Antes de tudo, um forte.

O sertanejo é, antes de tudo, um forte.
(Euclides da Cunha, “Os Sertões“).

Um forte, antes de tudo: assim se expressou Euclides da Cunha, referindo-se ao sertanejo – ao nordestino! -, no seu clássico livro sobre a expedição de Canudos. De acordo com o jornalista, o que impressionava na figura do nordestino era o contraste entre a sua aparência e esta força que se revelava, de maneira súbita, tão logo fosse necessária.

O sertanejo em “Os Sertões” é “desgracioso, desengonçado, torto“. Tem uma “postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente“. É um “homem permanentemente fatigado” e “[r]eflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo“. Todavia, “toda esta aparência de cansaço ilude“:

Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias.
(id. ibid.)

Ao ler essas linhas e descobrir a surpresa que causa no jornalista encontrar tamanha força de vontade em uma figura de onde parecia que não poderia sair nada, não consigo deixar de imaginar que surpresa, então, não teria o ilustre escritor se se debruçasse um pouco sobre a figura mais simples, mais comum e mais corriqueira que ele poderia encontrar: o cristão. Bem que escreveria, então, e o faria com muito mais propriedade, que o cristão é que é, antes de tudo, um forte.

Acusa-se muitas vezes a religião de ser uma muleta de fracos, engodo de massas, pseudo-consolo para fracas inteligências, e tantas coisas assim parecidas. De fato, o cristianismo tinha tudo para ser uma religião de derrotados. Dentre os seus preceitos, constam coisas como dar a outra face para quem lhe esbofetear e oferecer a túnica para quem lhe roubar a capa. Dentre os seus valores mais básicos, está a noção de que ganhar o mundo inteiro não tem importância nenhuma se se vier a perder a própria alma. Entre as coisas que os cristãos podem esperar, citam-se serem perseguidos e sofrerem tribulações. Até mesmo o seu Fundador – e exemplo máximo a ser seguido – é representado no ápice da derrota, morto vergonhosamente como marginal, dependurado numa Cruz.

Colocadas as coisas desta forma, poder-se-ia esperar, realmente, que o seguidor sincero dessa doutrina fosse um fracassado, um traumatizado, um masoquista, um “Zé-Ninguém”, um “mosca-morta”, um inútil. Todavia, já São Paulo nos ensinava, há dois milênios, o grande segredo que se encontra escondido nessa doutrina: “Porque, quando eu sou fraco, aí é que eu sou forte” (cf. 2Cor 12, 10).

Ao contrário do que se poderia esperar, o Cristianismo venceu o mundo. Produziu não covardes, mas mártires. Construiu não favelas, mas civilizações inteiras. Conquistou não somente os rudes e ignorantes, mas as mais finas inteligências de todos os tempos. Saindo do subterrâneo das catacumbas, elevou-se até o céu com as torres góticas das catedrais medievais. Quem poderia imaginar tudo isso, se olhasse para os Doze homens rudes da Galiléia? Esta transmutação é muito mais portentosa do que a transfiguração do sertanejo fatigado em “titã […] potente“!

O segredo desta grande força motriz do Cristianismo encontra a sua mais eloqüente expressão em dois aspectos da Doutrina Cristã, que se referem à relação do homem consigo próprio e com o seu próximo, e que, reunidos, são capazes de mudar o mundo. Refiro-me ao aperfeiçoamento pessoal e à consciência da vida em sociedade, da qual os cristãos precisam ser fermento. Se uma construção portentosa é feita com material de má qualidade, então todo o edifício irá fatalmente ruir. Se, por outro lado, os melhores materiais do mundo estão jogados no canteiro de obras, eles continuam sendo um monte de entulho sem utilidade. Somente quando os materiais são bons e estão dispostos da maneira correta é que se podem levantar as catedrais.

Para o cristão, então, não é suficiente empenhar-se para a sociedade ser perfeita: ele precisa também cuidar da própria perfeição. Ao mesmo tempo, não é suficiente acumular bens, ciência, virtude, poder: todas essas coisas precisam estar ordenadas para o bem comum. Esmagados estão, pela Doutrina da Igreja, ao mesmo tempo, quer o egoísmo do capitalismo selvagem, quer o totalitarismo do comunismo igualitário. Nem os materiais de construção têm serventia sozinhos, e nem as construções úteis e belas são feitas com um tipo só de material. O homem moderno não percebe essas coisas e, por isso, não consegue erguer catedrais.

Preocupar-se com a sociedade mesmo quando o homem poderia ter tudo, e preocupar-se com o homem mesmo quando a sociedade poderia oferecer tudo: eis a grande fraqueza do cristão e que, ao mesmo tempo, é a sua grande força. Movido por este ideal, o cristão avança ao longo da História. É perseguido, e não se desespera; vê caírem impérios, e ele não se perturba. Por importar-se tanto consigo mesmo até o ponto de desprezar as benesses estatais, e por importar-se tanto com os outros até o ponto de desprezar o sucesso próprio, alguém bem que poderia dizer: – mas, então, este sujeito não se importa com nada!

