Os resquícios da civilização

Diz-se que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus porque é “capaz de conhecer e de amar a Deus, e de gozá-Lo eternamente”; assim nos ensina o Catecismo Maior de São Pio X (Parte I, q. 55). É este – e não outro – o fundamento da dignidade humana, aquilo que faz com que o homem seja detentor de direitos objetivos e lhe salvaguarda das arbitrariedades que alguns indivíduos ou grupos, detentores de força ou de poder, porventura queiram lhe infligir.

Houve um tempo – como nos ensina o Sumo Pontífice Leão XIII – em que a Filosofia do Evangelho governava as nações. E por mais que alguns anti-clericais modernos tenham alguma espécie de prazer sórdido (e ignorante) em lançar lama a esta época gloriosa da civilização humana, o fato é que os homens de então eram tratados com muito mais dignidade do que os de outras épocas da história.

“Ah, foram queimados pela Igreja, foram torturados, fizeram guerras sangrentas, foram impedidos de manifestar livremente os seus pensamentos!”, hão de dizer os livres-pensadores modernos. Mas o fato – que os inimigos da Igreja se esquecem de mencionar – é que os homens foram queimados muito mais vezes fora da Igreja do que nas fogueiras às quais a Santa Inquisição ateou fogo. O fato – relevantíssimo, mas sobre o qual não se fala uma palavra – é que os homens foram torturados mais e de maneira mais cruel por civis do que por religiosos. O fato é que nunca houve guerras tão terríveis quanto as que o mundo assistiu no século passado – em pleno século XX, quando já se encontrava indubitavelmente livre da influência da Igreja (e, diremos  até, justamente por causa disso).

“Mas… mas… mas foram impedidos da livre-expressão de suas idéias, e isto não se pode negar!”, dir-nos-ão desesperados os nossos amigos anti-clericais. E, nisto (descontadas, é óbvio, as falsificações grosseiras), nós deles não discordaremos. Graças a Deus, houve repressão à veiculação de idéias errôneas e perniciosas ao longo da história, e este mecanismo foi fundamental para que a civilização pudesse ser mantida e nós, hoje, fôssemos capazes de discutir a repressão de idéias praticada em épocas passadas.

Isto porque a liberdade é algo que não se pode atribuir às coisas de um modo absoluto. A excessiva e imoral (assim intitulada) “liberdade de expressão” vigente nos dias de hoje jamais seria permitida em outras épocas – nisto, concordamos integralmente com os inimigos da Igreja! Com o que não concordamos é que tal fato demonstre uma superioridade moral do nosso século sobre aqueles que o precederam – aliás, muito pelo contrário.

Como dizíamos acima, o ser humano é detentor de uma dignidade intrínseca que faz com que seja preciso respeitá-lo. Assim, a mera possibilidade de que alguém possa dispôr livremente da vida de outrem – matando-o ou escravizando-o, por exemplo – provoca-nos (ainda…) um sentimento de injustiça; no entanto, aquilo que os revolucionários não percebem é que este “sentimento de injustiça” está alicerçado sobre a dignidade humana, sobre o fato do homem ter sido criado por Deus à Sua imagem e semelhança e, portanto, possuir – intrinsecamente – um quê de sagrado e de inviolável. E permitir que esta verdade fundamental seja questionada ou – pior ainda – negada abertamente não é sinal de avanço, e sim de terrível retrocesso. Não é característica de pessoas civilizadas, e sim de bárbaras.

Não é verdade que nós, hoje, conhecemos o valor do ser humano porque nos livramos do obscurantismo católico medieval, é exatamente o contrário: é devido aos resquícios daquele glorioso tempo – repitamos – no qual a Filosofia do Evangelho guiava as nações que, hoje, nós (ainda) não caímos na barbárie completa e ainda não nos esquecemos (muito) que o ser humano possui uma dignidade intrínseca e que, portanto, deve ser protegido de arbitrariedades de outrem. Por qual outro motivo, afinal de contas, deveríamos falar em “direitos humanos”?

