É lícito distribuir preservativos para evitar abortos?

A cooperação para o mal “é o concurso que se presta à ação má de outro, levando-o a fazer o mal na qualidade de agente principal” (Del Greco, Compêndio de Teologia Moral, n. 138). Segundo o mesmo autor, é lícita “quando intervier motivo proporcionado”; e, exemplificando, “pode-se dar vinho a um bêbado para impedir que ele blasfeme” (n. 139).

O moralista é até mais abrangente e chega mesmo a falar que se pode “sempre cooperar materialmente quando se trata de fazer evitar um mal mais grave” (id. ibid). A esta luz é legítimo — já vi o exemplo alhures — buscar persuadir alguém, que esteja disposto a matar um seu desafeto, a “apenas” feri-lo. Como o pecado é cometido por outrem e como a intervenção fê-lo, na prática, deixar de cometer um pecado mais grave, ela respeita o mandamento da caridade — que obriga a buscar o bem dos outros e se esmerar por atingi-lo. Não só é legítima como, talvez, pode ocorrer de ser moralmente exigida.

Diante destes pressupostos coloca-se a pergunta incômoda: é lícito, portanto, oferecer um contraceptivo a alguém que vai cometer uma relação sexual cujo eventual fruto está disposto a abortar? Em outras palavras: se se sabe que fulano constrangeria sua namorada a cometer um aborto caso ela engravidasse, será porventura lícito, na eventualidade de não ser possível dissuadir-lhes da fornicação em si, oferecer a camisinha para ele, ou a pílula para ela, a fim de evitar que eles cometam o mal (muito maior) do aborto? O paralelo é notável: a ação é meramente cooperativa e não comissiva, e evitar a morte de um ser humano inocente parece um “motivo proporcionado” a se levar em consideração.

Não sei se os teólogos morais já se debruçaram sobre o tema, mas penso que há certas particularidades que devem ser levadas em consideração antes de uma resposta ligeira e irrefletida.

Primeiro, a fornicação — ao contrário dos outros exemplos mais fáceis de embriagar ou bater em alguém — é pecado mortal ex toto genere suo (cf. op. cit., n. 82), i.e., não admite parvidade de matéria (não pode nunca constituir pecado venial, ao menos não pelo seu objeto); e embora o que se diga a respeito da cooperação para o mal não faça menção à gravidade do pecado com o qual se coopera, é no mínimo temerário aderir laconicamente à tese de que ela é indiferente. Ou se pode licitamente tentar convencer a matar um inocente só quem está já disposto a matar dois?

Segundo, e talvez mais importante, porque, in casu, o pecado que se instiga e aquele que se pretende evitar não estão no mesmo plano. O primeiro existe, formalmente, na medida em que o sujeito está decidido a fornicar; já o segundo não, porque a concepção de um filho não lhe é diretamente visada, e nem muito menos o eventual aborto com o qual ele teria — presumivelmente — a pretensão de se desincumbir da sua responsabilidade. É muito diferente do caso de convencer fulano a ferir o sujeito que ele pretende matar: aqui já existe o pecado do homicídio, presente no intelecto do agente, em vias de execução quase, e persuadi-lo a “apenas” dar uma surra no seu desafeto faz, assim, sem dúvidas, e propriamente, o papel de evitar um assassinato concreto.

Não é absolutamente o mesmo o caso do aborto, tanto por ele não passar de uma probabilidade cuja existência não depende do contraceptivo para ser afastada (afinal, a menina pode simplesmente não engravidar e, portanto, a questão do aborto pode não se colocar jamais) quanto porque ele não era, no momento do pecado, objeto do querer do agente (cuja vontade pecaminosa era simplesmente a de fornicar, e não de abortar — e, portanto, diferente do que ocorre no caso do homicida, aqui o pecado efetivamente cometido é exatamente aquele inicialmente desejado, sem diminuição alguma).

Mas há ainda um terceiro ponto que se deve ter em conta, e ele considera os efeitos sociais da atitude de cooperação para o mal. Porque se imagina, no caso do sujeito disposto a matar o seu desafeto, que convencê-lo a o ferir não passa de uma solução de emergência, de um caso fortuito, raro e eventual: não passa pela cabeça do moralista, suponho, a possibilidade de que o espancamento público de desafetos venha a se generalizar como a maneira natural — e socialmente aceita — de cercear os instintos assassinos do ser humano. Não se concebe que, de pecado, ferir o seu inimigo passe a ser visto como uma coisa banal e indiferente, ou mesmo positiva até, a se incentivar e a tratar com ampla naturalidade.

