A Fé bruxuleia em meio às nossas fraquezas

O Papa Francisco tornou pública ontem uma «carta ao povo de Deus». As palavras de Sua Santidade chegam em um momento pungente para os católicos, onde o Corpo Místico de Cristo encontra-se com feridas dolorosamente abertas após o espocar de mais um escândalo de abusos sexuais praticados por membros do clero. Tudo isso machuca e revolta. Como é possível que desçam tão baixo em vilania justamente aquelas pessoas que foram separadas de entre os homens — consagradas! — para levar almas ao Céu?

A verdade é que não é possível encontrar humanamente explicações. Aos que não crêem, a tragédia é um prato farto para que se retroalimentem em sua descrença: como é possível que se pretenda fundada por Deus uma Igreja que agrega tamanhos pervertidos? E aos católicos — mesmo àqueles cuja Fé for capaz de transpôr esta cruel indagação — ficam a dor, a vergonha, a humilhação. Onde estavas, Senhor, para permitires que fosse assim manchada a face da Tua Esposa?

Queríamos que fosse diferente, queríamos que o contato constante com o Sagrado tivesse o condão de tornar os homens automaticamente melhores, mas a história nos mostra que as coisas não acontecem assim. Não existe santidade por osmose. No fundo, o mysterium iniquitatis no interior da Igreja não é diferente do problema do mal no mundo: o Verbo fez-Se carne e elevou toda a natureza humana, mas mesmo o homem objetivamente redimido continua capaz dos mesmos abismos de sordidez que o mais bruto dos pagãos pré-cristãos.

Abismos até mais profundos, aliás. Porque os pagãos até poderiam alegar em seu favor a inevitável falibilidade da natureza humana decaída, da qual não eram capazes de se libertar sozinhos.

A verdade, a incrivelmente dolorosa verdade é que, em um certo sentido, a Religião eleva mas também avilta. Ela eleva, quando o homem corresponde à graça; mas avilta, quando o homem lhe dá as costas. A Religião verdadeira não é somente a que produz mais santos; é também aquela que torna possíveis os maiores pecadores. A Graça não torna automaticamente os homens melhores: ela os pode tornar tão melhores quanto jamais seriam capazes sem ela, mas também abre as portas para que se tornem tão vis e degenerados como jamais pagãos conseguiriam se tornar. A Graça, ao mesmo tempo em que abre caminho para os píncaros do Paraíso, também dá acesso a certas profundezas do Inferno antes inacessíveis. Quem julga estar de pé, cuide sempre para que não caia.

Que os escândalos — terríveis! — não apaguem da face da terra a chama da Fé que há dois mil anos bruxuleia em meio às nossas fraquezas. Que possamos manter os olhos fixos em Cristo Senhor: é Ele que é Crucificado, mais uma vez!, quando os Seus sacerdotes O atraiçoam e afastam as almas d’Ele ao invés de as aproximar. Que Ele tenha misericórdia de nós todos, é o que podemos pedir. E que o Espírito Santo venha em socorro da Sua Igreja, concedendo-nos sempre sabedoria para discernir o mal no mundo, bem como coragem para o enfrentar sem tréguas.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

4 comentários em “A Fé bruxuleia em meio às nossas fraquezas”

  1. Voce realmente achou que ele falou alguma coisa inesperada, Jorge Ferraz? alguma coisa não óbvia? alguma coisa não politicamente correta? vc acha que ele tocou no ponto central? acha que ele apontou alguma direção clara pra atingir as causas do problema? vc acha mesmo que ele tocou na causa da doença?

    Realmente o sofrimento das vítimas é terrível e merece atenção, respeito , solidariedade e reparação. Mas as causas que fizeram homens de Deus, padres, bispos, cardeais, descerem tão baixo… onde está essa causa? Se ela não for atingida, nada mudará pra melhor. Voce conseguiu perceber na carta de sua Santidade alguma pista disso? algum reconhecimento de alguma coisa causadora de tudo isso?
    Ele só falou do clericalismo? será que é? e o que será que ele chama de clericalismo? o excesso de dignidade do sacerdócio, na cabeça dos leigos e deles mesmos? mas será que não é exatamente o contrário? não é a perda da identidade sacerdotal, a falta de fé na singular e sagrada missão e posição que ocupam, que os fez sentirem-se livres para pecar? não terá sido a noção errada de misericórdia, a noção errada de que Deus não castiga e que o santo Temor não é mais necessário, que os levou a tamanho desprezo pela lei de Deus? não será a perda da própria fé minada por teologias modernas, hipotéticas e perniciosas que os transformou nesses monstros predadores? a fé que precisavam ter pra embasar uma vida de sacrifício e renúncia. “Se solaparam os próprios fundamentos, que pode o justo fazer?” nada mais tem sentido nem valor.

    Será que não é necessária maior austeridade nos seminários, formação mais profunda e demorada? será que não é necessário ordenar apenas aqueles que demonstram verdadeiro amor a Deus e a sua Igreja, provados num longo e difícil tempo de ascese, de oração e jejum, sem férias, nem estágios pastorais, que podem fazer tudo virar uma grande brincadeira, ou um projeto humano como outro qualquer.

    E por que o Santo Papa não falou nada disso? Não é da nossa conta?

    A degradação moral e espiritual desses clérigos certamente não terá atingido apenas às vítimas desse tipo de ação de que são acusados. Outros sinais esses homens deram e mostraram que sofriam de terrível doença moral e espiritual. Ninguém que vive em tão degradada situação deixa de manifestar sinais significativos. Mas se esses sinais são ignorados, ou banalizados, ou até admirados, a coisa vai crescendo.

    Agora então os denunciadores de abusos sexuais serão ouvidos. Que bom! e os que denunciam pregações heréticas, abusos litúrgicos, descaso e desrespeito pela Eucaristia, os que denunciam padres de vida mundana e sem piedade… também serão ouvidos com atenção? acho que não. Acho que essas coisas se forem denunciadas só fará com que os denunciadores continuem a ser ofendidos e condenados como fariseus, caras de vinagre, puritanos ,moralistas, fundamentalistas.

    Será que cobrar fé verdadeira e obediência às leis e doutrinas da Igreja, é pedir demais do clero? Se é, então os sinais que denunciam a perda de fé de um clérigo permanecerão ignorados e como voce disse, aqueles que se aproximaram do Senhor e depois o rejeitaram só podem se tornar muito piores que os ateus e mundanos que nunca O conheceram.

    Eu sei, por exemplo de um padre que frequenta boates, usa dinheiro da igreja pra luxos e mordomias pessoais, frequenta academia, praia, faculdade de psicologia, e se recusa a celebrar missa durante a semana, a visitar doentes e a ouvir confissão. Faz pregações escandalosas que leva fiéis a sair da igreja no meio da missa de domingo. Vários grupos de leigos já foram falar com o bispo. E nada foi feito. Mas se um dia ele abusar de menores, aí já poderemos reclamar com algum fruto, segundo o papa. Que bom! Vamos esperar então que o pior aconteça pra podermos reclamar.

    Desculpe o desabafo, voce não tem culpa. Mas não consigo pensar o mesmo do nosso papa atual, como voce consegue, Jorge.
    Bastava que ele dissesse alguma coisa mais verdadeira pra gente ter esperança. Mas não aconteceu. De novo, não aconteceu.

  2. A Tereza Cristina disse tudo.

    É totalmente por aí mesmo.

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