Assuntos variados

– O protestantismo agoniza na sua “terra natal”: na cidade de Lutero, somente 10% da população é protestante. A “Reforma” do século XVI que tanto mal causou ao Cristianismo parece só ter vigor nas espúrias igrejolas que pregam uma “Teologia da Prosperidade” a léguas de distância do verdadeiro Cristianismo – muito mais distante do que foi o próprio Lutero, por incrível que pareça. É um fenômeno lamentável, porque é muito mais fácil discutir com um luterano ou calvinista do que com um “cristão sem denominação” dos que existem às pencas hoje em dia. Que, com a derrocada do protestantismo alemão, as pessoas possam reencontrar o caminho de Roma, a Barca de Pedro, a Igreja fundada por Nosso Senhor, sobre as quais as portas do Inferno jamais prevalecerão.

– A Califórnia aprovou – em um pleito apertado – a probição do “casamento gay” no estado. Tratava-se de uma emenda à Constituição Estadual que tinha o seguinte texto: “Somente o casamento entre um homem e uma mulher é válido ou reconhecido na Califórnia”. Com 52,1%, a emenda foi aprovada. Deo Gratias. A despeito da maciça propaganda feita para tentar derrubar a emenda (Brad Pitt, Steven Spielberg, Ellen DeGeneres e a multinacional Apple são algumas das celebridades californianas que doaram até 100.000 dólares a favor do “Não”), a Califórnia mostrou que existem alguns valores que são inegociáveis.

– A Colômbia consagrou-se ao Imaculado Coração de Maria no início de outubro, e eu somente agora fiquei sabendo. Em uma cerimônia que se repete a cada ano, na qual é renovada a consagração do país ao Sagrado Coração de Jesus (ocorrida pela primeira vez em 1902), o cardeal Pedro Rubiano “incluiu a consagração ao Imaculado Coração de Maria”. O presidente colombiano enviou saudações, que foram lidas antes da homilia. Combatendo as críticas dos laicistas, o cardeal alfinetou dizendo que “a Igreja é autônoma para tomar este tipo de decisões e mais em um país que é de maioria católica”. Excelente! Que a Virgem Santíssima continue a abençoar a Colômbia.

– Lembram-se das vacinas da rubéola esterilizantes? O assunto havia morrido, sem que houvesse nenhuma confirmação ou nenhuma negativa, mas ontem o padre Lodi resolveu tocar na ferida. Termina o ilustre sacerdote seu texto dizendo que, “[e]mbora faltem provas, as circunstâncias nos autorizam a suspeitar”. Para não reacender alarmismos, é bom frisar que não há evidências do plano diabólico, só suspeitas. E, já que o assunto foi trazido à baila novamente, cabe perguntar de novo: a quem interessa a farsa?

– O que é amor à pátria? Conhecem a história de el niño artillero? Traduzo:

Quando visitamos a cidade de Cuautla Morelos, contemplamos em sua rua principal a estátua de bronze de um menino com um canhão. Trata-se de Narciso Mendonza, que é chamado el Niño Artillero. O seu ato de heroísmo não é uma história bonita inventada para a edificação da posteridade; aconteceu durante o cerco que o exército realista fez, em 1812, à cidade de Cuautla, refúgio do Exército Insurgente. O cerco se prolongou dolorosamente, e o general Juan Nepomuceno Almonte decidiu organizar em tropa as crianças que continuamente se ofereciam para ajudar a defender sua cidade. Eles desempenhavam funções de vigilância, de troca de mensagens e de logística [? – intendencia], e sentiam que assim lutavam pela independência de sua Pátria.

Um dia, o Exército Realista fez uma investida que dispersou os insurgentes, fazendo-os fugir desordenadamente, abandonando suas escassas peças de artilharia. Neste momento de desconcerto, o pequeno Narciso, de 12 anos, teve o valor de correr até um dos canhões abandonados e fazê-lo disparar contra os realistas que se aproximavam. Aquele disparo permitiu aos insurgentes voltarem a tomar a defesa e repelir o inimigo. Quando o padre Morelos soube desta façanha, premiou o pequeno, e os historiadores o seguem premiando e guardando sua memória para a posteridade.

