhor! Por que pareceis dormir? Erguei-Vos em Vossa onipotência, em Vossa misericórdia e em Vossa justiça, para formar-Vos uma companhia seleta de guardas que velem a Vossa casa, defendam Vossa glória e salvem Vossas almas, a fim de que haja um só rebanho e um só pastor, e de que todos Vos rendam glória em Vosso templo: et in templo eius omnes dicent gloriam. Amém.

Se Obama fosse Papa

Comento com um pouco de atraso, mas comento: Hans Küng – “um dos teólogos católicos mais importantes da atualidade”, segundo uma notícia publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – saiu nos últimos dias com uma das idéias mais estapafúrdias que eu já vi no clero católico: “se Obama fosse Papa”, artigo publicado na Adital. Como muito acertadamente comentou um amigo meu, é a maior concentração de clichês contra a Igreja por centímetro quadrado de texto que se poderia encontrar.

A Montfort classificou o texto como “o programa de um Papa Anti-Cristo”; não deixa de ter razão, porque o artigo de Küng é tão estranho à Doutrina Católica que provoca náuseas…

Logo no início, a comparação do Papa Bento XVI com George W. Bush é um grande elogio dirigido ao ex-presidente dos Estados Unidos: Tanto Bush quanto Ratzinger não conseguem aprender nada em matérias de controle de natalidade e aborto, não são propensos a implementar quaisquer reformas sérias, são arrogantes e sem transparência na forma como exercem os seus cargos, restringindo liberdades e direitos humanos.

A última parte da frase é calúnia barata – a menos que o pe. Küng entenda que o aborto é uma “liberdade” e um “direito humano”; afinal, a Igreja Católica é a maior – ou melhor, é a Única – defensora integral da liberdade do homem e dos direitos humanos em sua plenitude e no seu verdadeiro sentido. A que liberdade maior do que a dos filhos de Deus os homens podem aspirar? Quais direitos humanos podem ser mais sólidos e verdadeiros do que aqueles alicerçados sobre a dignidade intrínseca do ser humano que – ainda pecador – é criado à imagem e semelhança de Deus? Não dá para entender as acusações baratas do pe. Küng, que são o oposto mesmo da verdade… afinal, são as ideologias “modernas” que são inimigas da liberdade e dos direitos humanos, e a Igreja de Cristo sempre esteve vigilante, intrépida, fazendo oposição a todas elas e proclamando bem alto o fim último ao qual os homens são chamados. Pobres são as ideologias que estão voltadas para esta terra; enquanto isso, a Igreja acena para o Céu.

Sugere o pe. Küng que o Papa deveria convocar “um concílio ecumênico para promover a mudança de rumo”. A idéia traz uma confissão interessante: é eloqüente que, para os modernistas, o Vaticano II não seja suficiente. É revelador que a Igreja “precise” de um Novo Concílio para que execute a Sua “mudança de rumo”; o que nos deixa entrever que, portanto, a mudança de rumo almejada ainda não aconteceu. Na verdade, o pe. Küng apresenta-se como um exemplo vivo daquilo que o Santo Padre já falou no seu discurso à Cúria Romana no natal de 2005:

A hermenêutica da descontinuidade corre o risco de terminar numa ruptura entre a Igreja pré-conciliar e a Igreja pós-conciliar. Ela afirma que os textos do Concílio como tais ainda não seriam a verdadeira expressão do espírito do Concílio.

Seriam o resultado de compromissos em que, para alcançar a unanimidade, foi necessário arrastar atrás de si e confirmar muitas coisas antigas, já inúteis. Contudo, não é nestes compromissos que se revelaria o verdadeiro espírito do Concílio mas, ao contrário, nos impulsos rumo ao novo, subjacentes aos textos: somente eles representariam o verdadeiro espírito do Concílio, e partindo deles e em conformidade com eles, seria necessário progredir.

Diz exatamente isso o teólogo que queria que Obama fosse Papa: é necessário progredir, é necessário convocar um novo concílio. Podemos assim notar como as palavras do Papa à Cúria Romana fulminam precisamente as propostas do teólogo suíço; e é igualmente revelador que, mais de três anos após a condenação de Bento XVI à “hermenêutica da descontinuidade”, Hans Küng venha a público propôr precisamente esta hermenêutica condenada…

O resto do artigo é um monte de blá-blá-blá, mostrando o “contraste deprimente” entre o presidente dos Estados Unidos e o Chefe da Igreja Católica. Na verdade, de todo este palavrório, é possível perceber que Hans Küng odeia a Igreja à qual pertence e para a qual foi ordenado sacerdote: preferiria uma igreja “aberta ao mundo”, uma igreja de “rumos mudados”, uma igreja “democrática”, e uma igreja que, em virtualmente tudo, é o contrário da Igreja fundada por Nosso Senhor. Não entendo como este péssimo teólogo é ainda considerado como referência para alguma coisa e ainda encontra espaço na mídia – ou, na verdade, até entendo: porque Satanás não dorme, e asinus asinum fricat, e os inimigos de Deus estão sempre ávidos por encontrar munição para os seus maus propósitos e a sua guerra contra a Igreja de Jesus Cristo. Mas non praevalebunt; afinal, passarão céus e terra, passarão modernistas e TLs, passarão veículos de mídia irresponsáveis, passarão teólogos suíços hereges, e a Igreja permanecerá tal e qual sempre esteve, qual Esposa Fiel que é, à espera de Nosso Senhor.