Engana-se. O cristão, na verdade, importa-se com Deus; e isso é tudo o que importa. “Buscai primeiro o Reino de Deus“, diz o Evangelho, “e tudo o mais vos será acrescentado” (cf Mt VI, 33). A história da Igreja ao longo dos séculos revela o cumprimento desta promessa do Divino Salvador. Os seguidores do Crucificado não são uns derrotados, e sim os heróis da História. Escolhendo caminhar por si próprios quando outros lhes apresentam um caminho largo e fácil de ser seguido, e escolhendo caminhar junto com os outros quando poderiam ir muito mais longe por si próprios, a aparente contradição só pode ser resolvida quando se tem os olhos fitos no Alto: na verdade, nem há paraíso terrestre que os homens possam oferecer, nem há pote de ouro no fim do arco-íris para quem chegar lá primeiro. Há somente a Cruz, e Ela é a única esperança; e, carregá-la, a única alegria verdadeira. Eis a força cristã, eis a vitória por meios adversos, eis o que causa verdadeiramente estupor. Não merece tantos elogios o sertanejo: ser cristão, ah, isso sim – isso é que produz os verdadeiros fortes.

Novo Bispo de Garanhuns

Domingo último, dia primeiro de junho, foi a cerimônia de posse do novo bispo – o 10º bispo da sua história – da Diocese de Garanhuns, Sua Excelência Reverendíssima Dom Fernando Guimarães.

Lá estive. A Diocese de Garanhuns faz parte da Província Eclesiástica de Olinda e Recife, embora seja um pouco distante – quase três horas da viagem. Fui e voltei no mesmo domingo, o que foi cansativo; mas valeu a pena. Não tive a oportunidade de ter muito contato com o senhor bispo; apenas escutei as suas palavras, quer na cerimônia de posse, quer na primeira missa rezada, na praça. Mas ex ungue leonem – pela unha do leão se infere o seu tamanho – e, do que disse Sua Excelência, percebe-se que é um Sucessor dos Apóstolos que faz jus ao roxo que veste.

As coisas que ele disse em sua homilia foram fantásticas – parece-me que ainda o ouço proferi-las! Cito as suas frases de memória, não literais. Podem estar imprecisas num ou noutro ponto, mas o seu sentido é fiel, pois este ficou-me marcado na memória. Certamente, também, minha (falta de) memória trai-me e me faz esquecer algumas palavras do bispo que bem mereciam ser repetidas. Perdoem-me.

“Reafirmo a minha mais absoluta e incondicional adesão ao Santo Padre, o Papa Bento XVI”.

“O papa é Cristo na terra”.

“A vontade do Papa [citando um santo que não recordo] é a vontade de Deus”.

“Estou convencido de que, fora da comunhão com o Santo Padre, nada se constrói na Igreja”.

“Os fiéis têm o direito – repito, o direito – de verem os seus pastores se santificarem”.

“O sacerdote, em virtude do Sacramento da Ordem, identifica-se ontologicamente com Cristo”.

“Os padres não podem tomar a posição de nenhum partido político, porque eles devem ser pastores para todos”.

“Participar da política é uma função própria e específica dos cristãos leigos”.

“Rezem por mim”.

Sim, Dom Fernando, rezaremos! Em agradecimento a Deus por ter nos presenteado com um bispo de tamanha envergadura, e suplicando à Virgem Maria que possa conceder ao novo bispo de Garanhuns todas as graças necessárias para o pastoreio da grei de Deus.

Ave Maria,
gratia plena,
Dominus tecum;
benedicta tu in mulieribus,
et benedictus fructus ventris tui, Iesus.

Sancta Maria, Mater Dei,
ora pro nobis, peccatoribus,
nunc et in hora mortis nostrae.
Amen.

Nota da CNBB

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil emitiu uma nota sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir a destruição de embriões humanos em pesquisas científicas:

Sendo uma vida humana, segundo asseguram a embriologia e a biologia, o embrião humano tem direito à proteção do Estado. A circunstância de estar in vitro ou no útero materno não diminui e nem aumenta esse direito. É lamentável que o STF não tenha confirmado esse direito cristalino, permitindo que vidas humanas em estado embrionário sejam ceifadas.

Alegramo-nos por nossos pastores, que levantam a voz de maneira clara em defesa dos mais fracos e desprotegidos.

A CNBB continuará seu trabalho em favor da vida, desde a concepção até o seu declínio natural.

Fazemos nossas as palavras da CNBB, e assumimos particularmente o mesmo compromisso. Que Nossa Senhora Aparecida Se compadeça do Brasil.

Considerações sobre o STF e o julgamento das CTEHs

“Supremo libera pesquisas com células-tronco embrionárias”, diz o G1. “STF aprova pesquisas com células-tronco embrionárias”, é a manchete da Folha online. “Supremo autoriza pesquisas com células-tronco embrionárias”, noticia o Estadão. “STF autoriza pesquisas com células-tronco embrionárias”, anuncia o Jornal do Commercio daqui da terrinha. É impressionante o tom monocórdico da cantilena!

