A liberdade de expressão e os seus limites

Um leitor do Deus lo Vult! deixou, aqui, o seguinte comentário:

Sobre a liberdade de ofender e escarnecer, como se pode definir que alguém foi ofendido ou escarnecido se os pontos de vista são tão diferentes? Essa batalha que deve ocorrer no âmbito civil e com critérios muito claros. Pois muitos do movimento gay também consideram ofensivo que representantes das igrejas apareçam na TV bradando que os homossexuais são pecadores, pode-se evocar a liberdade de expressão nesse caso ou estamos diante de um outro limite para a liberdade de expressão?

Penso que o assunto merece um post à parte.

Antes de qualquer coisa, o problema, a nível teórico, se resolve de maneira muitíssimo simples: a rigor, a única liberdade que existe é «a liberdade fundamentada sobre a verdade» (Paulo VI, Mensagem para o 9º dia mundial das comunicações sociais, 19 de abril de 1975). A fórmula de Pio XII (Miranda Prorsus, Parte Geral, “Liberdade de Difusão”), por sua vez, é bastante intuitiva e pode nos ser muito útil nesta seara:

[A] verdadeira liberdade consiste no uso regrado da difusão daqueles valores que ajudam ao aperfeiçoamento do homem.

Assim, o único discurso que pode pretender propriamente um “direito” à existência em sociedade é, portanto, o discurso verdadeiro e bom. A mentira, o erro e o engano não podem ter um direito infrene à livre-proliferação em público, e não tem o menor cabimento conceder às verdades e às fábulas o mesmo status social. Enquanto este princípio generalíssimo não for assimilado, não se vai conseguir resolver a contento o problema da «liberdade de expressão» nas sociedades complexas contemporâneas.

Deve ser buscado o «aperfeiçoamento do homem», pois bem. Em teoria, está perfeito. A nível mais concreto, contudo, a questão se impõe com contornos mais complicados a partir do momento em que diferentes pessoas não conseguem entrar em mútuo acordo a respeito de qual seja, especificamente, o discurso verdadeiro e qual o falso, qual o pernicioso e qual o útil. O socialismo matou milhões de pessoas ou é o responsável por avanços civilizacionais de outro modo inalcançáveis? A democracia representativa brasileira contemporânea é eficaz para reproduzir fidedignamente a vontade política dos cidadãos, ou é um instrumento de manipulação demagógica concebido e executado para atender a interesses particulares inconfessáveis? A religião verdadeira é a Católica Apostólica Romana ou é o Islão? Como saber qual dos discursos é verdadeiro e proveitoso,  e qual é falso e daninho? Onde está a verdade?

Evidentemente, não se negam as dificuldades existentes para identificar quem está com a razão em cada caso concreto. É óbvio que a verdade a respeito de toda e qualquer coisa não é imediatamente evidente a toda e qualquer pessoa. Há, no entanto, maneiras civilizadas e inteligentes de minimizar esta contingência:

1. Via de regra, descobrir o que não é verdade é mais fácil do que identificar o que é verdade, e existem muitos casos em que fazê-lo está ao alcance de qualquer pessoa. Por exemplo, diante de alguém que apresenta o punho cerrado e pergunta “o que tenho na mão?”, pode ser bastante difícil descobrir o que a mão fechada esconde; não obstante, é facílimo dizer, com bastante segurança, o que ela não esconde. Diante de tal indagação, alguém pode não saber responder ao certo se o que está na mão do interlocutor é uma moeda, uma tampa de caneta ou um piolho-de-cobra; mas qualquer um consegue dizer, com bastante segurança, que o que está lá não é uma jaguatirica, um capacete de moto tamanho padrão ou a Grande Muralha da China.

As questões que interessam à sociedade são um pouco mais complicadas do que este exemplo ilustrativo, é verdade, mas mesmo entre aquelas é possível encontrar vastos territórios de coisas que inequivocamente não «ajudam ao aperfeiçoamento do homem», para usar a fórmula de Pio XII. Por exemplo, a imensíssima maior parte das pessoas há de concordar que a proposta de acabar com a pobreza exterminando fisicamente os pobres é totalmente inadmissível, e está disposta até mesmo a conceder que a veiculação pública de semelhante ideia possa e deva ser inibida pelos poderes públicos. No atual estado de coisas, aliás, não faz o menor sentido alguém protestar contra a “imposição de limites à liberdade de expressão”: em qualquer lugar civilizado do orbe ela já tem limites, aceitos pacificamente pela esmagadora maioria dos membros da sociedade.

2. Dada a intrínseca contingência humana e a (conseqüente) natural e inevitável falibilidade de tudo o que ele produz – inclusive julgamentos -, nenhum tema pode ser “indiscutível” em absoluto. Futebol, política e religião, tudo, há que se discutir sim. No entanto, duas coisas precisam ser aqui observadas. Por um lado, qualquer assunto só é discutível em razão inversa à solidez que ele estabeleceu na sociedade: isso significa que as coisas com as quais virtualmente todo mundo concorda precisam de novos e fortes argumentos para serem colocadas em discussão, enquanto aquelas que encontram maior resistência social para se disseminar têm exigências argumentativas mais modestas (*). Por todo lado, “discutir” significa se utilizar de um discurso racional argumentativo para convencer o interlocutor de uma determinada tese: a simples peça publicitária (pior ainda, enganosa), a ofensa gratuita, a desmoralização do “oponente” e coisas parecidas estão fora do escopo dessa discutibilidade universal de todas as coisas aqui apresentada.