Ora, no caso dos contraceptivos é exatamente isso o que acontece. Não se vê a pílula como um mal menor a ser eventualmente utilizado em situações excepcionais cuja premência impede uma solução mais adequada: apresenta-se-lhe, ao contrário, como a solução ordinária e definitiva em matéria sexual que, se evita maiores males (como o aborto), fá-lo às custas da naturalização generalizada do pecado — já grave — da fornicação. Ora, se é possível sopesar pecados em se tratando de escolhas individuais, não parece contudo ser lícito institucionalizar alguns pecados nem mesmo para mitigar outros mais graves. A lógica da cooperação para o mal só faz sentido dentro dos estreitos limites em que o pecado é tratado como pecado; é uma lógica de contenção perplexa e não de exceção moral. Se se perde isso de vista e se o mal passa a ser visto com naturalidade, então talvez não se esteja mais evitando um “mal mais grave” — e, sem isso, cooperar com o pecado alheio deixa de ser lícito.

Os contraceptivos e a Zika

O grande Paulo VI, na sua conhecida encíclica Humanae Vitae, estabeleceu o seguinte ensinamento lapidar: “[é] de excluir toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas conseqüências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação” (HV 14). Não satisfeito, antevendo talvez as objeções que porventura lhe pudessem fazer, o Servo de Deus continua assim o seu arrazoado:

Não se podem invocar, como razões válidas, para a justificação dos atos conjugais tornados intencionalmente infecundos, o mal menor (…). Na verdade, se é lícito, algumas vezes, tolerar o mal menor para evitar um mal maior, ou para promover um bem superior, nunca é lícito, nem sequer por razões gravíssimas, fazer o mal, para que daí provenha o bem; isto é, ter como objeto de um ato positivo da vontade aquilo que é intrinsecamente desordenado e, portanto, indigno da pessoa humana, mesmo se for praticado com intenção de salvaguardar ou promover bens individuais, familiares, ou sociais [id. ibid.].

Esta encíclica não diz diretamente que a contracepção é intrinsecamente má. Quem o faz é S. João Paulo II na Veritatis Splendor (n. 80). O que são atos intrinsecamente maus? São aqueles — ainda S. João Paulo II — que são maus “sempre e por si mesmos, ou seja, pelo próprio objecto, independentemente das posteriores intenções de quem age e das circunstâncias” (id. ibid.). Aliás, vale a pena a leitura dos parágrafos desta encíclica que falam sobre o tema: os nn. 79-83 e 95-97 ajudarão a conhecer com mais clareza a posição da Igreja sobre o assunto. Em suma, não é legítimo, “nem sequer por razões gravíssimas”, tornar um ato conjugal intencionalmente infecundo — independente das circunstâncias em que se encontre o agente (e.g. às voltas com um surto de uma moléstia incurável) e das intenções que ele porventura tenha (evitar que um filho nasça gravemente doente, v.g.).

[Existe, talvez, uma discussão teologicamente legítima que se pode fazer a respeito da posição católica contrária à contracepção: é a que indaga se o Magistério versa sobre todo e qualquer ato sexual, em qualquer contexto, ou se fala especificamente a respeito do ato conjugal entre esposos legitimamente casados. Pode-se encontrar aqui uma discussão a este respeito. A argumentação é pertinente porque, em se tratando da fornicação — da prática do ato sexual fora do casamento, entre solteiros — tão desgraçadamente comum nos dias de hoje, não é claro se o uso do preservativo agrava ou não o pecado (que, lembremo-nos, já é mortal). De qualquer maneira, não se discute (obviamente) se existe alguma situação em que o uso dos contraceptivos seja legítimo, mas sim se há alguma que o Magistério não abrangeu. São duas coisas completamente distintas, mas a questão tem a sua relevância prática, quando menos, para responder à acusação estapafúrdia de que a Igreja, condenando a camisinha, é responsável (v.g.) pelos altos índices de gravidez na adolescência. Tal é um completo nonsense (afinal, a Igreja condena os atos sexuais fora do Matrimônio, e não apenas “a camisinha”), contra o qual, por frustrante que seja, o baixo nível do anti-catolicismo contemporâneo obriga-nos por vezes a nos batermos.]

