Ainda o terceiro segredo de Fátima

Com relação ao (recém-divulgado) texto presumivelmente escrito pela Ir. Lúcia contendo uma parte não revelada do Segredo de Fátima, vale tecer os seguintes ligeiros comentários:

– Nunca deixou de haver polêmica sobre o terceiro segredo de Fátima, nem mesmo após a divulgação da Mensagem do ano 2000; no entanto, a própria Ir. Lúcia estava viva até 2005 e não se tem registro de que ela tivesse jamais protestado contra nenhuma mutilação da mensagem que lhe fora confiada pela Rainha dos Céus. A idéia de que aquela era na verdade uma sósia da Irmã Lúcia é extravagante demais para merecer muito crédito.

– Este blog acha até possível haver uma parte não-revelada do Terceiro Segredo — uma tida talvez como espúria, não confirmada pelos videntes, entregue em momento diferente e constante em documento separado, talvez até perdido no Arquivo do Santo Ofício. Ao que me parece, não existe nenhum óbice teológico a que a Virgem Maria tenha comunicado aos videntes mais do que foi reconhecido pela Igreja como legítimo.

– Não é no entanto possível duvidar da sinceridade de São João Paulo II, que não tinha nenhum motivo especial para revelar o «segredo» no ano 2000 e, portanto, tendo decidido livremente fazê-lo, não teria por quê reter uma parte sabidamente autêntica da mensagem e mentir diante do mundo inteiro. Se ele não julgasse conveniente revelar o segredo, não precisaria tê-lo revelado — como aliás fizeram outros Papas anteriormente a ele. Não há portanto motivo algum para ocultar deliberadamente uma parte da mensagem e, ainda assim, afirmar abertamente estar divulgando a mensagem inteira. Isso não tem lógica nenhuma.

– Ou seja, se em algum momento houve um texto, digamos, “complementar” à visão do Terceiro Segredo, é de se crer que ele se tenha perdido antes de S. João Paulo II tomar conhecimento do (que era então conhecido no Vaticano como o) envelope contendo a mensagem de Fátima. É de se crer ainda, por conseguinte, que tal mensagem, ainda que possa ter sobrevivido em algum lugar (por exemplo em um manuscrito perdido da Ir. Lúcia…), é tida pela Igreja como apócrifa e não tem como ser diferente.

– Naturalmente, além disso, é perfeitamente possível (e talvez seja até o de longe mais provável) que a mensagem divulgada no ano 2000 seja mesmo o texto integral que a vidente enviou décadas atrás para Roma. O argumento do Card. Bertone é de se levar em conta (a menos, é claro, que se dê crédito à hipótese da Ir. Lúcia impostora):

Foi posta em dúvida a veridicidade da publicação integral do terceiro segredo por ela escrito por ordem do Bispo; pois bem, se a verdade fosse diferente poder-se-ia ver nos (sic) milhares de cartas de resposta que Lúcia, empenhada várias horas por dia no seu escritório pessoal, escrevia aos fiéis que a interpelavam de todas as partes do mundo.

– Independente de qualquer coisa, a aparição de Fátima — mesmo sendo uma aparição portentosa — detém o status de revelação privada e, portanto, nem acrescenta nada à Revelação encerrada com a morte do último apóstolo, nem é necessária à salvação de ninguém e, aliás, nem mesmo se lhe exige o assentimento da Fé. Uma eventual «perda» de um pedaço da Mensagem, assim, conquanto seja uma coisa profundamente de se lamentar, não infirma a indefectibilidade da Igreja Católica nem põe em risco a salvação das almas senão muito circunstancialmente.

– O manuscrito divulgada pelo Stilum Curiae, salvo grave engano, apareceu pela primeira vez no Tradition in Action. Em 2010. Foi «enviado por um de nossos leitores de Portugal», como a própria matéria afirma — a fonte é portanto apócrifa. Soa meio inverossímil e extemporâneo que a Ir. Lúcia escrevesse, em 1944, sobre o «reinado de Juan Pablo II» quando o primeiro Papa com nome duplo da história da Igreja só surgiu em 1978. Além do quê, esse negócio de transferir «a pedra angular da tumba de Pedro (…) para Fátima» não tem lá muito fundamento teológico, porque o que faz o Papa ser Papa é a sua condição de Pastor Supremo da Igreja e não o lugar onde se encontra pedra sepulcral alguma: durante o cativeiro de Avignon, por exemplo, o Papado estava na França conquanto a «pedra angular da tumba de Pedro» se encontrasse ainda no centro de Roma onde sempre esteve. Enfim.

– Tanto pelas circunstâncias em que apareceu, assim, quanto pelo seu conteúdo, é legítimo a qualquer um duvidar da autenticidade desse manuscrito.

– Finalmente, não se pode perder de vista os aspectos reconhecidamente incontroversos da mensagem de Fátima (e é este o maior risco que se corre quando se começa a dar crédito às mais desencontradas teorias sobre a ocultação do terceiro segredo):

  • é preciso rezar o Rosário todos os dias;
  • a devoção ao Imaculado Coração de Maria salva os pecadores do Inferno;
  • a comunhão reparadora nos primeiros sábados afasta a vingança de Deus pelos crimes do mundo;
  • «por fim o meu Imaculado Coração triunfará».

