Manipulando discursos pontifícios: Bento XVI e o “casamento gay”

Agora a coisa ficou mais feia para os militantes gayzistas que, na esteira do deputado Jean Wyllys, passaram a última semana lançando diatribes contra o Papa Bento XVI por conta da sua posição sobre o “casamento gay”. O The Guardian afirmou (original aqui) uma coisa que já era evidente para quem quer que houvesse tido a preocupação (evidentemente negligenciada por deputados histéricos do PSOL) de ler na íntegra o discurso de Sua Santidade: na verdade, «a agência Reuters atribuiu ao Papa Bento XVI uma frase sobre o “matrimônio homossexual” que ele nunca pronunciou e o converteu em alvo de furiosos ataques sem motivo em todo mundo».

Entendamos bem. Não é que a frase divulgada seja contrária à Doutrina Católica ou ao pensamento do Papa Bento XVI; como qualquer pessoa que não seja nem um alienado e nem um farsante empenhado em distorcer o ensino da Igreja sabe, a moral católica considera os atos homossexuais intrinsecamente desordenados – de tal sorte que não podem em nenhuma hipótese ser aprovados (e nem muito menos receber a proteção civil que desejam os que advogam a favor do reconhecimento legal do “casamento gay”). O problema é o dado factual: como eu já tinha dito aqui, a frase divulgada – verbis, “Casamento gay ameaça a humanidade, diz o papa”– simplesmente não fora pronunciada por Bento XVI no discurso citado.

Podem objetar que a frase alardeada está nas entrelinhas. Sim, está, como é óbvio; afinal, afirmar que «as políticas que atentam contra a família ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade» é o mesmo que afirmar que o “casamento gay” ameaça o futuro da humanidade, principalmente quando se disse duas linhas atrás que a “família” da qual se está falando é «fundada sobre o matrimónio entre um homem e uma mulher». No entanto, há alguns evidentes problemas na forma como a notícia foi divulgada:

Primeiro, a crua falsidade da declaração. A sentença “Casamento gay ameaça a humanidade, diz o Papa” é simplesmente mentirosa. E, se o Papa não falou especificamente sobre o “casamento gay”, é uma mentira escandalosa dizer – como fez Reuters e foi universalmente reproduzido – que estas «[f]oram as declarações mais fortes já proferidas pelo pontífice contra o casamento homossexual». Ora, se a frase divulgada não foi sequer pronunciada, como estas podem ter sido “as declarações mais fortes já proferidas pelo pontífice” contra o “casamento homossexual”?

Segundo, o reducionismo criminoso. O “casamento gay” não é a única política que atenta contra a família. Também atentam contra a família, p.ex., o aborto e o divórcio; e, portanto, manchetes como “divórcio ameaça a humanidade, diz o Papa” ou “aborto ameaça a humanidade, diz o Papa” seriam perfeitamente equivalentes à que foi divulgada. Este reducionismo, na prática, falsifica o discurso do Papa porque faz com que a mensagem chegue aos leitores de uma maneira totalmente diferente daquela como foi proferida. Cansei de ler comentários dizendo que o Papa devia ter falado era contra o divórcio, que – este sim – ameaçava a família. Pois é, acontece que o Papa – neste mesmíssimo discurso – falou sim contra o divórcio tanto quanto falou contra o “casamento gay”. Apenas os meios de comunicação impediram a mensagem do Papa de chegar íntegra aos leitores do Brasil.

Terceiro, a injustificável (e nonsense) seletividade da ênfase empregada na veiculação da notícia. O discurso do Papa falou sobre a crise econômica e financeira mundial, sobre as tensões no Oriente Médio, sobre a educação dos jovens (e, neste contexto, a afirmação sobre as famílias), sobre o aborto, sobre as instituições educativas, sobre a liberdade religiosa, sobre a crise ecológica; ora, dar a entender que este discurso tão amplo e rico foi um pronunciamento contra o “casamento gay” é uma empulhação jornalística, é o contrário mesmo de passar a informação correta sobre o que aconteceu. Eu aprendi a resumir textos no primário. Tenho certeza absoluta de que receberia um rotundo zero o aluno que ousasse apresentar um resumo do discurso do Papa desta forma que Reuters apresentou; por qual motivo deveríamos desculpar em uma agência internacional de notícias aquilo que, sem dúvidas, os professores primários não tolerariam em seus alunos da terceira série?

No fim, a forma como o discurso do Papa foi veiculado influenciou, sim, e muito, as reações violentas que apareceram mundo afora. Se por irresponsabilidade, incompetência ou má fé dos responsáveis pela agência de notícias Reuters, eu não sei dizer; mas o fato é que este tipo de jornalismo é sem dúvidas uma ameaça ao presente da humanidade. Que cada profissional se empenhe em fazer bem o seu trabalho. Os tempos que nós atravessamos já possuem confusão demais.