[(*) No Brasil atual, note-se, ocorre justamente o contrário: coisas evidentíssimas e que gozam de ampla aceitação popular, como por exemplo que o aborto é moralmente condenável e não deve ser aceito, discute-se com a superficialidade das escalações da seleção brasileira, o tempo todo, em todos os foros possíveis e imagináveis. Por sua vez, a uma coisa de que ninguém (a não ser uma meia-dúzia de ditos intelectuais) se convence, que não haja diferença alguma entre o casamento vitalício e monogâmico entre o homem e a mulher e a mera união entre dois homens ou duas mulheres, quer-se conceder ares de indiscutibilidade, chegando até mesmo à criminalização do contraditório…]

Duas implicações decorrem daqui: inexiste um direito de ofender, uma vez que toda e qualquer discussão deve ser construída sobre as bases da argumentação racional e não de ofensas gratuitas; e ao mesmo tempo ninguém tem um direito de não ser ofendido, um vez que o detentor de uma ideia não pode alegar “ofensa” para coibir uma refutação intelectual, racionalmente fundamentada, daquela ideia. Abrem-se, assim, as portas para o futuro e o progresso, ao mesmo tempo em que se protegem as conquistas civilizatórias já historicamente adquiridas.

3. Por fim, é necessário que haja instâncias de decisão para apaziguar os ânimos e arbitrar possíveis discussões entre cidadãos que possam surgir, mormente nos casos-limites (“ah, isso é ridicularizar a minha crença!”, “não, senhor, trata-se de emprego de reductio ad absurdum para demonstrar racionalmente a falsidade da sua tese”…). Tais instâncias necessariamente serão uma espécie de elite intelectual, comprovadamente hábeis na arte de aplicar os princípios acima elencados na solução de conflitos concretos; e precisarão, igualmente, ser dotadas de legitimidade moral para fazer valer as suas decisões sobre os contendedores, i.e., precisarão exercer, em quanto maior medida melhor, uma autoridade natural sobre a sua esfera de “jurisdição”.

Em observância ao princípio da subsidiariedade, é preferível que tais instâncias se multipliquem em diversos níveis – familiar, condomínio/bairro, comunidade, município, região metropolitana, estado etc. -, preservando assim características e valores locais ao mesmo tempo em que se evita a ingerência de pretensos iluminados na autodeterminação dos legítimos agrupamentos sociais intermediários. Começa-se a discutir religião, assim, dentro de casa, e não nos jornais das metrópoles. São os grupos de pais que decidem a respeito da educação de seus filhos, e não os ministros de Brasília.

À luz de todo o exposto, por fim, responde-se ao comentário que deu origem a este post da seguinte maneira:

  • identifica-se a ofensa, primeiramente, pelo critério da evidência: um discurso argumentativo a respeito do que quer que seja é uma coisa, e a veiculação de peça publicitária aviltante é outra coisa completamente distinta;
  • nos hard cases, é necessária a intervenção de uma instância superior, o mais localizada possível, e que (evidentemente) goze de autoridade sobre todas as partes envolvidas no litígio, a fim de discernir se se trata de exercício adequado da liberdade de expressão ou não;
  • o critério para a difusão pública de discursos não é o “movimento gay” e nem ninguém “sentir-se” ou deixar de se sentir “ofendido”, e sim se a mensagem veiculada ajuda «ao aperfeiçoamento do homem» ou não; isso se determina, mais uma vez, pelos critérios supramencionados da racionalidade do discurso e do prestígio (ou falta de prestígio) social de que gozam as teses em lide.

Concordo que é muito difícil obter consenso entre pessoas diferentes; tal, contudo, torna-se completamente impossível se a discussão e o debate racional são socialmente desestimulados. É bem provável que a plena concórdia a respeito de tudo seja inalcançável; penso, no entanto, que existem amplas margens para consensos substanciais a respeito de um grande número de coisas – para a obtenção dos quais é contudo necessário, mais uma vez, que a discussão pública, séria e honesta seja cada vez mais incentivada e não tolhida. Um mundo perfeito é sem dúvidas impossível, mas isso não dá a ninguém o direito de desistir de trabalhar por um mundo um pouco melhor do que este que está aí: em direção a este objetivo, sim, nós podemos e devemos caminhar com valentia e determinação.

O massacre de Charlie Hebdo: combatemos por algo maior do que nós

Muito já se falou a respeito do horrível atentado que a redação da Charlie Hebdo sofreu ontem em Paris. No meio de uma infinidade de comentários (para dizer o mínimo) superficiais que inundaram os nossos meios de comunicação, gostaria de fazer um apanhado daquilo que considero mais relevante sobre o assunto.

A primeira coisa que acho importante desmistificar é essa necessidade doentia – socialmente exigida e, em alguns casos, até mesmo auto-imposta – de se “tomar partido”, de preferência o mais rápida e veementemente possível. Ora, não nos é necessário, absolutamente, escolher um lado entre os dois que se chocaram, ontem, na capital francesa! Sem dúvidas a comoção é enorme e, por conta disso, é razoável que o raciocínio se nos embote um pouco; contudo, é preciso resistir, e caminhar com bastante cuidado.

Porque, no afã de condenar a chacina estúpida, corre-se o risco de chancelar o deboche religioso que era a marca registrada da revista francesa. Não, nós não defendemos uma liberdade de expressão absoluta e intocável – que inclua o direito de agredir, ofender, escarnecer. Por outro lado, ao repudiar o escárnio da Charlie Hebdo, arriscamo-nos a justificar o assassinato cometido pelos terroristas. Não, nós não defendemos um direito de exterminar os que nos desagradam – segundo o qual os ofendidos possam sentenciar à morte e executar por conta própria os seus ofensores.

Aquilo que a revista se notabilizou por fazer não é humor nem liberdade de expressão, e sim agressão gratuita. Aquilo que os criminosos fizeram ontem em Paris não foi justiça nem defesa legítima, e sim violência absurda. Não é preciso achar lindo o que faziam os cartunistas assassinados para condenar com ardor o seu assassinato. Não é preciso considerar heróis os terroristas para rechaçar com vigor as charges cretinas que a revista satírica veiculava. Não aceitamos a blasfêmia. Mas tampouco aceitemos que a blasfêmia seja punida por particulares – muito menos com a morte.

