“O padroeiro dos políticos” – Dom Fernando Rifan

[A política é a arte de bem governar e não tem nada a ver com “os partidos políticos” que nós encontramos hoje em dia no Brasil. Os partidos são contingentes; a autoridade é necessária. Política, aliás, transcende até mesmo o regime político concreto pelo qual é regido um país específico: as questões propriamente políticas, assim, precedem as discussões partidárias às quais foi miseravelmente reduzido o cenário político brasileiro. Na próxima sexta-feira é celebrada a festa de S. Thomas Morus; esta data – 22 de junho – é a data nova, estabelecida após a Reforma Litúrgica de 1969, de modo que ninguém pode acusar esta celebração de ser anacrônica. Pelo contrário, ela é até mesmo muito necessária; que possamos aprender com “o homem que não vendeu a sua alma” a dar a devida importância às questões políticas, a fim de que a nossa Pátria possa alcançar um dia a dignidade que merece.]

O padroeiro dos políticos

 Dom Fernando Arêas Rifan*

                                                                    

Dia 22 próximo, a Igreja celebra a festa do mártir Santo Tomás More. Lorde Chanceler do Reino da Inglaterra, por não ter aceitado o divórcio e o cisma do rei Henrique VIII, foi condenado à morte por traição e decapitado em 1535. Preferiu perder o cargo e a vida a trair sua consciência. A Igreja o proclamou padroeiro dos Governantes e dos Políticos, exatamente porque soube ser coerente com os princípios morais e cristãos até ao martírio. O belo filme da sua vida, em português, que recomendo, intitula-se “O homem que não vendeu sua alma!”. 

A coerência é uma virtude cristã que deve penetrar todas as nossas ações e atitudes. Pensar, viver e agir conforme a nossa fé e nossas convicções cristãs. Caso contrário, seremos hipócritas e daremos um grande contra-testemunho do nosso cristianismo. A consciência é única e unitária, e não dúplice. Não se age como cristão na Igreja e como pagão fora dela.

“O Concílio exorta os cristãos, cidadãos de ambas as cidades [terrena e celeste], a que procurem cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados pelo espírito do Evangelho. Afastam-se da verdade os que, sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura, pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem atenderem a que a própria fé ainda os obriga mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um. Mas não menos erram os que, pelo contrário, opinam poder entregar-se às ocupações terrenas, como se estas fossem inteiramente alheias à vida religiosa, a qual pensam consistir apenas no cumprimento dos atos de culto e de certos deveres morais. Este divórcio entre a fé que professam e o comportamento quotidiano de muitos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo” (Gaudium et Spes, 43).

O ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo do País, mas traz um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência. “Não pode haver, na sua vida, dois caminhos paralelos: de um lado, a chamada vida ‘espiritual’, com os seus valores e exigências, e, do outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida de família, de trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura” (Beato João Paulo II, Christif. Laici, 59). 

“Reconhecendo muito embora a autonomia da realidade política, deverão se esforçar os cristãos solicitados a entrarem na ação política por encontrar uma coerência entre as suas opções e o Evangelho” (Paulo VI, Octogésima Adveniens, 46). “Também para o cristão é válido que, se ele quiser viver a sua fé numa ação política, concebida como um serviço, não pode, sem se contradizer a si mesmo, aderir a sistemas ideológicos ou políticos que se oponham radicalmente, ou então nos pontos essenciais, à sua mesma fé e à sua concepção do homem…” (idem, 26).

No atual clima de corrupção e venalidade que invadiu o sistema político, eleitoral e governamental, possa o exemplo de Santo Tomás More ensinar aos governantes e políticos, atuais e futuros, que o homem não pode se separar de Deus, nem a política da moral, e que a consciência não se vende por nenhum preço, mesmo que isto nos custe caro e até a própria vida.

 

*Bispo da Administração Apostólica
Pessoal São João Maria Vianney

A (in)coerência dos que acreditam na Igreja


A charge acima é atéia e o quinto quadrinho induz simplesmente a uma inverdade (afinal, ninguém defende que se devam “proteger” os padres pedófilos, e sim que não se pode sair entregando ao braço secular e à execração pública sacerdotes do Deus Altíssimo à primeira insinuação de comportamento imoral que se lhes faça – mas exigir tal distinção a inimigos da Igreja é um pouco demais); no entanto, ela retrata tão bem uma incoerência dos tempos modernos que merece ser citada.

Por incrível e contraditório que pareça (e até mesmo os ateus são capazes de o perceber), há “católicos” que se sentem no direito de discordar de tudo o que a Igreja ensina e, mesmo assim, continuarem se afirmando católicos. Em uma tentativa pueril de enganarem aos outros ou a si próprios, não sei; mas o fato manifesto é que a incongruência salta aos olhos. Ora, pode-se dizer de tais pessoas que “acreditam na Igreja”?

Acreditar na Igreja é acreditar que Ela foi fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo como guia infalível e certo da Doutrina e da Moral e que, portanto, escutar a voz d’Ela é escutar a voz de Cristo – e isto de tal modo que, igualmente, negar-Lhe assentimento é negar assentimento a Nosso Senhor. Quem não acredita no que a Igreja prega passa ipso facto a não acreditar na Igreja e, portanto, apropria-se indevidamente de um título – o de “católico” – que não mais lhe compete.

Acreditar na Igreja é acreditar que Ela é – nas palavras do Apóstolo – a “Coluna e o Sustentáculo da Verdade” (1Tm 3, 15), e isto de tal maneira que não é possível falar em “Verdade” sem que esta esteja sustentada pela Igreja fundada por Nosso Senhor. Acreditar em alguma coisa diferente disso pode ser acreditar em qualquer coisa, menos “na Igreja”.

Acreditar na Igreja é acreditar que Ela perdurará até a consumação dos séculos, e que as portas do Inferno jamais prevalecerão sobre Ela. Em particular, isto significa que a Igreja fundada por Nosso Senhor não irá jamais ensinar o erro em matéria de Fé e de Moral, de modo que não faz nenhum sentido uma pessoa, ao mesmo tempo, dizer que acredita na Igreja mas não acredita naquilo que Ela ensina.

Tudo isto é bastante óbvio; no entanto, com quanta frequência nós encontramos “católicos” comportando-se exatamente como a personagem da tirinha acima! Não é verdade que estas pessoas acreditem na Igreja Católica a despeito de não acreditarem no que Ela fala; na verdade tais pessoas, com esta atitude, demonstram que não acreditam nem na Igreja e nem nos princípios mais elementares da coerência.