A tragédia no Haiti

Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe de predadores, ameaças e perigos, e mais perto de Deus, deveríamos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado, promover o respeito a seus direitos e protegê-los.

Íntegra do discurso de Zilda Arns no Haiti

Pedem-me que escreva sobre a tragédia no Haiti e, em particular, sobre o trágico falecimento da dra. Zilda Arns. Não o tinha feito antes por motivos diversos; faço-o, agora, mais em tom de justificativa do que para agregar alguma coisa a tudo o que já foi falado.

Muita coisa já foi escrita sobre o assunto, e de maneira muito melhor do que eu próprio poderia escrever. Basta procurar no Google. Há uma nota de solidariedade da CNBB, a insensível posição do Cônsul do Haiti no Brasil, há um pastor culpando o diabo pela tragédia e muito mais.

Em particular, o Reinaldo foi um dos primeiros a escrever, e o texto dele destaca aquilo que eu próprio destacaria na vida da pediatra: “[a] médica católica, a trabalhadora incansável em defesa das crianças (…) era contra o aborto e se opunha à aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias”. Este texto vale a leitura.

Não havia escrito também porque não tenho palavras para me expressar diante de uma tragédia da magnitude desta que se abateu sobre o Haiti. Quando ouvi, apressado, as primeiras notícias, achei que se tratava de um terremoto normal que havia vitimado algumas dezenas de pessoas. Quando soube depois que a cifra dos mortos está na casa das dezenas de milhares e, a dos desabrigados, na dos milhões, foi um verdadeiro choque. Diante desta multidão de seres humanos mortos, a perda de uma médica brasileira parece pequena, e soa-me quase como uma ofensa às vítimas da tragédia reduzir o luto ao falecimento da dra. Arns. O nosso luto é primeiramente pelo Haiti e – ainda mais – pela fragilidade da condição humana, que não pode acrescentar um côvado à duração da própria vida.

Acredito já ter dito aqui outras vezes que tragédias assim devem nos levar a considerar a brevidade de nossas vidas, quase como se fossem uma tentativa desesperada do Todo-Poderoso de fazer os homens relembrarem os novíssimos cuja meditação esqueceram. Lembro-me de Santo Agostinho, o qual cito de memória: todos os dias celebramos funerais e, no entanto, continuamos a nos prometer longos anos de vida. Na verdade, ninguém pode se prometer longos anos de vida. Ninguém pode garantir que vá viver até a próxima semana, até amanhã, até o fim do discurso que se está pronunciando. O terremoto do Haiti lembra-nos disso. Importa estarmos sempre vigilantes.

Ontem eu voltava para casa e, no Marco Zero (a praça pública do centro antigo da cidade), uma banda tocava cover de Raul Seixas. A música era outra, mas me lembrei do “Canto para a minha morte” que, se não tivesse sido composta pelo nada religioso baiano, eu diria ter sido feita para se meditar sobre o fim de nossas vidas. “Cada vez que eu me despeço de uma pessoa, pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez! A morte, surda, caminha ao meu lado, e eu não sei em que esquina ela vai me beijar”.

Não sabemos quando a morte vai nos encontrar – lembremo-nos do Haiti! Importa vivermos como se fosse na próxima esquina. Importa estarmos sempre preparados.

Gostaria de ter aqui em mãos o meu missal quotidiano, porque me lembro de que há algumas orações – não sei se de uma missa votiva – para tragédias e, especificamente, para terremotos. Pedindo ao Altíssimo que dê conforto às vítimas, que nos livre dos terremotos – aliás, isso tem também na Ladainha de Todos os Santos. A flagello terraemotus, libera nos, Domine. Já houve quem dissesse que nunca a terra tremeu tanto como nestes nossos dias, nos quais as orações que pedem a Deus proteção contra tragédias naturais foram abandonadas; não saberia dizer se é verdade. Mas saberia dizer, sim, que é útil pedir a Deus proteção contra as intempéries da natureza, e que não o fazer faz falta aos homens de hoje. E só o percebemos quando a terra treme, quando o mar se levanta revolto e engole cidades, quando os ventos raivosos destroem tudo. A fulgure et tempestate, libera nos, Domine – bem que poderíamos rezar mais vezes.