Evidentemente, também não aceitamos as retaliações ligeiras, com mesquitas anonimamente atacadas à noite por exemplo. A tragédia não pode servir de trampolim para discursos superficiais que, procurando ad hoc responsáveis sobre os quais lançar a culpa do massacre, terminem por cristalizar lugares-comuns como “religião é violenta mesmo”. É evidente que os responsáveis por este crime brutal precisam ser responsabilizados. Infelizmente, parece não ser tão evidente assim que a culpa não pode ser coletivizada para “os muçulmanos” como um todo e nem muito menos para “os religiosos” em geral. Tal expediente irreligioso cretino, de instrumentalização de uma tragédia para alavancar a própria concepção ideológica, precisa – também ele – ser repudiado com a máxima diligência.

Uma outra coisa que precisa ser pontuada é esta: a França não foi palco de um episódio de intolerância religiosa, e sim de um choque de culturas. E, neste sentido, o melhor texto que li sobre o assunto foi escrito no final da década passada. Chama-se «O Islã e o Ocidente», é da lavra de Roger Scruton, é longo e vale cada parágrafo.

Em tempos de multiculturalismo, é preciso ter suficientes pés no chão para reconhecer a existência, em diferentes culturas, de determinados valores completamente incompatíveis entre si. Uma cultura como a ocidental que julgue poder escarnecer das crenças religiosas dos outros não pode conviver com uma outra cultura – como a islâmica – que considere um mandato divino, imposto a todo e qualquer fiel, punir com a morte os que blasfemem contra o Islã. É bastante evidente que ambas tendem à aniquilação mútua; e que, se nenhuma das duas abrir mão de [ao menos parte dos] seus valores, episódios como o de ontem vão se tornar recorrentes.

E a proposta do Scruton é a de que defendamos, abertamente, o patrimônio cultural ocidental frente aos que o ameaçam. Sim, eu sei que isso é mal visto nos dias de hoje, sei que recebe o rótulo depreciativo de “etnocentrismo”, sei que fomos ensinados, de maneira repetida e consistente, desde crianças, a odiarmos aquilo que somos e a desprezarmos as nossas raízes. No entanto, essa atitude é suicida. Nas sociedades, como na natureza, não existe o vácuo. Se os homens não estiverem dispostos a moldar a sociedade de acordo com os seus valores próprios, então ela será moldada pelos valores dos que primeiro tiverem a ideia de os apresentar em praça pública. Se os súditos não forem ensinados a honrar os deuses dos seus antepassados, então eles serão levados a honrar os deuses dos estrangeiros. É assim que o mundo funciona. Já não é mais possível continuar se recusando obstinadamente a o reconhecer.

Tudo isso quer dizer, em suma, que nós estamos em guerra. Não é possível fingir que tudo está na mais perfeita paz e concórdia, porque não está. No entanto, há três coisas sobre esta «guerra» que é preciso deixar claro.

Primeiro, e antes de qualquer outra coisa, que se trata de uma guerra cultural a ser travada no campo das ideias. Isso é bastante evidente, e é preciso rejeitar com veemência todas as tentativas que surjam de estabelecer analogias, ainda que remotas, entre os atos de violência dos terroristas islâmicos e o dito «fundamentalismo» cristão – que geralmente outra coisa não é que «ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja», a propósito. Sim, queremos fazer prevalecer as nossas ideias. Isso não permite concluir, de nenhuma maneira, que queiramos exterminar fisicamente os que pensam diferente de nós.

Segundo, e no mesmo sentido, que discordância não é necessariamente sinônimo de agressão. E, em contrapartida, viver em sociedade não exige necessariamente que as pessoas guardem as suas convicções para si próprias. É lógico que a sociedade precisa caminhar em relativa ordem, mesmo com a presença de múltiplos sistemas de valores em seu interior: isso é óbvio. No entanto, é também evidente, e empiricamente verificável, que a maior parte das pessoas não joga bombas naqueles de quem discorda mesmo visceralmente. Inibir o debate público dos valores não é o mesmo que resguardar a convivência tolerante entre os diferentes, mas justamente o contrário: é deixar o espaço livre para os valores que não respeitem essa regra de auto-contenção. O islamismo é aqui somente o exemplo mais radical: traços dessa “publicização axiológica”, contudo, podem ser encontrados em menor grau também nos laicismos ocidentais.

Terceiro, e por fim, que a vitória nesta guerra é já humanamente impossível. Os valores ocidentais já estão moribundos por conta da longa guerra travada contra a Igreja ao longo dos últimos séculos, e a cultura judaico-cristã parece não encontrar mais uma massa crítica disposta a defendê-la. Os ocidentais envelhecem e morrem impondo-se um controle de natalidade anti-natural que os está conduzindo à extinção, enquanto os muçulmanos povoam o mundo a partir do ventre de suas mulheres. O futuro é sombrio. No entanto, nós mesmo assim precisamos lutar, porque não combatemos pela vitória e sim pela justiça da batalha. Não devemos nos preocupar com as adversidades que existem e nem devemos nos perturbar com os ventos que sopram contra nós: defendemos os nossos ideais por acreditarmos que eles estão corretos, e não porque eles tenham uma chance razoável de se tornarem hegemônicos dentro do horizonte de nossas vidas. Eles muito provavelmente não têm, mas mesmo assim cumpre defendê-los com valentia. Combatemos por algo maior do que nós, e esse é o diferencial que temos em nosso favor. Não é por nós, e sim ad majorem Dei gloriam.

Deus nos vê; combatemos por Ele e por Sua santa Religião, combatemos pela Igreja por Ele fundada, combatemos pelas glórias da Santíssima Virgem. Deus vê, e Ele é Senhor da história, e isso nos deve bastar. As guerras culturais não se vencem pelo poder das armas, e sim pela força das idéias. Talvez, se rezarmos bastante e trabalharmos com afinco, Deus torne o nosso apostolado fecundo. Talvez, se nos esforçarmos e n’Ele confiarmos, Ele conceda graças para que os homens O vejam e, abandonando as fábulas do mundo moderno, n’Ele creiam. Talvez Ele intervenha, e mude a nossa sorte.