Coletiva do Papa aos jornalistas durante o voo de retorno do México deixou perplexos católicos e não-católicos por conta de uma resposta estranha que Sua Santidade deu a uma pergunta a respeito da Zika, do aborto e da contracepção. Ei-las, pergunta e resposta, na íntegra (grifos da RV):

(Paloma Garcia Ovejero, “Cope”)

Santo Padre, há algumas semanas há muita preocupação em muitos países latino-americanos, mas também na Europa, sobre o vírus “Zika”. O risco maior seria para as mulheres grávidas: há angustia. Algumas autoridades propuseram o aborto, ou de se evitar a gravidez. Neste caso, a Igreja pode levar em consideração o conceito de “entre os males, o menor”?

Papa Francisco: O aborto não é um “mal menor”. É um crime. É descartar um para salvar o outro. É aquilo que a máfia faz, eh? É um crime. É um mal absoluto. Sobre “mal menor”: mas, evitar a gravidez é – falemos em termos de conflito entre o quinto e o sexto Mandamento. Paulo VI, o Grande!, em uma situação difícil, na África, permitiu às religiosas de usar anticoncepcionais par aos casos de violência. Não confundir o mal de evitar a gravidez, sozinho, com o aborto. O aborto não é um problema teológico: é um problema humano, é um problema médico. Mata-se uma pessoa para salvar uma outra – nos melhores dos casos. Ou por conforto, não? Vai contra o Juramento de Hipócrates que os médicos devem fazer. É um mal em si mesmo, mas não é um mal religioso, ao início: não, é um mal humano. Além disso, evidentemente, já que é um mal humano – como todos assassinatos – é condenado. Ao invés, evitar a gravidez não é um mal absoluto: e, em certos casos, como neste, como naquele que mencionei do Beato Paulo VI, era claro. Ainda, eu exortaria os médicos para que façam tudo para encontrar as vacinas contra estes dois mosquitos que trazem este mal: sobre isto se deve trabalhar. Obrigado.

Não há reparos a serem feitos no que diz respeito ao aborto, penso, uma vez que a sua condenação está bastante clara e enfática; prestemos atenção no que concerne à contracepção.

Primeiro, que evitar a gravidez não é um mal absoluto. Verdade. A própria HV citada ensina que, havendo “motivos sérios para distanciar os nascimentos, que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores” (HV 16), é lícito “regular a natalidade”. Mas, atenção!, que isto não se pode fazer de qualquer modo: o que é lícito é “ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimônio só nos períodos infecundos” (id. ibid.). Uma epidemia de Zika é motivo suficientemente grave para espaçar o nascimento dos filhos? Sim, é. Isso significa que, em tais circunstâncias, um casal pode legitimamente recorrer aos “períodos infecundos” para não engravidar.

Segundo, a história de Paulo VI e as freiras. Aqui o negócio fica mais nebuloso; parece que ninguém conseguiu encontrar uma referência primária a este fato. O pe. Z., aliás, afirma, altissonante, que isso é uma mentira e Paulo VI jamais deu permissão alguma para que freiras usassem contraceptivos; houve um artigo, publicado no início da década de 60, onde esta hipótese era aventada, e nada mais. Há referências esparsas a coisas parecidas com isso (por exemplo, o pe. Cullinane afirma, num panfleto, que há um decreto do Santo Ofício com este teor na época de Pio XII), mas nada capaz de dirimir a questão.

Se a materialidade da história é — pra dizer o mínimo — controversa, o seu conteúdo não é mais cediço. Del Greco ensina que é lícito à mulher violentada expulsar do seu corpo o sêmen do estuprador, e que isto se deve considerar como legítima defesa; no entanto, parece que este uso “defensivo” dos anticoncepcionais não tem sido tão pacificamente aceito pelas autoridades vaticanas como dá a entender a entrevista pontifícia. Na década de 90, já sob S. João Paulo II, a Santa Sé proibiu a pílula mesmo para freiras que, missionárias em zona de guerra, corriam risco de estupro. Roma, portanto, non locuta, e esta causa não se pode pretender finita.