E não havia também escrito antes sobre a morte da Dra. Arns por não querer ser injusto ou leviano. Aliás, até mesmo agora tenho medo de o ser. Não morro de amores pela família Arns e não posso, em consciência, dizer que a mesma é um exemplo de fidelidade a Cristo e à Igreja. Por outro lado, também não posso, em consciência, negar a beleza do trabalho feito pela dra. Zilda Arns com a Pastoral da Criança, bem como naquilo que foi dito pelo Reinaldo Azevedo e que, na minha opinião, é a forma como ela gostaria de ser lembrada: “era contra o aborto e se opunha à aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias”. Daria um belo epitáfio.

Podem dizer que isso, sozinho, é meramente uma obra naturalista, sem valor sobrenatural. É verdade. Não quero canonizar desde já, no calor da comoção, a irmã do Cardeal Arns. No entanto, seria estúpido e profundamente injusto negar a importância do trabalho desta mulher para as crianças do Brasil e do mundo. A caridade verdadeira e a mera filantropia – concedamos! – podem ser materialmente indistinguíveis. Mas, se a distinção entre ambas é formal, torna-se temerário questionar de maneira leviana as intenções da dra. Zilda, as quais são somente de Deus conhecidas. Diante do Justo Juiz, cada um vai comparecer com as próprias culpas e as próprias boas obras, não as da família. E, boas obras, é indiscutível que Zilda Arns possui.

Disse acima que a perda de uma médica brasileira parecia pequena perto da multidão de mortos no terremoto do Haiti. No entanto, sem querer, absolutamente, relativizar a dor das famílias cujos membros sofrem no Haiti, seria também de uma injustiça atroz não lembrar, de modo particular, a dra. Zilda Arns. É importante dizer que a perda desta médica em particular, da fundadora da Pastoral da Criança, é sem dúvidas grande. Ela era contra o aborto, e era corajosamente contra o aborto; e, hoje em dia, isso faz falta.

E, para o cúmulo da hipocrisia, Lula e Dilma vão ao velório de Zilda Arns em Curitiba. O mesmo presidente Lula que desistiu de fazer novas mudanças no decreto e, assim, vai manter o compromisso do Governo com a descriminalização do aborto. Volto a citar o Reinaldo Azevedo: “Enquanto a esquerda de gabinete celebrava a sua tara pela morte naquele decreto vagabundo, Zilda celebrava a vida no Haiti. Os contrastes são ainda mais evidentes: enquanto ela morreu para dar a vida — e se opunha ao aborto —, outros viveram para matar, consideram o aborto uma redenção e tentam impô-lo à sociedade como medida de mero bom senso”. É incrível a cara de pau dessa gente.

Que o Deus Altíssimo tenha misericórdia de todos nós, pecadores. Que a Virgem Santíssima, Consoladora dos Aflitos, possa ser em favor dos que sofreram as terríves conseqüências da tragédia no Haiti; e que Ela, Porta do Céu, possa receber o quanto antes na Casa do Pai os que perderam as suas vidas sob a fúria do terremoto.

Requiem aeternam dona eis, Domine,
Et lux perpetua luceat eis.

Requiescant in Pace.
Amen.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

10 comentários em “A tragédia no Haiti”

  1. Jorge, Salve Maria Santíssima.

    Pratiquei esportes por muito tempo.
    Desde menino sempre apreciei aquilo que os lutadores, críticos, empresários do ramo e demais esportistas chamam de “a nobre arte”.
    Fui um pugilista.
    Amador, é claro, mas orgulhoso do meu cruzado de esquerda.
    Por legado daqueles tempos adotei naturalmente uma dieta salutar.
    Frutas, verduras, carboidratos somente no almoço, sucos e grelhados a noite.
    Líquido, muito líquido durante o dia.
    Há cerca de seis meses a vista embaçada seguida de ocasionais tonturas me lançaram uma preocupação.
    O inchaço dos pés e mãos foi o alerta para eu procurar um médico.
    Exames daqui, de lá, e o resultado foi esse:

    Colesterol altíssimo.
    Triglicérides nas nuvens.
    Hipertensão arterial.
    Hipotiroidismo.