As manchetes poderiam ser diferentes. “Aberto importante precedente para a legalização do aborto”. “Embriões humanos não são sujeitos de direitos”. “Vida não merece proteção desde a concepção”. “Embrião pode morrer”. Qualquer coisa que expusesse, de maneira clara e sem floreios, a verdade nua e crua da decisão do Supremo Tribunal Federal, que deveria cobrir de vergonha toda esta nação.

Foram dois dias de votação, dois dias de orações e de esperanças, dois dias de expectativas e de angústias. Está consumado. Aquela que se intitula Suprema Justiça condenou os inocentes à morte. A votação teve o placar de 6 x 5, que é o que consta no site do Supremo Tribunal Federal.

O resultado é desastroso sob todos os aspectos. Em primeiro lugar, porque o simples fato de tal pergunta – se o Estado deve proteger os inocentes – ter sido formulada revela a mais completa confusão na qual se encontra o povo brasileiro em geral e os Ministros do Supremo em particular. É preocupantemente sintomático que as pessoas não saibam diferenciar as discussões que são válidas daquelas que são intrinsecamente nonsense. É óbvio que o Estado deve proteger os inocentes, e o óbvio não pode sequer ser discutido. Eis o primeiro passo em direção ao abismo.

Em segundo lugar: o próprio fato de tal pergunta ter sido levada a julgamento revela mais um grau da escala de sandice que acomete os brasileiros, porque, se já é preocupante a concessão de se debater a pergunta nonsense, a noção que se encontra adjacente ao julgamento é ainda mais diabólica: não só é permitido discutir o óbvio, como o Estado tem o poder de dizer e fazer o contrário do óbvio. Ora, uma coisa – que já é bastante séria – é fazer uma, digamos, discussão acadêmica sobre se é permitido ao Estado matar nordestinos; outra coisa muitíssimo mais séria é o Supremo Tribunal reunir-se para deliberar e aprovar a carnificina no Nordeste Brasileiro. Não satisfeito em conceder que a proteção à vida humana é passível de discussão, o país concedeu também que competia ao Supremo Tribunal Federal deliberar sobre a manutenção ou retirada desta proteção. O segundo passo é dado. O abismo já se abre monstruoso diante dos pés.

E, no final, a queda: o poder da deliberação absurda sobre a discussão nonsense foi concedido não a uma nobre casta de probos e ilibados baluartes das virtudes, não a uma elite intelectual e moral que fosse digna deste nome, mas a um bando de malucos, com surtos de megalomania, notoriamente preconceituosos, volúveis, irresponsáveis e levianos. É isso o que se infere dos votos dos ministros – à exceção (honrosa) dos ministros Direito e Lewandowski. Não encontrei na internet a íntegra dos discursos, mas os excertos a seguir foram tirados do “ao vivo” do G1.

“Nossa religião, aqui dentro, é o direito” – é a afirmação esdrúxula da sra. Carmen Lúcia. A “combinação do caráter laico do Estado e o princípio da liberdade individual ditam que ninguém pode interferir caso os pais desejem dar esse destino aos embriões congelados que carregam seu material genético”, é a besteira monumental defendida pelo sr. Joaquim Barbosa. O sr. Marco Mello “passou por Santo Agostinho e até pelo livro bíblico do Êxodo, no qual a morte de um feto é citada como uma ofensa menor do que um assassinato”. Já o sr. Celso de Mello “começa frisando o caráter “secular e laico” do Estado brasileiro e louvando os votos dos ministros do STF que o precederam”, e diz ainda que “a religião é uma questão de ordem estritamente privada”.

É preciso ser cego para não ver o preconceito contra a Igreja Católica, o ranço anti-clerical dessa gente; principalmente pelo fato de que não há argumentos religiosos no discurso pró-vida! Os votos dos ministros estão, portanto, enviesados por puro preconceito: já que a Igreja Católica tem uma determinada posição, eles simplesmente votam na posição contrária. E, talvez por ato falho, revelam-no claramente, quando destilam o seu ranço contra a Igreja em situações onde Ela não está presente. A obsessão pelo “Estado Laico” está de tal maneira arraigada nas cabeças dos senhores ministros que a preocupação principal é não seguir a opinião da Igreja – opinião não-religiosa, é sempre bom frisar – porque, caso ela seja seguida, será uma ingerência religiosa obscurantista nos assuntos que competem ao Estado e um retorno à Idade das Trevas medieval! Isso não está dito de modo explícito, mas está tão claramente expresso nas entrelinhas do discurso ofensivo à Igreja que é impossível passar despercebido. Não haveria necessidade de se ser anti-clerical e nem mesmo de se afirmar com tanta ênfase a “iurelatria” e a proscrição de Deus das salas do STJ, se não estivessem os votos já enviesados pelo preconceito prévio contra a Igreja e as cartas já marcadas de antemão. Nenhum ministro quer a “pecha” de ser “ligado à Igreja”, de ser “conservador”, “obscurantista”, de pertencer a esta “Instituição Retrógrada”. É vergonhoso, é ridículo, mas é verdade, infelizmente.