Terceiro, por fim, a ilação anticatólica — que, malgrado o Papa não diga com estas exatas palavras, os meios de comunicação do mundo inteiro foram praticamente unânimes em alardear — de que é lícito usar contraceptivos durante o surto de Zika para evitar o nascimento de crianças com microcefalia. Sobre isso, é preciso dizer

i) que a situação das freiras na África aparentemente não guarda semelhança alguma com a de pessoas tendo relações sexuais livres e consentidas em um país da América Latina afligido pela Zika: no primeiro caso há a violência que permite aventar a hipótese da legítima defesa e, no segundo, não;

ii) que, portanto, para que se possa discutir a possibilidade de se usar contraceptivos como no (suposto) caso de Paulo VI, é preciso que se esteja diante de uma situação que lhe seja minimamente análoga — é o que faz o National Catholic Register, ao aventar o exemplo de uma mulher que é constrangida, pelo marido doente de Zika, a ter relações sexuais com ele;

iii) que o Pe. Lombardi, comentando a entrevista, disse que o uso dos contraceptivos só poderia ser objeto de deliberação da consciência em casi di particolare emergenza e gravità — casos de particular emergência e gravidade –, o que parece ir ao encontro do que NCR publicou; por fim,

iv) que independente de tudo isso permanece integralmente válido o ensino tradicional da Igreja, contido no Magistério de — entre outros — Paulo VI e S. João Paulo II, segundo o qual o uso de contraceptivos não é legítimo nem “mesmo se for praticado com intenção de salvaguardar ou promover bens individuais, familiares, ou sociais” (HV).

Evidentemente o aborto é um pecado mais grave que a contracepção; claro que peca mais quem tira a vida de um ser humano inocente do que quem torna um ato sexual intencionalmente infecundo. Esta diferença de gravidade entre os pecados, no entanto, não tem o condão de “justificar” o pecado menos grave, que continua sendo pecado, e pecado grave, é bom lembrar. Nunca é lícito fazer o mal para que dele provenha o bem; tendo lembrado Paulo VI no avião, o Papa Francisco bem que poderia ter-lhe citado esta frase — esta, sim, de cuja autoria não há dúvidas, e cuja doutrina é certa e segura.

Visões sobre o aborto: a mesquinhez e a nobreza

Está muito pertinente a nota do “Brasil Sem Aborto” a respeito das propostas anti-vida do novo Código Penal. A denúncia que este texto faz é verdadeira e merece a nossa atenção: o projeto contém inúmeros pontos polêmicos – que, aliás, são taxativamente reprovados pela esmagadora maior parte da população brasileira – e está sendo conduzido a toque de caixa pelos nossos parlamentares, em uma tentativa de passar um verniz de legitimidade sobre a imposição de uma ideologia minoritária e estranha ao nosso povo e que, pelo conteúdo e pela forma, configura-se um verdadeiro atentado à democracia do Brasil.

Pelo conteúdo, uma vez que (como explicou de forma magistral o delegado de polícia Rafael Brodbeck na semana passada) muitas das propostas que ele contém estão longe de corresponder aos anseios da população brasileira: trata-se de «um Código ideológico, escrito por intelectuais em desconexão com a realidade brasileira e que não representam as mais profundas aspirações do nosso povo». Pela forma, porque (como disse a supracitada nota do Brasil Sem Aborto) está sendo realizado às escondidas e no apagar das luzes, conduzindo mudanças radicais em uma legislação importante de nosso ordenamento jurídico sem um debate público proporcionado: «Surpreende o fato do Presidente do Senado Federal, ainda que dentro de suas prerrogativas constitucionais e regimentais, apressar-se em transformar o polêmico ante-projeto em projeto de lei às vésperas do início do recesso parlamentar. Surpreende também que essa apresentação contrarie informação anteriormente divulgada, de que o ante-projeto seria analisado por uma sub-comissão da CCJ, presidida pelo senador Eunício Oliveira, antes de se transformar em projeto de lei».

Na contramão desta desastrosa tentativa política de implantar a vergonha abortista no país, é um refrigério ler esta notícia que o Estadão publicou no início do mês sobre uma mãe – brasileira! – que decidiu manter a gravidez apesar do câncer de mama. A história é emocionante:

Simone morava no Canadá quando recebeu o diagnóstico da gravidez praticamente ao mesmo tempo que o de câncer de mama. Para poder levar a gestação adiante, teve de comprar uma briga com médicos e recusar o protocolo de tratamento indicado, que preconizava o aborto terapêutico. O parto ocorreu junto com a mastectomia.

Não estamos falando de uma mãe superanimada com uma gravidez planejada e tranqüila, muito pelo contrário: foi uma gravidez inesperada (ela estava tomando anticoncepcionais) e de altíssimo risco para ela própria e para o bebê, uma vez que havia um câncer em estado avançado que, segundo os seus médicos, se agravava ainda mais por conta da gravidez. Ela não teve apoio médico algum para a sua tentativa de salvar a filha: ao contrário, os médicos se recusaram a lhe tratar se ela não abortasse (!). E ela estava em um dos melhores hospitais do Canadá, o que acabou com as suas esperanças de encontrar no país alguém que quisesse cuidar dela.

