Delírios positivistas

Saiu na VEJA um artigo sob o título de “A Fé dos homofóbicos”, da autoria de André Petry (aqui de segunda mão, para os não assinantes).

Não vou tecer considerações sobre a interpretação exposta no artigo referente ao alcance e aos limites do projeto de Lei, pois podem ser encontrados comentários pertinentes sobre o assunto tanto da autoria do padre Lodi quanto no site do Veritatis Splendor. No mínimo, a opinião de Petry de que o temor dos cristãos é infundado vale tanto quanto a opinião dos cristãos de que eles têm sim motivos para temer injustiças; afinal, o articulista dizer que a alegação cristã é uma interpretação tão grosseira da lei que é difícil crer que seja de boa-fé é tão-somente a opinião dele, e não me consta que o Petry vá ser referência consultada quando, nos tribunais, a Lei da Mordaça Gay for posta em execução.

Vou, todavia, comentar sobre um problema sério que vejo no texto (aliás, descobri agora que o Reinaldo Azevedo já fez o mesmo comentário antes de mim): é sobre o relativismo doentio destilado no artigo. Está escrito, lá nas páginas da VEJA:

Matar é crime não porque seja imoral, mas porque a sociedade entendeu que a vida deve ser preservada.

Não sei se André Petry é ateu. Mas, ainda que não o seja de fato, ele é, pelo menos, um “ateu-lógico”, posto que as posições por ele defendidas só se justificam dentro de um universo onde não haja Deus. A quarta via tomista – quarta via sumitur ex gradibus qui in rebus inveniuntur – para provar a existência de Deus refere-se, exatamente, aos graus de perfeição que existem nos entes. De maneira sucinta, argumenta o Aquinate que duas coisas só podem ser comparadas se houver um referencial de comparação; assim, um ser é mais belo do que outro porque há um referencial de Beleza, Absoluto, do qual as coisas aproximam-se mais ou menos. E este Absoluto é Deus

Retirado o Referencial, o que sobra? Ou o nada, ou a arbitrariedade. Se não houvesse nada, então nada poderia ser comparado com nada; mas esta opção é repugnante demais à inteligência humana, que compara coisas o tempo inteiro. Resta, como alternativa “aceitável”, a arbitrariedade. Deus não é mais o Belo e, portanto, bonitas são as modelos que têm o corpo dentro dos padrões ditados pela “moda”, e belos são os quadros que estejam dentro da última corrente artística. Deus não é mais o Verdadeiro e, então, verdade é aquilo em que você acredita. Deus não é mais o Justo e, então – e esta é a tese de Petry – justiça é o que “a sociedade entendeu” que era justo.

É fácil perceber que o positivismo jurídico conduz ao ateísmo pelo menos prático; afinal, qual seria a razão de se adotar como critério de Justiça a “definição da Sociedade” se houvesse a Suma Justiça à qual recorrermos? Se é preciso recorrer à arbitrariedade, é porque não há absolutos. Se o Direito é positivista, é porque ele reconhece (ao menos) implicitamente que não há Deus. E, se as pessoas vivem em uma sociedade atéia, elas fatalmente perderão de vista o Absoluto e tenderão cada vez mais para a arbitrariedade – como conseqüência, cada vez mais a sociedade, elevada ao patamar de Magistério Infalível para definir o certo e o errado, vai degenerar no caos e na barbárie, porque, sem absolutos, vale a lei do mais forte – e sempre é só uma questão de tempo até os “mais fortes” descobrirem isto.

Não é possível ser sempre imparcial; para salvaguardar os direitos mais básicos da pessoa humana, é preciso proclamar em alta voz que Deus existe. Porque, se recuarmos o estandarte de Deus, a natureza, que tem horror ao vácuo, vai preencher o espaço com alguma coisa – mas esta coisa, não sendo absoluta, será necessariamente relativa. E há valores que não podem ser relativizados.

Como a dignidade humana, por exemplo. É desnecessário lembrar que princípios como a proteção à vida não podem ser deixados para “a sociedade entender” se devem existir ou não, pois sociedades distintas podem entender distintamente o problema e, nesta história, os que sofrem são os mais fracos – como os judeus na Alemanha da Segunda Guerra ou os cristãos em Cuba até hoje, todos vítimas de um Estado que subscreveria integralmente o que é defendido por Petry. Não é justo que os homens, criados por Deus por amor e para o amor, estejam sujeitos às arbitrariedades de pessoas que n’Ele não acreditam. O positivismo de André Petry é potencialmente genocida. É necessário trazer Deus de volta às praças públicas. Urge levantar a Cruz bem alto! Antes que os escombros da modernidade – que caminha fatalmente para a auto-demolição – terminem por soterrar, em sua sanha atéia, ainda mais inocentes.

