[OFF] Eu, com câncer (I): diagnóstico e início de tratamento

Após quinze dias de internamento compulsório, duas tomografias, uma biópsia, uma drenagem pleural e um sem-número de exames menores de acho que todos os fluidos do meu corpo, tenho enfim um diagnóstico. Louvado seja Deus.

Possuo um linfoma folicular, de características que não entendo muito bem. Se assim aprouver ao bom Deus, passarei, começando amanhã pela manhã (28/12, festa dos Santos Inocentes e de Santa Catarina Volpicelli), por seis ciclos de quimioterapia, um a cada 21 dias, entremeados por uns corticóides e outros químicos de uso diário que serão meus fiéis companheiros pelas próximas semanas.

Não posso garantir muita coisa. Nunca fiz quimio antes, sinceramente não sei dizer o efeito que essas drogas todas terão no meu organismo. Pretendo registrar aqui alguma coisa do tratamento, como off-topic, mais ou menos como estou agora iniciando esses registros. Se tudo correr bem, dentro de muito pouco tempo – alguns dias – eu posso voltar aos trabalhos normais do Deus lo Vult!, mas procurarei soltar regulares textos sobre o meu estado de saúde e sobre a minha relação com esta doença.

Descobrir-se com câncer antes dos trinta não é a experiência mais agradável do mundo. Ficar trancafiado num quarto de hospital, tampouco: brincava por esses dias que nunca na minha vida ficara tanto tempo num mesmo lugar. Mas a presença dos familiares e dos amigos tem tornado os dias menos difíceis. Que digo: tem tornado os dias quase iguais aos de “lá de fora”! Não dá pra contar a quantidade de visitas, telefonemas, mensagens e congêneres que recebi ao longo dessas duas semanas. Não estive sozinho por um instante sequer. A todos, o meu muito obrigado: isso é muito importante para mim.

Sei que já estão rezando por mim e por minha família. Abuso um pouco ainda da caridade de vocês e peço que rezem ainda mais um pouco: para que eu saiba encontrar a vontade de Deus em meio às tribulações que Ele me permite atravessar. Para que eu consiga manter os olhos fitos n’Ele, mesmo com o olhar embaçado pelas lágrimas deste Vale onde o Altíssimo hoje não me quer deixar esquecer que sou degredado. Lembro-me, em particular, daquele bonito Cántico de S. Juan da Cruz:

Buscando mis amores, 
yré por esos montes y riberas; 
ni cogeré las flores, 
ni temeré las fieras, 
y passaré los fuertes y fronteras.

E é isso. Sem se encantar com as flores do vale, e sem se assustar com as feras do mundo. Desprezar umas e outras, com os olhos fixos n’Aquele que realmente interessa, e assim seguir em frente, ultrapassando os obstáculos que porventura encontre no meu caminho. É isso que importa. As adversidades dessa vida não são maiores do que o amor d’Aquele sem cujo consentimento nem um fio de cabelo sequer cai de nossas cabeças. Essa verdade é óbvia demais para que a permitamos ser obscurecida às primeiras dificuldades.

Uma Ave-Maria por um blogueiro pecador, é o que peço aos que por aqui passarem. É exatamente do que preciso. O resto está nas mãos de Deus. O resto, a Virgem Santíssima proverá. Não há dúvidas disso.

OFF – All the lonely people

Registre-se para perpétua memória: eu estive no show de Paul McCartney do Morumbi. Em um impulso de prodigalidade, mandei-me às pressas para São Paulo. Fui. Vi. Voltei. Escrevo já em Recife, com apenas ligeiras horas de sono durante o vôo, mas ainda com as músicas da noite nos ouvidos. Valeu cada centavo, cada hora de sono perdida, cada músculo do corpo dolorido.

Entrei no Morumbi (pista) quase às nove e meia, pouco antes do show começar. Ao meu redor, todas as arquibancadas lotadas. À minha frente, todo o campo do estádio tomado de gente. Arrisquei-me ir até quase o meio do campo; mais para frente, estava complicado de passar. Os telões e o (excelente) sistema de som encarregaram-se de garantir a qualidade do show. A enorme lua cheia, perfeitamente redonda, enfeitava a noite dando-lhe um clima festivo. E eu, no meio do Morumbi junto com mais algumas dezenas de milhares de pessoas, esperávamos o Paul entrar.

Ele não nos deixou esperar quase nada: a pontualidade inglesa venceu o tradicional atraso brasileiro. Sorridente, blazer azul, sotaque britânico: durante as quase três horas do show, Paul McCartney teve o Morumbi inteiro nas mãos.

Porque um Beatle é um Beatle é um Beatle: é impressionante. Bastava a introdução de uma música conhecida para fazer o estádio reverberar. Qualquer sorriso, aceno ou piscadela do Paul arrancava aplausos da enorme platéia. Bastava-lhe um gesto para um lado do estádio e, de repente, toda a arquibancada daquele lado levantava-se em braços erguidos. Bastava-lhe cantar um “yeah, yeah” no microfone que, no instante seguinte, todo o Morumbi cantava com ele.

Cantar “Let it Be” com o isqueiro aceso no alto; admirar os fogos de artifício sincronizados com a música; repetir incontáveis vezes o “na-na-na-nanana-ná” de “Hey Jude”; dançar e pular quando, após ensaiar uma despedida, Paul voltou com uma grande bandeira do Brasil e tocou “Day Tripper”; cantar “All my Loving” a plenos pulmões! A noite foi espetacular. Difícil até de descrever, para quem não estava. A lua subia rápido no céu, mais rápido do que o costume. As horas passavam depressa, e queríamos que não passassem. O espetáculo foi primoroso.

O homem tem quase setenta anos e, mesmo assim, fez um show memorável. Não interrompeu o espetáculo em nenhum momento; apenas duas rápidas tradicionais saídas, para voltar em seguida levando ao delírio a multidão que gritava o seu nome. Corria pelo palco, arriscava dançar, passava do violão para o piano e, deste, para o bandolim e o violão novamente. Fez todo mundo cantar e dançar a noite inteira! E eu, lonely person no meio da multidão, concedia-me o inefável prazer de cantar alta e desafinadamente as músicas das quais gosto, com o meu péssimo inglês, dançando do meu jeito desengonçado. Viera de Recife, não podia perder esta chance. Thank you, Paul!