Mas talvez não. Talvez só vejamos a Igreja em Seu esplendor na outra vida – quem sabe? Talvez tenhamos mesmo que atravessar tempos tenebrosos à nossa frente: não importa. A cada um cabe fazer a sua parte, e a nossa é defender, com todas as nossas forças, a Fé dos que nos precederam, a Fé que recebemos dos Apóstolos. Ainda que talvez não vejamos o resultado dos nossos esforços, nada que se faz por amor de Deus é em vão. Isso nos deve ser suficiente. No calor do campo de batalha, isso nos deve bastar.

Vilipêndio religioso não é direito de ninguém

Foi com alegria que eu soube desta «Nota de Repúdio contra o grupo Porta dos Fundos» que diversos líderes religiosos assinaram e tornaram pública na última quarta-feira. Pessoas tão distintas entre si quanto uma “Sacerdotisa de Umbanda”, o “Pastor Pedrão” e a “Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro” reuniram-se para apresentar ao Cardeal do Rio de Janeiro «seu descontentamento em relação às investidas feitas pelo Grupo Porta dos Fundos contra as mais diversas religiões, através de atos abusivos que, sob pretexto de estarem albergados pela liberdade de expressão, não contribuem para o progresso do debate democrático e apenas acirram tensões, não concorrendo para a obtenção da paz social e religiosa que tanto se almeja no país».

Eu não vi este último vídeo polêmico do Porta dos Fundos. Como já disse aqui em outra ocasião, parei de me interessar pelos “humoristas” quando eles fizeram um esquete extremamente ofensivo envolvendo dois padres no confessionário e alusões à pederastia. Para mim, são um bando de pessoas sem caráter, que se consideram detentoras de alguma espécie de superioridade moral que lhes confere autorização prévia e incontestável para agredir e vilipendiar quem pensa diferente deles. Em suma, gente da pior cepa de hipocrisia que o pensamento moderno é capaz de parir. Não merecem que se gaste muito latim com eles.

No entanto, é curioso ver como está ficando cada vez mais difícil esconder os próprios crimes sob a cômoda desculpa da “liberdade de expressão”, como se esse direito estivesse acima dos outros direitos arrolados na Constituição Federal. A referida nota de repúdio não é assinada por um único católico. São judeus, muçulmanos, candomblezeiros e protestantes os que se levantaram em solidariedade à Igreja Católica, por conta da agressão gratuita a crença alheia que o conhecido grupo que se pretende “de humor” fez mais uma vez:

A utilização de palavras de baixo calão e xingamentos para se referir à divindade, como feito no vídeo “Anunciação”, é ofensiva e demonstra o emprego indevido da criação e do discurso artísticos com mera finalidade de ridicularizar a fé alheia.

[…]

O objetivo da publicação de tais vídeos não é debater o credo ou os dogmas de uma religião específica, mas simplesmente escarnecer dos mesmos, atingindo diretamente o sentimento religioso de cidadãos brasileiros, o que não encontra respaldo no ordenamento jurídico nacional.

Tudo isso me parece bastante evidente, mas é incrível como tão raramente encontramos essas posições expostas em público, com a clareza que a seriedade do assunto exige. Liberdade de expressão é uma coisa séria, e presta um enorme desserviço a este direito fundamental os que o caricaturizam ao ponto de torná-lo odioso – exatamente como a turma do “Porta dos Fundos” e quetais vem fazendo.

A ofensa gratuita não é um direito de ninguém. Pessoas normais percebem com extrema facilidade que não é certo ofender os outros. Se alguém insiste em fazê-lo alegando estar no mais legítimo exercício de um direito constitucional, a conseqüência mais óbvia dessa situação aberrante é o tal “direito constitucional” deixar de ser percebido como uma coisa positiva e passar a ser visto como uma licença perniciosa, uma corrupção legislativa, uma anti-lei.

Os direitos fundamentais existem e devem ser protegidos, mas o vilipêndio religioso não é direito de ninguém. Os inimigos da “liberdade de expressão” não são os que clamam pelo fim das agressões sistemáticas que grupos de sedizentes humoristas como o “Porta dos Fundos” perpetram constantemente contra o Cristianismo e as demais religiões. Muito ao contrário, os seus verdadeiros inimigos são os que lhe distorcem o sentido, chamando os seus próprios crimes de “liberdade” e arrogando-se um descabido “direito” de debochar gratuitamente do sentimento religioso alheio.

Que ninguém se engane: não são defensores da “liberdade de expressão” os que querem colocá-la a serviço da ignomínia. Estes são na verdade os seus maiores inimigos, porque a destroem no ato mesmo de identificá-la com os atos odiosos que praticam.

Marco Civil: censura da internet?

Com a devida vênia, eu só cético quanto à idéia de que o Marco Civil da Internet (PL 2126/2011) vá atentar contra a nossa liberdade de expressão. A tese vem ganhando destaque nos últimos dias por conta da iminente votação do projeto na Câmara, mas eu sinceramente não consigo ver os problemas que vêm sido apontados. Trago o tema à baila mais para esclarecimentos e debates do que para subscrever o que se vem dizendo sobre o assunto.

O estopim, parece-me, foi o texto do Elio Gaspari na Folha de São Paulo no último dia 11 de novembro. Lá o articulista diz que este «[é] o arcabouço do qual saiu o modelo chinês. A internet é livre, desde que cumpra as normas de serviço, portarias e regulamentos do governo». Certamente eu concordo que estas generalidades em textos legais podem dar brechas a aberrações futuras, mas o ponto aqui é que a gente não está muito melhor sem o Marco Civil do que com ele. Alega-se que uma portaria futura pode censurar tal ou qual site de acordo com interesses do governo, e eu concedo; mas qual mecanismo impede que isso seja feito diretamente, sem PL 2126 nem nada? Ou, em outras palavras, por que para o Governo é mais fácil censurar a internet depois do Marco Civil do que antes dele?