ORVIL Completo

Nada como o Google! Já tinha ouvido falar sobre o projeto Orvil – documento elaborado pelas Forças Armadas sobre o comunismo em geral e sobre as tentativas de implantação do regime assassino no Brasil em particular -, mas nunca havia tido acesso à documentação na íntegra e, para ser sincero, não sabia nem que ela era pública.

Qual não foi, então, a minha grata surpresa ao encontrar, procurando o livro “A Verdade Sufocada” do Coronel Carlos Brilhante Ustra, um artigo introdutório sobre o projeto Orvil seguido do link para o livro completo, digitalizado! Preciosa documentação! É uma pena que as fotos estejam completamente irreconhecíveis, mas o texto está todo lá (são 953 páginas) e permite busca textual no arquivo .pdf (embora com alguns erros de reconhecimento). “Folheando” o livro, encontrei coisas como as seguintes:

Em Goiás [em 1950], o movimento camponês, liderado por José Porfirio e infiltrado pelo PCB, chegou a formar um “território livre” de 10 mil km², com governo paralelo e milícias armadas, sob a égide de uma Constituição própria que definia o Estado como popular e socialista (p.57).

Na tarde do dia 2 de abril de 1964, mais de um milhão de pessoas lotavam as ruas e praças centrais do Rio de Janeiro. A população irmanada – operários,estudantes, senhores idosos e crianças, todas as profissões, todas as categorias sociais e todos os credos – reunia-se na maior manifestação popular que o Brasil jamais vira. Chuvas de papéis picados, jogados dos edifícios, atapetavam de branco as ruas e calçadas. Bandeiras brasileiras coloriam o espetáculo. Faixas repudiavam o comunismo. Em cima dos carros, pessoas carregavam flores, rejubilando-se pela vitória da democracia. Os jornais do dia saudaram a retomada da democracia. As rádios e canais de televisão cobriam a manifestação, transmitindo, para todo o país, os discursos inflamados.

Era a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, um movimento de cunho nacional em defesa do regime e da Constituição e que já se realizara, com êxito, em São Paulo, Belo Horizonte, Santos e Porto Alegre. Programada com antecedência, no Rio de Janeiro, transformara-se, de protesto contra o caos do governo anterior, em júbilo pela vitória da democracia (p. 111-112).

Nos meses subseqüentes [em 1969], a ALN realizou uma série de assaltos a bancos, supermercados e empresas de transporte coletivo e de atentados a bomba, dos quais se destacam o atentado ao Palácio Episcopal, em 6 de agosto, e o metralhamento, em 24 de agosto, da vitrina da loja “Mappin”, que expunha material alusivo à Semana do Exército (p. 329)

Nestes nossos dias em que a História é reescrita pelos derrotados de outrora, uma documentação como esta é fundamental para que possamos entender o que aconteceu no nosso país há poucas décadas, bem como sobre o que está acontecendo agora e o que pode vir a acontecer. Os criminosos perderam a guerra, mas não desistiram. E nós não podemos ficar passivos diante da desconstrução histórica à qual somos submetidos diuturnamente. Houve um dia em que o povo brasileiro lotou as ruas para se opôr aos criminosos comunistas; se for utópico demais desejar uma segunda Marcha da Família, ao menos respeitemos a memória dos nossos pais e avós, não colaborando com a reelaboração da História que nos é imposta pelos que hoje estão no poder.

Bento XVI: Pio XII “não poupou esforços” para ajudar judeus

Hoje faz uma semana que foi aberto um simpósio em Roma sobre Pio XII, promovido pela Pave the Way Foundation. Na última quinta-feira, dia 19 de setembro, o Papa Bento XVI fez um pronunciamento no Simpósio – isto foi noticiado pelo YAHOO Notícias.

“Graças à vasta quantidade de material documentado que vocês reuniram, apoiados por muitos testemunhos avalizados, o seu simpósio oferece ao fórum público a possibilidade de saber mais plenamente o que Pio 12 conseguiu para os judeus perseguidos pelos regimes nazi-fascistas”, disse Bento 16.

“Depreende-se, então, que sempre que possível ele não poupou esforços em intervir em seu favor, seja diretamente ou por meio de instruções dadas a outros indivíduos ou a instituições da Igreja Católica”, acrescentou o pontífice aos participantes, que foram ouvi-lo em sua residência de verão ao sul de Roma.