– Essas coisas, sim, estão ao nosso alcance fazer — e, exatamente por isso, elas são importantes para nós, elas são aquilo que a Virgem Santíssima nos pede. Nada podemos fazer pela recuperação de algum pretenso fragmento perdido da mensagem dos pastorinhos da Cova da Iria; definitivamente, isto não nos será cobrado! Agora o terço diário, sim, nós podemos rezar. Sempre que pensarmos em Fátima, portanto, mais do que com segredos e polêmicas, deveríamos nos preocupar é com a oração e a penitência que devemos fazer.

“E que é que Vossemecê me quer?”

Hoje é o dia de Nossa Senhora de Fátima, é o dia em que, há quase cem anos, três pastorinhos portugueses encontravam-se pela primeira vez com aquela Senhora que Se dizia do Céu. A história é-nos por demais conhecida, mas nunca é demais relembrá-la; porque a sua força transcende os anos e as décadas e nos desconcerta ainda nos dias de hoje. Três crianças e uma Senhora vinda do Céu.

“E que é que Vossemecê me quer?” A pergunta, feita em 1917 por uma criança, bem poderia ser repetida por cada um de nós. Ó Senhora, o que é que quereis de mim? Devíamos fazê-la e fazê-la de novo a cada dia, colocando-nos à disposição d’Aquela que o próprio Senhor nos deu por Mãe e que, a despeito de nossa incredulidade e dos nossos pecados, dignou-Se aparecer para nós. Que mistério assombroso é o dessa aparição, o que ela significa na nossa vida? Eis uma pergunta que deveríamos fazer a cada dia! Afinal, foi precisamente isto o que Bento XVI nos disse em Portugal, há exatos três anos, quando celebrou a sua última missa diante da esplanada do Santuário de Fátima: «Iludir-se-ia quem pensasse que a missão profética de Fátima esteja concluída». E nós, que tivemos a imerecida graça de conhecer as maravilhas realizadas em Fátima, o que devemos fazer? O que o Todo-Poderoso espera de nós? O que esta Senhora nos quer?

Fátima, todos sabemos, é a grande resposta à incredulidade de um mundo que, no início do século XX, já começava a virar as costas a Deus. A seqüência de aparições hoje inaugurada culminou, em 13 de outubro de 1917, com o grande milagre do sol, presenciado por milhares de pessoas. Ora, de todos os milagres realizados por Nosso Senhor nos Evangelhos, talvez somente o da Multiplicação dos Pães pode ser comparável a este em número de testemunhas; como é possível que isto não nos signifique nada?

E, naquele dia de outubro de 1917, os incrédulos de todos os naipes foram a Fátima. E voltaram assombrados: nós temos os registros dos que foram testemunhas oculares do «macabro bailado do sol» daquele dia 13 terrível. Está lá:

Resta que os competentes digam de sua justiça sobre o macabro bailado do sol que hoje, em Fátima, fez explodir hossanas dos peitos dos fieis e deixou naturalmente impressionados – ao que me asseguraram sujeitos fidedignos os livres pensadores e outras pessoas sem preocupações de natureza religiosa que acorreram à já agora celebrada charneca.

Mas seria muita impiedade de nossa parte reduzir a mensagem de Fátima àquilo que ela tem de maravilhoso. A Santíssima Virgem não teria descido dos Céus apenas para balançar o Sol sobre as cabeças dos livres-pensadores que, já naquela época, empestavam Portugal. A incredulidade contra a qual se levanta a Virgem de Fátima é também a nossa incredulidade: a nossa desesperança, a nossa dureza de coração.

Dureza de coração, porque pecamos; e, mesmo com todas as mercês que Deus tem nos concedido, parece que temos um prazer mórbido em continuar pecando! Contra esta ofensa horrenda que dedicamos ao Todo-Poderoso, aquela Senhora Terrível nos levanta o tríplice brado de “Penitência!” que o Anjo do Terceiro Segredo dirige a toda a terra. E, contra a desesperança à qual podemos ser conduzidos ao contemplarmos desolados os escombros da Cidade de Deus, a Bondosa Senhora do Céu nos promete que, no final, triunfará o Seu Imaculado Coração.

Aproximamo-nos do Centenário das aparições de Fátima; vai fazer um século! Mas, se voltarmos os nossos olhos para a Cova da Iria com olhar sobrenatural, percebemos que bem poderia ter sido ontem. O mundo não parece estar menos incrédulo do que em 1917, e os pecados então cometidos não parecem mais graves do que estes com os quais ainda hoje ofendemos a Deus. Como é possível que coisas tão extraordinárias nos tenham acontecido e, mesmo assim, estejamos tão parecidos com o que éramos antes…? Voltemo-nos para Fátima, aproximemo-nos humildemente desta Amável Senhora. Perguntemo-Lhe o que Ela deseja de nós. Ouçamos o Seu pedido por penitência que temos sido tão negligentes em atender; e comecemos a fazer a nossa parte para sermos um pouco mais o que Ela nos chama a ser. Talvez assim Deus Se compadeça de nós. Talvez assim Ele nos conceda a graça de contemplarmos o prometido Triunfo do Imaculado Coração de Sua Mãe.