A heresia dentro da Igreja

João Paulo II já disse em 1982 que a heresia se espalhou abundantemente dentro da Igreja.
[Dom Fellay, in Fratres in Unum]

Este texto, da mais recente entrevista do superior geral da FSSPX, aponta uma dolorosa ferida dos nossos tempos modernos: a heresia abundantemente espalhada dentro da Igreja! Não sei – é uma pena! – qual é o pronunciamento original do Papa João Paulo II sobre o assunto; mas sei que é na Ecclesia in Europa que ele fala sobre “apostasia silenciosa” (n. 9). A idéia de fundo é a mesma: refere-se à crise do mundo moderno, à crise do homem, à crise da Igreja.

Falar em “crise da Igreja” exige um grande esforço de precisão de termos. A rigor, a Igreja, o Corpo Místico de Cristo, é Santa e  Santificante, indefectível e, por conseguinte, não é passível de “crises”. Ao se falar em “crise da Igreja”, está-se falando não de um (aliás impossível) defeito da Esposa sem ruga e sem mancha de Nosso Senhor, e sim da, digamos, discrepância entre o que ensina a Igreja e o que crêem (ou fazem) os católicos. A Igreja segue resplandecente a despeito dos pecados dos Seus filhos; no entanto, quando os católicos não agem como deveriam, tudo vai mal, porque os seus pecados acabam por, num certo sentido, impedir que a Igreja seja encontrada tal como Ela é. Os maus católicos não “mancham” a Igreja, mas de certo modo “escondem” a Igreja por debaixo de suas falhas.

O assunto é particularmente grave quando se fala em heresia, porque nós sabemos que ela destrói a Fé e, sem Fé, é impossível agradar a Deus. No estado de heresia generalizada no qual nos encontramos nos nossos dias, é importante (1) entendermos o que isso significa, (2) quais as conseqüências disso e (3) o que pode ser feito para vencer a crise.

À luz do que foi dito acima sobre a Igreja Indefectivelmente Santa e os pecados dos membros da Igreja, a única maneira na qual julgo possível entender a heresia abundamentemente espalhada dentro da Igreja é, primeiro, por meio de uma metonímia, verdadeira sem dúvidas, mas que é uma figura de linguagem e não uma sentença escolástica, onde a Igreja é tomada pelos Seus membros (não é possível haver heresia na Igreja, propriamente, e sim nos membros da Igreja) e, segundo, considerando heresia material e não formal. É possível – e, aliás, é a minha opinião sobre a situação atual – que uma grande parte dos católicos esteja em heresia material, graças à confusão doutrinária reinante nos nossos dias.

“Matéria” e “Forma” são conceitos da filosofia escolástica relativamente simples, mas que são muito confundidos hoje em dia porque o sentido corrente destes termos é o inverso daquele que o Aquinate estabeleceu. “Forma” não é o formato, não é o exterior, e sim – ao contrário – o “interior”, aquilo que faz uma coisa ser o que ele é e não outra coisa diferente; por exemplo, ser formalmente católico é ser verdadeira e propriamente católico, enquanto que o ser materialmente é só – digamos – “aparentar” sê-lo. Hoje em dia, para a maior parte das pessoas, um “católico formal” seria justamente alguém que é católico só exteriormente…

Um herege material católico que profere uma heresia material [p.s.: favor ler estes textos trazidos pelo Felipe Coelho nos comentários, para melhor compreender a questão] seria, portanto, um católico que professasse algum absurdo herético – por exemplo, que todas as religiões têm igual valor salvífico – sem que, contudo, tivesse a pertinácia na negação do dogma que é exigida para que se configure verdadeiramente uma heresia (ou seja, sem aquilo que é necessário para que ele seja propriamente um herege, um herege formal). E é exatamente esta, a meu ver, a situação de muitos católicos hoje em dia, que não são catequizados como convém. Um católico que passou a vida inteira em uma paróquia modernista ou da Teologia da Libertação, e que está sinceramente convencido de que (p. ex.) Nosso Senhor é uma espécie de prelúdio de Che Guevera e o comunismo foi pela primeira vez ensinado na Galiléia há 2.000 anos, sem dúvidas é um herege material profere uma heresia material; mas, muito provavelmente, falta-lhe a pertinácia no erro para que ele seja formalmente herege. Muito provavelmente ele quer ser bom católico; como, no entanto, teve péssimos pastores, ele assimila aquilo que lhe ensinaram e, portanto, não lhe pode ser imputado o delito de negar o ensino da Igreja, exatamente porque o “ensino da Igreja” que lhe foi passado é falsificado e ele provavelmente não o sabe. Em uma palavra, este católico não está excomungado por causa disso.

[Faço um adendo: a heresia pode estar – e, na minha opinião, está de fato – abundantemente disseminada na Igreja neste sentido: membros da Igreja, heresia material. Mas isso não conta para o Papa; não me parece razoável postular que o Papa possa ser herege material e não formal proferir uma heresia material inadvertidamente, salvo algum caso absurdo de perda da razão ou de eleição ao Trono de Pedro de um católico qualquer que já era materialmente herege professava heresias materiais desde sempre. Não sei se uma “Ignorância Doutrinária Invencível” para o Sumo Pontífice é uma impossibilidade teológica, mas é sem sombra de dúvidas uma enorme inverossimilhança; afinal, parece-me lógico que um Magistério [Invencivelmente] Ignorante não poderia produzir senão ignorantes, como um professor que não saiba física não poderia jamais produzir um Stephen Hawking. E uma Igreja Docente que ignorasse a Fé Católica soa-me profundamente absurdo, e implicaria obviamente na perda da Fé Católica no mundo – salvo um caso particularíssimo em que a Fé Católica se encontrasse em algum outro lugar que não na Igreja Docente, o que também considero, se não errôneo, ao menos ofensivo aos ouvidos pios.]