No entanto, na contramão de tudo isto, a brilhante “solução” dada por alguns dos nossos ilustres pensadores para proteger os seres humanos da opressão dos seus semelhantes é postular uma “moral” positivista baseada não em nada objetivo, mas nas “conveniências” e nas “convenções sociais”. Assim, matar pessoas passa a ser errado (ou, melhor dizendo, “ilegal”) não porque as pessoas possuam intrinsecamente um direito inviolável à vida, mas porque “convencionou-se” que é “útil” para a sociedade como um todo que os seus cidadãos não se exterminem mutuamente. O problema, o grande e enorme problema com esta idéia estúpida é que a solução apresentada para proteger as pessoas das arbitrariedades… é ela própria uma arbitrariedade – uma vez que, eliminada a dignidade humana intrínseca, uma convenção social de que é importante para o país que os seus cidadãos não se matem em nada se distingue de uma outra convenção social de que é importante para o país que negros sejam escravizados ou que judeus sejam exterminados. Ou seja: o problema está “resolvido” apenas acidentalmente, uma vez que os princípios são imorais e continuam abertos às maiores injustiças que se poderiam cometer. Deste modo, a gloriosa marcha da vaca para o brejo segue solene e inexorável, e passa a ser somente uma questão de tempo a decadência da civilização na barbárie – cujos sinais já encontramos em profusão por aí.

Ora, as idéias de um povo determinam a maneira como aquele povo vai se comportar e, em última instância, garantem ou impossibilitam a sua sobrevivência – donde se vê a importância que elas possuem. Diante das loucuras do mundo moderno, é possível que paremos um pouco para nos perguntar: como foi possível que chegássemos a edificar uma sociedade sobre tão frágeis alicerces? A resposta é bastante óbvia: se as idéias corretas não são defendidas e as erradas não são combatidas, o pensamento degenera-se, e isto acontece de modo tão claro e óbvio como uma casa se estraga se não houver quem dela tome conta, ou como um terreno produz abrolhos e ervas daninhas se não houver quem o cultive. E, se é criminoso construir edifícios com material de baixa qualidade pondo em risco a estabilidade da estrutura… quão mais criminoso não será edificar uma sociedade inteira sobre a areia movediça e inconstante destas idéias que são o lugar comum do pensamento moderno?

A civilização moderna não existe por conta do pensamento moderno – ao contrário, ela sobrevive (ainda) dos influxos benéficos do Cristianismo, e apesar de todas as loucuras modernas que a ameaçam destruir a cada instante, solapando-lhe as bases. Aprendemos com os construtores das catedrais medievais que uma base sólida é fundamental para a sustentação do edifício, e sempre soubemos que isto era aplicável tanto aos templos católicos quanto às sociedades. No seu ódio irracional ao glorioso passado da Igreja, os anti-clericais fazem questão de – irresponsavelmente – esquecer este ensinamento tão elementar que os nossos antigos nos legaram. E, agora, os prédios ameaçam ruir, e já aparecem as rachaduras, enquanto os livres-pensadores modernos, perdidos, tentam jogar mais e mais areia em uma patética tentativa de fechar as fendas abertas.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

42 comentários em “Os resquícios da civilização”

  1. Mariana
    Dê uma olhada no link acima: Orígenes, a reencarnação e a Igreja Primitiva, e verá que aqui mesmo no blog já está tudo esclarecido sobre esse assunto. A Igreja jamais aceitou a reencarnação.

  2. Mariana
    ” Naquela época, porém, os absurdos como a morte de Jan Hus (apenas para dar um exemplo), uma pessoa cujo único desejo era apresentar Jesus Cristo em sua acepção mais clara, eram tidos como legítimos.”
    Se o julgamento foi ou não justo é outra história, mas o que eu sei é que de santo Jan Hus não tinha nada. Ele foi condenado por defender as idéias de John Wycliffe, que pregava várias idéias contra a Igreja. Jan Hus era um herege. As opiniões dele influenciaram Martinho Lutero, que deu início à Reforma Protestante. Jon Wycliffe defendia que nos assuntos de ordem material, o rei está acima do papa e que a Igreja deveria renunciar a qualquer tipo de poder temporal. Defendia que era tarefa do Estado lutar contra o que considerava abusos do papado. Suas idéias espalharam-se com grande rapidez, em parte pelos interesses da nobreza em confiscar os bens estavam em poder da igreja. As idéias dele tiveram grande influência na reforma da Igreja, não apenas na Inglaterra, que sob Henrique VIII passaria a ter a igreja subordinada ao Estado e o rei como chefe da Igreja, mas também na Boêmia e na Alemanha. Especialmente interessantes são também os ensinamentos que Wycliffe endereça aos reis, para que protejam seus teólogos. Ele sustentava que, já que as leis do rei devem estar de acordo com as Escrituras, o conhecimento da Bíblia é necessário para fortalecer o exercício do poder real. O rei deveria cercar-se de teólogos para aconselha-lo na tarefa de proclamar as leis reais. Como Jan Hus poderia defender as idéias desta cara? Como podia ele defender que a Igreja deveria submeter-se ao estado, que o rei deveria ser o líder da Igreja? Francamente… Jan Hus era um herege…
    Aqui vão os links de onde tirei estas afirmações:
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Jan_Hus
    http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Wycliffe
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Hussitas
    Se fosse depender de Jan Hus e John Wycliffe, o Papa, que representa Cristo, não seria mais o líder da Igreja, e o Estado é que passaria a mandar na Igreja… Aí já viu, daí só teríamos Igrejas como a Anglicana, que tem feito uma porção de coisas erradas, um erro após o outro…

