“Não há segredos entre eles, nenhuma falsidade” – Tertuliano, sobre os esposos

[Reproduzo o belo comentário de Tertuliano (+ 220) com o qual o pessoal do Evangelho Quotidiano nos brindou hoje. Mostra que todos os Sacramentos foram instituídos por Cristo e sempre foram tratados com dignidade e reverência dentro da Igreja de Deus. É comum ouvirmos acusações de que “antigamente” a Igreja tinha repulsa ao sexo, o casamento era um mal tolerado, a vida conjugal era a vergonhosa saída para os que não tinham a têmpera necessária para abraçar a vida religiosa, etc.; contra estas bobagens, que se levante o testemunho do Padre de Cartago: louvando – entre fins do século II e início do III – as excelências do Matrimônio cristão.

Fonte: EAQ, 14 de junho de 2013]

Comentário do dia
Tertuliano (c. 155-c. 220), teólogo
À esposa, II, 9

Onde dois estiverem reunidos, Cristo estará presente

Onde encontrar palavras para exprimir toda a excelência e felicidade do matrimónio cristão? A Igreja redige o contrato, a oferta eucarística confirma-o, a bênção coloca-lhe o selo, os anjos que são dele testemunha registam-no, e o Pai dos céus ratifica-o. Que aliança doce e santa a de dois fiéis que carregam o mesmo jugo (cf Mt 11,29), reunidos na mesma esperança, no mesmo desejo, na mesma disciplina, no mesmo serviço! Ambos são filhos do mesmo Pai, servos do mesmo Senhor […], formando uma só carne (cf Mt 19,5), um só espírito. Oram juntos, adoram juntos, jejuam juntos, ensinam-se um ao outro, encorajam-se um ao outro, apoiam-se um ao outro.

Encontramo-los juntos na igreja, juntos no banquete divino. Partilham por igual a pobreza e a abundância, as perseguições e as consolações. Não há segredos entre eles, nenhuma falsidade: confiança inviolável, solicitude recíproca, nenhum motivo de tristeza. Não têm de se esconder um do outro para visitar os doentes, para dar assistência aos indigentes; a sua esmola não é motivo de disputa, os seus sacrifícios não conhecem escrúpulos, a observância dos seus deveres quotidianos é sem entraves. Entre eles não há sinais da cruz furtivos, nem saudações inquietas, nem acções de graças mudas. Da sua boca, livre como o seu coração, elevam-se hinos e cânticos; a sua única rivalidade é a de ver quem celebra melhor os louvores do Senhor. Cristo alegra-Se com tal união; a tais esposos Ele envia a sua paz. «Onde dois estiverem reunidos», Ele também está presente (cf Mt 18,20); e onde Ele está presente, o inimigo da nossa salvação não tem lugar.

O Papado em São Cipriano e nos primórdios do Cristianismo

Com relação às discussões a respeito de São Cipriano de Cartago e o Papado que estão sendo travadas neste post do Deus lo Vult!, vale a pena dizer quanto segue:

– A citada “brilhante refutação do Lucas” é um texto tosco e prolixo, de péssimo gosto, repleto de argumentos ad hominem e que não diz nada sobre o verdadeiro mérito da questão, qual seja, sobre se São Cipriano alguma vez na vida negou o Papado.

– A resposta a esta questão é evidentemente negativa. São Cipriano de Cartago, como bispo católico, jamais negou e nem poderia ter negado a primazia do Bispo de Roma sobre toda a Igreja de Deus. Se fosse possível aos santos de Deus revirarem-se no túmulo, por certo os ossos do grande mártir estariam provocando terremotos com estes disparates proferidos atualmente pelos filhos de Lutero.

– A tagarelice da “brilhante refutação do Lucas” resume-se a (i) questionar traduções de textos de São Cipriano, (ii) discutir a possibilidade (dentro da Doutrina Católica) do Papa cair em heresia e (iii) trazer meia dúzia de citações do Bispo de Cartago e dos Concílios primitivos que, na “lógica” protestante, apoiariam a posição de Lutero.

