Por que dizemos que certas músicas influenciam o sexo livre?

Com relação à polêmica envolvendo o professor de Filosofia que ousou colocar “Valesca Popozuda” e “grande pensadora contemporânea” na mesma frase sem que os dois termos estivessem ligados por uma relação semântica de veemente oposição, uma amiga apontou com muita pertinência que a funkeira pode até não ser estritamente uma “pensadora”, mas sem dúvidas populariza certas concepções de mundo que são abraçadas e defendidas por muitos pensadores contemporâneos.

Parece-me claro que a música tem um poder de penetração popular muito maior na nossa sociedade do que a literatura ou a dissertação acadêmica. É muito mais fácil atingir as massas com uma canção que vire sucesso do que com um artigo de opinião, ainda que magistralmente escrito. É comum ver as canções populares unicamente como meios de entretenimento; no meu entender, é preciso encará-las também sob o ponto de vista de veículos transmissores de idéias. Um libelo apaixonado em defesa de uma determinada posição pode, é claro que concedemos, fundamentar o seu ponto de vista de uma maneira muito mais sólida do que a sua mera exposição desarticulada numa canção; mas uma música pode muito facilmente tornar conhecida uma idéia, popularizar um pensamento.

Alguns podem dizer que simplesmente expôr um pensamento não pode ser confundido com defendê-lo e nem muito menos com tentar convencer os que tomam conhecimento dele a adotá-lo. Aqui é preciso dizer: mais ou menos. Se é certo que há uma diferença muito grande entre a exposição argumentativa com vistas à persuasão de algo e a mera afirmação (às vezes até indireta) deste algo, não é menos certo que há outros fatores a serem levados em consideração aqui, como por exemplo:

1) Há uma tendência a enxergar com naturalidade os valores que são predominantes na nossa experiência de mundo. Se nós nunca vemos ao nosso redor um determinado comportamento, é pouco provável que tenhamos por conta própria a iniciativa de adotá-lo. Ao contrário, provavelmente o olharemos com desconfiança e de forma crítica quando e se nos depararmos com ele alguma vez. Por outro lado, se algo acontece à nossa volta o tempo todo – se algo é freqüente na nossa vizinhança, na nossa escola, no nosso trabalho, etc. -, é bastante provável que nos envolvamos de algum modo com isso. E as músicas que escutamos desempenham – pelo menos – o indiscutível papel de aumentar o leque dos lugares onde tomamos contato com uma dada visão de mundo: ela se nos torna mais familiar porque a encontramos no nosso ambiente de trabalho, nos jornais que lemos, nas conversas dos corredores universitários e também nas músicas que ouvimos no rádio do carro em meio aos engarrafamentos de cada dia ou que os nossos amigos põem para tocar nas festinhas e happy hours de que participamos.

2) A maior parte das pessoas não pauta o próprio comportamento por investigações filosóficas de ordem moral. Nós infelizmente não nos preocupamos muito com isso e tendemos a fazer aquilo que “está à disposição”. Os estilos de vida mais austeros podem ser defendidos com a maior clareza do mundo pelos maiores gênios da humanidade: a maior parte de nós escolherá o caminho mais fácil se ele se nos apresentar como uma opção entre outras. Isso porque para fazer a coisa certa é exigido do homem um esforço consciente e permanente, enquanto que para fazer a coisa errada basta que ele se deixe arrastar pelos seus instintos. Diziam os antigos que a ocasião fazia o ladrão, e o que se esconde por trás do antigo ditado é essa verdade bem simples: certas coisas não precisam de uma apologia para convencer os homens a realizá-las. Assim, não é preciso que um estilo de vida pouco virtuoso seja defendido para que os homens o adotem: basta que ele esteja aí. E que maneira mais fácil de tornar presente um determinado comportamento do que transformá-lo numa música que toca o tempo inteiro e que fica na nossa cabeça muito tempo depois de a termos ouvido, que nos pegamos cantando sem perceber ao longo do dia etc.?