A questão da responsabilidade dos provedores (art. 14-16) mais os alivia do que onera. Atualmente, a Justiça Brasileira condena o Google por conta de coisas que terceiros publicaram no Orkut, o que é francamente absurdo; o Marco Civil, ao contrário, diz que os provedores de aplicações só poderão ser responsabilizados se não retirarem o conteúdo danoso do ar após ordem judicial específica. E, no exemplo do Elio Gaspari [O soldado Bradley Manning rouba 750 mil documentos secretos do governo americano, transmite-os para o site WikiLeaks por meio de um sistema impossível de ser rastreado (ele só foi descoberto porque contou sua proeza) e um juiz de Mato Grosso manda o Google esterilizar o link. Se não o fizer, pagará uma multa e seu gerente poderá ser preso.], a coisa se resolve simplesmente replicando o conteúdo censurado em outro link, mecanismo orgânico de divulgação de informação inerente à internet e que a própria comunidade de usuários se encarrega de fazer. Ou acaso alguém conseguiu tirar o conteúdo do WikiLeaks do ar? Ou porventura as pessoas deixaram de baixar vídeo pirata depois que censuraram o Megaupload?

Os sites de tecnologia têm se manifestado de modo positivo sobre o Marco Civil. E algumas denúncias que pululam por aí são simplesmente falsas. P.ex., este site “Contra o Marco Civil da Internet” diz, em sua página principal, que o projeto de lei pretende criar “registros preventivos de toda movimentação na internet brasileira” – as aspas são de lá. Ora, primeiro que isto não está no texto do projeto de lei e, segundo, que é completamente impossível: “toda movimentação na internet” é uma quantidade de dados gigantesca o suficiente para que seu registro seja absolutamente inexequível, por limitações técnicas (de armazenamento e processamento) simplesmente incontornáveis.

Eu não acredito em censura na internet: isto não funciona nem em Cuba e na China. Acho que a discussão é válida e é sadio que as pessoas demonstrem esta preocupação, mas honestamente eu não vejo nenhuma ameaça real no Marco Civil. Não me parece que a internet se tornará um lugar pior com a sua aprovação. Julgo ser sábio distinguir as ameaças verdadeiras das falsas, ou – concedamos – as atuais e concretas das potenciais e futuras. E, diante de cada uma delas, é mister reagir-lhe proporcionalmente.

Os neofascistas estão chegando!

[Paródia do clássico de Jorge Ben, que recebi por email. Mais um episódio da guerra virtual envolvendo o Carlos Ramalhete e as investidas totalitárias dos que querem cercear toda a liberdade de discordar da agenda gay. Ridendo castigat mores! A gente briga e a gente se diverte. Continuemos neste importante combate. E se você não assinou ainda a petição em favor da liberdade de expressão do prof. Carlos Ramalhete, faça-o agora. Não se omita! O Brasil agradece.]

Os neofascistas estão chegando

Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!…

Os neofascistas estão chegando
Estão chegando os neofascistas…(2x)

Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Êh! Êh! Êh! Êh!…

 

Eles não são muitos, mas são perigosos
Vivem movidos a ódio
Escolhem com cuidado
A hora e o alvo
De seus furiosos ataques

São barulhentos, ativos e intolerantes
Executam
Segundo regras soviéticas
Desde a difamação, a perseguição
De quem discorda de sua convicção

Trazem consigo cartazes
Frases de efeito
Gritos de ordem
Todos exaustivamente ensaiados

Evitam qualquer relação com pessoas
De moralidade sólida
De moralidade sólida
De moralidade sólida
De moralidade sólida…

 

Êh! Êh! Êh! Êh!
Êh! Êh! Êh! Êh!…

Os neofascistas estão chegando
Estão chegando os neofascistas…(2x)

Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!…

CBN entrevista Carlos Ramalhete

A polêmica envolvendo os bárbaros que querem a cabeça do Carlos Ramalhete continua. Hoje foi a vez da CBN Curitiba divulgar o evento anti-Ramalhete organizado no Facebook e fazer ao vivo uma entrevista com o autor da coluna mais odiada das redes sociais revolucionárias.

O “Fora Carlos Ramalhete: Preconceito na Gazeta do Povo” é um evento de ódio dogmático e intransigente que foi criado na própria quinta-feira em que a coluna do professor Carlos foi publicada. Tem por objetivo declarado “pedir a retirada deste elemento” (sic) dos quadros da Gazeta do Povo; para isso, está marcando um encontro (ou sei-lá-o-quê) de dia inteiro em Curitiba, no próximo dia 30 de setembro. Das mais de 30.000 pessoas que foram convidadas, três mil e poucas (até o momento) disseram que iriam. Foi este o evento original onde se publicou o primeiro abaixo-assinado pela demissão do Ramalhete, no qual os delirantes intolerantes soltaram a patacoada de que os jornais são “concessão pública” (sic) e, por conta disso, exigem que a Gazeta do Povo “apresente uma retratação pública, e que a coluna do Sr. Carlos Ramalhete seja encerrada”. Puro delírio totalitário: televisão é concessão pública, mas a mídia impressa não. Em sua sanha persecutória cega, os que querem calar a voz do prof. Carlos meteram feio os pés pelas mãos.

A entrevista com o professor Carlos pode ser ouvida no site da CBN (ou aqui, em .mp3 para download). Dentre as coisas muito bem ditas por ele a despeito da patente má vontade do entrevistador, eu destaco:

  • A questão não é se o matrimônio gay é feliz ou não é feliz, ou existe ou não existe: a questão é botar uma criança na ponta de lança de uma luta que não é a luta dela.
  • O Estado está avançando muito além dos seus limites – inclusive de maneira impopular, por isso que isso tá sendo feito só por tribunais, cartórios, nunca por representanes eleitos da população: porque a maior parte da população não concorda com esse tipo de coisa – ao ficar tentando desmontar a família tradicional, tentando impôr como se fosse exatamente equivalente qualquer tipo de união.
  • Olha, eu não acho que o Estado deva organizar a sociedade, eu acho que o Estado deva reconhecer como a sociedade se organiza. A sociedade se organiza naturalmente. (…) As uniões, tanto uniões de vida em comum, quanto uniões (pra voltar ao tema) religiosas, quer dizer, as pessoas que se agrupam em denominações religiosas, tudo isso existe: e é isso que gera a ordem da sociedade. Ao Estado compete manter esta ordem, ao Estado compete impedir que haja violência contra quem quer que seja: violência contra a maioria silenciosa que aceita preceitos religiosos, no Brasil em geral cristãos, ou a violência contra os homossexuais, ou a violência de qualquer tipo. O Estado está aí justamente para impedir que esta ordem se desfaça, não pra tentar construir uma ordem nova.