Pois bem, dada esta situação calamitosa, quais são as conseqüências disso? A primeira e mais assustadora, é que as almas vão para o Inferno. “Ah – pode-me dizer alguém -, mas as pessoas não têm culpa de desconhecerem a Doutrina da Igreja”, e com isso pode-se facilmente concordar. Mas as pessoas têm outras culpas e, se não conhecem a Igreja, se não conhecem o Evangelho, se não sabem as coisas que precisam fazer para se salvar, terão muito maior dificuldade em endireitarem as suas veredas. Ao contrário do que parece ser senso comum, parece-me uma evidência gritantemente evidente que não pode, de nenhuma maneira, ser mais fácil salvar-se na Ignorância do que no conhecimento do Deus Verdadeiro. E, se as pessoas não têm conhecimento do Deus Verdadeiro, ainda que não tenham culpa disso, têm menos acesso aos meios ordinários que Deus dispôs para a sua salvação e, por conseguinte, têm maior dificuldade para se salvar.

Além disso, o mundo fica (ao menos parcialmente) privado dos influxos benéficos da Igreja, posto que Ela é sempre, necessariamente, apresentada à humanidade mediante os homens que d’Ela fazem parte. Não Se torna estéril a Esposa de Cristo, mas os frutos que Ela poderia dar simplesmente não vêm aos homens porque os homens não vão até Ela. “Tempo houve” – escreveu Leão XIII – “em que a Filosofia do Evangelho governava os Estados” (Immortale Dei, 28); privando-se as sociedades da Doutrina Cristã, o mundo degenera em barbárie, e então temos a degradação moral da sociedade que hoje contemplamos atônitos.

E, por fim, o que pode ser feito? Em primeiro lugar, rezar, e rezar muito, e fazer penitência pelos nossos pecados, para que o Altíssimo Se compadeça de nós. Sofrer, em segundo lugar, com resignação as adversidades, oferecendo as nossas lágrimas ao Deus Altíssimo em união aos sofrimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz do Calvário. Combater, em terceiro lugar, mas combater os inimigos verdadeiros, nas posições que a Divina Providência assinalou para nós no grande campo de batalha da História, e não em outras; combater o que precisa ser combatido. Só assim a heresia poderá ser extirpada, a Igreja poderá ser conhecida, e o mundo poderá – como disse Nossa Senhora em Fátima – ter um pouco de paz. Só assim as almas poderão ser salvas, e Deus poderá ser glorificado. Que São Miguel Arcanjo nos proteja sempre no combate.

Papa Libério – Patrick Madrid

[Publico um texto que foi enviado por email para a lista Tradição Católica e Contra-Revolução, sobre o Papa Libério. É uma tradução – “meio de fundo de quintal”, como disse a tradutora – de um livro de Patrick Madrid, “Pope Fiction”; tem a sua importância porque joga algumas luzes sobre um período tenebroso da história da Igreja – a crise ariana – com o qual muitas vezes a situação dos nossos dias é (mal) comparada. Leitura interessante e vivamente recomendada; a mensagem original está aqui, sobre a qual fiz apenas umas ligeiras correções tipográficas e de formatação.

O objetivo do artigo é fazer apologética anti-protestantismo, defendendo a infalibilidade papal dos ataques dos hereges seguidores de Lutero. No entanto, presta-se muito bem a uma outra apologética, contra alguns supostos “tradicionalistas” que se esmeram em encontrar, na História da Igreja, alguma (inexistente) situação que possa ser análoga àquela que eles imaginam que a Igreja atravessa hoje; na verdade, em se dando crédito às informações de Patrick Madrid, não há comparação possível – neste aspecto da “perseguição” dos Papas aos “guardiões da Fé” – entre a crise moderna e a crise ariana.]

Papa Libério

Em “Pope Fiction” de Patrick Madrid

“Os católicos afirmam que o papa é infalível em questão de fé e moral, mesmo assim, o Papa Liberio (352-366) assinou o credo ariano, e portanto apoiando o ponto de vista herético a respeito de Cristo. Obviamente, então, a infalibilidade papal é uma falácia.”

O Papa Libério é o primeiro dos três papas “hereges” favoritos, usados por anti-católicos com o objetivo de argumentar contra a infalibilidade papal (os outros dois são Vigilio e Honorio). Supostamente, este pontífice não só manteve uma visão errônea a respeito de Cristo, mas na verdade, apoiou o erro subscrevendo um credo herético. Se isto for verdadeiro, como podem os católicos afirmar a infalibilidade papal?

O século quatro foi um período muito difícil para a Igreja Católica. Apesar de todas as esperanças dos católicos ortodoxos, o concílio de Niceia não pôs fim ao movimento Ariano. Pelo contrário, o bonde ariano ganhou velocidade e um monte de passageiros novos. Especialmente quando o imperador “Constantius” tomou para si a tarefa de propagar o Arianismo por todo o império. Os seus esforços colocaram o imperador em conflito direto com Atanásio, o bispo de Alexandria e um ferrenho defensor da ortodoxia. Constantius foi capaz de conquistar um forte apoio eclesial contra Atanásio. Para infelicidade de seus planos malignos, ele não conseguiu persuadir o Papa Libério, o “altamente importante” bispo de Roma. O tamanho do esforço que ele fez para influenciar Libério é evidência forte da importância óbvia que o papa tinha, mesmo na Igreja antiga.

O Papa Libério, como Atanásio, manteve firmemente o credo do Concílio de Niceia. Isto, para ele, era o teste final da ortodoxia. Não só ele concordava com o grande bispo de Alexandria a este respeito, mas também mostrou seu apoio endossando uma carta assinada por setenta e cinco bispos egípcios que apoiavam Atanásio. Da mesma forma, o Papa Libério rejeitou uma carta enviada pelo imperador e vários bispos hereges que insistiam que ele condenasse Atanásio. A última gota para Constantius foi a rejeição do Papa Libério de um enorme suborno (e também da concomitante ordem do imperador ariano de que o Papa “entrasse na linha”).