  3. Só uma coisinha: se vocês não leram as obras básicas do Espiritismo, limitem-se a dizer que a Igreja condena pq é reencarnacionista e acredita na comunicação entre espíritos. Mas, por favor, não falem absurdos, como tanta coisa que aqui foi dita. Dá até preguiça de transcrever tudo. Quando eu não sei algo sobre o que ensina a Igreja Católica, pergunto a vocês, tento entender, mas não saio por aqui teimando com quem estuda mais o catolicismo do que eu.
    Cris, volto a dizer, a umbanda é uma coisa e o espiritismo é outra. Pontos em comum? Sim. APenas isso, assim como este também tem pontos em comum com a Igreja Católica. Se os umbandistas se dizem espíritas, nada posso fazer, apenas lhe digo que não são verdadeiros espíritas.
    Olegário, a caridade material nem de longe é a única praticada pelo espiritismo, aliás, na interpretação do Evangelho segundo o Espiritismo, diz-se justamente que a caridade material é a de menor importância. Oramos e evangelizamos, quer você acredite ou não.
    Em relação à reencarnação, comentarei no novo post feito pelo Jorge, o qual, aliás, eu já esperava.
    Um abraço.

  4. Mariana
    “Isso, porém, não me impede de enxergar que a Igreja Evangélica tem suas falhas doutrinárias, tal qual a Igreja Católica.”
    A Igreja Católica não tem falhas doutrinárias, porque apesar de alguns membros da Igreja terem cometido erros terríveis, o catolicismo não é um mau em si mesmo. Uma religião fundada por Cristo só pode ser boa, não má. Jesus mesmo disse que pelo fruto se conhece a árvore, e que uma árvore boa só pode dar frutos bons. E catolicismo só tem dado frutos bons. Claro que houve membros da Igreja que fizeram coisas terríveis, mas as coisas boas que a Igreja fez pesam mais na balança. Mesmo a Inquisição, apesar de ter eliminado alguns justos, não era um mau em si mesma. O problema é que houve gente que usou a Inquisição para fazer o mal, como no caso de Santa Joana D’Arc. Mas a Santa Inquisição não era um mau em si mesma, não foi criada para fazer o mal. Antes que você retruque, eu adianto que a própria história confirma que a Igreja Católica foi fundada por Jesus, aprendi isto na universidade, embora digam que foi Paulo que fundou. Se engana quem pensa que Cristo não fundou nenhuma Igreja, há uma passagem na Bíblia que é muito clara sobre esse assunto, por que ele disse isso então:
    Bem aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne e o sangue que to revelou, mas meu Pai que está no céu. E Eu te digo, que tu és Pedro, e sobre essa pedra Eu EDIFICAREI A MINHA IGREJA, e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus; tudo o que ligares sobre a terra, será ligado também nos céus; e tudo o que desatares sobre a terra, será desatado também nos céus” (Mt. XVI, 17-20).
    Falhas doutrinárias existem no protestantismo, no espiritismo e nas outras religiões. No espiritismo principalmente, porque o espiritismo prega que todas as religiões são válidas, que todos os caminhos levam a Deus o que é um grande engano. Não tem como todas as religiões serem verdadeiras. O próprio Jesus havia dito:
    “Porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a muitos.E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos.”
    Nós Católicos, diferentemente dos espíritas, pretendemos sim e nos preocupamos em andar no caminho certo, e não pegamos qualquer atalho indicado por qualquer um. Seguimos o Caminho, conforme Jesus nos ensina nos Evangelhos desde o início, da mesma forma, sem mudança, e não conforme o Evangelho de Alan Kardec que é oposto ao de Jesus, ou de qualquer outras novidades divergentes.
    “Maldito o que faz um cego errar o caminho” (Deut XXVII , 18).
    “cegos e guias de cegos” (Mat XV, 14)

  5. Mariana
    “Só uma coisinha: se vocês não leram as obras básicas do Espiritismo, limitem-se a dizer que a Igreja condena pq é reencarnacionista e acredita na comunicação entre espíritos. Mas, por favor, não falem absurdos, como tanta coisa que aqui foi dita.”
    Está falando do evangelho segundo o espiritismo, o livro dos médiuns, a gênese e não sei o que mais? Eu li todos, querida. E minha opinião continua sendo a mesma.