Oferecemos, mais uma vez, o nosso apoio e solidariedade ao professor Carlos. E se você ainda não o fez, assine (e divulgue) agora o abaixo-assinado “em favor da liberdade de expressão do prof. Carlos Ramalhete”. Vamos desmascarar o hipócrita discurso de ódio dos que só sabem se fazer de vítimas clamando por tolerância mas, ao primeiro sinal de discordância, põem as garras de fora e buscam calar na marra o seu interlocutor. Já basta deste inverno estéril no qual querem transformar o Brasil à força de truculência ideológica. Que floresçam as flores, pois já é tempo. Força, prof. Carlos! Nós estamos com você.

Rede de fast-food se diz abertamente contra o casamento gay: as repercussões deste “crime”

Ainda esta semana eu informei aqui que diversas empresas mundo afora haviam deixado de contribuir com a Planned Parenthood por conta do boicote de cidadãos pró-vida. Isto, como eu disse, é uma notícia muito boa, uma vez que é perfeitamente legítimo que as escolhas dos cidadãos a respeito dos produtos que eles vão comprar ou deixar de comprar levem em consideração (entre outras coisas) também o que aquela empresa vai fazer com os seus recursos financeiros. Claro que cada um gasta o seu dinheiro com o que quiser, mas isto vale tanto para as empresas que contribuem para o aborto quanto para os consumidores que sustentam aquelas empresas.

[A propósito, sobre o mesmo assunto, a Boycott List é, como eu falei, protegida por direitos autorais – o que significa que só é possível ter acesso a ela diretamente com a LDI e mediante uma doação. Isto pode não parecer a forma mais eficaz do mundo de mobilizar consumidores para um boicote de proporções suficientes para que seja economicamente relevante como instrumento de pressão política; no entanto, a própria LDI expõe aqui as razões desta sua política, e elas são pelo menos razoáveis. Uma das minhas preocupações com estas listas (há uma aqui) sempre foi a fidedignidade dos dados contidos nelas. Quem as mantém? Quem as atualiza? Como eu confirmo que as informações lá são verdadeiras? A julgar pela forma como a LDI trata o seu trabalho, ela também leva bastante a sério estas questões, o que é bom para todo mundo. É melhor fazer assim do que perder a credibilidade com a divulgação de dados não-confiáveis.]

Curiosamente, uma coisa bem parecida está acontecendo neste momento nos Estados Unidos. A rede de restaurantes fast-food Chick-fil-A está no meio de uma terrível polêmica com ativistas gays porque um CEO da companhia fez algumas declarações contrárias ao casamento homossexual. Em português, saiu na Folha de São Paulo.

Houve conservadores que rapidamente se mobilizaram contra o boicote. P.ex., vi no Facebook hoje pela manhã uma figura do Willy Wonka dizendo algo como “então você vai deixar de comer na Chick-Fil-A porque o dono dela é contra o casamento gay? Conte-me como você está deixando de comprar gasolina no posto tal que vende gasolina para que queimem homossexuais” [p.s.: na verdade não é bem isso]. Aqui é preciso distinguir com cuidado as coisas.

O simples boicote (entendendo por isso o pacífico não-consumo de produtos da empresa, unido talvez à (também pacífica) contrapropaganda para que se deixe de comprar nela) não pode ser condenado. Primeiro porque, ao que parece, não foi simplesmente o CEO da Chick-Fil-A dizendo que “era contra” o homossexualismo; a empresa doou dinheiro para campanhas contrárias à legalização do casamento gay – o que (não podemos esquecer de dizer) é uma coisa legítima e aliás muito boa: se eu soubesse de um restaurante assim em Recife, faria questão de comer lá sempre que possível.

Segundo que a comparação do Willy Wonka é descabida: não existe (que eu saiba) nenhuma rede de postos de combustível que direciona institucionalmente uma quota da sua gasolina para queimar homossexuais ou quem quer que seja (e, se existisse, um boicote a semelhante empresa seria perfeitamente justificável): entre uma política institucional e um uso indevido de um produto pelo consumidor após ele ter deixado a empresa vai uma diferença tão grande que beira a desonestidade intelectual. Terceiro: é perfeitamente razoável que os militantes gays queiram deixar de comer numa rede de restaurantes que milita contra a ideologia gay: cabe aos que apoiam a política da empresa suprir, por meio do consumo e da propaganda positiva, a lacuna deixada pelos consumidores descontentes com o emprego que a Chick-Fil-A faz dos seus lucros. Isto é natural, e o que não faz o menor sentido é pretender obrigar os militantes gays a continuarem freqüentando uma rede de restaurantes que é abertamente contra o gay-way-of-life.

Claro que há exageros (vejam este link, que inclusive cita uma carta do prefeito de Boston à Chick-Fil-A dizendo que não havia lugar para a loja em sua cidade), mas é preciso tomar cuidado para não cairmos no exagero oposto. A coerência é uma virtude necessária. É sem dúvidas um absurdo pretender que a empresa americana não tenha o direito de ser contra o casamento gay, mas é também um absurdo condenar em bloco os gays que simplesmente organizem um boicote ordeiro à empresa. Dizer diferente disso, além de não fazer sentido, é pôr em dúvida o nosso próprio direito de boicotar empresas que contribuem com a Revolução.