Constantius, num ataque de ira, mandou prender Libério e levá-lo para Milão a fim de ser apresentado diante dele em 357 d.C.. O imperador tentou todos os meios de pressão para forçar Libério a submeter-se à sua vontade e a condenar Atanásio, mas o bispo de Roma resistiu. Finalmente, sem nenhum sucesso, Constantius baniu Libério para o exílio em Trácia (Bulgária, Turquia, Grecia).

Até aqui, a maioria dos estudiosos concordam sobre os acontecimentos básicos. Porém é aqui que surgem as verdadeiras questões. Depois de dois anos de prisão, exílio e intimidação, Libério foi solto e pôde voltar para a Sé em Roma. Por que ele foi repentinamente libertado? Ele cedeu finalmente e assinou o credo herético, condenando Atanásio? Ou o imperador percebeu a futilidade de mantê-lo preso? Existe evidência para as duas coisas.

Um número de contemporâneos da época, Sto Atanásio um deles, afirmaram que Libério de fato cedeu e assinou o credo falho. Mas não podemos nos esquecer que estava sob extrema coerção, mentalmente e fisicamente, e estava sendo ameaçado de tortura e de ser executado caso não assinasse. Só por esta razão, o Papa Libério não pode ser considerado totalmente responsável por ter cedido. É verdade, ele poderia ter sido mais corajoso e mais forte, mas é fácil falar quando não se está em situação semelhante. Não podemos nos esquecer a importante dimensão humana deste caso. Muitas pessoas se imaginam sendo resolutamente corajosas diante da tortura ou da morte caso sua fé cristã seja desafiada. Mas quando chega a hora, o comportamento real pode ser bem diferente daquele que se esperava ter. E quando forçados a fazer algo errado através de coerção e ameaças de violência ou morte, a pessoa não é culpada do ato como teria sido se tivesse toda liberdade. Não é diferente
com o Papa Libério.

Enquanto Atanásio manteve firmemente a posição de que Libério tinha cedido e revertido sua opinião, ele (Atanásio) não estava em condições de conhecer todos os fatos. Ele estava escondido naquela época e não tinha à sua disposição as melhores informações a respeito do assunto (John Chapman, O.S.B. – Enciclopedia Catolica) . Da mesma forma, S. Jerônimo acreditava que Libério cedeu sob pressão, embora sua posição era baseada numa série de cartas que são hoje consideradas falsas. O próprio ariano, “Philostorgius”, se uniu à S. Jerônimo. O historiador antigo Sozomen afirmou que Libério assinou vários credos, mas nenhum deles era explicitamente herético; no pior dos casos, eles eram ambíguos em sua Cristologia.

Um historiador da Igreja (John Chapman, O.S.B. – Enciclopedia Catolica) explica as razões para acreditar na inocência de Libério com relação a esta acusação:

“Pode parecer que quando Sto. Hilario escreveu seu livro ‘Adversus Constantium’ em 360, pouco antes do seu retorno do exílio no Oriente, ele acreditava que Libério tinha tropeçado e renegado Sto Atanásio (i.e., a posição ortodoxa); mas suas palavras não são bem claras. Quando ele escreveu ‘Adversus Valentem et Ursacium’ depois do seu regresso, ele demostrou que a carta ‘Studens Paci’ era uma falsificação, anexando a ela algumas cartas nobres do Papa. Agora isto parece provar que os Luciferianos estavam usando a ‘Studens Paci’ contra Rimini (concílio), para poder mostrar que o Papa, que agora na opinião deles, era indulgente demais para com os bispos afastados, era ele próprio culpado de uma traição ainda pior contra a causa católica antes do seu exílio. Na opinião deles, tamanha queda iria “des-papa-lo” e invalidar todos os seus atos subsequentes. Que Sto Hilario tenha tido tanto trabalho para provar que ‘Studens Paci’ era forjada torna evidente que ele não acreditava que Libério tinha caído depois do exílio; caso contrário seus esforços teriam sido inúteis. Conseqüentemente, Sto. Hilario se torna uma testemunha forte a favor da inocência de Libério. Se Sto. Atanásio acreditava na queda de Libério, isto aconteceu quando ele estava às escondidas, e imediatamente após o suposto acontecimento; aparentemente ele foi enganado momentaneamente pelos rumores espalhados pelos arianos.”

Embora seja possível que o Papa Libério tenha fraquejado sob a pressão de Constantius, não podemos ignorar esta forte evidência de que ele não o fez. Tanto St. Sulpicio Severo (403 d.C.) como o Papa Sto Anastácio (401 d.C.) mantêm que Libério permaneceu firme, se recusando a ceder (John Chapman, O.S.B. – Enciclopedia Catolica). Esta afirmação é reforçada pelo caráter do seu retorno à Roma depois do exílio; ele recebeu uma acolhida de herói quando entrou na cidade. De fato, o regresso de Libério foi um de triunfo. Se ele tivesse fraquejado e assinado o credo ariano, certamente ele não teria sido tratado desta maneira.