3) O poder de penetração de uma música é muito maior do que o de um artigo científico, e isso muitas vezes compensa a informalidade que a primeira tem em relação a este. Para alguém gravar uma idéia exposta num texto acadêmico é preciso lê-lo com atenção, é preciso que o autor do texto a exponha diversas vezes e de muitas maneiras distintas etc.; ora, com extrema facilidade uma música é literalmente decorada, de uma ponta a outra, com as mesmíssimas palavras usadas pelo seu compositor. Se algo vai ser repetido incontáveis vezes, em situações as mais distintas possíveis – no carro, no chuveiro, no happy hour – e por um intervalo de tempo consideravelmente longo, é natural que as idéias presentes nessa repetição prolongada impregnem com maior facilidade o espírito de quem a ela é exposta do que as que constam numa palestra que se assistiu somente uma vez ou num artigo que se leu enquanto se aguardava a sua vez num consultório. A insistência no tema supre a sutileza com a qual ele é apresentado.

Voltando às músicas da Valesca Popozuda: o teor sexual de muitas de suas canções é bem conhecido. Nós sustentamos que isso é um claro incentivo à sexualidade livre. Contra os que dizem que uma música não tem o poder de forçar ninguém a fazer nada contra a sua vontade (o que é verdadeiro) e que praticamente nenhuma letra de música é um discurso proselitista em defesa de posição alguma (o que também é verdadeiro), nós respondemos com o que foi exposto acima: o incentivo de que falamos aqui não se dá a nível de coerção nem de argumentação racional. Ele se processa quando um determinado comportamento censurável é apresentado ao homem de tão variadas formas e com tamanha regularidade que passa a ser encarado por ele com naturalidade. E alguém que perceba uma coisa como natural está mais propenso a realizá-la.

Há um sem-número de intelectuais modernos que defendem o hedonismo. Nem a capacidade argumentativa de todos eles juntos seria capaz de arrastar mais pessoas a um estilo de vida hedonista do que as músicas indecorosas que tocam nas nossas rádios e nas nossas festas. Para que uma pessoa deixe a sua vida ser guiada pela busca ao prazer não é preciso que ela se convença racionalmente de que esta é a melhor opção filosófica possível: basta que ela perceba que o sexo é uma coisa prazerosa, que é socialmente bem aceito em seus círculos de relações sociais, que dele não decorre nenhuma responsabilidade, que é fácil de ser obtido. Basta, em suma, que ele esteja imerso em um ambiente que exala sexualidade de tal maneira que ela seja percebida como uma coisa simples, banal e corriqueira.

Para isso contribuem sem dúvidas os nossos “filósofos” e “intelectuais” contemporâneos. Mas contribui também, e enormemente, a atuação social de cantores como a que iniciou a polêmica dos últimos dias. Antigamente, os grandes pensadores influenciavam as multidões. Hoje elas são muito mais influenciadas pelas músicas que artistas de qualidade questionável despejam na nossa sociedade decadente. Se o povo se deixa guiar por funkeiros, então a sra. Valesca faz as vezes, sim, dos “grandes pensadores contemporâneos”, e é até justo chamá-la dessa maneira. Quem não merece ser chamado de “pensante” é o povo que se presta a tão deplorável papel.

Sou cristão

Vi estes versos no Facebook de Dom Antonio Keller. Não os conheço, mas jogando-os no Google encontrei o canto neste Cancioneiro Popular. A música religiosa tradicional nos legou verdadeiras jóias de piedade; que diferença para as canções que ressoam hoje inclusive em nossas igrejas! Urge valorizar este o patrimônio dos que nos precederam. É importante redescobrir a beleza da identidade católica subjacente às realizações artísticas populares. O nosso catolicismo brasileiro produziu obras valiosas demais para que as possamos deixar esquecidas sob as tristes manifestações de evidente deficiência estética contemporâneas.

SOU CRISTÃO

Refrão: Sou cristão, e de o ser me glorio,
Sou cristão, Jesus Cristo é meu Rei!
Creio em Deus e só nele confio,
Sou cristão e cristão morrerei!

Viva Deus, nosso Pai, nosso Rei!
Viva Cristo, nosso Rei!

1. Sou cristão, eis a minha esperança
Meu brasão, minha glória também;
Creio em Deus, no meu Deus que em criança
A servir me ensinou minha mãe.
O mais belo e precioso tesouro,
O condão dos soldados da cruz,
Ah! não sejam grandezas nem ouro,
Mas amar e servir a Jesus.

2. Que me importam os ímpios gracejos?!…
Da impiedade desprezo os baldões!
Que, temer dos ateus os motejos,
Não, não podem cristãos corações!
– Ódio e guerra ao cristão e à Igreja,
Morte a Deus! – o blasfemo jurou.
– Mas em vão contra o céu se peleja,
Deus não morre! – o cristão exclamou!

