O aborto e a má fé da Eliane Brum

No início desta semana, a sra. Eliane Brum publicou na sua coluna um texto absurdo sobre o PLC 03/2013 (agora Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013) e o aborto. O texto dela fala no título e no corpo de uma certa “má fé” dos pró-vida na forma como estão tratando o assunto; ora, se existe alguma má fé aqui, esta se encontra precisamente nas considerações da sra. Eliane!

1. Ao contrário do que a Sra. Eliane insinua, o problema que os pró-vida vêem na Lei 12.845 não é (obviamente) o atendimento às vítimas de estupro; o problema é a abertura velada ao aborto que ela proporciona.

2. Ao contrário do que a Sra. Eliane diz, a dita “pílula do dia seguinte” não evita uma gravidez, pelo menos não na totalidade dos casos. A citada pílula tem também o efeito de impedir a nidação de um óvulo já fecundado, o que significa não evitar uma gravidez, mas sim interrompê-la.

2.1. Que a dita “pílula do dia seguinte” possua também efeito anti-implantatório é o que se aprende em qualquer pesquisa sobre o assunto:

  • «Ele [o “contraceptivo”] também pode evitar que o óvulo fertilizado seja implantado no útero». [saude.hsw.uol.com.br]
  • «It may also cause endometrial changes that discourage implantation». [medicines.org.uk]
  • «It is a progestin hormone that prevents pregnancy by (…) changing the womb and cervical mucus to make it more difficult for an egg (…) attach to the wall of the womb (implantation)». [medicinenet.com]

2.2. Portanto, o que os pró-vida questionam no emprego da dita “pílula do dia seguinte” não é a sua capacidade de evitar uma gravidez, mas sim a de interromper uma. Afinal de contas, “interromper” uma gravidez com a conseqüente morte do embrião significa justamente aborto.

3. Ao contrário do que a Sra. Eliane diz, a polêmica não «se apega» somente «ao direito de acesso das vítimas à pílula do dia seguinte». A polêmica envolve também (e talvez até principalmente) o inciso VII do Art. 3º, que fala «sobre os [supostos] direitos legais» da vítima de estupro; os quais, na novilíngua abortista, incluem também um inexistente “direito” ao “aborto legal” (que a referida colunista não deixa de propugnar em seu texto).

4. A cortina de fumaça da Sra. Eliane se dispersa facilmente quando se analisa a questão sob a ótica clara que uma comentarista expôs lá no texto:

Cara Jornalista, assistência humanitária, de saúde e psicológica pode ser dispensada às vítimas de violência sem que seja provocado o aborto. O Código Penal diz que nesses casos o aborto não é penalizado, não diz que o Estado deva providenciá-lo. Em nenhum momento fomos contra a assistência, somente contra o aborto. Creio que a má-fé é do seu texto, que é tendencioso

Toda a tagarelice da colunista da Época, portanto, deixa assim de fazer sentido. A questão nunca foi sobre o atendimento às vítimas de estupro, e sim sobre o aborto sub-repticiamente introduzido numa legislação à revelia dos próprios legisladores. Na verdade, são os pró-aborto que (como de costume) não estão nem um pouco interessados na dor dessas mulheres, pois não são capazes de desistir do aborto nem mesmo para mitigar o sofrimento das vítimas de tão horrendo crime. Não são capazes de apoiar uma única medida legal favorável às vítimas de estupro que não seja para empurrar o aborto na legislação brasileira. Isso, sim, é demoníaco. Isso sim é uma ameaça concreta à saúde das mulheres, que como tal deve ser combatida.

Leituras correlatas:

– Santas casas poderão recusar aplicação de pílula do dia seguinte
– Aborto não é ato médico
– Nome ao Natimorto (interessante, embora não aborde diretamente o tema aqui tratado)

P.S.: Mais leituras correlatas

– El Consejo de Seguridad de la ONU rechaza que el aborto sea un derecho de las víctimas de violaciones
– Apoio ao aborto, não à mulher.

Esclarecimentos: Conferência Episcopal Alemã e “pílula do dia seguinte”

Ganhou repercussão recente (parece-me que saiu até no Jornal Nacional) uma notícia sobre a Conferência Episcopal Alemã ter autorizado o uso da chamada “pílula do dia seguinte” em casos de estupro. No início deste mês, eu escrevera aqui algumas coisas sobre uma declaração do Card. Meisner neste sentido, cuja leitura é importante para se entender o que está acontecendo. Aproveito que o assunto voltou à tona para insistir n’alguns pontos.