E – isto não está na matéria do YAHOO, mas está no pronunciamento do Santo Padre – Bento XVI se referiu a Pio XII como Pastor Angélico:

The focus of your study has been the person and the tireless pastoral and humanitarian work of Pius XII, Pastor Angelicus. Fifty years have passed since his pious death here at Castel Gandolfo early on the ninth of October 1958, after a debilitating disease. This anniversary provides an important opportunity to deepen our knowledge of him, to meditate on his rich teaching and to analyze thoroughly his activities.
[O foco do vosso estudo foi a pessoa e o incansável trabalho pastoral e humanitário de Pio XII, Pastor Angelicus. Passaram-se cinqüenta anos desde a sua morte piedosa aqui, em Castelo Gandolfo, no início do dia 9 de outubro de 1958, após uma doença debilitante. Este aniversário oferece uma importante oportunidade de aprofundarmos o nosso conhecimento sobre ele, meditarmos sobre o seu rico ensinamento e analisarmos minuciosamente as suas atividades.]

Que este simpósio possa contribuir para que seja feita justiça à memória de um grande Príncipe da Igreja, o Servo de Deus Pio XII!

Herr Professor

Saiu no Le Monde (disponível para compra) e saiu uma tradução na mídia brasileira (só para assinantes), que eu recebi por email e reproduzo abaixo. A matéria é da autoria de Henri Tincq, que é um jornalista francês especialista em religião. Não o conhecia.

O google me mostrou outras coisas dele:

Henri Tincq’s Portrait of Josef Ratzinger (part I e part II), de 2005, em inglês.

Qui est Josef Ratzinger?, no Le Monde de abril de 2005, em francês.

Na minha opinião, o texto abaixo tem o seu valor principalmente pela – digamos – “consideração não-religiosa” da importância do papado de Bento XVI, bem como pela sóbria biografia do Santo Padre. E – eu não poderia deixar de salientar – pela citação a respeito da Liturgia, que é preciosa (grifos meus):

A liturgia não foi reformada, diz ele [o então padre Ratzinger], “para aumentar o número de pessoas que vão à missa”, mas sim para colocá-las “diante do gládio cortante da Palavra de Deus”. Ou seja, em outras palavras, a convicção teológica passa antes da conveniência pastoral. Mesmo que correndo riscos de passar por um nostálgico da antiga liturgia e por um aliado dos tradicionalistas, o papa jamais renegará este dogma.

A Igreja tem muito o que ensinar a todos os homens. Bom seria se o Papa fosse considerado (ao menos!) como um professor por aqueles que não professam a Fé Católica e Apostólica. Eis o sadio “diálogo com o mundo” que seria tão salutar!

* * *

Quando chamam o papa de “Herr Professor”

Henri Tincq

Este homem de 81 anos escreveu muitos livros, inclusive a respeito dele mesmo, e com pudor. Contudo, este autor prolífico, este universitário que dedicou cerca da metade da sua vida à sua função de docente antes de passar a ocupar os mais expostos entre os cargos da Igreja, permanece um enigma. Não se pode compreender sua visão trágica da história, seu combate contra o “relativismo” moral, sua fidelidade para com a antiga liturgia, sem antes reexaminar de perto o itinerário deste intelectual que revela ser muito mais atormentado do que sugerem as caricaturas que fazem dele.

Enquanto João Paulo 2º tinha a Polônia, Bento 16 tem a Bavária. Ou seja, dois pólos situados nessa Mitteleuropa – a “Europa do Meio”, cujas capitais são Cracóvia e Munique – onde os campanários dotados de um bulbo e a arte barroca esculpiram um catolicismo da Contra-Reforma; onde a liturgia, os ornamentos e os cânticos se fundem na paisagem rural, na vida familiar, nas festas, na cultura, no movimento das idéias e na música. Para Joseph Ratzinger, a Bavária não representa apenas um berço, como é também um santuário onde ele se alimenta da sua combinação de suavidade com perseverança. De um catolicismo bávaro encantado, ele herdou um gosto imoderado pela tradição, pela solenidade litúrgica, uma veneração pela música de Bach e de Mozart, além de um respeito repleto de melindres pelos ritos e os ofícios.