3. O cristão não conhece receio,
Dá-lhe alento a vista da cruz.
Da renhida peleja no meio;
Lutará, vencerá com Jesus.
Sempre o lema das nossas bandeiras
“Pela Pátria” – há de ser, e “Por Deus”!
Não desonrem as nossas fileiras
Renegados, traidores e ateus!

4. Sou cristão, eis a minha nobreza!
E se alguém, de negar a sua Fé,
Algum dia, tiver a fraqueza,
Desleal, valoroso não é!…
Sem temor, sem respeitos humanos
De Jesus professemos a lei!
Eia, irmãos, repitamos ufanos:
“Sou cristão e cristão morrerei”!

Virgem Mãe Aparecida

Salve a Virgem Aparecida, Padroeira e Imperatriz do Brasil! Salve Aquela por meio da Qual a nossa Pátria recebe todas as graças. Salve Aquela que é Rainha do Brasil e a Quem – malgrado os esforços dos prosélitos irreligiosos – o país homenageia pública e oficialmente neste dia de hoje, a Ela consagrado.

Salve Nossa Senhora da Imaculada Conceição Aparecida! É a homenagem dos Seus Filhos. Que Ela digne-Se olhar para nós. Que Ela recorde-Se de falar, na presença de Deus, coisas boas a nosso favor – a despeito de nossos pecados. Que Ela nos consiga as graças das quais precisamos com tanta urgência. Que Ela rogue por nós.

Sobre jovens inglesas e francesas [a respeito da morte de Amy Winehouse]

Foto: AP via G1

A Amy Winehouse foi encontrada morta em Londres hoje. Provavelmente as únicas músicas que ouvi da garota foram as que, indistinguíveis, nos chegam aos ouvidos no meio da poluição sonora das cidades; não seria capaz de me lembrar, agora, de nenhuma delas. Mas o que me espantou foi saber que a Amy, morta aos 27 anos, “seguiu o mesmo roteiro trágico de outros ídolos mundiais da música pop, como Janis Joplin, Kurt Cobain, Jim Morrison e Jimi Hendrix”.

Porque do Nirvana e do The Doors eu sei, sim, algumas músicas. E aí, de repente, a morta precoce da jovem cantora inglesa passa a ter alguma coisa a ver comigo: quando menos, me faz lembrar de algumas bandas que eu escutei na minha adolescência. Faz-me lembrar de algumas mortes pelas quais eu já me interessei. E, em última instância, faz-me pensar na morte, que é coisa muito útil e muito santa de se fazer.

Vinte e sete anos! É a minha idade. E, por mais que a Florbela diga “tenho vinte e três anos! Sou velhinha!”, o fato é que… não é uma vida avançada em anos, da qual se possa dizer que foi longeva. Morrer aos vinte e poucos (ou mesmo aos vinte e muitos) é humanamente uma tragédia, é uma interrupção precoce de uma vida que – como no fundo todos esperamos – poderia ter dado mais a si própria e ao mundo.

Talvez haja quem diga que “foi intensa”. No caso da Amy (ou da Janis ou do Kurt), eu diria antes que foi fútil e vazia. Sim, a garota provavelmente gastou até os vinte e sete anos muito mais dinheiro do que a maior parte de nós vai ser capaz de juntar na vida toda. Mas as coisas do mundo – como fama e dinheiro – naturalmente só fazem sentido enquanto se está no mundo. E a morte trágica e precoce de grandes astros da música parece nos dizer aos ouvidos aquela passagem bíblica segundo a qual é tudo vaidade. É como se ela nos sussurrasse ou, antes, nos gritasse alto para nos despertar de nossa letargia: vê, sic transit gloria mundi. Assim passa a glória do mundo! Morreram Cobain, Morrison, Hendrix, Joplin e Winehouse. Para os seus fãs, ficaram as suas músicas e a saudade; mas para eles próprios, de que valeu?