Quanto a (i), basta dizer que é completamente irrelevante. A discussão original versava, entre outros pontos, sobre uma suposta interpolação no tratado de São Cipriano sobre a Unidade da Igreja. Este site protestante traz a íntegra da obra em português e, apontando a “falsificação” católica, mostra a seguinte tabela:

Texto de São Cipriano Texto Interpolado
Loquitur Dominus ad Petrum, Ego tibi dico Tu es Petrus, etc.(a)Super unum(b) ædificat ecclesiam.

Hoc erant utique et cæteri apostoli quot fuit Petrus, qui consortio præditi et honoris et potestatis, sed exordium ab unitate proficisitur,(c) ut(d) Christi ecclesia(e) una monstretur.(f)

Qui Ecclesiæ resistitur et resistit,(g) in ecclesia se esse confidit?

(a) Et iterum eidem, post ressurectionem suam dicit, Pasce oves meas.(b) Super illum unum…et illi pascendas mandat oves suas.

(c) Et primatus Petro datur.

(d) Una.

(e) Et cathedra.

(f) Et pastores sunt omnes et grex unus ostenditur, qui ab apostolis omnibus, unanimi consensione pascatur, etc.

(g) Qui cathedram Petri, super quem fundata est ecclesia deserit, etc.

Ora, eu confesso que nunca vi este texto interpolado na vida! O texto que consta na Enciclopédia Católica é o incontroverso (à exceção do ponto ‘(a)’, que é meramente descritivo do fato bíblico). Também no Catecismo Romano (Parte I, Cap. X, XII), que traduzo abaixo do espanhol, não há os trechos interpolados:

Fala o Senhor a Pedro: [«]Pedro, Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja[»]. Sobre um [o Senhor] edifica a Igreja, e ainda que após Sua Ressurreição dê a todos os Apóstolos igual poder e diga: [«]Assim como o Pai me enviou, assim Eu envio a vós: recebei o Espírito Santo[»]; com tudo isso, para manifestar a unidade, dispôs com Sua autoridade a origem da mesma unidade, que começasse de um.

O que, aliás, é praticamente o mesmo texto do “e-cristianismo” citado. Aí eu pergunto: é sério que este texto não é suficiente para demonstrar que São Cipriano considerava que a Unidade da Igreja derivava de São Pedro? Retirando-se os trechos (alegadamente) interpolados e ficando com a exata versão que consta no site protestante, por acaso a passagem passa a dizer o contrário do que dizia? É lógico que não! Donde se vê que, neste contexto, a discussão sobre estas interpolações é completamente inútil, é somente uma cortina de fumaça levantada para ofuscar a clareza da Doutrina Católica testemunhada já no século III por São Cipriano.

Quanto a (ii), o dogma da infalibilidade pontifícia diz, tão-somente, que o Papa é infalível quando se pronuncia ex cathedra, i.e., quando fala a toda a Igreja usando a Sua autoridade de Sucessor de Pedro para, em assunto de Fé ou Moral, confirmar a verdade e condenar o erro. E daí que São Cipriano discordou de Santo Estêvão? E daí que São Paulo resistiu em face a São Pedro? Os erros pessoais dos Romanos Pontífices em nada afetam a infalibilidade papal, posto que esta envolve somente alguns atos pontifícios, e não todas as atitudes dos Papas. Será possível que os protestantes ainda não entenderam este ponto básico do Catecismo das Crianças, e insistem em se debater atrapalhadamente contra espantalhos toscos?

Ainda: discutir se o Papa pode ou não cair em heresia só faz sentido partindo do pressuposto que existe um Papa que não erra em matéria de Fé, é óbvio, posto que senão esta discussão sequer existiria, uma vez que ninguém jamais negou que um bispo pudesse ser herege e a História nos dá exemplos abundantes desta verdade. Se o Bispo de Roma fosse simplesmente um bispo igual aos outros não haveria a discussão sobre se ele pode ou não cair em heresia, posto que a resposta a isto seria evidentemente positiva. Negar que exista um Papa porque um dia ele foi acusado de estar errado é, parafraseando Chesterton, o mesmo que negar a existência do Banco do Brasil por conta de uma cédula de Real falsificada – ou, dito de outra maneira, seria como se acusar uma lei de Inconstitucionalidade implicasse que não existe Congresso Nacional.