Ainda a Marcha das Vadias e a histeria dos revolucionários: a repercussão

Com relação ao que falei aqui a respeito do lúcido artigo do Carlos Ramalhete contra a “Marcha das Vadias” publicado ontem na Gazeta do Povo de Curitiba – e da intolerante reação revolucionária que se lhe seguiu –, são dignas de menção outras iniciativas parecidas com a minha que surgiram na blogosfera conservadora de ontem para hoje.

1. Marcha das Vadias: militando pela imodéstia e pela morte, por Everth Queiroz. «Este tumulto generalizado em reação ao brilhante artigo do prof. Carlos Ramalhete não tem razão de ser. Porque, como qualquer outro evento, este também é passível de crítica; afinal, vivemos em uma sociedade em que convivemos diariamente com o plural, com opiniões diferentes, com modos diversos de enxergar a realidade. Acontece que o pessoal desses novos movimentos sociais – e aqui a nossa crítica se estende aos grupos LGBT – não tolera ser contrariado, não suporta ver seus interesses ou anseios contestados».

2. Ah, que é isso? Elas estão descontroladas! Feministas surtam e declaram guerra à Gazeta do Povo por artigo crítico à “Marcha das Vadias”, por Renan Cunha. «O que eu, realmente, não consigo entender é como uma pessoa que se autointitula vadia – sinônimo de puta – tem a pretensão de se dizer ofendida por alguém dizer que ela veste carcaça de gambá. É o cúmulo da falta de senso do ridículo e da vergonha na cara. Até porque, acaso uma pessoa que se despe em público, expondo seu corpo à céu aberto, não está se igualando a uma carne no balcão do açougue?».

3. Mancha das Vadias, por Wagner Moura. «É incrível a lógica del@s. Fingindo desejo de visibilidade, el@s se “invisibilizam” para melhor poder agir. Elas querem o de sempre: aborto, fim da família e todas essas causas financiadas pelas mesmas fundações internacionais de sempre. Mas embalando tudo para presente com um monte de mulher nua gritando palavras de ordem e chamando atenção para como o fato de se dizerem vadias não as torna vadias… É mais, digamos, divertido. E o brasileiro gosta e com o tempo vai se acostumar. No futuro – sombrio – vamos ler aquelas máterias de famílias as mais sem cérebro levando suas crianças para um evento desses e dizendo que é bom, é maravilhoso, é cidadão e que suas crianças precisam crescer nesse mundo».

Permanece válido o convite que fiz ontem a todos os que não concordam com a coisificação feminina personificada com tanta crua eloqüência em manifestações de feministas como a “Marcha das Vadias” para que escrevam – e peçam que outros também escrevam – à Gazeta do Povo manifestando apoio ao artigo do Carlos Ramalhete e à linha editorial do jornal de Curitiba:

a) enviando email para leitor@gazetadopovo.com.br; e
b) por meio da página de “Fale Conosco” (http://www.gazetadopovo.com.br/faleconosco/) do jornal.

Conheça, pense, divulgue. O Brasil agradece.

No tribunal dos homens, é censurada a palavra de Deus

(Foto: Silva Júnior/Folhapress, apud G1)

A imagem acima é de um outdoor originalmente colocado em Ribeirão Preto. Uma liminar da Justiça na última sexta-feira (19 de agosto) determinou a sua imediata retirada. A justificativa do defensor público que entrou com a ação não poderia ser outra: “homofobia”.

A “Parada Gay” pode utilizar-se de caricaturas blasfemas de santos católicos em aberta promoção da homossexualidade. No entanto, os protestantes não podem publicar frases bíblicas retiradas literalmente das Escrituras Sagradas. Esta é a “justiça” dos nossos tempos: a lei de Deus é vilipendiada e não tem direito à exibição pública. As únicas coisas que merecem visibilidade e promoção são as torpezas, as imoralidades, os pecados. A Bíblia Sagrada é “homofóbica”, e condenar o comportamento imoral dos sodomitas é “homofobia”. Ao contrário, censurar pública e oficialmente a palavra de Deus… é “cidadania”, é a única atitude moralmente aceitável pelos novos bárbaros empenhados em destruir a civilização erguida pela Igreja ao longo dos séculos.

O Carlos Ramalhete falou sobre isso em sua coluna de hoje. Nas palavras dele: «Uma opinião minoritária surgida ainda dentro do tempo de vida da maior parte dos leitores deste jornal ganhou na Justiça o direito de calar o texto que, independentemente da crença de cada um, é inegavelmente parte fundamental e inspiradora de no mínimo os últimos 2 mil anos da civilização a que pertencemos». Estes são os tristes dias nos quais vivemos. Estes são os frutos de uma “modernidade” esquecida de Deus. E a história dá testemunho de que tudo é possível quando se esquece de Deus. O comportamento neo-fascista da Gaystapo está ultrapassando – com uma celeridade assustadora – todos os limites da civilidade e do bom senso.

Os resquícios da civilização

Diz-se que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus porque é “capaz de conhecer e de amar a Deus, e de gozá-Lo eternamente”; assim nos ensina o Catecismo Maior de São Pio X (Parte I, q. 55). É este – e não outro – o fundamento da dignidade humana, aquilo que faz com que o homem seja detentor de direitos objetivos e lhe salvaguarda das arbitrariedades que alguns indivíduos ou grupos, detentores de força ou de poder, porventura queiram lhe infligir.

Houve um tempo – como nos ensina o Sumo Pontífice Leão XIII – em que a Filosofia do Evangelho governava as nações. E por mais que alguns anti-clericais modernos tenham alguma espécie de prazer sórdido (e ignorante) em lançar lama a esta época gloriosa da civilização humana, o fato é que os homens de então eram tratados com muito mais dignidade do que os de outras épocas da história.