Ou seja, nós estamos falando de uma mulher gravemente doente, longe de casa, carregando no ventre um filho que não havia planejado e que lhe diziam estar piorando a sua doença, a qual se recusavam a tratar enquanto ela não consentisse no sacrifício da criança! É difícil até mesmo imaginar uma situação mais dramática do que essa. No entanto, ela procurou um médico na internet e pegou um vôo de volta para o Brasil, onde encontrou quem estivesse disposto a respeitar sua vontade e a tratar tanto a ela própria quanto ao seu filho por nascer.

Melissa nasceu saudável às 36 semanas de gestação. A mãe perdeu uma mama e vai precisar passar ainda por diversas sessões de quimioterapia, mas passa bem.

“O mais difícil já passou. A Melissa é um milagre, uma promessa que se cumpriu”, diz Simone, que atribui o milagre da vida da filha ao “anjo Waldemir Rezende”. Agora ela só tem três desejos: poder pegar a bebê no colo todos os dias, fazer sua mamadeira e trocar sua fralda. Como qualquer mãe.

Diante de uma história dessas, como defender – como pretendem os abortistas de todos os naipes – que uma mãe possa matar o seu filho ao próprio alvitre? Como consentir nesta covarde fuga ao sofrimento e à responsabilidade materna? O ser humano foi feito para as coisas elevadas e nobres, e não para a mesquinharia. Nobre é não fugir das próprias responsabilidades, ainda que isto signifique colocar a própria vida em risco: a enorme repercussão positiva que teve a notícia acima dá testemunho de que – como era de se esperar – as pessoas admiram a nobreza, dão valor ao heroísmo. Ora, são dignos de proteção exatamente os valores, e não os anti-valores; merecem ser promovidas as coisas que são admiráveis, e não o seu contrário. E é exatamente por isso que a vilania e a mesquinhez não podem receber proteção legal positiva, não podem ser consideradas um “direito” e não se pode desviar recursos públicos para que elas sejam exercidas. A vida é sagrada e é dever de todos e de cada um protegê-la. Naturalmente, não significa que isto seja fácil; mas significa, sim, que é a coisa certa a ser feita.

Padre Euteneuer e Human Life International

Como foi noticiado na semana passada, o pe. Thomas Euteneuer está deixando a presidência da Human Life International para retornar à sua diocese de origem, como pároco. Segundo (tradução livre do) email que ele próprio enviou, “um padre é um soldado de Cristo e da Igreja, e obediência é a primeira virtude do seu estado de vida”.

Achei estranho o fato não ter tido tanta repercussão por aqui, bem como achei estranha a atitude do pe. Euteneuer que se me afigurou como um relâmpago em céu claro. É um sacerdote corajoso, que “não tem papas na língua”, que estava fazendo um excelente trabalho à frente daquela importantíssima organização internacional pró-vida. Disse o padre que, para ele, esta era a coisa certa a ser feita neste momento. Difícil, no entanto, imaginá-lo dizendo coisa diferente, após louvar a obediência sacerdotal como ele o fez.

Ele pede orações, e as merece e delas precisa. Rezemos por ele. De sua parte, prometeu-nos lembrar-se sempre de nós, todos os dias, no Sacrifício Eucarístico, “fonte de toda unidade e VIDA”. Pode ser que tenhamos perdido um general que estava à frente da batalha pró-vida; mas sem dúvidas não perdemos o sacerdote que, mesmo tendo que se afastar um pouco das primeiras fileiras na liça contra a Cultura da Morte, lembra-se de nós no Santíssimo Sacrifício do Altar. E isso importa.

O LifeSiteNews.com publicou um justíssimo tributo ao padre Euteneuer. Lamento não ter tempo de traduzi-lo agora, mas para quem entende inglês vale a pena uma leitura. São alguns comentários sobre os últimos anos em que o pe. Euteneuer dedicou-se com afinco à batalha pró-vida. Talvez o mais famoso de seus corajosos feitos públicos tenha sido esta entrevista com Sean Hannity, em 2007 – infelizmente está em inglês. Hannity possui um talk show conservador e se apresenta como católico. Certa feita, no entanto, defendeu publicamente o controle de natalidade. O padre Euteneuer protestou. Convidado para uma entrevista, aceitou, e respondeu com tranqüilidade à crescente exaltação de Hannity. A pergunta final foi a mais chocante, e também a mais bonita para quem tem visão sobrenatural: “-o senhor me negaria a comunhão? -Sim, eu negaria. -Uau”. Bravo, padre Thomas. Bravo!