    O médico, com os olhos bem arregalados advertiu que eu era um sério candidato ao Infarto Aqudo do Miocárdio.
    Sugeriu internar-me.
    Não quis.
    Prometi a ele tomar toda medicação para postergar o avanço ou sanar as moléstias.

    Ele, o médico, relutante sentenciou: Se esses números não baixarem o seu caso é risco iminente…

    Naquela noite e por muitas outras adiante não dormi direito.
    A bem da verdade devo confessar: Tinha medo de dormir e não acordar.
    No meio da madrugada, em silencio para não acordar minha esposa, ia até o altarzinho de Nossa Senhora que possuo em casa e rezava três Ave Marias, pedindo a Deus a misericórdia por minha vida.
    Não podia conhecer o limbo da forma em que me encontro atualmente: Carregado de pecados, preguiça espiritual,falta de zelo para com Nosso Senhor…enfim, misérias espirituais da sola do pé até o fio de cabelo.

    Hoje, já com os níveis de sangue na situação de desejáveis, reconheço o quanto somos finitos.
    Meros mortais.
    Acordo todos os dias, bem de manhãzinha e rezo as mesmas três Ave Marias, agradecendo a Deus pelo milagre da vida.
    Acordar é um milagre.

    O seu texto – muito bem redigido – é o espelho daquilo que sentimos quando enxergamos que a morte pode sim nos “beijar em cada esquina”.

    Doce Zilda Arns que nos deixou.
    Fico imaginado que se ela pudesse dizer algo hoje a Lula e sua marqueteira do aborto,a ministra Dilma, seria algo nesse moldes:

    ” Deixe desse chororó sem vergonha presidente, e abandone essa lei assassina!”

    Em Jesus e Maria.

    Olegário.

  2. Pos é né, a vizinha República Dominicana em que a população é maioria católica não sofreu nada com o terremoto. Porque será?

  3. Ah, Mallmal… ao invés de me responder aqui — e tantos outros debates de que você simplesmente fugiu, já perdi a conta — aparece pra falar besteira.

    Vai acreditar no quê? Num “prêmio gay” que mais parece deboche, ou nesta entrevista em jornal de grande circulação com a própria Dra. Zilda? Olha o que ela diz sobre o assunto:

    Qual a sua posição pessoal sobre o aborto e sobre o casamento homossexual?
    (…)
    Quando ao casamento homossexual, não é minha especialidade. A igreja é contra. Eu acho que esse comportamento não é natural, mas não sabemos o que leva um homem e gostar de outro e uma mulher a gostar de outra. É um assunto que precisa ser bem mais estudado. Existem homossexuais que são excelentes pessoas, que podem ajudar muito numa Pastoral. Mas não tenho uma posição sobre o assunto. Mas sei que devemos incluir os homossexuais e que eles precisam do nosso respeito.

    Me aponta o que nesta resposta da Dra. Zida é contra o Magistério da Igreja.

    Em outras palavras, larga de espírito de porco. Você leva uma surra em qualquer debate aqui e volta fazendo “mimimimi”, com o rabinho entre as pernas, para continuar dizendo burrice no seu bloguezinho, achando que causa escândalo. Pode até ser divertido, mas sem qualquer respaldo empírico ou lógico. Nem sei por que perdemos tempo com você…

  4. Caro Olegário,
    Gostei muito de sua mensagem, que está muito bem escrita: simples, direta e tocante!
    Será que poderia se lembrar deste pobre pecador aqui quando rezar as três Ave Marias diante de seu altarzinho dedicado a Nossa Senhora?
    Também rezarei por sua saúde.
    Um abraço.
    Carlos.

  5. Caríssimo Carlos
    Salve Maria!

    Com satisfação e prazer lhe oferto minhas pobres preces.
    Deus o abençoe!

    Olegário.

  6. Caríssimo Olegário,
    Salve Maria!
    Obrigado pela resposta e principalmente pelas preces.
    Que Nossa Senhora o mantenha sempre no caminho do Bem.
    Um abraço amigo.
    Carlos.

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