Considerações sobre o STF e o julgamento das CTEHs

“Supremo libera pesquisas com células-tronco embrionárias”, diz o G1. “STF aprova pesquisas com células-tronco embrionárias”, é a manchete da Folha online. “Supremo autoriza pesquisas com células-tronco embrionárias”, noticia o Estadão. “STF autoriza pesquisas com células-tronco embrionárias”, anuncia o Jornal do Commercio daqui da terrinha. É impressionante o tom monocórdico da cantilena!

As manchetes poderiam ser diferentes. “Aberto importante precedente para a legalização do aborto”. “Embriões humanos não são sujeitos de direitos”. “Vida não merece proteção desde a concepção”. “Embrião pode morrer”. Qualquer coisa que expusesse, de maneira clara e sem floreios, a verdade nua e crua da decisão do Supremo Tribunal Federal, que deveria cobrir de vergonha toda esta nação.

Foram dois dias de votação, dois dias de orações e de esperanças, dois dias de expectativas e de angústias. Está consumado. Aquela que se intitula Suprema Justiça condenou os inocentes à morte. A votação teve o placar de 6 x 5, que é o que consta no site do Supremo Tribunal Federal.

O resultado é desastroso sob todos os aspectos. Em primeiro lugar, porque o simples fato de tal pergunta – se o Estado deve proteger os inocentes – ter sido formulada revela a mais completa confusão na qual se encontra o povo brasileiro em geral e os Ministros do Supremo em particular. É preocupantemente sintomático que as pessoas não saibam diferenciar as discussões que são válidas daquelas que são intrinsecamente nonsense. É óbvio que o Estado deve proteger os inocentes, e o óbvio não pode sequer ser discutido. Eis o primeiro passo em direção ao abismo.

Em segundo lugar: o próprio fato de tal pergunta ter sido levada a julgamento revela mais um grau da escala de sandice que acomete os brasileiros, porque, se já é preocupante a concessão de se debater a pergunta nonsense, a noção que se encontra adjacente ao julgamento é ainda mais diabólica: não só é permitido discutir o óbvio, como o Estado tem o poder de dizer e fazer o contrário do óbvio. Ora, uma coisa – que já é bastante séria – é fazer uma, digamos, discussão acadêmica sobre se é permitido ao Estado matar nordestinos; outra coisa muitíssimo mais séria é o Supremo Tribunal reunir-se para deliberar e aprovar a carnificina no Nordeste Brasileiro. Não satisfeito em conceder que a proteção à vida humana é passível de discussão, o país concedeu também que competia ao Supremo Tribunal Federal deliberar sobre a manutenção ou retirada desta proteção. O segundo passo é dado. O abismo já se abre monstruoso diante dos pés.

E, no final, a queda: o poder da deliberação absurda sobre a discussão nonsense foi concedido não a uma nobre casta de probos e ilibados baluartes das virtudes, não a uma elite intelectual e moral que fosse digna deste nome, mas a um bando de malucos, com surtos de megalomania, notoriamente preconceituosos, volúveis, irresponsáveis e levianos. É isso o que se infere dos votos dos ministros – à exceção (honrosa) dos ministros Direito e Lewandowski. Não encontrei na internet a íntegra dos discursos, mas os excertos a seguir foram tirados do “ao vivo” do G1.

“Nossa religião, aqui dentro, é o direito” – é a afirmação esdrúxula da sra. Carmen Lúcia. A “combinação do caráter laico do Estado e o princípio da liberdade individual ditam que ninguém pode interferir caso os pais desejem dar esse destino aos embriões congelados que carregam seu material genético”, é a besteira monumental defendida pelo sr. Joaquim Barbosa. O sr. Marco Mello “passou por Santo Agostinho e até pelo livro bíblico do Êxodo, no qual a morte de um feto é citada como uma ofensa menor do que um assassinato”. Já o sr. Celso de Mello “começa frisando o caráter “secular e laico” do Estado brasileiro e louvando os votos dos ministros do STF que o precederam”, e diz ainda que “a religião é uma questão de ordem estritamente privada”.