Talvez digam: “foi intenso!”. Talvez nos citem o Neil Young e nos digam que é melhor queimar de uma vez do que apagar-se aos poucos: it’s better to burn out than to fade away. Enfim, talvez nos digam qualquer coisa; mas, data venia, eu preciso discordar. A nossa vida é potencialmente curta (uma vez que cada um de nós pode morrer hoje mesmo) e, por isso mesmo, ela precisa ser intensa; mas o próprio fato da efemeridade da vida deveria nos fazer pensar no além-vida. “Intensa” é uma vida que se prepara para o futuro; desperdiçar loucamente uma fortuna – os anos de vida – cujo tamanho não se sabe ao certo (mas que sempre nos parece estar ainda “muito longe” de acabar) não é intenso, e sim irresponsável.

Eu conheço uma vida curta que foi verdadeiramente intensa. Não viveu os vinte e sete anos da Amy, mas ainda menos: vinte e quatro anos. Não ganhou o dinheiro de um Kurt Cobain ou de um Jimi Hendrix e nem teve em vida a fama de uma Amy ou de uma Janis, mas soube empregar verdadeiramente bem os seus anos de juventude. Era francesa e se chamava Teresa. E, entre tantas outras coisas, legou-nos versos:

Revesti as armas do Todo-Poderoso,
Sua divina mão dignou-se me adornar;
Doravante, nada me assusta.
Do seu amor, quem pode me separar?
Ao seu lado, lançando-me na arena,
Não temerei nem o ferro, nem o fogo.
Meus inimigos saberão que eu sou Rainha,
Que sou a esposa de um Deus!
Oh, meu Jesus! Guardarei a armadura
Com que me visto ante teus adorados olhos.
Até o entardecer da vida, minha mais bela veste
Serão meus santos votos!

[…]

Se do guerreiro tenho as armas poderosas,
Se o imito e luto com valentia,
Como a Virgem de encantos graciosos,
Também quero cantar, combatendo.
Fazes vibrar as cordas de tua lira
E esta lira, oh, Jesus, é meu coração!
Posso, então, das tuas misericórdias
Cantar a força e a doçura.
Sorrindo, desafio o combate
E, nos teus braços, oh , meu divino Esposo,
Cantando hei de morrer, sobre o campo de batalha,
Com as armas na mão!…

[“Minhas armas”, in “Obras Completas de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face”.
pp. 622-624. São Paulo, Editora Paulus, 2002]

A morte no campo de batalha, com as armas na mão: eis o desejo que convém a uma alma jovem! Não a morte em um palco ou – pior ainda – em um apartamento vazio e solitário, desvanecido o glamour após se deixar o palco. Não, isto não é uma vida intensa; a vida de combate preconizada pela santa francesa morta aos vinte e quatro anos é que o é. Que o Altíssimo tenha misericórdia da Winehouse e de tantos outros mortos em condições similares. E que a tragédia ocorrida com a roqueira inglesa faça-nos ver que a vida é curta e, portanto, é fundamental que seja bem vivida.

Dos soutiens às cachorras

Aviso aos leitores mais sensíveis que este post contém uma certa dose – maior do que a que eu me permito usualmente – de expressões chulas, maliciosas e de duplo sentido. Julgo necessário fazê-lo para tratar com mais propriedade do assunto que desejo comentar. Disclaimer feito, vamos ao texto.

Li hoje sobre um projeto de lei – “assinado por 11 deputadas do estado da Bahia” – contra a desvalorização da mulher na música (baiana, em particular, mas eu diria que isto se estende à música brasileira em geral). Trata-se do PL 19.203/2011, da Assembléia Legislativa da Bahia e da autoria da deputada petista Luiza Maia. Tal projeto “[d]ispõe sobre a proibição do uso de recursos públicos para contratação de artistas que em suas músicas, danças ou coreografias desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de constrangimento”. Na sua justificativa, pode-se ler que

é mister atentar para os conteúdos ofensivos de alguns dos hits do momento, especialmente no que se refere ao reducionismo e desqualificação do ser feminino. Em algumas composições, a mulher é tratada como objeto sexual, como se fosse abreviada apenas a peito, bunda e genitália. Em outras, sob o perigoso pretexto de brincadeira momentânea, prega-se, mesmo que involuntariamente, a violência de gênero. É necessário ver essa situação como um problema. Afinal de contas, muitas pessoas internalizam o teor dessas canções no subconsciente. Ou pior ainda: banalizam o destrato contra a mulher

Eu acho que já comentei aqui outras vezes sobre o péssimo gosto da música contemporânea. Acho perfeitamente justo que o dinheiro público não seja empregado na contratação de “artistas” (!) de gosto tão duvidoso, como propõe o referido projeto de lei. Isto, no entanto, é só a ponta do iceberg. O problema estrutural é muito mais fundo e mais complexo.