Novamente, uma análise cuidadosa dos detalhes históricos está longe da crença comum de que o Papa Libério tenha falhado:

“Os fortes argumentos para a inocência de Libério são ‘a priori’. Se ele tivesse realmente cedido à pressão do imperador durante seu exílio, o imperador teria publicado sua vitória por todos os cantos; não existiria a possibilidade de nenhuma dúvida; teria sido mais notório do que a vitória sobre Hosius. Mas se ele foi libertado porque os romanos exigiram a sua volta, porque sua deposição tinha sido demasiado anti-canônica, porque sua resistência tinha sido heróica, e porque Felix não tinha sido reconhecido como papa, então podemos ter certeza de que ele seria suspeito de ter feito alguma promessa ao imperador; os arianos e os felicianos também, e logo os luciferianos, não teriam nenhuma dificuldade em espalhar o relato de sua queda e receber crédito por isso. É difícil ver como Hilário no exílio e Atanásio no esconderijo pudessem não acreditar tal estória, quando ouviram que Libério teria retornado, embora os outros bispos exilados ainda não tivessem liberados. E mais, o decreto do papa depois de Rimini, de que os bispos afastados não poderiam ser restabelecidos a menos que mostrasssem sua sinceridade através de vitalidade contra os arianos, teria sido risível, se ele próprio tivesse caído antes, e não tivesse publicamente feito penitência pelo seu pecado. Mesmo assim, podemos estar certos de que ele não fez nenhuma confissão pública sobre ter falhado, nenhuma renúncia, nenhuma reparação.” (John Chapman, O.S.B. – Enciclopedia Catolica)

Se o imperador Constantius tivesse vencido essa briga de “quem pode mais” com o pontífice romano, por que ele não a divulgou? Pode-se imaginar como ele teria explorado tal golpe. A capacidade de soltar aos quatro ventos que o papa tinha cedido às suas exigências ter sido uma propaganda de enorme valor para o imperador. Afinal, a finalidade dele tentar forçar o Papa Libério a assinar o credo herético era para que ele pudesse usá-lo como exemplo a ser seguido por outros bispos ortodoxos. Seu objetivo era precisamente explorar a influência e prestígio do papa.

Se o papa Libério acabou assinando o credo, certamente Constantius teria bradado aos quatro ventos. Mas o imperador foi silencioso. Nem ele, nem seus acessores mencionaram algo sobre isso. Embora seja verdade de que este argumento esteja baseado no silêncio, não se pode negar que este fato histórico particular torna mais difícil imaginar que o papa Libério tenha de fato fraquejado.

Por fim, quando Constantius morreu, o arianismo perdeu o seu maior defensor. A ortodoxia voltou à tona, assumindo sua posição prévia. O papa Libério atacou os bispos arianos por sua heresia, e exigiu arrependimento total da parte deles antes que pudesse retornar à comunhão com a Igreja. De fato, eles foram tratados como colaboradores do inimigo e traidores de Cristo. Como poderia Libério ter agido de tal forma se ele mesmo tivesse assinado o credo ariano? Alguém sem dúvida teria mostrado a hipocrisia de tal ato. Não houve, porém, tal clamor.

Assim vemos que existem argumentos para ambos os lados da questão, com peso na crença de que o papa Libério não se dobrou diante da pressão feita por Constantius. Mas mesmo se ele tivesse, isso não afetaria a infalibilidade papal. Supondo que o pior cenário seja verdadeiro, papa Libério somente assinou um credo herético depois de dois anos de perseguição, exílio e coerção nas mãos do imperador. A tal assinatura não se deu por sua livre e espontânea vontade. Por esta razão, a infalibilidade papal não é um problema, pois infalibilidade requer que o papa esteja exercendo-a de livre vontade – à parte de qualquer pressão externa. E isto claramente não foi o caso se, de fato, Libério tenha assinado o documento. Obviamente, então, a infalibilidade papal não estava em risco.

“Dr. Willianson et caterva” – Carlos Ramalhete

[Na lista de emails do yahoo “Tradição Católica e Contra-Revolução”, da qual participo já há algum tempo, o professor Carlos Ramalhete postou nos últimos dias dois emails tecendo comentários muitíssimo pertinentes sobre a questão da retirada da excomunhão da FSSPX. Com a autorização do mesmo, publico-os aqui na íntegra, cum gaudium magnum, e recomendando enfaticamente a leitura, a despeito do tamanho de ambos. As duas mensagens originais estão armazenadas no baú da lista (disponível para membros), aqui e aqui. A divulgação é livre na íntegra com menção do autor.]

Mensagem 1:
(por prof. Carlos Ramalhete)

Pax Christi!

Andaram me pedindo para dar um pitaco nesta questão complicada (será?) da retirada da excomunhão do pessoal de D. Lefebvre. A pedidos, lá vai.

Na minha humilde opinião, o Santo Padre mandou muito bem, e agora compete ao Dr. Fellay e seus colegas conseguir voltar à Igreja (digo Dr., por não ter ele jurisdição e por estar ele suspenso a divinis, pecando gravemente se celebrar ou ministrar os Sacramentos. Espero ansioso poder chamá-lo de Dom e poder pedir-lhe a bênção).

Quanto eu digo voltar à Igreja falo em um sentido muito lato. Não se trata de questões legais. Questões legais o Papa resolve com uma canetada, como retirou com uma canetada a excomunhão dos quatro. Quatro que, aliás, eram cinco: o que era um núcleo cismático em Campos hoje em dia, graças a Deus, está dentro da Igreja.

O que é estar dentro da Igreja?

Não é ***só*** estar em uma situação jurídica certinha. D. Casaldáliga está em uma situação jurídica impecável. O Padre Fulano, que usa um cibório de capim prensado em volta de um vaso de barro, idem. Irmã Sicrana, que defende aberrações do arco da velha e acha que o aborto é uma opção da mãe até os dezoito anos de nascido, tbm está.

Mas tampouco é ***só*** ter a Fé Católica. Menos ainda ter os acidentes da Fé e não ter a essência.