É preciso ser cego para não ver o preconceito contra a Igreja Católica, o ranço anti-clerical dessa gente; principalmente pelo fato de que não há argumentos religiosos no discurso pró-vida! Os votos dos ministros estão, portanto, enviesados por puro preconceito: já que a Igreja Católica tem uma determinada posição, eles simplesmente votam na posição contrária. E, talvez por ato falho, revelam-no claramente, quando destilam o seu ranço contra a Igreja em situações onde Ela não está presente. A obsessão pelo “Estado Laico” está de tal maneira arraigada nas cabeças dos senhores ministros que a preocupação principal é não seguir a opinião da Igreja – opinião não-religiosa, é sempre bom frisar – porque, caso ela seja seguida, será uma ingerência religiosa obscurantista nos assuntos que competem ao Estado e um retorno à Idade das Trevas medieval! Isso não está dito de modo explícito, mas está tão claramente expresso nas entrelinhas do discurso ofensivo à Igreja que é impossível passar despercebido. Não haveria necessidade de se ser anti-clerical e nem mesmo de se afirmar com tanta ênfase a “iurelatria” e a proscrição de Deus das salas do STJ, se não estivessem os votos já enviesados pelo preconceito prévio contra a Igreja e as cartas já marcadas de antemão. Nenhum ministro quer a “pecha” de ser “ligado à Igreja”, de ser “conservador”, “obscurantista”, de pertencer a esta “Instituição Retrógrada”. É vergonhoso, é ridículo, mas é verdade, infelizmente.

Esta é a primeira farsa da vitória de Satanás. Mas tem uma outra trapaça que, de tão gritante, merece ser citada: todo o arrazoado dos senhores ministros foi baseado sobre uma versão falseada do problema, segundo a qual os embriões, se não fossem utilizados em pesquisas científicas, seriam “jogados no lixo”. Como, “jogados no lixo”? E a possibilidade dos genitores os procurarem? E a possibilidade de adoção? E a possibilidade de se manterem os embriões congelados, simplesmente, enquanto não se lhes arranja um útero onde eles possam se desenvolver? É uma grosseira mentira que a única alternativa possível à experimentação científica seja o descarte. E, num ambiente de indiscutível alta erudição como o é o Supremo, como se justifica que uma burla grosseira dessas possa ter passado incólume? Quanta leviandade! O Supremo Tribunal Federal parece ser a Casa da Mãe Joana, onde cada um faz o que quer, e onde nenhuma seriedade é exigida.

E os deuses da Suprema Justiça – a brasileira, que não faz jus ao nome que leva -, onipotentes do alto do seu poder de voto, viraram as costas a Cristo e prostraram-se diante de Satanás em adoração. O sangue dos inocentes irá manchar a terra desta Terra de Santa Cruz. A maior nação católica acaba de cerrar fileiras com os inimigos da Igreja. Tenha Deus misericóridia de nós todos.

E existe, por fim, mais um aspecto diabólico, malignamente perverso, desta palhaçada toda, que precisa ser exposto, ao menos, para se tentar fazer um desagravo. Noticiou o G1:

O aposentado Pedro Freire, de 60 anos, assistiu ao julgamento ao lado do neto, João Victor Freire Xavier, de 9 anos, que tem distrofia muscular. Segundo ele, o menino sempre acompanhou pela TV os debates sobre o tema. “Ele nos cobra muito, pergunta quando o remédio vai sair”, comentou.

Nós estamos falando de uma criança doente, que está sendo covardemente usada, alimentada com falsas expectativas e vãs esperanças, manipulada pelo lobby dos que querem movimentar a opinião pública por vias sentimentalistas para a aprovação da destruição de embriões humanos. Ele tem nove anos, e já pergunta quando vão sair os remédios. Quem é que vai se preocupar em dizer ao menino, dia após dia, mês após mês, ano após ano, que ele espere a panacéia universal que vai ser descoberta “logo amanhã”?

Que a Virgem Maria, Refúgio dos Pecadores e Espelho da Justiça, possa olhar com misericórdia para este menino e para todo o povo brasileiro. E que Ela possa, com toda a corte celeste, ser em favor dos mais novos excluídos e desprotegidos do beneplácito da Nação Brasileira, aqueles que são tão pobres que têm bem menos do que a roupa do corpo, pois nem mesmo têm o corpo já formado; aqueles que nem ainda nasceram, e já são órfãos; aqueles a quem não foi dado um lar, num útero materno, onde eles pudessem crescer; aqueles que não podem alimentar-se sozinhos e que não são alimentados, e que passam fome e frio, muito frio, na solidão das câmaras criogênicas.