Provocou enorme comoção a tragédia acontecida na semana passada em uma escola do bairro de Realengo, no Rio de Janeiro, onde um sujeito – ex-aluno do colégio – entrou no prédio e matou friamente onze crianças, tendo deixado outras treze feridas.
Eu soube do caso logo na quinta-feira, do trabalho. Lembro-me de que me chocou sobremaneira uma simples e terrível frase, jogada displicentemente entre as linhas das matérias: o homem havia “recarregado as armas várias vezes”.
Este simples fato revela uma frieza que foge à compreensão e aumenta a revolta. Ele não chegou correndo e descarregando metralhadoras, atirando a esmo. Ele escolheu as suas vítimas, uma a uma, na maior parte meninas (dez mortas e dez feridas); atirou para matar, na cabeça ou no peito, e de forma tão fria e deliberada que se permitiu recarregar os revólveres enquanto mantinha as crianças e funcionários da escola sob terror intenso, sob verdadeiro pânico! Uma coisa é um crime passional; outra, um crime premeditado. Uma terceira coisa é um crime premeditado cometido “com pausas”, com interrupções para recarregar as armas do crime, com tempo o bastante para se pensar calmamente no que se está fazendo e, mesmo assim, não abrir a menor brecha para nenhuma espécie de arrependimento – não vacilar nem por um instante. E, se os primeiros casos são bárbaros e injustificáveis, este último consegue ser ainda pior. É estarrecedor.
Várias interrogações surgem quando nos deparamos com uma tragédia destas proporções – interrogações das mais diversas. Pode-se perguntar onde estava Deus naqueles momentos terríveis. Pode-se aproveitar a comoção para fazer lobby político barato a favor do desarmamento dos cidadãos de bem. Pode-se questionar quais as motivações de um crime tão hediondo. Mas existe também uma pergunta emblemática que um amigo me fez e que, creio, merece consideração.
Como é possível que diversos adolescentes de doze, treze ou catorze anos (sem falar nos funcionários da escola!) tenham ficado inertes enquanto um único sujeito calmamente os matava um a um? Como é possível que ninguém tenha reagido? Que o medo intenso provoque reações imprevisíveis nas pessoas – podendo levá-las inclusive a ficarem paralisadas – é algo perfeitamente aceitável; que, no entanto, ninguém, nem uma única pessoa, tenha cogitado pular em cima do desgraçado para detê-lo e (quiçá às custas da própria vida, mas a situação era extrema) salvar os demais, é algo extremamente preocupante. Revela de maneira trágica o triste estado de passividade no qual se encontra a nossa população.
“Eram crianças!”, alguém pode dizer. Muitas aspas aqui! Aos doze anos, São Luís já era rei da França. E, depois, não existem crianças sozinhas em um colégio: certamente havia também professores e funcionários. Eu entendo perfeitamente que nem todo mundo seja como São Luís, mas o porquê de não haver uma única pessoa a demonstrar um mínimo de senso de sobrevivência, eu não consigo entender. Não era simplesmente um assalto ou um seqüestro, o bandido estava matando pessoas lenta e sistematicamente, mesmo sem que elas reagissem! Ninguém pensou que, se é para morrer nas mãos de um louco, é melhor – ou, vá lá, é menos ruim – morrer agarrando-se à vida, morrer lutando, morrer tentando não morrer?
Isto é inexplicável, é dramático, é triste, é profundamente triste. O Papa Bento XVI se disse “profundamente consternado” com a tragédia, e isso não é exagero retórico. Na verdade, creio não haver palavras para exprimir como todos nós, no Brasil e no mundo, nos sentimos ao tomar conhecimento deste atentado estúpido e covarde.
Mais uma vez, em uma escola… O vídeo abaixo foi feito pelo Diogo Cysne, e relembra algumas tragédias similares acontecidas anteriormente ao redor do mundo, às quais é impossível não fazer referência quando se toma conhecimento do que aconteceu em Realengo.
Que nós possamos “construir uma sociedade fundada sobre a justiça e o respeito pelas pessoas”: este foi o desejo expresso pelo Sumo Pontífice e não se trata simplesmente de uma frase de efeito. É uma necessidade premente. Tragédias assim são terríveis máculas que, quando pensávamos que iriam ser superadas e se transformar em páginas de vergonha da história da humanidade, insistem em voltar a acontecer. Que Deus tenha misericórdia de nós! Que a dor possa nos fazer despertar para a necessidade de sermos melhores. Que as vítimas desta tragédia possam descansar em paz. E que todos os amigos e familiares possam, ainda que contra todos os prognósticos, manter a esperança e superar da melhor forma possível este lamentável episódio ocorrido na Cidade Maravilhosa.