  6. Aliás, ainda sobre João Huss, era um baderneiro que, entre outras coisas, estava semeando revoltosos entre o povo e incitando-os contra a autoridade papal (em particular, contra uma comitiva pontifícia cujos membros, por conta das diatribes de Huss e de Jerônimo de Praga, “foram tratados com toda sorte de indignidades” – v. aqui). E, ainda sobre Huss, como era a praxis católica de então, ele foi primeiro julgado e excomungado, depois teve um interdito lançado sobre sua residência, depois foi ordenada a sua prisão (da qual ele fugiu) e só depois ele foi condenado à morte em um Concílio – e nada disto adiantou, porque a cada momento ele continuava pregando heresias e agitando o povo, confiante na proteção real da qual gozava. Portanto, ao contrário de um “justo”, de uma pessoa “cujo único desejo era apresentar Jesus Cristo em sua acepção mais clara”, Huss era simplesmente [mais] um revolucionário tentando subverter a ordem social.

    No entanto, ainda concedendo que não o fosse, o fato de ter porventura havido um inocente condenado injustamente por um tribunal não transforma a Idade Média em “um período em que a Igreja, com seu poder temporal, eliminou justos” – isto é profundamente estúpido, e é exatamente o tipo de assertiva desonesta, criminosa e irresponsável que faz com que tantas pessoas hoje acreditem em uma caricatura do passado que não guarda com a realidade praticamente nenhuma semelhança. E, sim, contra este tipo de patifaria intelectual eu espero que Deus me conceda a graça de protestar pelo resto dos meus dias… :)

    Abraços,
    Jorge

  7. Mariana says:

    11 July 2011 at 8:44 am

    Só uma coisinha: se vocês não leram as obras básicas do Espiritismo…

    O espiritismo é uma doutrina conveniente, criadas por homens para satisfazer e preencher suas vidas com respostas amigáveis. Todas as respostas carregam erros grosseiros de lógica básica. Os espiritas sustentam que sua doutrina atende melhor os princípios da razão, mas nem neste requisito são honestos.

    Como o espiritismo não é uma religião e sim apenas uma doutrina, sua análise pertence ao campo da lógica. Vincular esta doutrina com a bíblia é contraditório e impossível de defender no campo da razão. Um “Centro Espírita de Cristo” é tão lógico quanto um “Centro Espírita do Mickey” ou “Centro Espírita do Pateta”, isto apenas tenta vincular uma coisa sem sentido a uma figura conhecida, que em nada tem algo a ver.

    Mariana se você quiser destruir o espiritismo, basta ler as obras clássicas deste espiritismo… mas é preciso que as orelhas estejam separada por um cérebro e o olhos abertos, e que a tua motivação seja atingir a verdade e não a TUA verdade.

    O que mais prende as pessoas à doutrina espirita é o “Problema do Sofrimento” e suas respostas sedutoras, este tema recorrente, leva a cada seguidor um jato de ilusão em cada infecção dolorosa, resposta simples, rápida e inócua.

    A ideia de eliminar o inferno só é muito agradável a quem NÃO tem pecado.

  8. Mariana
    Posso não ter sido espírita, segundo a sua concecpção de como é ser espírita, mas espiritualista eu fui sim, o que é quase a mesma coisa, porque os espiritualistas também crêem na reencarnação. Todos os umbandistas são espiritualistas, isso você não tem como negar.

  9. Não é mimimi Jorge. Fatos. Que gente como tu e a Cristiane insistem em negar, ou pior, a tentar justificar com lenga-lengas.

  10. Quintas, se você não quer estudar mais sobre os fatos verdadeiros para assim poder chegar à verdade mesmo, se você não quer ver a verdade e prefere acreditar nas mentiras que são ensinadas e que todo mundo repete como papagaio, eu não posso fazer nada. Ninguém aqui está negando fatos, muito pelo contrário, tudo o que a gente falou aqui é comprovado pela história, historiadores sérios afirmam o que a gente falou. Agora, se você não quer acreditar na verdadeira história da Idade Média e prefere acreditar na lenda negra de que a Idade Média foi a Idade das Trevas, problema seu. Quem está com mimimi aqui é você, meu caro. Você não quer admitir porque você demoniza todas as religiões, e não quer admitir que uma religião na verdade possa não ser ruim como se pensava.

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