Rezemos pelo padre Thomas Euteneuer. Rezemos pelo Human Life International. E rezemos por todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, dedicam-se à defesa da vida.

Filmes em hotel

Semana passada, no hotel, passando os canais da televisão, vi alguns filmes – melhor dizendo, trechos de filmes – que tive vontade de comentar. São, todos, uns mais, outros menos, imorais; mas revelavam algumas coisas verdadeiras de maneira tão nua e crua que merecem ser citados.

Na Globo, passava “Os Sonhadores”. Achei que seria um filme histórico sobre a Revolta Estudantil, mas me enganei: o filme era repleto de cenas explícitas de sexo explícito (a redundância é proposital e necessária), de uma maneira que não me recordo de ter visto no cinema ou na televisão. Escandaloso, mas tem uma cena muito interessante: é quando um dos personagens principais diz a outro (em cuja casa – abastada… – ele está hospedado) que, se ele realmente acreditasse nos livros que lê e nos discursos políticos que faz, estaria nas ruas de Paris e não trancado no apartamento, bebendo os vinhos caros do pai…

Há um outro filme que eu não sei o nome, mas lembro-me da cena. Dois adolescentes, um garoto e uma garota, conversando sobre o seu relacionamento. O rapaz reclama que gostaria de sair com a menina para o cinema, para uma sorveteria, para um baile. A menina, rapidamente, rebate: “isso deveria ter sido antes do sexo, não?”. O rapaz cala-se, pois não tem como contra-argumentar. E eu penso em quantos casos assim não existem nos dias de hoje…

Mas o melhor é um filme que eu assisti quase todo, embora não lembre o nome. A sacada é genial, talvez alguém conheça: trata-se de um “documentário” produzido por um extraterrestre sobre a reprodução humana. O filme mostra a voz do ET explicando todos os passos da vida afetiva de um casal do século XX: o encontro na boate, o telefone perdido, o reencontro, o sexo com contraceptivos, a gravidez acidental, a tentativa de aborto, o casamento. E o hilário é que o extraterrestre explica tudo isso sob uma ótica de reprodução da espécie e, portanto, não consegue entender nada: é impagável ver a narração explicar que, quando se encontram na boate, a mulher está tentando convencer o homem que é fértil e vai lhe dar muitos filhos, enquanto o homem tenta fazer a mulher acreditar que ele é forte e vai proteger e sustentar ela e a prole. Quando os dois viajam para um final de semana nas montanhas e esquecem os contraceptivos, ouvir o ET empolgado dizendo: “ahhh, conception! Finally” é indescritível. Muito provavelmente o roteirista não quis fazer uma crítica aos relacionamentos humanos modernos, mas terminou conseguindo. Ainda bem.

Pílula anticoncepcional e câncer

Apenas registrando: Médicos são contra pílula anticoncepcional antes dos 18. Boa notícia: finalmente alguém ousou romper a aura de santidade que envolvia a pílula – virtual materialização da revolução sexual – e levantar a hipótese de que este veneno pode fazer mal à saúde das mulheres. Queira Deus que estes estudos não estejam fadados ao descaso ou ao esquecimento!

“Até alguns anos atrás não víamos problemas no uso de anticoncepcional. Mas trabalhos internacionais e serviços especializados começaram a relatar evidências de que a pílula poderia potencializar o câncer de mama”, afirma Basségio. “Preconizamos que as menores de 18 anos evitem usar o produto”, completa. Em sua tese de doutorado, Basségio atestou que triplicaram os casos de neoplasia de mama em mulheres antes dos 40 anos. Em 2003, elas representavam 5,3% dos casos, taxa que saltou para 16,8% em 2007.

Caixinhas de surpresas

– Ao mesmo tempo em que a Califórnia proibia o “casamento” gay, outros estados americanos aprovavam outras coisas completamente diferentes e que não merecem louvor. Por exemplo, foram rejeitadas propostas que restringiam o aborto (não sei exatamente quais) no Colorado e em Dakota do Sul, e em Washington foi aprovada a Eutanásia (como diz na notícia, “suicídio acompanhado para pessoas com doenças terminais”). Triste.