Por fim, sobre (iii), analisando com mais vagar os escritos de São Cipriano:

1. A Epístola 73 (onde, segundo o Lucas, São Cipriano chama o Papa de herege) seria uma excelente oportunidade para o santo, se protestante fosse, protestar com veemência contra esta pretensão romana de deter a primazia sobre a Igreja Católica inteira. Mas ele não faz isso. Muito pelo contrário até, ele reafirma a Doutrina Católica tradicional (grifos meus):

E a este respeito eu estou com razão indignado contra esta patente e manifesta tolice de Estêvão, de que ele – que se orgulha do seu lugar no episcopado e alega possuir a sucessão de Pedro, na qual os fundamentos da Igreja foram lançados – devesse introduzir muitas outras rochas e estabelecer novos fundamentos de muitas igrejas.

Ora, se São Cipriano fosse protestante e negasse o papado, o que ele deveria fazer neste momento? Dizer que não existe fundamento algum de Igreja sobre São Pedro, que isto é uma pretensão absurda da Sé de Roma, que todos os bispos são iguais, e todas as demais bobagens que os filhos de Lutero gostam de vociferar. Mas o que ele critica em Estêvão é justamente o contrário: é que ele (Estêvão) estaria minando a autoridade da Igreja ao permitir o batismo nas igrejas dos hereges. Ou seja, o santo não critica no Papa a sua pretensão ao Papado, mas justamente a sua [atribuída] omissão em condenar uma coisa [= o Batismo dos hereges] que parecia a São Cipriano minar a unidade da Igreja. São Cipriano não nega que Santo Estêvão seja Papa, muito pelo contrário: reclama que ele não esteja agindo como Papa! São Cipriano não afirma que todo bispo fosse rocha e fundamento da Igreja, muito pelo contrário: reclama que o Papa pretendesse estabelecer novas rochas e novos fundamentos! Isto está perfeitamente de acordo com tudo o que o santo mártir disse em outros lugares e com a pureza da Doutrina Católica. O resto é tesoura protestante.

2. A citação do Concílio de Cartago está criminosamente fora de contexto. São Cipriano está falando dos [e para os] bispos africanos que estavam lá reunidos para discutir a questão do Batismo dos hereges, e não sentenciando princípios eclesiológicos de validade universal. O assunto não tem, absolutamente, nada a ver com o primado do Papa. Extrapolar as (parcas!) palavras do santo aqui para fazê-lo contradizer o que ele próprio disse clara e demoradamente em outros lugares (em particular, no De Unitate Ecclesiae, onde o assunto era precisamente este e foi tratado com vagar e à exaustão de argumentos) sobre a primazia do Bispo de Roma é patifaria intelectual pura e simples.

3. O Concílio (Regional) de Cartago de 418, ao excomungar quem quisesse “apelar para Roma” (Cân. 17), só mostra que havia então o costume de que as questões nas igrejas locais fossem arbitradas pela Igreja de Roma – i.e., só dá (mais) um testemunho a favor do papado. Por qual outro motivo um católico africano iria apelar para a Igreja de Roma (que ficava “do outro lado do mar”, com todas as dificuldades logísticas que isto implicava então) se não fosse por acreditar que aquela Sé detinha jurisdição sobre as demais Igrejas Particulares do orbe? Por que eles não condenaram quem apelasse para a Igreja de Bizâncio, de Antioquia ou de Jerusalém? Ora, só pode ser porque ninguém apelava para estas Igrejas, embora Apostólicas, porque todos sabiam que o princípio da Unidade estava na Sé de Roma e não em nenhuma outra. Aqui, como em outros lugares, a existência do erro não implica na inexistência da verdade, muito pelo contrário: testemunha-a.