O prof. Roberto Albergaria, citado na reportagem do Jornal do Commercio (reproduzida no primeiro link), critica este projeto de lei. E justifica: “É uma idéia estúpida e preconceituosa. A deputada não entendeu como essas músicas são recebidas pelo povo. Elas são machistas, como a sociedade também é. Mas as mulheres que ouvem pegam essas letras, retorcem e fazem uma leitura irônica delas”. Sinto-me na obrigação de discordar do senhor antropólogo da UFBA. Esta música – e outras parecidas que apresentam a mulher como um objeto sexual – não são nada machistas. Na verdade, são é feministas.

Sim, feministas. Quem não se lembra das clássicas queixas das incendiárias de soutiens? As mulheres eram forçadas a ficar em casa enquanto os seus maridos iam às ruas atrás de um rabo-de-saia. É contra este status quo que as mulheres (até aqui, justissimamente) se insurgem; no entanto, o que elas reivindicam não é uma maior moralidade masculina, mas sim o contrário: querem direitos iguais. Querem o seu quinhão de participação na imoralidade. E, aqui, a queixa perde toda a justiça e degenera fatalmente nesta depravação que encontramos por aí nos dias de hoje.

Para mim, todas essas músicas nas quais as mulheres são apresentadas como objetos sexuais – de “mulher não trai, mulher se vinga; mulher cansou de ser traída” a “eu não sou brinquedo não; / se não comer as duas / vai rolar a confusão” – têm um forte cheiro de lingerie queimada. Pra mim, está mais do que claro que este tipo de composição poética não poderia jamais encontrar lugar em uma sociedade “machista” nos moldes tão virulentamente atacados pelas feministas, e foi necessário que primeiro as mulheres passassem a se comportar como machos no cio para que, só depois, as músicas populares seguissem-lhes os passos e apresentassem um retrato de tão degradante espetáculo.

E a maior prova disso é que… não se encontram composições com este nível de imoralidade nas músicas legadas por nossos pais e avós. Vejam bem, o problema não é o sexo. Bem ou mal, sempre houve músicas de teor erótico (afinal, quer coisa mais erótica do que uma camisola de renda – de Sevilha! – ocultando o “divino conteúdo” do qual o eu-lírico se reclama dono?). O problema são as situações (sempre intrinsecamente imorais) nas quais o sexo é cantado e – muito pior – exaltado. Antigamente, até mesmo as prostitutas mereciam canções; mas elas recebiam um “eu vou tirar você deste lugar, / eu vou levar você para morar comigo”. Coisa totalmente diversa se encontra nos dias de hoje onde é… “só as cachorras”, e onde as mulheres claramente se orgulham de serem cantadas como se fossem objetos de prazer. Neste mundo de indigência musical, acaso é de se espantar que nos alegremos quando – com toda a desgraça! – encontremos uma menina cantando “se quiser me ter [sim, com total trocadilho aqui] / tem que ser só meu”?

As feministas julgaram por bem exigir os mesmos “direitos” dos homens, entendendo por isso também o “direito” à imoralidade, à promiscuidade, ao sexo casual, ao prazer venéreo buscado pelo próprio prazer venéreo. E esta mentalidade – claro – se reflete também nas músicas. Foi preciso que chegássemos ao fundo do poço para que passássemos a perceber que existem músicas denegrindo as mulheres! Mas isto não é de hoje: começou com os soutiens queimados. Neste caso, a música popular não “cria” cultura: ela reflete e expande uma cultura que já existe subjacente a ela.

Sim, há músicas que se referem às mulheres como um objeto sexual, mas isto não é o pior. O pior é haver mulheres apresentando-se como objeto sexual, em uma busca vazia por prazer venéreo como se isto fosse uma espécie de “libertação” da “opressão masculina” e onde o seu valor é aferido por meio da quantidade e da intensidade de excitações e fantasias que elas são capazes de proporcionar. Sim, eu tenho certeza de que é importante que se parem de cantar músicas nas quais as mulheres são tratadas como animais ou como objetos. Mas, para isto, parece-me ser de capital importância que sejam reconstruídos alguns soutiens.