– A Rádio Vaticano publicou – sem nenhum disclaimer avisando aos navegantes que se trata de opinião pessoal em flagrante contradição com o Magistério da Igreja, o que é totalmente incompreensível – a opinião do cardeal Martini segundo a qual a Humanae Vitae afastou as pessoas da Igreja e que a questão da contracepção “poderia ser melhor abordada, da perspectiva pastoral”. Se fosse possível haver tristeza no Céu, eu diria que o jesuíta estaria arrancando lágrimas de Santo Inácio de Loyola. Para mais detalhes sobre o lamentável espetáculo (claro está que a posição do eminentíssimo cardeal carece de valor para os fiéis católicos dignos deste nome), remeto ao Igreja Una.

– A ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas [Bissexuais, Travestis, etc, etc] e Transexuais – divulgou uma nota de repúdio – pasmem!“sobre a exclusão de homossexuais do sacerdote (sic) católico”! A supradita associação “vem a público expressar indignação diante da atitude discriminatória do Vaticano em avaliar candidatos ao sacerdote por meio de exame psicológico, com rejeição daqueles que tal análise considerar serem homossexuais”. Distorções de discursos de arcebispos católicos e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pressão sobre o Conselho Federal de Psicologia, e citações de Orwell às avessas: eis o conteúdo da nota. Quando a gente pensa que já viu de tudo…

– Achei no mesmo site uma notícia relacionada: Ministério da Educação vai distribuir nas escolas fluminenses livro sobre diversidade sexual. Que coisa linda, não? Depois acham que nós não temos razão ao não querermos que as nossas crianças sejam deformadas pela deseducação do governo gayzista…

Parlamento Europeu e aborto

Saiu na sexta-feira passada: Parlamento Europeu deplora posição da Igreja sobre contracepção. Não tem quase nada de novo na resolução votada pelo Parlamento; é o mesmo blá-blá-blá criminoso de sempre, onde se confessa pela milésima vez que um dos objetivos da ONU é a disseminar a prática do aborto a nível mundial. No entanto, pelo menos para mim, é inusitada a fixação de datas: em 2015, o Parlamento Europeu quer que o acesso ao aborto seja universal:

Segundo reconhece a edição de hoje de L’Osservatore Romano, nesta resolução se propõe chegar em 2015 ao «acesso universal à saúde reprodutiva», que inclui explicitamente o recurso ao aborto, especialmente nos países em vias de desenvolvimento.

Aborto não é direito, o crime não pode ser legalizado, não importa o que digam a Organização das Nações Unidas, o Parlamento Europeu, o José Gomes Temporão et caterva. Criminosos permanecem sendo criminosos, não importa quanto poder detenham. É uma vergonha que a humanidade permaneça inerte enquanto doentes mentais propagam suas ideologias assassinas como se fossem a coisa mais normal do mundo. Kyrie, eleison!

Enquanto o mundo passa

Qual é a principal diferença entre um anel de ouro verdadeiro e um anel de ouro falsificado? Não é somente o preço, óbvio, até porque os dois podem custar a mesma coisa – se o vendedor estiver mal intencionado e não disser que a mercadoria negociada é uma imitação. Também não é “a beleza” do ouro, porque para a maioria das pessoas não é evidente a diferença do metal verdadeiro para o “metal falsificado”. A principal diferença entre o anel de ouro e o anel falsificado é que o anel de ouro dura, e o falsificado, estraga, e todo mundo sabe disso, e por isso dá valor ao ouro verdadeiro.

“Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa em Vós” – escreveu Santo Agostinho em suas “Confissões”. E “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus” (Gn 1, 27). Tem, portanto, o homem uma certa sede de infinito, um fascínio pelo transcendente, um desejo de eternidade inscrito em sua própria natureza. É natural que o homem fuja de horror diante da morte, diante da possibilidade de deixar de existir; é-lhe um absurdo incompreensível. Como a fome física exige a existência da comida e a sede física, a existência da água, assim a fome e a sede de eternidade que o homem possui exigem a Vida que não passa. Não a encontrando no mundo visível, segue contudo buscando-a mesmo assim.