Esta é a primeira farsa da vitória de Satanás. Mas tem uma outra trapaça que, de tão gritante, merece ser citada: todo o arrazoado dos senhores ministros foi baseado sobre uma versão falseada do problema, segundo a qual os embriões, se não fossem utilizados em pesquisas científicas, seriam “jogados no lixo”. Como, “jogados no lixo”? E a possibilidade dos genitores os procurarem? E a possibilidade de adoção? E a possibilidade de se manterem os embriões congelados, simplesmente, enquanto não se lhes arranja um útero onde eles possam se desenvolver? É uma grosseira mentira que a única alternativa possível à experimentação científica seja o descarte. E, num ambiente de indiscutível alta erudição como o é o Supremo, como se justifica que uma burla grosseira dessas possa ter passado incólume? Quanta leviandade! O Supremo Tribunal Federal parece ser a Casa da Mãe Joana, onde cada um faz o que quer, e onde nenhuma seriedade é exigida.

E os deuses da Suprema Justiça – a brasileira, que não faz jus ao nome que leva -, onipotentes do alto do seu poder de voto, viraram as costas a Cristo e prostraram-se diante de Satanás em adoração. O sangue dos inocentes irá manchar a terra desta Terra de Santa Cruz. A maior nação católica acaba de cerrar fileiras com os inimigos da Igreja. Tenha Deus misericóridia de nós todos.

E existe, por fim, mais um aspecto diabólico, malignamente perverso, desta palhaçada toda, que precisa ser exposto, ao menos, para se tentar fazer um desagravo. Noticiou o G1:

O aposentado Pedro Freire, de 60 anos, assistiu ao julgamento ao lado do neto, João Victor Freire Xavier, de 9 anos, que tem distrofia muscular. Segundo ele, o menino sempre acompanhou pela TV os debates sobre o tema. “Ele nos cobra muito, pergunta quando o remédio vai sair”, comentou.

Nós estamos falando de uma criança doente, que está sendo covardemente usada, alimentada com falsas expectativas e vãs esperanças, manipulada pelo lobby dos que querem movimentar a opinião pública por vias sentimentalistas para a aprovação da destruição de embriões humanos. Ele tem nove anos, e já pergunta quando vão sair os remédios. Quem é que vai se preocupar em dizer ao menino, dia após dia, mês após mês, ano após ano, que ele espere a panacéia universal que vai ser descoberta “logo amanhã”?

Que a Virgem Maria, Refúgio dos Pecadores e Espelho da Justiça, possa olhar com misericórdia para este menino e para todo o povo brasileiro. E que Ela possa, com toda a corte celeste, ser em favor dos mais novos excluídos e desprotegidos do beneplácito da Nação Brasileira, aqueles que são tão pobres que têm bem menos do que a roupa do corpo, pois nem mesmo têm o corpo já formado; aqueles que nem ainda nasceram, e já são órfãos; aqueles a quem não foi dado um lar, num útero materno, onde eles pudessem crescer; aqueles que não podem alimentar-se sozinhos e que não são alimentados, e que passam fome e frio, muito frio, na solidão das câmaras criogênicas.

Igreja e Magistério

O Magistério da Igreja foi instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de defender e propagar a Sua Doutrina até que Ele venha: em uma palavra, a fim de que todos os homens possam chegar ao conhecimento da Verdade, de uma maneira segura e certa.

Por Sua própria natureza, a Igreja pressupõe e exige um Magistério; sem o qual, tornar-Se-ia Ela incapaz de cumprir a missão que Lhe foi confiada pelo Seu Divino Fundador e, assim sendo, perderia a Sua razão de ser. As razões que demonstram essa verdade são as mais variadas possíveis. Poderíamos citar, entre outras, a experiência histórica [o esfacelamento das seitas protestantes que, sem um princípio visível de unidade, dividem-se a cada dia e o número de “denominações” já está na casa das dezenas de milhares], a razão natural [havendo a possibilidade de dúvidas, é necessário que haja uma instância máxima capaz de dar a palavra final nas controvérsias que surgirem] e as expressas palavras de Cristo [que enviou os Apóstolos para ensinar e disse que as portas do Inferno não prevaleceriam sobre a Sua Igreja].

Em termos aristotélico-tomistas, o Magistério é essencial para a Igreja, e não acidental. Sem Magistério, a Igreja simplesmente deixaria de anunciar o Evangelho e de preservar a Sã Doutrina, deixaria de ser o farol a guiar os homens no caminho estreito que leva à Salvação, deixaria de cumprir a ordenança de Cristo de fazer discípulos d’Ele todos os povos. A Igreja pode subsistir sem os Seus templos, sem os Estados Pontifícios, sem as Suas ordens religiosas, sem os novos movimentos seculares: mas não pode existir sem o Seu Magistério. E, como Cristo prometeu explicitamente que a Igreja iria perdurar até a consumação dos séculos, segue-se disso, como decorrência lógica inescusável, que o Magistério também perdurará para sempre, sem nunca cessar de existir.

