Um quarto da população brasileira é protestante

Uma pesquisa da Folha de São Paulo de ontem – reproduzida pelo blog da Comunidade Shalom – diz que os protestantes já são 25% da população brasileira. Vergonha para esta Terra de Santa Cruz, que primeiro recebeu a semente do Evangelho regada pelo sangue dos mártires e, agora, vê-se dividida por entre uma multidão de seitas que, qual aves de rapina, esfacelam o Evangelho por meio de suas interpretações pessoais da mensagem do Salvador.

Um em cada quatro brasileiros é protestante! Destes, um número provavelmente muito alto é de ex-católicos apóstatas. Vergonha para os pastores do povo católico no país, que “não cuidaram e o rebanho se perdeu”. “Em dia de sombra”… como se fosse possível ao católico viver de sombra e de água fresca. Como se fosse possível haver trégua com o mundo. Como se Satanás dormisse.

Afinal, qual o resultado de todas as reuniões, de todos os planos pastorais, as iniciativas “missionárias”, as “evangelizações”, as campanhas da fraternidade, as comissões para todos os tipos de assunto, as notas sobre temas fúteis, as declarações tíbias e pusilânimes, tudo…? Os hereges protestantes já perfazem um quarto da população brasileira. Se isto for uma derrota fragorosa, um erro épico, eu não sei mais o que é.

O problema é que a Igreja “não muda” para acompanhar a evolução da sociedade?! Não, senhores, não, de forma alguma. O problema é que, no Brasil, a Igreja muda demais. A sociedade sempre evoluiu, a Igreja nunca mudou. Isto nunca foi um problema. Hoje, no entanto, não se falam mais das coisas de Deus, não se defende mais a Igreja Católica contra os ataques que Ela sofre o tempo inteiro – e vale salientar que os defensores abaixaram as guardas, mas os inimigos redobraram a carga… -, bagunça-se a liturgia, relativiza-se a Moral, descuida-se da formação do clero, destrói-se a catequese… o problema é que a Igreja não muda? Jamais. O problema, sem a menor sombra de dúvidas, é que houve mudanças demais.

O povo tem sede de Deus, e não encontra Deus na face desfigurada da Igreja de Cristo que alguns péssimos católicos – pastores inclusive – apresentam. Desgraçadamente, para vergonha nossa, a recente pesquisa sobre a religião do povo brasileiro parece mostrar que ele enxerga melhor Nosso Senhor no lamaçal pútrido protestante do que nas igrejas católicas. O que fizemos de errado? Que o Senhor tenha piedade de nós. E que o Divino Espírito Santo nos ilumine com Suas luzes, a fim de que trabalhemos com eficácia para a maior glória de Deus. E  que a Virgem Aparecida, padroeira do Brasil, tenha compaixão de todos os desviados do caminho da Verdade e os possa reconduzir, o quanto antes, ao redil de Nosso Senhor.

Anjos e Demônios

[ATENÇÃO! CONTÉM REVELAÇÕES SOBRE O ENREDO (SPOILERS)!]

angels_demonsMais pernicioso do que “O Código da Vinci”, porque mais sutil: foi a opinião com a qual saí ontem da sessão de cinema onde fui para ver Anjos e Demônios. Comentava com um amigo no caminho de volta – aliás, leiam as considerações dele sobre a película – que, neste filme – ao contrário do Código da Vinci que intenta “revolucionar” tudo o que se sabe sobre o Cristianismo -, a cantilena é a mesma do início ao fim: a Igreja Católica é inimiga da Ciência. A repetição da tese ad nauseam, das mais variadas formas ao longo do enredo, aliada ao já conhecido e amplamente disseminado preconceito histórico contra a Igreja adotado por grande parte das pessoas, faz com que o espectador saia do cinema, sim, com uma visão negativa e equivocada da Igreja.