Ser católico na segunda metade do século XX – e, por extensão, no começo do XXI – é como ser filho de pai cachaceiro. O Quarto Mandamento dói, dói de verdade. É fácil cumprir o quarto mandamento quando não há sombra de dúvidas de que quando rezamos pelo nossa mãe e a chamamos de serva devota, é isso mesmo. Mas quando o pai é cachaceiro, quando a mãe é arreligiosa, ***quando o padre é discípulo de Marx ou de algum guru da auto-ajuda***, o buraco é mais embaixo.

Já dizia Madre Teresa: Amor só é verdadeiro quando dói. Dói ir à Missa e ficar procurando a Missa, o Sacrifício Incruento, debaixo da mistura bizarra de auto-ajuda com culto protestante que o disfarça. Dói ver coisas tão medonhas acontecendo aqui e ali que Deus chega a mandar um terremoto.

Mas pai é pai, mãe é mãe, a Igreja é mãe, o Papa é pai, e o Quarto Mandamento sempre foi o mais difícil de cumprir.

Quando eu volto pra casa de uma Missa na Basílica de Aparecida em que meu filho de doze anos ficou rodando que nem um doido procurando um padre para receber o Santíssimo, e tinha dezenas deles celebrando jubileu de ordenação, concelebrando a Missa, e o Santíssimo só era distribuído por leigos, e ele ficou sem comungar por causa disso;

Quando eu viajo horas atrás de uma Missa em que – me disseram – não há abusos graves, e antes mesmo do padre entrar vem um sujeito dançando uma dancinha estranha e pedindo “palmas pra jesus” (com minúsculo, pq pelo jeito é o nome do show dele);

Quando eu me ajoelho e beijo a mão do padre, e digo “padre, peço perdão por não o ter reconhecido, com o senhor disfarçado de leigo desta maneira”…

É a hora em que Deus nos coloca como colocou aos filhos de Noé. Não quero ser Canaã (Gn. IX,18ss, e chega de dar referências. Quem conhece, conhece).

É isso que o respeito ao Quarto Mandamento exige, e é isso que parece faltar, na sua soberba, a muitos seguidores de D. Lefebvre.

A Igreja é nossa mãe, nossa mãe amantíssima. Se, como houve com Noé, algo há de errado na forma como ela se apresenta, o mínimo que se pode fazer é ter a decência de trabalhar em prol dela, ***dentro dela***. Fugir para uma capelinha onde se finge estar em 1950 e onde o padre ou o leigo se coloca como juiz do Sumo Pontífice – coisa que nenhum padre ou leigo sonharia em fazer em 1950 – é uma tentação tão medonha, é um igualitarismo tão radicalmente modernista, como qualquer delírio de um “construtor de um mundo novo” nas CEBs.

Quis ut Deus? E quem em sã consciência pode se arvorar em juiz da Igreja, da catolicidade do Papa, valha-me Deus?!

A misericórdia do Santo Padre – “Dominus conservet eum, et vivivicet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius”, como rezo todos os dias nas laudes e vésperas – deu aos quatro filhos de Canaã a chance de agir como seus irmãos abençoados e voltar para a Igreja. Ótimo. Serão bem vindos, como foram bem vindos os Padres de Campos ( e confesso que digo “Benedicto”, mas do fundo do meu coração é “Ferdinando” que me vêm e por quem peço a Deus que “stet et pascat in fortitudine ea et in sublimitate nomini eius”).

Temos, senhores, quatro décadas de lixo a limpar. Quatro décadas de distorções e negações frontais do ensino perene da Igreja, feitas em nome de um “Espírito do concílio”, aproveitando cada ambiguidade e cada má leitura possível plantada pelo Inimigo, agindo no desespero de quem vê chegar ao fim os cem anos que lhe foram dados, pela cronologia do sonho de Leão XIII. Quatro décadas de violões e baterias levando a feiura demoníaca a conspurcar os acidentes do mais belo acontecimento pra cá do Céu. Quatro décadas de catequese negada, em que o protestantismo mitigado dos carismáticos é o que há de mais “religioso” em um panorama de devastação. Quatro décadas de destruição. Quatro décadas de negação da Verdade, de desobediência frontal à lei da Igreja e à Lei de Deus, sob a ridícula justificativa de que “o Concílio” (que não seria o de Trento, nem o Vaticano I…) “mudou tudo”.

Mudou, senhores, porcariíssima nenhuma. Está errado quem se apega a uma suposta refundação da Igreja para pregar barbaridades comunistas, e está errado quem se apega à mesmíssima e supositíssima refundação para se arvorar em juiz da catolicidade do Papa.

Espero em Deus e na Santíssima Virgem que os quatro bispos ora suspensos a divinis peguem suas vassouras e ajudem, deixando na porta seus egos, deixando na porta a maldita e nefanda tentação da soberba que os fez tantas vezes arvorar-se – tal como ocorre com seus seguidores – juízes do Sumo Pontífice.

Fala asneiras o Dr. Willianson? Certamente. Nem mais, nem menos que D. Casaldáliga, e ambos movidos pela mesma tentação demoníaca de usar um concílio como desculpa para a desobediência e o culto a si mesmo, a mais grave forma de idolatria.

Tanto um quanto o outro, contudo, são chamados, como eu, leigo, sou chamado, mas em grau infinitamente superior pela ordenação que receberam – aliás, cabe lembrar que a única definição doutrinal do CVII é esta: a ordenação episcopal é essencialmente diferente da presbiteral – a defender a Verdade e a estar na Igreja, atuantes, como missionários da Verdade. Missionários da Verdade, notem bem. Não juízes do Concílio – dado não haver nenhuma diferença entre o valor do juizo de um e de outro sobre ele – nem, muito menos, do Papa, e por aí vai.