Quando o Papa São Celestino recebeu uma carta neste teor (enviada pelo Sínodo de Cartago de 424), ele simplesmente rejeitou-a. E ninguém o obrigou a acatar a decisão deste sínodo africano, pois todo mundo sabia que o Papa era o Papa e as Igrejas da África deviam estar submissas à Igreja de Roma, fundamento da Unidade, como o santo Bispo de Cartago demonstrou à profusão de argumentos dois séculos antes.

4. Por fim, a citação do Cân. VI do Concílio de Nicéia é de novo descabida, pois trata de questões administrativas (sobre ordenação de bispos) e não sobre a autoridade da Sé de Roma para arbitrar questões de Fé. Vê-se, assim, que para quem reclama tanto de contexto de citações os protestantes costumam agir com uma canalhice ímpar, pinçando aqui e acolá frases desconexas para tentar fazer parecer que os católicos dos primeiros séculos acreditavam nas fábulas protestantes que só foram surgir com Lutero, dezesseis séculos depois de Cristo.

Last but not least, cabe notar o quanto esta situação é surreal: um protestante tentando usar um tratado de São Cipriano sobre a Unidade da Igreja para defender a posição protestante. Cáspita, qual a unidade que existe no Protestantismo? Onde estão os bispos – sucessores dos Apóstolos – nas seitas luteranas e derivadas? Concedendo – para argumentar – que São Cipriano achasse mesmo que «todos os bispos eram sucessores de Pedro» e, portanto, todos detinham igual autoridade, onde raios estão os sucessores de São Pedro nas seitas evangélicas? Com que autoridade esta heresia praticamente recém-saída das profundezas do Inferno quer conversar de igual para igual com a Sé de Pedro? Até se entende que os Ortodoxos usem a autoridade dos demais Apóstolos e dos bispos locais para negar a jurisdição de Roma. No entanto, um protestante utilizar estes argumentos para defender o Protestantismo é simplesmente um ridículo nonsense.

Protestantes confessam: os Padres da Igreja são, de fato, os pais da Igreja Católica Romana!

É raro encontrar honestidade entre os hereges protestantes, mas este artigo do “Sola Scriptura TT” bem que merecia ser lido e relido por todos os filhos de Lutero que pretendem manter a própria honestidade intelectual acima de compromissos ideológicos que a História já demonstrou fracassados.

O texto é propositalmente longo, mas a sua tese central (demonstrada à profusão de citações) é sucinta: basicamente, estes protestantes confessam que «os “pais de igreja” são de fato os pais da Igreja Católica Romana». Ou, de modo mais extenso:

Todos os “pais de igreja” foram infetados com alguma falsa doutrina, e a maioria deles foi seriamente infectada. Até mesmo os denominados pais apostólicos do segundo século estavam ensinando o falso evangelho que o batismo, o celibato, e o martírio proveriam perdão de pecados (Howard Vos, Exploring Church History, pág. 12). E, a respeito dos “pais” posteriores, — Clemente, Orígenes, Cirilo, Jerônimo, Ambrósio, Agostinho, Teodoro, e João Crisóstomo — o mesmo historiador admite: “Nas suas vidas e ensinos, achamos a semente de quase tudo aquilo que surgiu depois. Em forma de semente aparecem os dogmas do purgatório, transubstanciação, mediação sacerdotal, regeneração batismal, e o inteiro sistema sacramental” (Vos, pág. 25).

Se por um lado é um alívio encontrar protestantes assumindo aquilo que nós católicos sempre dissemos (i.e., que a Igreja é e foi desde sempre Católica no mesmo sentido que o termo tem hoje em dia), por outro causa desconcerto a cegueira espiritual à qual podem ser levados os homens quando abandonam a Fé. A contradição chega a ser inacreditável: mesmo admitindo que o Cristianismo historicamente sempre foi aquilo que hoje em dia é pregado pela Igreja Católica, os hereges insistem em continuar protestantes!