– A vida começa no momento da concepção, i.e., quando o espermatozóide do homem fecunda o óvulo da mulher. A partir deste instante, qualquer tentativa de impedir o desenvolvimento deste indivíduo humano recém-fecundado é um atentado à vida de um ser humano inocente, e não pode ser aceita sob nenhuma justificativa. O Vaticano sabe disso, nós sabemos disso e os bispos alemães sabem disso.

– Há três maneiras de uma relação sexual consumada não resultar em um bebê alguns meses depois: se a mulher não tiver ovulado (1), se os espermatozóides do homem não conseguirem fecundar o óvulo (2) ou se o óvulo fecundado não conseguir se desenvolver (3).

– Do exposto, segue-se que não há aborto nos casos (1) e (2) acima. Provocando-se o caso (3), ao contrário, há a destruição de um ser humano e, portanto, há um atentado direto contra uma vida já existente, há um aborto. Para a moralidade do ato não faz diferença se esta ação é feita diretamente (com pinças de aborto, p.ex.) ou indiretamente (p.ex., danificando o ambiente onde o embrião humano haveria de se desenvolver): em qualquer um dos casos há um aborto. Em particular, impedir a nidação (= a fixação do embrião já fecundado na parede uterina) equivale a abortar.

– “Pílula do dia seguinte” é um nome genérico dado a uma gama de medicamentos, cujos efeitos não são necessariamente idênticos no modo como operam. Há os que agem dos modos (1), (2) e (3) acima e – atenção! – há os que alegadamente não têm efeitos pré-implantatórios no embrião já fecundado (ou seja, que não são capazes de impedir a nidação). O mecanismo de ação desses últimos, supostamente, englobaria apenas os modos (1) e (2) acima.

– A Teologia Moral Católica diz ser lícito à mulher estuprada procurar impedir a concepção (veja-se o meu texto anterior). Assim, a mulher violentada pode (p.ex.) fazer uma lavagem interna para tentar se livrar do sêmen do estuprador e, deste modo, impedir uma gravidez. Não há pecado algum aqui.

– Uma droga que impedisse apenas a ovulação ou a concepção seria um equivalente químico da lavagem íntima pós-estupro. Assim, hipoteticamente, se existisse um composto químico que pudesse impedir a fecundação mas não fosse capaz de causar nenhum tipo de dano a um eventual embrião já fecundado, este composto poderia ser utilizado em casos de violência sexual como legítima defesa da vítima contra o sêmen do estuprador.

– Foi exatamente a utilização desta hipotética droga que a Conferência Episcopal Alemã autorizou, e não a de todos os compostos que atendem pelo nome de “pílula do dia seguinte” independente do seu mecanismo de ação. As declarações são claras, mesmo na mídia secular: «Métodos médicos e farmacêuticos que induzem à morte de um embrião [p.ex. – acrescento eu – impedindo a nidação] continuam sem poder ser usados» (Terra).

– Se só existem drogas que impedem a nidação do óvulo fecundado no útero da mulher, então nenhuma dessas drogas pode ser usada nem mesmo em casos de estupro, e é exatamente isso o que os bispos da Alemanha estão dizendo com todas as letras: métodos «que induzem à morte de um embrião continuam sem poder ser usados».

– Os documentos da plenária da Conferência Episcopal da Alemanha que decidiu esta questão estão disponíveis aqui. A declaração (em inglês) sobre o uso da pílula do dia seguinte em casos de estupro está aqui.

 – O que se autorizou foi o emprego de um composto que possa impedir a fecundação mas não a nidação; em suma, de uma droga que aja dos modos (1) e (2) acima enumerados, mas não do (3). Foi isso e somente isso o que a Conferência Alemã autorizou. Em nenhum momento os bispos da Alemanha autorizaram o uso de micro-abortivos, muito pelo contrário até: eles reforçaram a sua proibição. A Pontifícia Academia para a Vida, a propósito, também declarou que jamais deu aprovação ao uso da pílula do dia seguinte. Não há espaço para dizer o contrário disso.

– O que resta aqui é uma questão de fato, um problema de ordem prática, a saber: se existe uma droga capaz de impedir a ovulação (1) ou a fecundação do óvulo (2), mas que seja totalmente inofensiva para um eventual embrião já fecundado (3).

– Infelizmente, nenhuma das pessoas (entre médicos e biólogos) com as quais falei parece acreditar na existência de tal composto químico: a afirmação mais generosa que obtive foi a de que pílulas a base apenas de progestágeno teoricamente não teriam como impedir o embrião fecundado de nidar, mas que isso – embora seja aparentemente consenso entre médicos – é uma coisa que não foi ainda demonstrada na prática com o rigor científico que a seriedade do assunto exige. Ou seja: a dúvida fundada sobre se o composto é ou não capaz de impedir a nidação é o bastante para justificar o óbice moral ao seu uso mesmo em casos de estupro, e esta dúvida de fato existe.