“Grito Silencioso”

Da série “recordar é viver”. Nem me lembro quando foi a primeira vez que ouvi esta música; deve fazer perto de uma década. Nos meus tempos de redescoberta da Fé da minha infância. Quando voltava para a Igreja da Qual nunca tinha saído mas que indubitavelmente abandonara…

O vídeo tem imagens fortes, aviso logo. Mas ficou perfeito, uma vez que a letra também evoca imagens fortes. Porque o assunto é feio, e não tem como falar sobre ele de maneira “politicamente correta”, através de eufemismos e maquiagens. O assunto é doloroso, assim como a música, assim como o vídeo.

http://youtu.be/PXTeqJsErWo

Mas é uma dor que traz uma pontada de esperança! Uma dor que provoca, ao menos, a vontade de não mais perpetuá-la. Que conduz ao arrependimento e à vontade de fazer algo para que tanta dor pare; que leva, ao menos, a rezar. “Maria, Mãe da Igreja, roga pelos filhos seus”. É um verso, e é uma prece. Que Ela nos ouça. E proteja os indefesos.

Basta ouvir os fados

Voltando para Recife, relembrando com gosto o tempo de férias. De descanso; viajar rejuvenesce e dá novas forças. Novas idéias. Abre novos horizontes.

A parada forçada em Lisboa fez-me adquirir um CD de fado. Gosto da triste música portuguesa (ok, não é sempre triste; mas gosto particularmente do fado triste português). Em particular, hoje fui e voltei do trabalho ouvindo “Não venhas tarde”. É um primor.

“Não venhas tarde”, / dizes-me tu com carinho. / Sem nunca fazer alarde / do que me pedes baixinho. / “Não venhas tarde!”, / e eu peço a Deus que, no fim, / teu coração ainda guarde / um pouco d’amor por mim!

O sujeito do fado trai a mulher. Tu sabes bem / que eu vou pra outra mulher. / Que ela me prende também, / e eu só faço o que ela quer. Mas ele não conta isso como quem se gaba, como nas músicas que costumamos escutar nos dias de hoje. Ele conta com uma profunda dor de alma, que transparece na melodia triste. Dá quase para perceber o rosto do eu-lírico corando de vergonha ao dizer como age a mulher dele: Tu estás sentindo / que te minto e sou cobarde. / Mas sabes dizer sorrindo: / “Meu amor, não venhas tarde!”.

Sou cobarde! Não, ele não se orgulha do que faz. Ao contrário, tem vergonha. Afirma ser covarde. Afirma rezar para que a mulher ainda tenha amor – um pouco que seja – por ele, ao final. Apesar de tudo. E a mulher não “faz barraco” – sem nunca fazer alarde… – pelo que ele faz. Ao contrário, apenas lhe pede que não volte tarde. Ele, escravo dos seus pecados, sempre cai miseravelmente: E eu volto sempre mais tarde / porque não sei fugir dela. Mas tem consciência – e medo – das conseqüências que podem advir de suas atitudes:

Sem alegria, / eu confesso: tenho medo / que tu me digas um dia: / “Meu amor, não venhas cedo!” / Por ironia, / pois nunca sei onde vais: / que eu chegue cedo algum dia / e seja tarde demais!

Ok, e qual o ponto aqui? É óbvio que esta situação não é bonita, claro que não é um modelo a ser buscado ou uma situação nostálgica de “manutenção de aparências” que se deseje resgatar. O ponto é justamente este: trata-se de uma situação condenável que todos sabem – até o próprio marido infiel – ser condenável. Até o adúltero sabe que está errado!

Lembro-me também d’O Príncipe e o Mendigo do Mark Twain. Em uma certa passagem, quando o Príncipe – em trajes andrajosos e na companhia de uma guilda de ladrões – afirma ser o Rei da Inglaterra, recebe uma dura reprimenda dos bandidos. “Todos nós somos uns criminosos que não valemos nada” – cito de memória, mas o sentido é este -, “mas temos um grande amor e respeito pelo nosso rei”. E segue-se um grito de “longa vida ao Rei da Inglaterra!”. Qual o ponto? É precisamente a enorme diferença entre quem erra sabendo estar errado e quem, ao contrário – de novo: como nos nossos tristes dias… -, exalta e defende o erro como se ele fosse a coisa certa. Os bandidos do livro do Mark Twain não exaltavam a bandidagem. O eu-lírico infiel do fado não exalta a própria infidelidade. E isto faz toda a diferença.