O texto divide os Padres da Igreja em quatro grupos: pais apostólicos, ante-nicenos, nicenos e pós-nicenos. E não poupa a nenhum deles das acusações de “heresia” que, hoje em dia, os seguidores de Lutero gostam de vomitar sobre os que guardamos íntegra a Fé que recebemos dos Apóstolos. O texto não poupa sequer Santo Inácio de Antioquia! Ora, Santo Inácio é do primeiro século, foi discípulo de São João. Se nem no primeiro século havia Cristianismo nos moldes em que pregam atualmente os protestantes, cabe perguntar: e quando foi, então, que existiu Cristianismo sobre a terra? Se o registro histórico do Cristianismo dos primeiros séculos apresenta-O com as mesmas características que, hoje, encontram-se na Igreja Católica, que outra conclusão se pode tirar deste fato a não ser que o Catolicismo é, de fato, a fiel expressão histórica do Cristianismo? Se um herege encontra a Igreja Primitiva exuberantemente ensinando toda a Doutrina Católica que ele aprendeu a chamar de “heresia”, como não se perguntar se isto que lhe ensinaram ser “heresia” não é, na verdade, historicamente demonstrado, a mais legítima e pura expressão da Doutrina Cristã?

Para fugir a estas incômodas conclusões, os protestantes do referido site refugiam-se em um fideísmo francamente ridículo. Afirmam, sem o menor suporte racional para semelhante alegação, que a Igreja Católica destruiu todos os escritos dos primeiros cristãos (!) que continham a doutrina protestante. E, mesmo sem possuir nenhum indício desta pretensão absurda e irracional, não coram de vergonha ao afirmar o seguinte: «Isto não prova que a maioria das igrejas teve então a doutrina católica romana. Somente prova que esses escritos simpatizantes para com Roma foram permitidos sobreviver». A pergunta evidente a se fazer aqui seria, simplesmente, como é possível que os livros da Bíblia (que, segundo os protestantes, condenam as doutrinas católicas) tenham conseguido sobreviver a esta extraordinária reescrita da História do Cristianismo que a Igreja foi capaz de realizar?

Ora, se a Bíblia condena a Doutrina Católica, não teria sido fácil à Igreja (que «esteve no poder por um inteiro milênio», cuja «Inquisição alcançou os cantos mais distantes de Europa e além» e que  «fez tudo em seu poder para destruir os escritos daqueles que divergiam dela», como diz o artigo protestante) convenientemente apagar estes livros (ou as passagens destes livros) que A condenavam? Isto, no entanto, não foi feito. E, contraditoriamente, os protestantes seguem a Bíblia da Igreja ao mesmo tempo em que afirmam que Ela destruiu todos os escritos dos primeiros cristãos que combatiam o catolicismo então existente. Isto faz sentido para alguém?

Digno de nota também é o final do texto: lá, é feito um “alerta” a respeito do “poder dos Pais da Igreja em levar a Roma” (!), e são citados exemplos de convertidos famosos como o Beato John Newman e o Scott Hahn. Ora, ao invés de admitir o acerto desses ex-protestantes que preferiram abjurar de suas falsas crenças ao serem confrontados com as evidências de que a Igreja dos primeiros séculos era tão Católica Romana quanto a que hoje é guiada pelo Papa Bento XVI, os autores deste texto preferem “alertar” os seus leitores para que tomem “cuidado” com os textos dos Primeiros Cristãos! Ou seja, a tese deles é que os cristãos de literalmente todos os séculos são hereges: os únicos detentores do verdadeiro Cristianismo são os protestantes, e se falta suporte histórico para semelhante pretensão é justamente porque a Igreja – que sempre existiu – cuidou de varrer da história tudo que A podia desmascarar. Com este tipo de “lógica” não é possível debater.

Mas é bom divulgar textos assim para que os protestantes de boa fé possam, quiçá, com a graça de Deus, libertar-se das garras de Satanás e voltar ao seio da Igreja Católica, única e verdadeira Igreja de Cristo. Afinal, diante de tudo isso, talvez alguns protestantes de hoje (à semelhança de tantos outros) possam se libertar da sua heresia. Talvez a Virgem Santíssima os auxilie e eles, iluminados pelo Espírito Santo, ao perceberem que os primeiros cristãos eram católicos romanos, possam tirar a conclusão mais lógica: não que os primeiros cristãos eram hereges, mas sim que é impossível negar que o catolicismo romano seja, na verdade, o verdadeiro cristianismo.