O personagem do Tom Hanks ajuda. O seu ar de superioridade, a ironia com a qual ele trata – muito “apropriadamente”, dentro do enredo – todas as coisas referentes à Igreja, a sua mania de comentar en passant assuntos que ele “conhece muito bem” (as “informações enciclopédicas” das quais fala o Cardoso) e todos os demais ignoram, etc: a receita faz com que o público seja cativado pelo prof. Langdon – e, por conseguinte, pelas suas opiniões. Logo no início do filme, falando sobre a “célebre” cena de Pio IX com um martelo e um cinzel na mão, atravessando às pressas os corredores vaticanos para “castrar” as estátuas renascentistas… oras, nunca ouvi falar de semelhante coisa na vida. As estátuas renascentistas são imorais e a “cobertura” dos órgãos sexuais com folhas é posterior às obras; isso todo mundo sabe. No entanto, acho bem pouco provável que, por todos os séculos compreendidos entre o Renascimento e Pio IX, as estátuas tenham ficado indecorosamente expostas sem que ninguém parecesse se preocupar com elas; e, ainda que isso tenha acontecido, a cena do Papa quebrando-as pessoalmente raia o inverossímil.

A mesma coisa com La Purga. La Purga! “Vocês não lêem nem a sua própria história?”, pergunta com aquele jeito arrogante o prof. Langdon aos – se minha memória não me falha – membros da Guarda Suíça. “A Igreja mandou marcar a ferro quatro cientistas porque as suas conclusões científicas discordavam das do Vaticano, o que fez com que os Illuminati passassem a ser violentos”. A culpa – de novo! – é da Igreja Católica. Esqueceu-se o sr. Langdon de fornecer mais detalhes sobre estas pobres vítimas da violência vaticana. Quem são eles? Quando isso aconteceu? Onde? Mas o Dan Brown não pode fornecer essas informações, porque senão a invenção dele seria mais facilmente desmascarada.

Continua o prof. Langdon com as suas bobagens: os “altares da Ciência” construídos em igrejas de Roma, Galileo e Bernini como Illuminati, o “caminho da iluminação” que devia ser percorrido pelos que quisessem ser admitidos à sociedade secreta, o Diagramma Veritatis escrito por Galileo que ensina como chegar a este caminho… a Igreja sempre retratada como obscurantista, inimiga da ciência, e os cientistas em guerra constante contra Ela, zombando d’Ela ao se reunírem às barbas dos cardeais no Castelo Sant’Angelo, colocando nas igrejas d’Ela as pistas a serem descobertas por quem quisesse ser um Iluminado.

Mas a figura do camerlengo é uma das piores. Aparentemente colocado para ser uma contraposição ao ceticismo do prof. Langdon, e depois revelado como o responsável – de alguma maneira mirabolante – pelo roubo da anti-matéria, seqüestro dos cardeais e elaboração de um plano infalível para salvar a Cidade do Vaticano da bomba que ele próprio armou e, por conseguinte, ser aclamado Papa graças ao heroísmo de sua atitude, a Igreja está muito mal representada por este jovem sacerdote. Todo o seu discurso inflamado em favor da Igreja, proferido ao colégio cardinalício, está enviesado pela mesmíssima falsa oposição Igreja x Ciência do prof. Langdon. Se até mesmo o personagem “católico” da trama concorda plenamente com o simbologista, então – é o que facilmente conclui o espectador – a Igreja é mesmo responsável por todas essas barbaridades contra a Ciência perpetradas ao longo dos séculos. Nem mesmo a reviravolta final que o mostra como responsável por toda a tragédia ao invés de paladino salvador é o suficiente para macular por completo todas as suas atitudes ao longo do filme. Permanece, por exemplo, um nobre ideal a ser buscado a idéia dele de “mudar” a Igreja e fazê-la “não ser mais” (!) inimiga da Ciência. E as pessoas que tenham “simpatia” pela Igreja são, diante do filme, “empurradas” a terem exatamente esta posição: ah, os erros pertencem ao passado e vamos construir uma Igreja que “não seja mais” inimiga da Ciência. Propositalmente, não existe uma posição que seja simpática à Igreja, não existe alternativa ao erro de fundo da falsa oposição existente entre fé e ciência: os inimigos da Igreja tratam-Na no máximo com indiferença porque Ela não é amiga da Ciência, e os amigos da Igreja querem que Ela mude para que seja amiga da Ciência…

