Bento XVI e o Papa Copta

Referente ao comentário aleatório que foi feito hoje à tarde aqui no blog (o que me leva a crer que o seu autor quer algum comentário meu sobre o assunto), sobre a recente eleição do novo Papa Copta, é preciso dizer que o texto e (principalmente!) os comentários do Cum Ex Apostolatus Officio são totalmente nonsense.

O Patriarca de Alexandria historicamente sempre ostentou o título de “Papa”, sem que isso jamais significasse nenhuma pretensão de usurpar a primazia de governo que o Bispo de Roma exerce sobre a Igreja Universal. Aliás, parece que o título de “Papa” foi atribuído ao Bispo de Alexandria antes mesmo de ter sido usado pelo Bispo de Roma – e isto séculos antes do Cisma do século XI. Uma coisa, portanto, é o Papa enquanto Sucessor de São Pedro, Vigário de Cristo e Pastor Supremo da Igreja Católica, e outra coisa totalmente diferente é o Papa enquanto Patriarca de Alexandria – cujo título remete a um uso histórico ininterrupto e incontroverso. Não me consta que o Papa Copto-Ortodoxo tenha jamais possuído, no passado ou no presente, pretensão de exercer governo universal sobre a Igreja. O Patriarca de Alexandria não é atualmente (e, até onde me conste, historicamente nunca foi) o que se pode chamar de um Antipapa.

É claro que hoje em dia existe o cisma e, atualmente, a Igreja Copto-Ortodoxa não reconhece ao Bispo de Roma senão uma “primazia de honra”, mas isto – ao contrário do que é insinuado nos comentários do artigo – não tem absolutamente nada a ver com o título “Papa” empregado pelo Bispo de Alexandria ou de Roma. Para os ortodoxos, “Papa” significa simplesmente “Patriarca”, sem nenhuma conotação minimamente análoga ao Papado católico. E, por conseguinte, o Papa Bento XVI “reconhecer” a eleição de Tawadros II, mesmo tratando-o por “Papa”, não tem nada a ver com abdicar do Papado, negar que ele próprio seja o Sucessor de São Pedro ou qualquer outro disparate análogo.

Deduzir da mensagem de Bento XVI ao novo Patriarca da Igreja Copto-Ortodoxa que aquele “abdicou do papado” – como escreveu uma garota em seu blog – porque não pode haver dois Papas é fazer uma confusão totalmente sem sentido. É claro que não pode haver dois Papas no sentido que a palavra tem dentro da Teologia Católica, mas pode haver – e há – mais de um Patriarca na Igreja de Cristo, e para os coptas “Papa” significa precisamente “Patriarca” e não mais que isso.

Há Patriarcas de Igrejas Particulares unidas a Roma – como o Patriarca de Antioquia dos Sírios, p.ex. – e há Patriarcas de igrejas cismáticas, como o recém-eleito Tawadros II. Este chamar-se a si mesmo de Papa (fazendo uso, repitamos, de um título que remete ao século III, jamais questionado pela Igreja) ou o Papa Bento XVI tratá-lo por este título (que em si é legítimo) em nada afeta a posição que o Vigário de Cristo detém na Igreja Católica. Dizer diferente disso é disseminar a confusão, e nós já vivemos em tempos onde existe confusão demais.

Variedade Litúrgica: a Divina Liturgia

Por um inusitado encadeamento de coincidências, quis a Providência Divina que eu assistisse, hoje, à Divina Liturgia de São João Crisóstomo celebrada na Igreja Ortodoxa Antioquenha. Nunca havia assistido a nenhuna celebração litúrgica diferente do Rito Romano (em suas duas formas). Sempre tivera vontade de conhecer a liturgia oriental. Hoje, o Altíssimo me atendeu.

A celebração deixou-me com uma curiosa e incômoda sensação: por um lado, o rito é extremamente diferente do Rito Romano. Por outro lado, mesmo com todas as diferenças, é enormemente mais parecido com uma Missa do que algumas aberrações litúrgicas que, infelizmente, no Rito Romano mesmo somos obrigados a presenciar. Sim, penso particularmente na “missa pré-balada” de Maringá sobre a qual tanto já foi falado aqui nos últimos dias.

Na Divina Liturgia há mais ministros (eu mesmo não fui capaz de identificar todos), há mais litanias, há mais procissões. O mais curioso, contudo, foi ver as coisas todas “fora de ordem”, em comparação com o Rito Romano. A epiclese vem depois da Consagração; a procissão do Ofertório nāo ocorre ao mesmo tempo da coleta das ofertas. A homilia é no final da Missa, imediatamente antes da comunhão. No entanto, mesmo assim, salta aos olhos o caráter sagrado com o qual se executa todo o rito. Quem assiste a Missa tem a impressão de estar realmente assistindo um ofício sagrado! Coisa bem diferente do que acontece quando se fazem badernas no Rito Romano.

Os ortodoxos mudam os arranjos dos símbolos, mas eles são, em essência, os mesmos. A casula é diferente, mas é uma casula. O turíbulo é diferente, mas é indiscutivelmente um turíbulo. As estolas cruzam-se de modo diverso, mas são estolas. Os candelabros são distintos dos usados no Rito Romano, mas são candelabros. Aliás, sobre estes últimos, são interessantes: os que são segurados pelos acólitos e levados em procissão têm, um deles, duas velas e, o outro, três. Não sabia disso, mas provavelmente significam, um, humanidade e divindade de Cristo e, outro, Trindade de Deus. Símbolos diferentes dos usados no Rito Romano: mas um mesmo objetivo, uma mesma harmonia, o mesmo caráter sagrado saltam aos olhos.

Já na “missa pré-balada” (e em todas as balbúrdias litúrgicas em geral), a ordem (cronológica) de cada uma das partes da Missa é mantida. No entanto, a ordem maior, a ordem da Liturgia (que tem seu fim em Deus) é totalmente destruída pela irreverência, pela profusão de elementos profanos, pela desarmonia, pelo ambiente descaracterizado. Na Divina Liturgia a ordem cronológica dos acontecimentos é outra, mas a ordem maior permanece inalterada: a Missa é Santa, dirige-se a Deus, a Ele conduz. Aos que querem “inovar” na Liturgia e que estão preocupados com as “mesmices” do Rito Romano, bem lhes faria bem procurar aprender sobre Liturgia Católica, antes de pôr as próprias idéias malucas em prática. Em particular, deveriam aprender a (farta) variedade litúrgica que já existe, desde sempre, na Igreja de Deus.