Orígenes, a reencarnação e a Igreja Primitiva

Foi recentemente comentada aqui no Deus lo Vult! uma suposta aprovação do Cristianismo nascente à falsa teoria da Reencarnação nos moldes em que é apregoada pelo espiritismo dos nossos dias. Como já tive a oportunidade de me deparar anteriormente com a afirmação descabida, gostaria de esclarecer quanto segue:

1. O Concílio ao qual se deseja fazer referência é o Segundo Concílio de Constantinopla, ocorrido em 553.

2. Mais especificamente, o cânon sobre o qual se está falando é o 11, que diz [apud “Documentos dos primeiros oito concílios ecumênicos – Tradução de Mons. Otto Skrzypczak”, p. 78; EDIPUCRS, Porto Alegre, 2000] o seguinte:

Cân. 11: Se alguém não declarar anátema a Ário, Eunômio, Macedônio, Apolinário, Nestório, Êutiques e Orígenes com seus ímpios escritos, bem como os demais hereges, que foram condenados e declarados anátemas pela Santa Igreja Católica e Apostólica e pelos quatro sagrados concílios citados anteriormente e outrossim os que professaram ou professam opiniões semelhantes às dos mencionados hereges e persistiram em sua impiedade até o fim, – um tal seja anátema.

3. O texto de Orígenes ao qual os espíritas gostam de fazer referência é o De Principiis [mais especificamente, o livro III, Cap. III, 5], que traduzo:

Em todo caso, aqueles que sustentam que tudo no mundo está sob a administração da Divina Providência (como também nós acreditamos) não pode, ao que me parece, dar nenhuma outra resposta que não esta: não há sombra de injustiça no governo divino, e isto porque há certas causas que provêm de [uma] existência prévia [da alma], em conseqüência das quais as almas, antes de nascerem nos corpos, contraem uma certa quantidade de culpa em sua natureza sensitiva, ou em seus movimentos, em razão das quais são julgadas merecedoras, pela Divina Providência, de serem colocadas em tais condições.

4. Convém notar que Orígenes não defende a “reencarnação”, e sim a pré-existência da alma (que são duas coisas distintas – ambas erradas, mas distintas). Sobre isto vale a pena ler este texto ou este outro (que traz inclusive algumas interessantes citações patrísticas contra a falsa doutrina da reencarnação).

5. Orígenes, ao contrário, negou peremptoriamente a espúria doutrina reencarnacionista. Isto está fora de qualquer discussão, uma vez que há um capítulo do seu “Comentários sobre Mateus” [Livro XIII, cap. 1] no qual ele analisa a doutrina da “transmigração” [a reencarnação espírita] aplicada ao caso de São João Batista e Elias [clássico “exemplo” de reencarnação que os espíritas gostam de inventar nos Evangelhos] e a rechaça absolutamente. Traduzo um trecho do comecinho:

Mas agora, de acordo com as nossas habilidades, vamos investigar também as coisas que estão contidas aqui [na passagem onde Nosso Senhor fala que São João Batista é o Elias que há de vir – Mt 17,10]. Aqui não me parece que, por “Elias”, se esteja falando da alma dele, uma vez que isto seria cair no dogma da transmigração, que é estranho à Igreja de Deus, jamais ensinado pelos Apóstolos e nunca encontrado em lugar nenhum das Escrituras.

6. De toda a patrística, a passagem do De Principiis de Orígenes é a única que se pode dizer possuir remotamente algum resquício de similaridade com a falsa teoria espírita da reencarnação. Isto, ao contrário do que pretendem os espíritas modernos, significa exatamente que tal doutrina era completamente estranha aos primeiros cristãos – tanto que eles nunca falam dela.