Todas as (falsas) polêmicas sobre revolução moral e hipocrisia da sociedade não percebem este ponto fundamental: ninguém tem a pretensão de transformar o mundo em um lugar perfeito de onde o pecado seja totalmente erradicado, mas isso não nos dá o direito de eliminar a diferença entre o que é certo e o que é errado. Não é porque a prostituição é “a profissão mais antiga do mundo”, e que sempre existiu, que nós devemos conferir-lhe cidadania moral. Não é porque existem – e sempre existiram – mulheres que fazem aborto que nós devemos deixar de o classificar como uma atitude condenável. Os princípios são ideais que devem pautar os atos concretos. Não são os atos concretos que determinam quais são os princípios.

No fundo, é como dizia Garrigou-Lagrange: a tolerância com as falhas concretas dos seres humanos não implica (e, aliás, nem pode implicar) em uma transigência para com os princípios morais. A existência de maridos infiéis (coisa que, até onde me conste, também sempre existiu) não torna o adultério aceitável. No entanto, muito pior do que uma turba de adúlteros é um único sujeito – por bom marido que seja! – que ouse defender o adultério como um comportamento normal e louvável. Pior do que Sodoma e Gomorra inteiras é um indivíduo – por casto que seja! – que tenha a petulância de fazer a apologia do homossexualismo como uma atitude normal e moralmente aceitável. A diferença entre ambos não é meramente quantitativa, e sim de essência. Se é verdade que errar é humano, defender o erro com pertinácia é diabólico. Afinal, como a Igreja sempre ensinou, negar a verdade conhecida como tal é pecado contra o Espírito Santo. Ou, nas imprecações das Escrituras Sagradas: “Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce!” (Is 5 20).

Não precisamos que os arautos da revolução moral nos venham atirar em face a existência onipresente do mal do mundo, quer como justificativa para aboli-lo enquanto conceito, quer para revogarmos os decretos morais que, desde que o mundo é mundo, em maior ou menor grau, pautaram a totalidade das sociedades conhecidas. Não precisamos que nos digam que certas coisas sempre existiram, pois isso nós sabemos muito bem – basta ouvir os fados! Entre uma coisa ter sido sempre feita e esta coisa ser moralmente correta, no entanto, vai um abismo que os inimigos da moral insistem em ignorar. E, neste abismo, infelizmente caem muitos que se deixam levar pelo canto-de-sereia dos revolucionários modernos.

A música litúrgica e a mediocridade

Hoje foi a comemoração dos 100 anos da elevação da Diocese de Olinda a Arquidiocese de Olinda e Recife. Missa no Marco Zero com todo o clero, muitos bispos de toda a província eclesiástica, alguns outros bispos da Regional Nordeste II e o Núncio Apostólico, Dom Lorenzo Baldisseri, que presidiu a celebração.

A celebração foi longa: eram por volta das 17:00 quando lá cheguei (pouco antes da procissão de entrada), e eram 20:30 quando recebi a bênção solene. Merece menção o coral polifônico: um exemplo de como é possível manter a sacralidade da música litúrgica mesmo com o emprego do vernáculo. Antes da celebração, eu estava no retiro do Crisma e, comentando sobre a situação da Igreja nos dias de hoje, falava que uma das notas características dos erros e heresias atuais é a mediocridade. Encontramos coisas erradas em abundância, mas pouco ou nenhum requinte de heterodoxia. Temos muitas heresias, mas elas estão universalmente disseminadas e são impessoais: não temos nenhum grande heresiarca.

A edição da Martins Fontes das “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, de C. S. Lewis, traz ao final o “Fitafuso propõe um brinde”; é um pequeno conto com o diabo autor das cartas anteriormente publicadas. “O cenário é o Inferno; a ocasião, um jantar anual oferecido aos jovens Demônios pela Faculdade de Treinamento de Tentadores. O Diretor, Dr. Catarruspe, acaba de brindar à saúde dose seus convidados. Fitafuso, convidado de honra, ergue-se para responder”. E ele já falava desta mediocridade:

Os “grandes” pecadores, aqueles nos quais as paixões vívidas e geniais foram levadas além do limite, e nos quais sua imensa concentração de vontade foi devotada a assuntos que o Inimigo odeia – enfim, nem todos eles desaparecerão, mas ficarão mais raros. Teremos cada vez mais presas, mas consistirão cada vez mais de puro lixo – lixo que tempos atrás jogaríamos para Cérbero e para os cães do Inferno, pois não seria apropriado para o consumo diabólico.