Já ouvi protestantes dizendo que, de “as portas do Inferno não prevalecerão”, deve-se entender que não prevalecerão no final. Ou seja, tudo bem a Igreja inteira ter caído em apostasia durante quase mil e quinhentos anos entre Cristo e Lutero porque, com a Reforma, Ela foi resgatada e, assim, as portas do inferno não prevaleceram em absoluto, e sim somente “por um tempo”. A tese é esdrúxula e a Igreja sempre a rechaçou. Os católicos sempre entenderam que as portas do Inferno não prevaleceriam sobre a Igreja nem mesmo “por um tempinho”. A Igreja é por demais importante para que o mundo fique privado de Sua influência salutar, ainda que seja só por um instante enquanto Deus “vai ali e já volta”.

Se a Igreja não pode deixar de existir nem mesmo durante um intervalo de tempo (por mais breve que seja), e se a existência do Magistério é essencial para que a Igreja continue existindo, segue-se que o Magistério da Igreja não pode deixar de existir jamais. É a conclusão que se impera, sem a qual retorna-se ao pecado de Adão e chama-se Cristo de mentiroso porque, não havendo Magistério, Igreja não há. “Oh, não morrereis”, disse um dia a Serpente; “oh, permanecereis católicos”, repete ela hoje, “mesmo que não haja pastores”.

A comunhão com a Igreja, que se dá pela tríplice comunhão entre o Seus filhos – de Fé, de Sacramentos e de Governo – rompe-se quando qualquer uma dessas colunas é derrubada. “Ora”, poderia argumentar um defensor da extinção dos Sagrados Pastores, “em situações de extrema necessidade, pode-se manter a comunhão com a Igreja mesmo sem observar algumas coisas que seriam de preceito em situações normais. Por exemplo, em um território de missão onde só apareça um padre a cada vinte anos, as pessoas continuam católicas mesmo que estejam impossibilitadas de freqüentarem os Sacramentos. Ou, outro exemplo, na época em que os decretos conciliares tardavam a chegar em lugares longínquos, não estavam excomungados os católicos que não os observassem enquanto deles não tomassem ciência”.

Isso é verdade. Mas o problema com os defensores da teoria da apostasia não é análogo aos exemplos citados. Ainda que não haja sacramentos num território de missão, há-os em outros lugares do mundo. Ainda que um certo grupo desconheça, p.ex., que um papa morreu e um seu sucessor foi eleito [e, portanto, p.ex., não nomeie expressamente o novo Papa na oração eucarística, como deve fazer], há um Papa. Se, todavia, o Magistério “deixou de ensinar”, ou – pior ainda – passou a ensinar heresias, ou ainda está de tal maneira restrito a meia dúzia de gatos pingados [que, para acabar de piorar tudo, apenas o deteriam de facto embora não de iure – devido à “traição” daqueles que deveriam exercer o Magistério por Direito] que só os iniciados podem ter a ele acesso, então não há Magistério. O problema com as teorias do “Estado de Necessidade” [prolongado], da Roma Modernista, da Igreja Católica e a Outra e tutti quanti é que todas elas professam [velada ou explicitamente] não uma “situação de exceção” na qual o Magistério da Igreja estivesse temporariamente inacessível aos fiéis católicos, mas sim a própria inexistência deste Magistério.

Sem Magistério não há Igreja. Ora, se a Igreja pode deixar de existir por (digamos) 40 anos, a diferença entre essa posição e a protestante é meramente quantitativa; algo, digamos, como “por quanto tempo” Deus pode abandonar a Igreja sem que se possa dizer que as portas do Inferno prevaleceram sobre Ela. Por quanto tempo a luz pode ser colocada sob o alqueire, por quanto tempo o sal pode deixar de salgar. Os que querem a “conversão” da “Roma Modernista” querem, em essência, o mesmo que queria Lutero: o ressurgimento de uma Igreja que deixou de existir e não existe mais então. Só diferem entre si nas discussões sobre o tempo do óbito.

Nós, católicos, precisamos ser radicais. Precisamos saber que a promessa de Cristo de “estar conosco todos os dias até a consumação dos Séculos” significa que Ele nunca vai abandonar a Sua Igreja, nem por um milênio, nem por alguns séculos, e nem mesmo por umas poucas décadas. Precisamos saber que a Barca de Pedro, à semelhança da Arca de Noé, é um refúgio seguro para que os homens não pereçam no dilúvio – e não uma barcaça escondida onde só uma dezena de privilegiados sabe chegar. Confiemos na promessa de Cristo que, sendo Deus, não pode enganar-Se e nem nos enganar. Portae inferi non praevalebunt. Esta é a nossa Fé, que da Igreja recebemos, e sinceramente professamos; e, nesta Fé, queremos viver e morrer.

Fé que vence a Caridade

A Esperança é uma das Virtudes Teologais, junto à Fé e à Caridade, mas parece que [entre os católicos] a Fé venceu a Caridade.

(Alexandre Garcia, no “Jornal da Manhã” da Globo de ontem, quarta-feira 28 de maio. O assunto, claro, é a utilização de embriões humanos para buscar a cura de doenças)

Todavia, para a Igreja, a caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos por amor de Deus, como reza o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica.