7. Ainda que Orígenes tivesse defendido a falsa doutrina da reencarnação, isto não significaria nada: seria apenas uma voz isolada defendendo uma doutrina espúria que, posteriormente, seria condenada pela Igreja (como já aconteceu incontáveis vezes). No entanto, nem isso os espíritas têm, uma vez que o próprio Orígenes rejeita taxativamente, em outro de seus escritos, a doutrina da transmigração das almas.

8. Desmascarada esta falsificação histórica, resplandece com clareza – uma vez mais – o fato de que as teses reencarnacionistas do espiritismo são estranhas à Doutrina Católica ensinada por Nosso Senhor – e que, portanto, há total incompatibilidade entre a Fé Cristã e as fábulas espíritas, como aliás a Igreja sempre afirmou.

Curtas sobre o aborto

Dom Luiz Gonzaga Bergonzini em conferência contra o aborto. Não vi ainda o vídeo (alguém tem?), mas vi os comentários. Em particular, merecem leitura sobre este tema o Wagner Moura e o Gustavo Souza. Deste último, destaco:

O bispo tratou ainda de estupro, excomunhão decorrente de realização, participação ou colaboração com a prática do aborto, bem como de uma porção de temas correlatos e transversais a estes assuntos. Muito oportuna foi a distinção por ele feita entre “gravidez indesejada” (aquela que é decorrente de uma relação sexual não consentida por uma das partes) e “gravidez inesperada” (decorrente de uma relação sexual consentida, mas inconseqüente, isto é, uma relação na qual o prazer era a finalidade única e absoluta, de modo que negligenciou-se os efeitos naturais que podem decorrer do ato sexual). O bispo apresentou uma estatística segundo a qual 80% das mulheres estupradas que engravidam não desejam abortar.

Nefandum Crimen, uma ligeira coletânea de citações patrísticas contra o aborto (para aqueles que gostam de dizer que a Igreja “só passou a ser contra o aborto no século tal”). Em particular, eu não conhecia esta de São Basílio Magno – e gostei bastante:

“A mulher que destrói voluntariamente um feto se torna culpada de assassinato. Não nos interessa fazer uma investigação minuciosa para saber se ele estava formado ou não.” (São Basílio, Lettres, t. 2, Paris, p. 124)

 

– Talvez o mais importante de todos: assinem e divulguem este abaixo-assinado pela aprovação do Estatuto do Nascituro. Está sendo promovido pelo Movimento Brasil Sem Aborto:

A primeira entrega das assinaturas até então obtidas ocorrerá na 4a marcha do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto, a ser realizada em Brasília no dia 31 de agosto. Posteriormente, daremos mais detalhes sobre isso. Gostaríamos de ter muitas assinaturas para mostrar que o povo brasileiro realmente deseja ver garantidos os direitos da criança não nascida.

 

Um Padre e um Papa

Cito de segunda mão; já que eu falei recentemente sobre casamento aqui, vale a pena ler esta homilia de São João Crisóstomo sobre como escolher uma esposa. Cito o primeiro ponto da obra do santo, que é muitíssimo atual e aplicável universalmente para qualquer estado de vida que se deseje escolher, mormente nos nossos dias:

1) Portanto, quando fordes escolher uma esposa, não examineis somente as leis do Estado, mas, antes, examineis as leis da Igreja. Deus não vos julgará no último dia segundo as leis do Estado, mas segundo Suas leis.

Isto serve não somente para a escolha de uma esposa, mas para toda e qualquer escolha, por pequena que seja, que nós devemos fazer a cada dia de nossas vidas.

* * *

Hoje é dia de São Leão Magno, Papa. Vale a pena conferir a catequese de Bento XVI sobre ele. Destaco:

“Pedro falou pela boca de Leão”, prorromperam em uníssono os Padres conciliares. Sobretudo desta intervenção, e de outras feitas durante a controvérsia cristológica daqueles anos, sobressai com evidência como o Papa sentia com particular urgência as responsabilidades do Sucessor de Pedro, cujo papel é único na Igreja, porque “a um só apóstolo está confiado o que a todos os apóstolos é comunicado”, como afirma Leão num dos seus sermões para a festa dos santos Pedro e Paulo (83, 2).

São Leão Magno,
Rogai por nós!