– Em suma, a autorização dos bispos da Alemanha é exclusivamente para uma droga que possa simultaneamente impedir a concepção e deixar ileso um eventual embrião já fecundado. Esta autorização para casos de estupro, como vimos, está perfeitamente correta dentro da Moral Católica. O que se pode objetar contra os bispos é que eles, por falta de assessoria científica adequada, talvez tenham autorizado o uso de um composto que não existe no mundo real. O que revela um problema de ordem prática e científica, mas não de ordem moral. Assim, pode-se no máximo acusar a Conferência Episcopal Alemã de mal-informada; mas não de tentar deturpar a Doutrina Moral da Igreja Católica.

A pílula do dia seguinte: contraceptiva ou micro-abortiva?

A respeito das declarações do Card. Meisner sobre a licitude do uso da “pílula do dia seguinte” em casos de estupro (aqui o artigo original do Tornielli, aqui a tradução do Fratres in Unum) que estão provocando alvoroço nos meios católicos, é preciso dizer que o problema aqui é de ordem científica e não moral.

Embora a Doutrina Católica expressa de maneira lapidar na Humanae Vitae diga que é ilícita «toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas conseqüências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação» (HV 14), cabe notar que isto se refere ao ato conjugal, ou seja, à relação sexual legítima entre dois cônjuges unidos sob os laços do Sagrado Matrimônio. Obviamente não há nenhum “ato conjugal” entre um estuprador e sua vítima, e portanto evocar a HV aqui é simplesmente nonsense. É importante lembrar que, ao contrário do aborto – que é sempre moralmente condenável e um pecado de per si –, o uso de contraceptivos dentro de relações sexuais ilegítimas (como a prostituição ou o estupro) é uma non-issue. A procriação aqui é excluída não pelo uso do contraceptivo, e sim pela própria natureza do consórcio sexual gravemente desordenado.

No caso específico do estupro, há um enorme precedente para a declaração do Cardeal Meisner. Del Greco, no seu famoso “Compêndio de Moral Católica para o clero em geral e leigos”, falando justamente sobre o estupro e o risco de gravidez, diz que «em caso de uma menor estuprada (…) é lícito expelir o sêmen ou torná-lo estéril, desde que isso ocorra imediatamente depois da cópula; neste caso se verifica a defesa contra o injusto agressor» (op. cit., §200, 1.). Como o fato da vítima ser menor ou maior de idade não parece fazer diferença significativa alguma neste quesito (ou, dito de outro modo, como não se consegue imaginar por qual motivo um mesmo ato possa ser lícito ou ilícito dependendo unicamente da idade de quem o pratica), é legítimo concluir que a mulher estuprada pode licitamente fazer o que estiver a seu alcance para impedir a concepção.

O que ela não pode, claro, é atentar contra o embrião caso ele já tenha sido concebido; em uma palavra, abortar. E é aqui que as coisas começam a ficar complicadas: embora o Cardeal tenha dito com todas as letras que a chamada pílula do dia seguinte só seria legítima se fosse «utilizada com a intenção de impedir a fecundação» (traçando aqui um paralelo analógico incontestável com a doutrina de Del Greco) e tenha até mesmo rejeitado com veemência a hipótese do seu emprego enquanto micro-abortivo («seu uso “não é aceitável” quando se usa para impedir que um óvulo já fecundado se implante no útero», diz o texto traduzido pelo Fratres), o fato é que a gente não tem como garantir que exista um tal medicamento com efeitos unicamente anti-conceptivos mas não anti-implantatórios. Alguém precisa assessorar melhor o Cardeal Meisner: embora o que ele diga esteja perfeitamente correto, não se conhece um composto químico no mundo real que aja rigorosamente dessa maneira. A orientação, a rigor exata, é inexeqüível.

Especificamente sobre a pílula do dia seguinte, a Pontifícia Academia para a Vida já publicou um comunicado no ano 2000 dizendo que se trata de um medicamento anti-nidatório, que age também na parede uterina e cujo resultado (ao menos provável) é a expulsão de um embrião já fecundado. Ora, a mera possibilidade de que a droga ponha fim à vida de um ser humano em estágio embrionário já é suficiente para justificar o interdito moral ao seu emprego: se é possível que a pílula tenha efeito abortivo, então ela não pode ser utilizada. E, conforme me informou um amigo médico, a inexistência dos efeitos pré-implantatórios da pílula do dia seguinte ainda não foi demonstrada com a segurança que a gravidade da questão exige. Estão, portanto, certíssimos os hospitais católicos de Colônia ao se negarem a administrá-la. Errada é a tentativa leviana de levantar dúvidas sobre estas necessárias diretrizes práticas já corretamente seguidas pelos hospitais católicos.