Da primeira parte da definição, vemos que o primeiro aspecto da caridade é vertical, i.e., refere-se a Deus. Portanto, não tem caridade quem não ama a Deus. E Deus é a Verdade, em Quem radica-se a Ética e, por conseguinte, não ama a Deus quem desrespeita a Ética, como os que desejam sacrificar embriões humanos indefesos em pesquisas de laboratório, por melhores que sejam as suas intenções.

E, da segunda parte da definição, vemos que a caridade verdadeira, quando se dirige ao próximo, fá-lo por amor de Deus, i.e., está assentada sobre e orientada para o amor a Deus. “Amor ao próximo” que não esteja alicerçado no amor de Deus não é caridade verdadeira; no máximo, filantropia, que, ainda que possa ter o seu valor no plano natural, todavia não raro degenera em erros gravíssimos, como no caso em que se deseja sacrificar embriões humanos indefesos para [e somente talvez] ajudar pessoas doentes.

Em termos teológicos, a Fé, obviamente, não “vence” a Caridade, mas a Caridade pressupõe a Fé, não existindo aquela sem esta. A “frase de efeito” que o jornalista procurou elaborar simplesmente não faz sentido.

Donde se vê que Alexandre Teles não entende nada de Catecismo. E, se é tão grande a ignorância do jornalista em um assunto tão “bê-a-bá” quanto os rudimentos da Doutrina Católica, por que mereceriam adesão incontestável as suas opiniões sobre assuntos tão complexos quanto a utilização de embriões humanos em pesquisas científicas?

Esperança

Embora não conste nada na Enciclopédia Católica, alguns sites [como este e este] dizem que São Germano, bispo de Paris, sobreviveu a um aborto que sua mãe tentou fazer. Si non è vero, è bene trovato.

Hoje é o dia de São Germano de Paris. E é também o dia em que o STF vai julgar se é permitido sacrificar embriões humanos no altar da Deusa Ciência. Há esperança. Há uma multidão de santos, nos Céus, que está do nosso lado.

São Germano de Paris, rogai por nós!

Castelos de Cartas

Amanhã, o Supremo Tribunal Federal retoma o julgamento sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510, impetrada contra a lei que permite a manipulação [e conseqüente destruição] de embriões humanos em pesquisas científicas, sob a justificativa de que esta viola o Direito Constitucional à vida. O campo de batalha já foi devidamente preparado pela horda dos “paladinos das luzes” contra o “obscurantismo medieval” da retrógrada Igreja Católica. A julgar pelo que diz o Quarto Poder, a “Infame” será esmagada. Voltaire exultaria.

Os argumentos de ambos os lados já estão postos; os do pró-vida, ao alcance de qualquer pessoa que tenha interesse no assunto. Os do “pró-[pseudo-]ciência”, já devidamente impregnados no inconsciente coletivo por meio do bombardeio diuturno dos formadores de opinião midiáticos. O problema é mais sério do que parece à primeira vista, e uma análise mais atenta da questão revela-nos o quão perto do fundo do poço nós estamos.

O julgamento de amanhã é somente a ponta do iceberg, é a gota d’água, o último exemplar de uma série de erros amontoados e contra os quais não nos levantamos no momento oportuno – ou nos levantamos e perdemos as batalhas de então. É muito difícil mudar o mundo. Com um pouco de boa vontade, as pessoas podem até se convencer de que um aspecto da realidade que elas tinham como incontestável está errado; mas e quando esta convicção exige, após si, a destruição de mais um castelo, e esta a de outro, e de outro, e de outro, até que toda a cidade de cartas jaza esparramada pelo chão?

Este é o maior problema para argumentar contra quem é a favor das pesquisas com CTEHs. Afinal, o problema não é somente o início da vida humana: o próprio ministro Britto, no seu voto lido na última sessão sobre o tema, disse-o claramente:

[N]ão se nega que o início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino. Um gameta masculino (com seus 23 cromossomos) a se fundir com um gameta feminino (também portador de igual número de cromossomos) para a formação da unitária célula em que o zigoto consiste.

[…]

Não pode ser diferente. Não há outra matéria-prima da vida humana ou diverso modo pelo qual esse tipo de vida animal possa começar, já em virtude de um intercurso sexual, já em virtude de um ensaio ou cultura em laboratório. Afinal, o zigoto enquanto primeira fase do embrião humano é isso mesmo: o germe de todas as demais células do hominídeo (por isso que na sua fase de partida é chamado de “célula-ovo” ou “célula-mãe”, em português, e de “célula-madre”, em castelhano). Realidade seminal que encerra o nosso mais rudimentar ou originário ponto de partida. Sem embargo, esse insubstituível início de vida é uma realidade distinta daquela constitutiva da pessoa física ou natural […].

Ecco! O foco do problema não é o momento em que se inicia a vida de um indivíduo humano: este é incontestável. Acontece que, aceitando esta verdade [já evidente] até as últimas conseqüências, levanta-se uma miríade de perguntas que não podem ser satisfatoriamente respondidas a não ser com a radicalidade do Evangelho.