“Ah, foram queimados pela Igreja, foram torturados, fizeram guerras sangrentas, foram impedidos de manifestar livremente os seus pensamentos!”, hão de dizer os livres-pensadores modernos. Mas o fato – que os inimigos da Igreja se esquecem de mencionar – é que os homens foram queimados muito mais vezes fora da Igreja do que nas fogueiras às quais a Santa Inquisição ateou fogo. O fato – relevantíssimo, mas sobre o qual não se fala uma palavra – é que os homens foram torturados mais e de maneira mais cruel por civis do que por religiosos. O fato é que nunca houve guerras tão terríveis quanto as que o mundo assistiu no século passado – em pleno século XX, quando já se encontrava indubitavelmente livre da influência da Igreja (e, diremos  até, justamente por causa disso).

“Mas… mas… mas foram impedidos da livre-expressão de suas idéias, e isto não se pode negar!”, dir-nos-ão desesperados os nossos amigos anti-clericais. E, nisto (descontadas, é óbvio, as falsificações grosseiras), nós deles não discordaremos. Graças a Deus, houve repressão à veiculação de idéias errôneas e perniciosas ao longo da história, e este mecanismo foi fundamental para que a civilização pudesse ser mantida e nós, hoje, fôssemos capazes de discutir a repressão de idéias praticada em épocas passadas.

Isto porque a liberdade é algo que não se pode atribuir às coisas de um modo absoluto. A excessiva e imoral (assim intitulada) “liberdade de expressão” vigente nos dias de hoje jamais seria permitida em outras épocas – nisto, concordamos integralmente com os inimigos da Igreja! Com o que não concordamos é que tal fato demonstre uma superioridade moral do nosso século sobre aqueles que o precederam – aliás, muito pelo contrário.

Como dizíamos acima, o ser humano é detentor de uma dignidade intrínseca que faz com que seja preciso respeitá-lo. Assim, a mera possibilidade de que alguém possa dispôr livremente da vida de outrem – matando-o ou escravizando-o, por exemplo – provoca-nos (ainda…) um sentimento de injustiça; no entanto, aquilo que os revolucionários não percebem é que este “sentimento de injustiça” está alicerçado sobre a dignidade humana, sobre o fato do homem ter sido criado por Deus à Sua imagem e semelhança e, portanto, possuir – intrinsecamente – um quê de sagrado e de inviolável. E permitir que esta verdade fundamental seja questionada ou – pior ainda – negada abertamente não é sinal de avanço, e sim de terrível retrocesso. Não é característica de pessoas civilizadas, e sim de bárbaras.

Não é verdade que nós, hoje, conhecemos o valor do ser humano porque nos livramos do obscurantismo católico medieval, é exatamente o contrário: é devido aos resquícios daquele glorioso tempo – repitamos – no qual a Filosofia do Evangelho guiava as nações que, hoje, nós (ainda) não caímos na barbárie completa e ainda não nos esquecemos (muito) que o ser humano possui uma dignidade intrínseca e que, portanto, deve ser protegido de arbitrariedades de outrem. Por qual outro motivo, afinal de contas, deveríamos falar em “direitos humanos”?

No entanto, na contramão de tudo isto, a brilhante “solução” dada por alguns dos nossos ilustres pensadores para proteger os seres humanos da opressão dos seus semelhantes é postular uma “moral” positivista baseada não em nada objetivo, mas nas “conveniências” e nas “convenções sociais”. Assim, matar pessoas passa a ser errado (ou, melhor dizendo, “ilegal”) não porque as pessoas possuam intrinsecamente um direito inviolável à vida, mas porque “convencionou-se” que é “útil” para a sociedade como um todo que os seus cidadãos não se exterminem mutuamente. O problema, o grande e enorme problema com esta idéia estúpida é que a solução apresentada para proteger as pessoas das arbitrariedades… é ela própria uma arbitrariedade – uma vez que, eliminada a dignidade humana intrínseca, uma convenção social de que é importante para o país que os seus cidadãos não se matem em nada se distingue de uma outra convenção social de que é importante para o país que negros sejam escravizados ou que judeus sejam exterminados. Ou seja: o problema está “resolvido” apenas acidentalmente, uma vez que os princípios são imorais e continuam abertos às maiores injustiças que se poderiam cometer. Deste modo, a gloriosa marcha da vaca para o brejo segue solene e inexorável, e passa a ser somente uma questão de tempo a decadência da civilização na barbárie – cujos sinais já encontramos em profusão por aí.

Ora, as idéias de um povo determinam a maneira como aquele povo vai se comportar e, em última instância, garantem ou impossibilitam a sua sobrevivência – donde se vê a importância que elas possuem. Diante das loucuras do mundo moderno, é possível que paremos um pouco para nos perguntar: como foi possível que chegássemos a edificar uma sociedade sobre tão frágeis alicerces? A resposta é bastante óbvia: se as idéias corretas não são defendidas e as erradas não são combatidas, o pensamento degenera-se, e isto acontece de modo tão claro e óbvio como uma casa se estraga se não houver quem dela tome conta, ou como um terreno produz abrolhos e ervas daninhas se não houver quem o cultive. E, se é criminoso construir edifícios com material de baixa qualidade pondo em risco a estabilidade da estrutura… quão mais criminoso não será edificar uma sociedade inteira sobre a areia movediça e inconstante destas idéias que são o lugar comum do pensamento moderno?

A civilização moderna não existe por conta do pensamento moderno – ao contrário, ela sobrevive (ainda) dos influxos benéficos do Cristianismo, e apesar de todas as loucuras modernas que a ameaçam destruir a cada instante, solapando-lhe as bases. Aprendemos com os construtores das catedrais medievais que uma base sólida é fundamental para a sustentação do edifício, e sempre soubemos que isto era aplicável tanto aos templos católicos quanto às sociedades. No seu ódio irracional ao glorioso passado da Igreja, os anti-clericais fazem questão de – irresponsavelmente – esquecer este ensinamento tão elementar que os nossos antigos nos legaram. E, agora, os prédios ameaçam ruir, e já aparecem as rachaduras, enquanto os livres-pensadores modernos, perdidos, tentam jogar mais e mais areia em uma patética tentativa de fechar as fendas abertas.