O Santo Padre – Dominus conservet eum, et vivivicet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius – está encarando uma briga monstruosa. É ele, com a ajuda de Deus, contra a Revolução, contra o Inimigo, contra a imbecilidade que quer acreditar na armadilha demoníaca de duas Igrejas, uma pré-conciliar e outra pós-conciliar.

O que compete a cada membro da Igreja Militante, de um pobre leigo idiota como eu a um Bispo, um Cardeal, um sujeito ordenado padre ou bispo (repetindo:diferença dada pelo CVII) e suspenso a divinis, um padre, uma freira, quem mais for, é colocar-se de joelhos diante do Santo Padre e dizer “aqui estou. Que devo fazer?”. Fazer diferentemente é fazer como os vetero-católicos, que se separaram da igreja por acharem os jesuítas moralmente laxos e que hoje tentam ordenar mulheres, quiçá sapos ou pedras.

Espero em Deus que a armadilha da soberba não apanhe em seus laços aos quatro bispos ora suspensos – que fariam enorme bem se viessem a público proclamar que, em virtude de sua suspensão, não ministrarão os Sacramentos até a regularização de sua situação – e que eles, ao invés de ficar atrás das linhas, atirando no comandante, coloquem-se na linha de frente do campo de batalha.

Serão bem vindos.

Que Deus os guarde, e que nós os tenhamos sempre em nossas orações, bem como aos cismáticos russos e anglicanos, também caminhando de volta à Casa do Pai.

No dia de Nossa Senhora das Candeias – que ofereceu oferta de purificação sem precisar ser purificada por ser já totalmente pura -, segunda-feira da 4a semana depois da Epifania no ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2009,

seu irmão em Cristo e criado, sempre necessitado de suas orações,

Prof. Carlos Ramalhete

[Na troca de mensagens subseqüente, foram levantados dois questionamentos; que o Decreto utilizava o título “Dom Williamson” para se referir ao bispo da FSSPX, e que a existência da suspensão a divinis era controversa.]

Mensagem 2:
(por prof. Carlos Ramalhete)

Pax Christi!

>O sr. não dá o título de “Dom” a Fellay porém, no próprio decreto está
>escrito:
>
>”Con lettera del 15 dicembre 2008 indirizzata a Sua Em.za il Sig. Cardinale
>Dario Castrillôn Hoyos, Presidente della Pontificia Commissione Ecclesia
>Dei, *Mons*. Bernard Fellay, anche a nome degli altri tre Vescovi consacrati
>il giorno 30 giugno 1988…”
>
>Não sei italiano, mas aquele “Mons.” não deve ser “Dr.”…

Até pro Dalai Lama, que é escravo de milhares de demônios, foi usado o título de “Santidade”. Lamento informar, mas não sou nem nunca serei diplomata. Na carta ao novo Patriarca dos cismáticos russos tbm foi usado o termo “Sua Santidade” para referir-se a ele.

Aliás, a situação dos bispos da SSPX – por quem torço e que espero ter plenamente na Igreja em breve – tem pontos em comum com a dos orientais, cuja excomunhão também foi retirada como modo de facilitar o diálogo e uma possível volta à Igreja.

A diferença maior é que, no caso dos cismáticos orientais, tal como no caso de Campos, trata-se de uma Igreja Particular inteira que sai da perfeita comunhão. O patriarca Cirilo tem alguma jurisdição, embora ilegítima. No caso da SSPX, temos quatro pessoas que receberam ordenações episcopais ilícitas, que são seguidas por pessoas que eles mesmos ordenaram ilicitamente ao presbiterato, seguindo da melhor maneira que vêem e na melhor das intenções a santa Tradição da Igreja Latina. Jurisdição zero, só obediência voluntária, como a de meninos ao chefe de um clubinho.

Espero que isto seja sanado em breve. Os problemas, contudo, persistem. O primeiro deles é a soberba; por mais que se trate de um problema subjetivo, é este o maior obstáculo à plena regularização.

O segundo, este muito mais simples de resolver, é a questão jurídica. As ordenações dos sacerdotes e bispos da SSPX (e todo bispo é sacerdote) foi feita ilicitamente, causando sua suspensão a divinis. Do mesmo modo, foi feita fora de uma estrutura canônica regular, o que faz deles acéfalos e vagos, respectivamente. Isto é facílimo de resolver: basta dar à SSPX uma estrutura, talvez mesmo uma semelhante à dada aos Padres de Campos, mas abrangendo o mundo todo. Nada contra, muito pelo contrário. Hoje isso é ainda mais fácil devido ao Motu Próprio, que faz com que a Missa de sempre, o breviário, etc., sejam oficialmente uso oficial da Igreja. Se o padre da paróquia da esquina resolver rezar pelo Breviário ao invés de pela Liturgia das Horas, está hoje em seu pleno direito e cumprindo sua obrigação (recomendo, aliás. O breviário é acidentalmente muitíssimo superior à Liturgia das Horas; é a diferença entre algo erigido com o auxílio do Espírito Santo por séculos e o trabalho de um comitê…).