Retomando, para terminar, uma crítica que já ouvi em outros lugares: diante de todas as mentiras do filme, pode-se objetar dizendo “ah, mas isso tudo é ficção, é como X-MEN, e não dá para exigir que as obras de ficção sejam verdadeiras”. As obras de ficção não precisam ser verdadeiras, é claro, mas também não podem apresentar informações falsas como se fossem verdadeiras. E Anjos e Demônios faz exatamente isso. Afinal, no meio de um monte de coisas verdadeiras (com algumas falhas aqui ou ali, mas em substância verdadeiras) como a Igreja, o Papa, o camerlengo, o colégio cardinalício, o Conclave, os arquivos vaticanos, Galileo, Bernini, o êxtase de Santa Teresa, o Castelo Sant’Angelo… quem é que vai saber se a história da castração das estátuas de Pio IX é mentira ou verdade? Ou se a existência de cientistas Illuminati é mentira ou verdade? Ou se La Purga é mentira ou verdade? O filme tenciona, sim, confundir e consegue. Como já falei no início (e é, a meu ver, a pior coisa da obra), a visão da “Igreja inimiga da Ciência” – a mentira repetida do início ao fim, em todas as partes da trama – impregna-se fortemente em quem assiste Anjos e Demônios. Agora ouse dizer a alguém que isso é ficção…

Quando Saramago chorou…

Fui assistir ontem ao Ensaio sobre a Cegueira. Terminei no início da semana de reler o livro homônimo que inspirou o filme. Talvez eu não tenha sensibilidade cinematográfica alguma, mas fiquei bastante impressionado com a discrepância que existe entre uma obra e outra! Não encontrei Saramago na película; reconheci, sim, um monte de cenas cuja leitura recente ainda estava bem nítida na minha memória, passando com uma velocidade vertiginosa na sala escura, não raro incompreensíveis para quem está assistindo ao filme sem ter lido o livro e, em todos os casos, menos impressionantes – muito menos! – do que elas quando postas no papel.

Para dizer porque – na minha opinião – Saramago não está no filme, eu preciso voltar um pouco e dizer como é que Saramago está no livro. O escritor português (que tem até um blog) é ateu convicto e, no meu entender, o Ensaio é um grande tratado de irreligião, ou de anti-religião. O quadro apocalíptico apresentado pelo escritor ao longo da leitura perturbadora é um grande “experimento” que o português se permite fazer com a humanidade. Para começo de conversa, os personagens não têm nome; são esterótipos, são amostras, são cobaias. São genéricos, universais. Parece uma parábola, diz um cego no meio do romance (Saramago, José; “Ensaio sobre a Cegueira”, Companhia das Letras, 11ª reimpressão, 1999. p. 129. Doravante, as páginas citadas são desta referência) – uma parábola onde a cegueira é, na verdade, súbita iluminação.

Afinal, por que esta cegueira é branca, ao invés de negra? Por que é luz? Por que é luminosa? A idéia é repetida diversas vezes ao longo do livro (Como uma luz que se apaga, Mais como uma luz que se acende, p.22; a cegueira não era viver banalmente rodeado de trevas, mas no interior de uma glória luminosa, p. 94; tinham uma luz dentro das cabeças, tão forte que as cegara, p. 240; eles diluem-se na luz que os rodeia, é a luz que não os deixa ver, p. 260; etc), parecendo assim indicar qual o sentido da parábola: a cegueira é um instrumento utilizado para apresentar o homem tal e qual ele é (só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são, p. 128), é um bisturi manejado pelo narrador para pôr a descoberto a essência humana. Que, no livro, não tem nada de bonita (a luz e a brancura, ali, cheiravam mal, p. 96-97).

O longo circo de horrores, roubos, fome, violência, execuções sumárias, estupros e tudo o mais são, portanto, o homem posto a descoberto, trazido à luz, à luz da cegueira branca: quando a aflição aperta, quando o corpo se nos desmanda de dor e angústia, então é que se vê o animalzinho que somos, p. 243. Se é verdade que há esperança no livro, personificada principalmente pela mulher do médico que nunca perde a visão, ela é insignificante ante a magnitude do horror: ela está sozinha, diante de um mundo de cegos, e é completamente incapaz de deter a marcha inexorável deste mundo rumo à barbárie.