Se o embrião é uma pessoa humana, por que eles podem ser congelados? Dever-se-ia proibir o congelamento de embriões. Mas, assim, tornar-se-iam inviáveis* as técnicas de reprodução assistida: também estas deviam ser proibidas. Mas, então, um casal que não conseguisse ter filhos naturalmente estaria condenado à infelicidade. E, ainda: se o embrião é uma pessoa humana, por que se pode abortá-lo n’alguns países do mundo ou mesmo no Brasil, em casos como o estupro? Se ele é uma vida, então não deveria haver exceções. Se ele é uma vida, também a “pílula do dia seguinte” – que pode provocar a morte do embrião impedindo a sua nidação no útero materno – deveria ser proibida. E, se este assunto é de tamanha gravidade, os jovens deveriam ser aconselhados a se absterem de práticas sexuais, até que tenham responsabilidade suficiente para assumirem as conseqüências dos seus atos.

E assim, num verdadeiro “efeito-dominó”, cairiam todas essas “verdades” que são lugares-comuns para a imensa maioria da população. Ora, é até relativamente fácil convencer uma pessoa de que a vida do indivíduo humano tem o seu marco inicial na concepção; mas convencê-la, além disso, de que o aborto é crime em qualquer lugar do mundo, e que uma adolescente é “obrigada a carregar na barriga” um filho que tenha anencefalia ainda que ela tenha sido covardemente estuprada, e que o “bem” de pessoas doentes não pode ser obtido por meio de embriões mesmo que eles só sejam visíveis a microscópio e estejam congelados sem perspectiva alguma de “se transformar” num ser humano adulto, e também que, além disso, não deveria haver embriões congelados e, por conseguinte, os casais que não pudessem ter filhos próprios deveriam se resignar a não tê-los e que, ainda, os métodos contraceptivos, quer por serem falhos, quer por serem abortivos, não deveriam ser utilizados por jovens que não têm condições de se responsabilizar por um possível filho que venha ao mundo… aí, é demais. Não se pode esperar que as pessoas comuns “aceitem” isso simplesmente: é uma mudança demasiado radical na vida que elas estão acostumadas a levar. É muito mais fácil para elas, mais cômodo, conviver com a contradição e com a incoerência de, reconhecendo que os embriões são seres humanos vivos, permitir ainda assim que sejam utilizados como melhor aprouver à “Ciência”. É mais fácil fechar os olhos e se negar a enxergar isso.

Esta “acomodação” natural das pessoas é usada de maneira muito eficaz pela Revolução Anti-Cristã da seguinte maneira: sabe-se muito bem que as pessoas comuns não vão aceitar facilmente mudanças que sejam muito profundas em seu modo de enxergar a realidade. Mas aceitam pequenas mudanças. Então, a mentalidade dessas pessoas é “comida pelas beiradas”, deturpada pouco a pouco, até que, após décadas de pequenas mudanças, o resultado final seja de tal maneira que pareceria chocante e inadmissível para o cidadão médio vivente no início do processo de descristianização. Mas, com o acúmulo das mudanças, é hoje a proposta de vida cristã que parece chocante e inadmissível para o cidadão médio… E, quando um determinado aspecto é de tal maneira que ameaça ruir todo o castelo de cartas se contrariado – como é o caso em pauta no Supremo amanhã -, pode-se supôr com razoável confiança de que ele, simplesmente, não será contrariado.

Não, ao menos, pelo cidadão [de]formado pela Revolução. E aqui entra o segundo passo da “mágica”: através de uma deturpação do conceito de democracia, postula-se que vox populi, vox Dei e o único critério para a legitimidade ou não de alguma coisa é a arbitrariedade positivista do Direito, ou baseada naquilo que as pessoas pensam atualmente, ou então naquilo que os seus (supostos) representantes gostariam que elas pensassem [e que elas certamente pensarão, no futuro, se a Revolução não for detida]. Agem, então, os inimigos de Deus em duas frentes: por um lado, corroendo os costumes para permitir a institucionalização de aberrações no futuro e, por outro, institucionalizando aberrações para corroer os costumes e, depois, conseguir retroativamente a sua aprovação.

Pintado com tais cores, o quadro parece demasiado sombrio e, a dimensão do trabalho, digna de um exército de Hércules. Arriscar-me-ia a dizer que, de facto, não há esperanças. Mas teria que acrescentar imediatamente após: não há esperanças humanas. Porque existe um Deus que é o Deus do Impossível e que é, em última instância, Senhor da História. A recente derrota humilhante do Projeto de Lei que propunha a descriminalização do aborto não é um exemplo mais do que evidente desta ação de Deus na História? Não é uma resposta às súplicas que fazemos ao Senhor, na Litaniae Sanctorum, para que Se digne humilhar os inimigos da Santa Igreja?

Vinde, Senhor, depressa em nosso auxílio; socorrei-nos sem demora, porque perecemos. E Vós, Virgem entre todas singular, Vós, de quem jamais se ouviu dizer que tivesse recusado o Vosso auxílio àqueles que à Vossa proteção recorressem, olhai com compaixão para esta Terra de Santa Cruz e, esmagando a cabeça da Serpente, dai-nos a vitória contra as hostes de Satanás, para o bem das almas e a exaltação da Santa Madre Igreja, e para a maior glória de Deus.