Mais sobre a Santa Sé e o homossexualismo

Nos últimos dias, a VEJA cometeu duas feias escorregadas em matérias sobre a Igreja Católica.

A PRIMEIRA, foi sobre a – já comentada aqui – posição da Santa Sé frente ao projeto da ONU (supostamente) de combate à criminalização da homossexualidade. Uma reportagem publicada na Veja diz que o Vaticano aprova a descriminalização do homossexualismo – até aqui, tudo bem, pois é verdade. No entanto, logo no primeiro parágrafo, o jornalista vai dizer que “[a] afirmação contraria uma declaração dada pelo arcebispo Celestino Migliore, observador permanente do Vaticano nas Nações Unidas, que se posicionou contra a iniciativa da França de apresentar à ONU uma proposta para descriminalizar a homossexualidade no mundo”.

E isto é mentira, porque o mons. Migliore não se opôs à proposta da França por ser favorável à criminalização da homossexualidade, e sim por achar que ela abria precedentes para a legalização do “casamento gay”. O monsenhor não se posicionou contra a descriminalização da homossexualidade, e sim contra as possíveis aberturas ao casamento homossexual que o projeto continha. A declaração de Frederico Lombardi, reproduzida pela Veja, afirma que a Santa Sé “é contra leis penais que considerem um crime o homossexualismo”, mas também que “o Vaticano não aprova o casamento entre pessoas do mesmo sexo”. Ou seja, não há oposição nenhuma entre o que disse o observador permanente da Santa Sé na ONU e o porta-voz do Vaticano.

Prossegue a reportagem da Veja dizendo:

No dia 1º de dezembro, o arcebispo Migliore argumentou que a descriminalização do homossexualismo poderia “se transformar em um instrumento de pressão ou discriminação” contra aqueles que só aceitam o casamento entre um homem e uma mulher.

O que é outra mentira, porque não é “a descriminalização do homossexualismo” que poderia se transformar em um “instrumento de pressão ou discriminação”, e sim a forma como a declaração foi escrita! Até quando vão continuar com a campanha de desinformação?

A SEGUNDA, é uma séria candidata a manchete mais tosca do ano: “para Papa, salvar gay é tão importante quanto salvar florestas” (!!!). Sinceramente, esta eu não sei nem por onde começar.

Vamos pelo óbvio: a frase exposta na manchete não existe no discurso do Santo Padre à Cúria Romana de onde ela supostamente foi tirada. Remeto, aliás, aos sempre oportunos comentários do Marcio Campos sobre a besteira. Depois, importa dizer que a responsável maior pela tosqueira é a Reuters, cuja sandice a Veja só fez propagar. Por fim, importa dizer que a frase é completamente desprovida de significado.

Qual o sentido de “salvar” gays? O mesmo de “salvar” florestas, i.e., “preservar”, “manter”? Não me consta que os gays estejam “em extinção”. Ademais, é necessário preservar todos os homens, e não apenas os gays (aqui, é ainda fundamental fazer a distinção entre o homem com tendências desordenadas e as tendências em si – estas últimas, claro que não devem ser “preservadas”). Se, ao contrário, “salvar” gays estiver em sentido religioso (no sentido de salvar-lhes as almas, libertá-los do pecado, levá-los para o Céu), então a frase carece de sentido porque salvar um gay é infinitamente mais importante do que salvar todas as florestas do mundo, porque uma única alma vale mais do que todo o universo criado.

Enfim, o que Reuters quis dizer com essa manchete, eu não sei. Mas sei o que o Papa disse na mensagem de Natal à Cúria Romana, e não tem nada a ver com a reportagem publicada pela agência de notícias descompromissada com a verdade. Em particular, transcrevo um trecho que um amigo teve a gentileza de traduzir do italiano [mais trechos traduzidos podem ser encontrados no Tubo de Ensaio], e que deixo como uma pequena mensagem de natal a todos os leitores do Deus lo Vult!:

Parte integrante da festa é a alegria. A festa pode ser organizada; a alegria, não. Esta só pode ser oferecida como dom; e, de fato, nos tem sido dada abundantemente, e somos gratos por isso. Como São Paulo afirma que a alegria é fruto do Espírito Santo, da mesma forma também João em seu Evangelho uniu intimamente o Espírito e a alegria. O Espírito Santo nos dá a alegria. Ele é a alegria. A alegria é o dom no qual se resumem todos os outros dons. É a expressão da felicidade, do estar em harmonia consigo mesmo, que só pode derivar da harmonia com Deus e com sua criação.

Um feliz e santo natal a todos.