Não consigo tirar da cabeça uma outra impressão de que tenho, um outro aspecto da cegueira de Saramago, que parece deixar entrever uma crítica mais áspera à religião. Há estes dois aspectos dos cegos, sem dúvida alguma: ao mesmo tempo em que a cegueira permite aos cegos verem a realidade humana tal e qual ela é, eles são de facto cegos e, por conseguinte, não vêem. A cegueira é, como já disse, uma espécie de “iluminação espiritual atéia”; mas parece-me que a metáfora se aplica também à – na opinião de Saramago – cegueira dos que têm Fé. Afinal, não é ela “luz”, “iluminação”, etc? Não são estas palavras que os religiosos aplicam à visão sobrenatural? Jogando com uma “dupla metáfora”, o escritor português parece querer dizer isso: a cegueira sob o aspecto físico é metáfora dos que têm a Luz da Fé, ao mesmo tempo em que a cegueira sob o aspecto metafórico – da “iluminação” que lhes permite ver a essência humana – é a anti-Fé, a anti-Esperança, a anti-Caridade (o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos, p. 135). Os que têm Fé são cegos; se vissem realmente, se fossem iluminados, veriam que o mundo é mau, radicalmente mau, intrinsecamente mau; em suma, que Deus não merece ver, p. 302. Ao longo do livro, os cegos de Saramago ora vêem, ora não vêem – penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem, p. 310 – comportando-se como metáforas, ora da cegueira da religião, ora da iluminação anti-religiosa. O narrador evidencia ora o fato de que estão cegos, ora o fato de que vêem as coisas como elas são: ora a Fé, ora a Descrença. Por um lado, a Luz provoca cegueira e, por outro, somente a cegueira permite ver.

A Descrença, a cegueira vista sob o aspecto iluminativo, é mais clara na obra. No entanto, a Fé, a contrapartida, a iluminação vista sob o aspecto de provocar cegueira, parece-me particularmente clara nas últimas frases do livro, quando a mulher do médico olha para o céu: A mulher do médico levantou-se e foi à janela. Olhou para baixo, para a rua coberta de lixo, para as pessoas que gritavam e cantavam. Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco, Chegou a minha vez, pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava, p. 310. A mulher levantou os olhos para o céu, para o Céu, e teve a impressão de estar cega: abaixou os olhos, olhou para a cidade, para o Mundo, e viu que ainda via. A cegueira branca confunde-se com olhar para o céu, com ter os olhos fitos no Alto, de modo que foi necessário à mulher “baixar os olhos”, afastá-los do Céu, afastar-se da Fé, para ver.

No filme, entretanto, nada disso é facilmente perceptível. Primeiro, porque as cenas passam muito depressa, não deixando que o espectador tenha fôlego para pensar sobre o que está vendo (no livro, ao contrário, são as digressões feitas pelo narrador que constituem a melhor parte da narrativa); segundo, porque a trilha sonora é extremamente irritante, com musiquinhas alegres e lúdicas até mesmo nas piores cenas, aliviando-as bastante e dando-lhes um ar de “descontração” que, em absoluto, não existe no livro – o livro é tenso. Terceiro, porque nenhuma cena do filme consegue causar o mesmo impacto que no livro. As piores, como o estupro das mulheres, os cães devorando um cadáver, a igreja com as imagens vendadas, não conseguiram transmitir para a película o horror e o desconforto que elas provocam nos longos parágrafos de Saramago. Até um aspecto que perpassa o livro inteiro – a sujeira – é minimizado no filme: algumas manchas, papéis voando, e é tudo. No livro, quase se sente o mau cheiro.

Tudo isso fez com que o filme pudesse ser interpretado às avessas do livro, como notou e comentou um amigo meu quando o assistiu. Uma das primeiras cenas vistas no cinema mostra a mulher do médico perguntando o que é agnosia – uma doença, que o oftalmologista imagina poder explicar a cegueira súbita – e se tem alguma coisa a ver com agnosticismo, com ignorância, com descrença. A agnosia existe no livro, mas a sua ligação com o agnosticismo, não; é característica exclusiva da película. E então, subitamente, eis o tratado anti-religioso convertido em forte apologia da Fé: em um mundo de agnósticos, em um mundo onde todos fossem privados da Luz da Fé, a degradação moral é inevitável, como é inevitável para os cegos transformarem-se em animais. E então surgem as imagens das grandes tragédias da humanidade, dos milhões de mortos do comunismo e do nazismo, da degradação moral de nossos dias que só se agrava quanto mais as pessoas são “cegas” por não terem Deus, porque são descrentes.

E o tiro, então, sai pela culatra, e o ensaio anti-religião transforma-se em clara evidência do abismo onde se cai quando não se tem religião. Saramago chorou ao ver o filme; na minha opinião, não chorou por ter-se comovido, nem de alegria, como disse. Ao contrário, chorou por sentir-se traído, chorou de decepção ao ver no filme exatamente o contrário do que havia escrito.