Lewis, C.S., “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, pp. 183-184. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2005

Cheguei a este assunto por causa de um contra-exemplo. Uma das mais clássicas aplicações deste – chamemo-lo assim – “princípio da mediocridade” são as músicas que tocam nas nossas paróquias. Na esmagadora maioria das vezes, são sofríveis, horrorosas, totalmente inadequadas para o culto; mas não têm impiedade deliberada, não têm um grau significativo de malícia, não têm nada. São “só” medíocres.

E, hoje, na presença do senhor núncio, foi com imensa alegria que eu vi a exceção à regra. O coral estava bem preparado e as músicas estavam dignas: hoje, na comemoração dos cem anos da Arquidiocese, a música litúrgica fugiu à mediocridade. Por que não é possível ser sempre assim? Por que não é possível dar, ordinariamente, o melhor a Deus? Por que é necessário esperar uma visita do Núncio Apostólico para que se cantem, nas celebrações litúrgicas, músicas dignas do Deus Altíssimo que Se entrega diariamente por nós?

OFF – All the lonely people

Registre-se para perpétua memória: eu estive no show de Paul McCartney do Morumbi. Em um impulso de prodigalidade, mandei-me às pressas para São Paulo. Fui. Vi. Voltei. Escrevo já em Recife, com apenas ligeiras horas de sono durante o vôo, mas ainda com as músicas da noite nos ouvidos. Valeu cada centavo, cada hora de sono perdida, cada músculo do corpo dolorido.

Entrei no Morumbi (pista) quase às nove e meia, pouco antes do show começar. Ao meu redor, todas as arquibancadas lotadas. À minha frente, todo o campo do estádio tomado de gente. Arrisquei-me ir até quase o meio do campo; mais para frente, estava complicado de passar. Os telões e o (excelente) sistema de som encarregaram-se de garantir a qualidade do show. A enorme lua cheia, perfeitamente redonda, enfeitava a noite dando-lhe um clima festivo. E eu, no meio do Morumbi junto com mais algumas dezenas de milhares de pessoas, esperávamos o Paul entrar.

Ele não nos deixou esperar quase nada: a pontualidade inglesa venceu o tradicional atraso brasileiro. Sorridente, blazer azul, sotaque britânico: durante as quase três horas do show, Paul McCartney teve o Morumbi inteiro nas mãos.

Porque um Beatle é um Beatle é um Beatle: é impressionante. Bastava a introdução de uma música conhecida para fazer o estádio reverberar. Qualquer sorriso, aceno ou piscadela do Paul arrancava aplausos da enorme platéia. Bastava-lhe um gesto para um lado do estádio e, de repente, toda a arquibancada daquele lado levantava-se em braços erguidos. Bastava-lhe cantar um “yeah, yeah” no microfone que, no instante seguinte, todo o Morumbi cantava com ele.

Cantar “Let it Be” com o isqueiro aceso no alto; admirar os fogos de artifício sincronizados com a música; repetir incontáveis vezes o “na-na-na-nanana-ná” de “Hey Jude”; dançar e pular quando, após ensaiar uma despedida, Paul voltou com uma grande bandeira do Brasil e tocou “Day Tripper”; cantar “All my Loving” a plenos pulmões! A noite foi espetacular. Difícil até de descrever, para quem não estava. A lua subia rápido no céu, mais rápido do que o costume. As horas passavam depressa, e queríamos que não passassem. O espetáculo foi primoroso.

O homem tem quase setenta anos e, mesmo assim, fez um show memorável. Não interrompeu o espetáculo em nenhum momento; apenas duas rápidas tradicionais saídas, para voltar em seguida levando ao delírio a multidão que gritava o seu nome. Corria pelo palco, arriscava dançar, passava do violão para o piano e, deste, para o bandolim e o violão novamente. Fez todo mundo cantar e dançar a noite inteira! E eu, lonely person no meio da multidão, concedia-me o inefável prazer de cantar alta e desafinadamente as músicas das quais gosto, com o meu péssimo inglês, dançando do meu jeito desengonçado. Viera de Recife, não podia perder esta chance. Thank you, Paul!