Resgatando o direito da Igreja de Se pronunciar sobre questões sociais

Em um discurso recente a trabalhadores de siderúrgicas italianas, o Papa Francisco falou o seguinte:

Ouvi alguns jovens operários que estão sem trabalho, e me disseram isto: “Padre, nós, em casa – minha mulher, os meus filhos – comem todos os dias, porque a paróquia, ou o clube, ou a Cruz Vermelha, nos dão de comer. Mas, Padre, eu não sei o que significa levar o pão pra casa, e eu preciso comer, preciso ter a dignidade de levar o pão pra casa”. E este é o trabalho! E se falta o trabalho, esta dignidade fica ferida!

A mensagem faz eco à outra declaração do Papa Francisco que já comentei aqui. Na ocasião, Sua Santidade utilizou “desemprego” e “maiores males modernos” na mesma frase, o que imediatamente levou as pessoas a dizerem que, para o Papa, o mal do século era o desemprego. Solene bobagem. Tanto lá como aqui, o trabalho era visto sob um enfoque espiritual. O materialismo estava e está somente nos olhos de quem lê.

Afinal, a mais nefasta conseqüência do desemprego não é a mera carência material, e sim a «dignidade de levar o pão pra casa» ferida. E este «pão» possui uma dimensão tão espiritual que o próprio Cristo fez questão de incluir uma súplica por ele na Oração que é modelo de todas as orações. Outrossim, quer coisa menos materialista do que a reminiscência permanente daquele longínquo «comerás o pão com o suor do teu rosto» que integra o anátema original? Prover ao próprio sustento e ao da própria família – levar o pão pra casa -, antes de uma contingência fisiológica, é um imperativo metafísico. A teologia tem exigências e conseqüências sensíveis; dizer diferente disso é dar razão, ainda que indireta, aos que propugnam uma separação radical entre religião e vida.

Quando li esta mensagem do Papa Francisco, lembrei imediatamente outra declaração da Igreja sobre assuntos aparentemente materiais, sobre um tema à primeira vista tão estranho às coisas do Céu quanto o salário mínimo. No entanto, foi Leão XIII o Pontífice que lhe dedicou alguns parágrafos na Rerum Novarum. Está lá, no número 27. da grande Encíclica:

Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem, inclusivamente, a acordar na cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado.

E Pio XI foi ainda mais além e acrescentou algumas características mais específicas a esta justa remuneração (Quadragesimo Anno, II, 4.):

É um péssimo abuso, que deve a todo o custo cessar, o de as obrigar [as esposas], por causa da mesquinhez do salário paterno, a ganharem a vida fora das paredes domésticas, descurando os cuidados e deveres próprios e sobretudo a educação dos filhos. Deve pois procurar-se com todas as veras, que os pais de família recebam uma paga bastante a cobrir as despesas ordinárias da casa.

Escusado comentar o quanto o nosso «salário mínimo» legal está aquém dessas exigências estabelecidas – como «uma lei de justiça natural»! – pelo Supremo Magistério da Igreja…

Em suma, há muito em comum entre o «desemprego» sobre o qual fala atualmente o Papa Francisco e o «justo salário» sobre o qual versam as grandes Encíclicas Sociais do passado: ambos são temas à primeira vista «seculares» sobre os quais políticos, economistas, sociólogos e congêneres reivindicam exclusiva competência, com exclusão do parecer moral da Igreja; e ambos são temas que os filhos rebeldes do Catolicismo têm enorme facilidade de instrumentalizar em prol de uma certa “teologia” horizontal e intranscendente que tanto mal fez e continua fazendo à Igreja nos últimos tempos.

Cumpre frustrar os maus intentos de uns e de outros. É preciso defender com clareza, contra os naturalistas modernos, que a Moral tem exigências concretas a fazer inclusive à Economia; e ao mesmo tempo é preciso afirmar com ainda mais clareza a existência de uma doutrina social católica que não é aquela dos teólogos ditos «da libertação». A esquerda tem uma enorme facilidade em se apossar do discurso católico. Contra isso é preciso não negar à Igreja o direito de se pronunciar sobre questões sociais, mas sim anunciar ao mundo os Seus ensinamentos devidamente purificados da parasitagem marxista com a qual eles as mais das vezes são apresentados.