A Saúde Pública fazendo a sua parte

Entre alguns comentários – que foram deletados – da sra. você-sabe-quem* de hoje (um salmodiando loas ao “Dom da Paz”, outro me chamando de anti-semita, homofóbico e misógino, etc.), um deles continha esta relevante informação:

O Governo do Estado de São Paulo está distribuindo centena de milhares de camisinhas nas escolas de samba.

Os postos de saúde, Estaduais e Municipais ficarão aberto para distribuição de “pílulas do dia seguinte” e preservativos masculinos ou femininos.

Seringas descartáveis serão distribuídas em pontos estratégicos.

A saúde pública está fazendo sua parte.

Ou seja: os nossos impostos estão sendo gastos para estimular a promiscuidade e o uso de drogas, além de custear a distribuição de medicamentos abortivos. Maravilha. Enquanto isso, brasileiros esperam até dois anos por cirurgia de próstata no SUS. É, a Saúde Pública está fazendo sua parte…

* [P.S.] A referida senhora enviou-me dois emails ameaçando denunciar-me na delegacia de crimes eletrônicos de São Paulo, por “uso indevido” do nome dela (!!), mesmo tendo sido, sempre, ela própria a vir voluntariamente aqui fazer os seus “comentários” preciosos. Visivelmente descontrolada, disse no primeiro que o faria “da próxima vez” que o seu nome fosse citado; e, no segundo (agora há pouco – segunda-feira, 16 de fevereiro, perto das sete horas da manhã – enviado), disse estar aguardando “por mais doze horas” a retirada do seu nome. Como eu já havia dito (antes do xilique dela) que não ia tornar a citá-la nominalmente e como eu não tenho tempo para perder com esse tipo de gente nem emporcalhar o blog com as suas cretinices, retiro (com muito prazer!) o nome dela deste post, e o diabo que a carregue para bem longe daqui (cf. 1Tm 1, 20).

Comentando algumas notícias

Alguns comentários corridos sobre acontecimentos diversos:

– O Governo Italiano – graças a Deus! – decidiu aprovar um Decreto-Lei para impedir a morte de Eluana Englaro, italiana que está em Estado Vegetativo desde 1992 e cujo assassinato foi recentemente autorizado pela Justiça Italiana. As informações do LifeSiteNews.com são mais precisas: o presidente comunista não quer assinar um tal decreto e, portanto, o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, está tentando aprová-lo via Senado. Pode ser que o consiga dentro de três dias. Rezemos para isso. Quanto a mim, não tenho palavras para descrever o horror que me invade quando imagino a capacidade das pessoas de defenderem que um ser humano seja covardemente assassinato de fome e de sede, sob o silêncio cúmplice das leis e as câmeras de televisão do mundo inteiro. É o espetáculo da morte, da morte lenta e dolorosa, vil e degradante, deliberada, pedida pelo pai da vítima e corroborado pela sua pátria. Tanto a família dela, quanto a sociedade na qual ela vive, estão contra esta garota, empenhadas em tirar-lhe a vida! Tempos cruéis nos quais nós vivemos…

– Aqui em Recife, de novo, a Secretaria Municipal de Saúde vai distribuir, no Carnaval, as pílulas abortivas para que os foliões possam aproveitar a sua promiscuidade sem escrúpulos de consciência. Não basta destruir a moral; é preciso incentivar a destruição da moral. Não basta fazer vistas grossas à comercialização de substâncias abortivas: é preciso distribuí-las e incentivar-lhes o uso, fazendo com que os cidadãos de bem sejam os financiadores mesmo das práticas torpes que eles abominam e contra a qual se levantam com destemor. Esta porcaria é crime. O Ministério Público de Pernambuco tem uma página na qual é possível fazer denúncias; não sei no entanto se tal coisa adianta, porque no ano passado o Arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, entrou com uma ação contra a distribuição do medicamento abortista e perdeu. Rezemos.

– Alguns judeus alemães disseram que o Papa Bento XVI precisa escolher entre “a Igreja do Iluminismo” e “a Igreja do Tradicionalismo”. Nem sei o que dizer, porque não tenho mais paciência com toda esta caterva de – ao menos objetivamente – inimigos de Nosso Senhor querendo “dar pitacos” na maneira com a que o Vigário de Cristo deve governar a Sua Igreja! Que os judeus da Alemanha cuidem de sua própria vida. Nós, católicos, cuidamos da nossa, e o Papa está cumprindo com maestria o seu papel, obrigado.