Amen.

* Comment, bastante esclarecedor, de um amigo sobre o assunto, ao qual agradeço:

Só uma ressalva: não é correto dizer que a técnica de fertilização in vitro seja inviável caso não se permitam os chamados embriões excedentes. É possível gerar apenas os embriões que serão efetivamente implantados. Claro que com isso aumentam os casos de insucesso que requerem nova coleta de óvulos. Em outras palavras, não há “backup” e se não der certo na primeira tentativa, o processo teria que ser retomado do início.

Mesmo nesses casos, permanece o veto moral à FIV em relação à separação do ato sexual da geração do novo ser.

Tempus Volat

“Sempre faço mil coisas ao mesmo tempo”, como diz a canção do Renato Russo. E isso pode ser visto como uma grande oportunidade ou como um grande desafio; ou ainda, as mais das vezes, como as duas coisas ao mesmo tempo.

Uma grande oportunidade, sem dúvidas! Porque só nos foi dada uma vida e, neste pouco tempo que temos – afinal, tempus volat -, são tantas as coisas a serem feitas que, por mais que as façamos, sempre vai restar muita coisa por fazer. E um grande desafio, porque tempus volat e, se nos dispersarmos com futilidades, correremos o risco de repetir, ao fim da vida, como aquele sonetista (Laurindo Rabelo? Frei Antônio das Chagas? Sempre achei que fosse deste último mas, agora, após googlar, fiquei em dúvidas):

Para ter a minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado e não fiz conta…
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje quero acertar conta e não há tempo!

A sede do Infinito que existe no coração do homem, a sede de Deus, para o qual o homem foi criado e sem o qual vive inquieto o seu coração: eis o que se encontra por trás da natural inclinação para fazer mil coisas, da natural insatisfação do homem, sempre descontente, sempre buscando mais. E tempus volat – o homem nunca irá alcançar a sua satisfação. Porque, quando achar que está quase lá, descobrirá um outro caminho a ser explorado em sua frente, e, após esse, outro e mais outro – “E quando acho que estou quase chegando / tenho que dobrar mais uma esquina…”, como canta uma outra canção do Renato Russo

… Nunca… ? Nunca é muito forte. Haverá um tempo – esta é a Esperança Cristã – no qual toda lágrima será enxugada, e o homem desfrutará daquilo que o seu coração – que já nesta vida anseia pelo infinito – sequer imaginou, e então Cristo será tudo em todos, e o homem verá a face de Deus, e terá se encontrado, finalmente. E descobrirá para quê foi criado. E entenderá tudo. Bem-aventurados os que se encontrarem com as brancas vestes nupciais, neste dia! Porque haverá também outros que entenderão tudo, mas a Jerusalém Celeste, cujas portas nunca se fecham, aparecer-lhes-á para sempre cerrada e inacessível, porque eles não se preocuparam em lavar as suas vestes no Sangue do Cordeiro [o tempo lhes foi dado, e não fizeram conta…], e então haverá choro e ranger de dentes.

Livre-nos Deus de tão desgraçado infortúnio! E que a nossa sede de infinito, ainda que nos leve a fazer mil coisas, sirva como evidência de que existe Algo maior a Quem devemos aspirar; e não nos faça, ao contrário, desperdiçar o tempo que nos é dado – e que volat – entre mil futilidades, até chegarmos de mãos vazias e vestes imundas diante d’Aquele que é Santo, e então seja tarde demais.

Nossa Senhora, Refugium Peccatorum, rogai por nós!

Levantar âncoras!

Mais uma vez… Sempre começo, sempre interrompo. Aux armes!, todavia, o Senhor dos Exércitos me chama.

Chama a cada um de nós, posto que nós, membros da Igreja Militante, soldados de Cristo, temos a obrigação de colocarmos os dons com os quais a Providência nos agracia a serviço de Cristo e de Sua Esposa Santíssima, a Igreja Católica.

Aux armes!, ouço o brado. Mas minha natureza decaída, fraca e miserável, oferece resistência, e prefere a lassidão acomodada ao desconforto do combate. Prefere não ter obrigações. Fugir das responsabilidades. Deixar as coisas “se resolverem” sozinhas…

Mas as coisas não se resolvem sozinhas. O chamado ao combate, aceito ou não, continuará a ressoar em nossos ouvidos, a cada dia de nossas vidas: aux armes! E é melhor que ele nos sirva de ânimo em meio à batalha, do que remorso doloroso da consciência, em meio à pseudo-paz da fuga ao dever.

Levantemo-nos, pois, e lutemos. Desfraldando o estandarte de Cristo, Rei do Universo, a fim de que seja visto por todos. Somos cristãos. Somos católicos. Temos muito por fazer.

Domine, adsum!

E que triunfe o Imaculado Coração da Virgem, Porta do Céu – Janua Coeli -, a quem é dedicada esta arena virtual.