Na verdade, o homem carrega em si uma eterna insatisfação com a sua própria contingência; sabe que passa, mas não quer passar. Quer permanecer. Constrói monumentos portentosos, que possam dar testemunho dele ao porvir quando ele não for mais do que pó na terra. Busca o Elixir da Eterna Juventude, ou sob a versão “mística” prometida pelos alquimistas, ou sob a roupagem “racionalista” dos progressos científicos atuais. Cria fábulas e inveja secretamente o Peter Pan, por não ter uma Terra do Nunca onde consiga parar a inexorável marcha do envelhecimento que jamais se detém. E admira as coisas que permanecem ao longo do tempo, como os anéis de ouro.

O homem sente-se atraído pelas coisas que não passam – verdade universalmente atestada pelo comportamento humano ao longo de toda a História! Quereis, portanto, encantar uma alma? Mostrai-lhe o diamante indestrutível da Doutrina Católica, o esplendor imperecível da Verdade, o eterno brilho dourado da Fé! Oferecei-lhe um bem que não se acaba, que as traças e a ferrugem não consomem e os ladrões não roubam (cf. Mt 6, 20), e a vereis vender tudo o que possui para o adquirir (cf. Mt 13, 44).

Estranhos tempos estes em que vivemos, em que as pessoas julgam poder convencer as almas oferecendo-lhes utensílios descartáveis ao invés de diamantes eternos. Sob a desculpa de que são “úteis” e “modernas”, as idéias mais estapafúrdias são espalhadas por aí afora no lugar da “antiquada” Sã Doutrina de sempre. Para que serve esse negócio de Igreja? Digamos que as religiões são como “rios que desaguam todas num mesmo mar” – é bonito, é poético, é agradável para todos. Para que serve esse negócio de Sacrifício de Cristo? Digamos que basta às pessoas serem boas, porque, afinal de contas, Deus é Pai – não é mais lógico? Para quê tantas imposições morais? Digamos, enfim, que o homem é livre, e que o importante é o amor, pois foi Santo Agostinho quem disse “ama e faz o que queres”. E os exemplos podem multiplicar-se ao infinito. Sempre modernos, sempre descartáveis. Completamente incapazes de prender a atenção de uma alma que foi criada para os altares.

O que explica o “culto ao efêmero”, esta revolta metafísica que faz com que o homem procure, de toda maneira, sufocar as suas aspirações naturais e colocar, no seu lugar, um artificial desejo por aquilo que lhes é oposto? Acredito que foi a decepção. Após infinitas tentativas frustradas – após o tempo ter destruído até as Maravilhas do Mundo, após a alquimia ter fracassado vergonhosamente na busca da pedra filosofal, após as incuráveis doenças modernas, após as crianças terem crescido e deixado de acreditar em Peter Pan – o homem deve ter desistido de procurar aquilo pelo qual o seu coração anseia. Esqueceu-se ele de que o ouro não enferruja. Nunca subestimemos a capacidade humana de errar; quando pensávamos que os erros iriam conduzir, por via adversa, ao único acerto possível, o homem nos surpreende com mais essa: após enveredar por tantos caminhos errados que praticamente só restava o caminho correto a ser explorado, no liminar de segui-lo, pára o homem e afirma categoricamente não haver caminhos. Triste.

Pensava em tudo isso quando li uma reportagem da FOLHA segundo a qual alguns “católicos” pediram ao Santo Padre que libere os contraceptivos. A despeito de se dizerem católicos, é claro que eles não o são: os católicos se preocupam com o Eterno, não com o jornal do dia que amanhã vai estar embrulhando peixe. Os católicos julgam o mundo de acordo com as palavras do Sucessor de Pedro – estes, querem julgar o Papa de acordo com o que diz a OMS.

Hoje, a Humanae Vitae completa 40 anos. Os modernos certamente dirão que ela está velha e precisa ser substituída; os católicos, todavia, sabem que as palavras do Papa não são descartáveis. Os inimigos de Deus – afinal, os que odeiam as coisas imutáveis certamente odeiam Deus, o Ser Imutável por antonomásia – querem que o Papa “mude” a Doutrina da Igreja; as ovelhas do aprisco do Senhor sabem que a segurança só se consegue quando se constrói sobre a rocha, inabalável, inalterável. A loucura moderna pretende transformar a ferrugem em valor; não nos deixemos enganar. “Só tem valor o que muda e evolui”, diz o homem moderno; todo se pasa, Dios no Se muda, diz a santa do século XVI. Permaneçamos firmes, enquanto o mundo passa. Afinal, as coisas que permanecem são preferíveis às que se destroem; não nos esqueçamos de que o ouro não enferruja. E nem de que “[o] céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24, 35).