O que a criminologia tem a dizer sobre os abusos sexuais de [crianças e] adolescentes por sacerdotes americanos?

A notícia é da semana passada, mas eu só li ontem e é muito importante: trata-se de uma investigação levada a cabo nos Estados Unidos pelo John Jay College of Criminal Justice sobre os casos de abusos sexuais de menores. Vi a notícia de segunda mão aqui; dentre as informações mais relevantes, vale destacar:

“Dos cerca de 6 mil padres acusados de abuso ao longo da metade do século passado (cerca de 5% do número total de padres que que serviram durante esse período), menos de 4% podem ser considerados pedófilos, assinala o relatório – isto é, homens que se aproveitaram de crianças”.

“Do mesmo modo, o celibato permaneceu uma constante ao longo dos picos e vales das taxas de abuso, e os padres podem ser menos propensos a abusar de crianças hoje em dia do que os homens de profissões similares”.

Portanto, nem os padres são em geral molestadores de crianças e nem os molestadores de crianças em geral são padres. E, mais ainda, a maior parte – a esmagadora maior parte – dos casos de abusos sexuais cometidos por membros do clero não é de pedofilia. E, também, o celibato não torna ninguém mais propenso a abusar de crianças. Ou seja: tudo o que nós sempre dissemos contra os espantalhos grotescos pintados pelos anti-clericais de todos os naipes. Mas, aqui, estamos falando de conclusões obtidas por uma instituição de criminologia respeitada mundialmente. E sobre os abusos cometidos nos Estados Unidos – país que se tornou tristemente emblemático do problema.

Mas há na reportagem uma coisa, uma única coisa, que não me parece bater. Trata-se do seguinte parágrafo:

[O]s pesquisadores não encontraram evidências estatísticas de que os padres gays eram mais propensos do que os padres heterossexuais ao abuso de menores (…). O número desproporcional de vítimas adolescentes do sexo masculino tem a ver com a oportunidade, não com uma preferência ou com uma patologia, afirma o relatório.

E eu, sinceramente, acho isso muito estranho. “Oportunidade” e não preferência?! Alguém aqui consegue imaginar um homem heterossexual que se relacione desproporcionalmente com outros homens e, depois, venha dizer que não é questão de preferência, mas de “oportunidade”? Ou um homem gay que, por “oportunidade”, relaciona-se mais com mulheres do que com outros homens…?

Vamos às fontes. O relatório original (150 páginas) está aqui. Os gráficos a seguir foram retirados dele.

 

Abusos sexuais por ano de ocorrência

 

Vítimas, por idade e gênero

 

Sacerdotes acusados, por tipo de acusação

Eu ainda não tive tempo para lê-lo inteiro, mas algumas coisas saltam aos olhos. Chamar de “desproporcional” o número de vítimas do sexo masculino é pouco: estamos falando de um número (na faixa dos 11-14 anos) quase seis vezes maior! E isto se explica por… “oportunidade”? Não consigo alcançar o porquê de semelhante afirmação; não vejo no quê ela possa se basear. Talvez haja no relatório algo que me escapou à primeira (e apressada) vista. Ou, talvez, o problema esteja na reportagem mesmo.

Debate sobre o aborto – Facvldade de Direito

Ontem à noite, estive presente em um debate sobre o aborto realizado na centenária Facvldade de Direito do Recife. Um amigo ia defender a posição de absoluto repúdio ao aborto, contra “uns abortistas”, conforme ele me havia dito. Fui ver o espetáculo.

Na mesa, quatro pessoas: uma moderadora e três debatedores. O Thiago Moraes, meu amigo, defendendo a posição “da Igreja”; uma mulher da ONG abortista SOS Corpo, chamada Sílvia Regina, e um advogado criminalista, chamado Paulo César. No início, uma exposição preliminar de cada um deles: primeiro o católico, depois a senhora da ONG, e por fim o criminalista.

A platéia era ofensiva à posição da Igreja; Thiago optou por um estilo agressivo, falando alto, com indignação, pondo ênfase nas palavras, elevando o tom de voz; até o final do debate, iriam dizer que ele estava “esbravejando”, “expondo as coisas de uma forma raivosa”, “impondo e não debatendo”, etc. Embora não saiba até onde foi proveitosa, acredito que tenha sido uma estratégia; ele queria indignar as pessoas, e conseguiu. Falou em Lei Natural e na importância de se defender a vida humana, pois a omissão nesta defesa solapa toda a ordem jurídica; falou que a posição contrária ao aborto é “racionalmente defensável”, e esforçou-se para desvinculá-la da “posição da Igreja” – termo que carrega uma conotação religiosa; falou na “mistificação” do aborto, nos ossos carcomidos de Comte, e falou que, no Brasil, não iria acontecer a mesma coisa que na Colômbia, porque esta aqui “é a Terra de Santa Cruz” e os abortistas iam encontrar resistência. Falou bem, e o estilo agressivo irritou a platéia.