Se a SSPX voltar plenamente, inserida na estrutura canônica e hierárquica da Igreja, é de se esperar que cada vez mais padres e leigos passem a buscar cultuar a Deus na Tradição da Igreja, e não mais na imitação mal-feita e atrasada das modas do século propagada pelos hippies velhos que falam em nome da CNBB. Mas para isso é preciso que a SSPX abandone sua posição insustentável de pseudo-juiz do Papa e da Igreja, e que seus membros e fiéis percebam que católico é católico quando se submete ao Romano Pontífice. Não há diferença essencial entre alguém que desobedece frontalmente ao Papa para usar ministretes nas missas dominicais pq acha fofinho e alguém que desobedece para celebrar a Missa de sempre e fingir que dá absolvição sacramental aos incautos. Seria mesmo possível dizer ser pior a situação deste, que sabe e erra, do que a daquele, que é ignorante. Afinal, a absolvição sacramental dada por um padre da SSPX vale exatamente o mesmo que uma “absolvição coletiva” dada por um padre TL: ou o penitente está à beira da morte, ou não vale mais que uma que eu, leigo, dê pela internet – nada.

Quando a Santa Sé recebeu de volta os Padres de Campos, foram retiradas a excomunhão *e todas as outras censuras* ( http://www.adapostolica.org/modules/wfsection/article.php?articleid=293 ). No caso presente da SSPX, foi retirada a excomunhão, ponto. Isto significa que se os padres e bispos da SSPX procurarem algum padre que tenha – ao contrário deles – o poder de dar a absolvição e se confessarem, podem comungar. Ótimo, é um bom começo.

O que não é um bom começo é a estranhíssima visão individualista e modernista que parece ainda animar grande parcela dos membros e fiéis da SSPX, que se referem ao Papa como um igual, como – na melhor das hipóteses – primus inter pares.

Na minha modesta opinião, esta soberba é fruto da horrenda derrocada da Europa e da América do Norte ao pensamento modernista. Enquanto aqui no Brasil os Padres de Campos obedeciam – ainda que no erro – ao Bispo (D. Castro Mayer, de quem aliás se diz ter tentado voltar à Igreja antes de sua morte), a SSPX age como uma seita protestante, espalhando-se e atacando a Igreja abertamente. O raciocínio deles é tipicamente modernista, racionalizando a insubmissão à santa hierarquia, fazendo malabarismos com o CIC como se a Igreja fosse uma democracia ocidental em que um juiz pode levantar-se contra o monarca.

Isto leva, na melhor das hipoteses, a um sedevacantismo material. Se o Papa é tratado não como pai, mas como “ex-marido” na vara de família (“vamos arrancar dele a guarda das crianças e uma pensão, e ele vai ver o que é bom pra tosse”), para eles Papa ele não é. Alguns membros da SSPX perceberam que só faria sentido lógico aderir formalmente ao sedevacantismo, e o fizeram (www.sspv.net). É pelo menos mais honesto, ainda que leve ao Inferno do mesmo jeito.

Os outros, agora, estão sendo recebidos no portão pelo pai, tal como o filho pródigo. Que seja morto um boi gordo, que recebam o anel e o manto!

De nada vale fazer pouco disto, de nada vale arrotar grandezas e se negar à necessária humildade. Espero em Deus que em breve, que em muito breve, eu possa dizer “Dom Ricardo” e não Dr. Willianson. Mas chamá-lo de “Dom” (“Dominus”, Senhor) agora é dizer que um anel feito de palha da pocilga é o mesmo que o anel de ouro do pai que recebe o filho pródigo. É fazer pouco da caridade, da família, da hierarquia e da Igreja.

Vai ser necessário no mínimo fazer a sanatio in radici de todos os matrimônios nulos que a SSPX tentou celebrar, para não falar dos medonhos casos em que a SPPX arrogou-se o direito papal de decretar nulidades matrimoniais e o direito dos ordinários de reduzir diáconos ao estado laical, etc. Vai ser necessário levar todos os que se confessaram aos padres da SSPX de volta ao confessionário. Vai ser necessário sair da brincadeira de casinha na capelinha em que só se obedece ao próprio umbigo. Vai ser necessário, em outras palavras, abandonar o protestantismo e o modernismo que hoje dominam a SSPX para tê-la de volta, dentro da Igreja, atuando e lutando contra as barbaridades que hoje a assolam.

Se os seus líderes tiverem a humildade de reconhecer que fazer malabarismos canônicos ignorando a vontade expressa do Sumo Pontífice tem exatamente o mesmo valor que espernear no chão gritando que vai prender a respiração até ficar roxo se não ganhar o brinquedo, se eles se dispuserem a entrar na briga para valer, vai ser maravilhoso. Meninos mimados brincando de casinha não ajudam em nada, só atrapalham quando a guerra está comendo solta. Que venham, que se submetam, que peguem suas armas e entrem nas trincheiras reais.

Vamos tê-los propagando as belezas litúrgicas e devocionais da Tradição, levando aos poucos os outros padres a abandonar os delírios e invencionices com que hoje fazem frequentemente da liturgia um circo dos horrores. Vamos tê-los nas Conferências episcopais, falando e sendo ouvidos. Vamos tê-los no rádio, na TV, pregando com autoridade.

E isso abrirá as portas para a volta dos cismáticos orientais, tal como a volta dos Padres de Campos deu aos anglicanos tradicionalistas a oportunidade de pensar em voltar. É provável que em breve tenhamos um grupo enorme de ex-anglicanos voltando para a Igreja, com seus pseudo-sacerdotes recebendo as ordens sacras, com suas capelas sendo consagradas, com o que era uma farsa tornando-se verdade. O mesmo pode acontecer com patriarcados orientais inteiros, se a SSPX voltar.

A Barca está voltando, como no sonho de S. João Bosco, a seu lugar entre as colunas. É isto o necessário para trazer de volta todos os cismáticos que procuram manter a Fé. Uma etapa fundamental é a volta da SSPX, por que rezo todos os dias, mas para que isso aconteça, é necessário que eles percebam que são o filho pródigo, não um juiz do pai.

É preciso humildade.

[]s,

seu irmão em Cristo,

Carlos