Depois, veio a mulher da SOS Corpo. Cara feia, fala mansa: falou que o aborto “sempre foi praticado” desde que o mundo é mundo, que só passou a ser crime no Brasil “na década de 40”, que a culpa era das “sociedades patriarcais”, que “as nossas mães também abortam”, que “as freiras abortam”, que um “embrião de ser humano” não era um ser humano porque, para ser “um ser humano”, era necessário ter “um projeto de vida”, falou na luta das mulheres, nas conquistas do feminismo, que as mulheres têm direito a abortar porque têm o direito de escolher o seu futuro, porque os métodos contraceptivos falham, porque quando uma “porcaria de gravidez” vem na hora errada e a mulher está cheia de problemas, a vida “é o que menos importa”, e falou que uma sociedade que liberasse o aborto seria “mais humana”, e blá-blá-blá-blá-blá… como muito argutamente comentou uma amiga à saída, o tom de voz manso dela “escondia” as barbaridades faladas. Se a gente fosse prestar atenção à quantidade de besteiras proferidas no meio da fala suave, iria ficar impressionado.

Depois, o advogado. Possuía um tique no olho esquerdo, mas falava bem, e prendia a atenção: o cerne do seu discurso era o fato de que “nós não poderíamos responder a uma mulher que aborta com o Direito Penal”, porque o drama por ela vivido já lhe era sofrimento o bastante. No meio das besteiras [o sujeito era relativista e pragmático até a medula], pelo menos duas informações trazidas por ele são relevantes:

– a maior parte dos doutrinadores ensina que o art. 128 do Código Penal consiste em uma exclusão de ilicitude [? ou “de tipicidade”? Não conheço os termos jurídicos…], e não de punibilidade (trocando em miúdos, que o aborto provocado em caso de estupro e quando não há outra forma de salvar a vida da mãe não simplesmente “não é punido”, mas sim “não é crime” mesmo – sobre este assunto, talvez valha a pena a leitura deste documento que encontrei – não li ainda – no site do padre Lodi).

– a porcentagem de absolvição para mulheres que cometem aborto e são levadas a julgamento, pelo menos nas capitais, é próxima dos 100%, de modo que, segundo ele, se o Legislativo não tiver a coragem de retirar o aborto do Código Penal, a própria sociedade vai se encarregar de fazer com que a lei vire “letra morta” por simples desuso.

Pronto. Após a primeira fala de cada um dos debatedores (e – na minha opinião erroneamente – sem tempo para as réplicas e tréplicas), seguiram-se blocos de perguntas, com três em cada bloco (só houve tempo para dois blocos). Obviamente, os debatedores aproveitaram-se deste tempo concedido para fazerem as réplicas que cabiam (principalmente o Thiago, que havia sido o primeiro a falar). Como o tempo era curto, ele foi lacônico: “o assassinato [como o aborto] também sempre existiu e a gente não vai legalizá-lo por causa disso”; “se você é católico, se você é hinduísta, budista, ateu ou o que seja, você deve ser contra o aborto”; “um embrião é um ser humano, e não ‘um projeto’ de ser humano”; e outras sentenças proferidas com a concisão exigida pelo tempo e a agressividade adotada como estratégia. Do fundo do auditório ensaiaram algumas vaias. Ele conseguiu realmente incomodar.

Daqui em diante, pouco ou quase nada é digno de menção, porque a palhaçada atingiu o apogeu. A sra. Sílvia falou do patriarcalismo da Igreja, o sr. Paulo falou no respeito às opiniões dos outros, ambos iluminaram o auditório com incontáveis alusões às fogueiras da Inquisição, rejubilaram-se com o fim da Idade Média que já passou e não volta mais, enforcaram o último rei nas tripas do último padre com as loas ao Iluminismo, falaram mal de Dom José com a atitude “que envergonhou Recife” diante do mundo, e foram completamente vãos todos os esforços do Thiago para arrancar o debate da esfera do preconceito e trazê-lo para a da argumentação racional. Não adiantou.

No fim, o povo já não ouvia o que Thiago falava, pois o burburinho crescia, os pedidos de silêncio aumentavam, as perguntas começaram a ficar [ainda mais] estúpidas [“se sua mulher fosse estuprada, o que você faria?”], e quase ninguém percebeu a leitura de um texto sobre Moloch no final – texto muito bom, diga-se de passagem. Fim de noite, saí do debate com duas sensações: frustrado, porque são pessoas como aquelas que estavam no auditório que serão os futuros formadores de opiniões e fazedores de leis; e atônito, porque os abortistas não são capazes de apresentar um único argumento e, contudo, defendem as suas barbaridades assim mesmo e encontram quem lhes dê ouvidos! Mas um outro amigo que lá estudava disse-me que foi muito bom: afinal, as pessoas estariam nos próximos dias comentando sobre o assunto, criando assim um território fértil para se fazer apostolado.

Tomara que elas discutam, sim, e discutam com sinceridade, sem paixões, sem preconceitos, sem irracionalismos; tomara que os pró-vida daquela faculdade – entre os quais conto alguns bons amigos – tenham as oportunidades de que precisam para defender as crianças por nascer. E que a Virgem da Conceição Aparecida, Padroeira do Brasil, seja em seu favor; e  que Ela livre o Brasil da maldição do aborto.