Da mesma forma que Karol Wojtyla, ele sofreu o ascendente de um pai militar que, ao sabor das transferências, deslocou sua família para cima e para baixo, entre o Inn e a Salzach – Joseph Ratzinger nasceu em 17 de abril de 1927 em Marktl-am-Inn -, nessa Baixa Bavária mais próxima da Áustria católica do que da Prússia protestante. Dentre os dois patriotismos bávaros do século 19 – o primeiro voltado para o Reich alemão, e o segundo, para o império austríaco, católico e grande admirador da França -, é neste último que se inscrevem os seus genes familiares. Contudo, o patriotismo da família Ratzinger é intenso, porém nem um pouco exaltado. Ao lado da sua irmã Maria e do seu irmão Georg, o futuro papa, que já se mostra tímido, solitário, introvertido, cresce em meio a um ambiente estudioso, pio, tranqüilo.

Esse mundo acaba desmoronando com a guerra. Tanto o alemão Ratzinger quanto o polonês Wojtyla passam a serem tragados muito cedo por dramas que iriam alimentar, neles, uma visão trágica da história, na qual estão vinculados a insensatez, a morte de Deus e o aniquilamento do homem. Na época, Joseph Ratzinger ainda é novo demais para assistir ao crescimento do nazismo, que ele descobre apenas através das explicações oferecidas pelo seu pai. “O 3º Reich o repugnava terrivelmente”, confessaria o futuro papa em sua autobiografia. Assim como todos os adolescentes, ele é alistado por meio da força para servir na Hitlerjugend (as Juventudes hitlerianas). Quando já era seminarista, ele foi mobilizado em Munique para participar da defesa antiaérea. Após ser internado num campo americano, ele foi libertado em junho de 1945.

Ratzinger nunca se mostrará muito loquaz em relação a este período. Em Auschwitz, em maio de 2006, Bento 16 chegará até mesmo a chocar a platéia no discurso em que ele apresenta sua análise a respeito do nazismo, o qual ele reduziu a um crime perpetrado “por um bando de criminosos”. Na opinião de Claude Dagens, um bispo e acadêmico, ele pertence “àquela geração de alemães que carregou nas costas todo o peso da culpabilidade”. Por serem raras, as suas declarações a respeito dessa questão são tanto mais valiosas. Em 2001, durante uma conferência na igreja Notre-Dame de Paris; e depois, em 6 de junho de 2004 em Caen (na Normandia), por ocasião do 60º aniversário do Desembarque dos Aliados, aquele que ainda não se tornou o cardeal Ratzinger identifica todas as barbáries – Auschwitz; o gulag; os genocídios no Camboja e em Ruanda – com ideologias fundamentadas na ruptura com Deus (“O inferno é viver na ausência de Deus”) e com a Razão, que se tornou cínica e enlouqueceu.

No seminário de Freysing, na Bavária, o jovem Ratzinger devora todos os livros, sejam eles de autoria de escritores contemporâneos alemães (Gertrud von Le Fort, Ernst Wiechert), ou estrangeiros (Dostoievski, Péguy, Claudel, Bernanos, Mounier, Mauriac). Ele descobre as idéias dos filósofos Heidegger e Jaspers, além de “testemunhas eminentes” como Thomas More, o cardeal Newman e Dietrich Bonhoeffer, que “fizeram prevalecer sua consciência acima do consenso geral”. Em teologia, ele lê Romano Guardini, Henri de Lubac e os mestres alemães: Luther (Martin Luther, 1483-1546, o pai do protestantismo), de quem ele conhece as idéias de cor e salteado e de quem ele admira o gênio espiritual, mais do que as realizações da Reforma; Rudolf Bultmann, o exegeta modernista, ou Karl Barth, o protestante que prega a primazia absoluta da palavra de Deus.

Contudo, nenhum destes, em sua opinião, é superior a Santo Agostinho (354-430). Uma alma atormentada, Agostinho carrega o peso do Mal e do pecado, os quais, segundo ele, são redimidos pela “graça”. Na qualidade de bispo, ele é uma testemunha da esperança cristã, num Império romano que está desmoronando. Ele encarnará a culpabilidade ocidental, até o advento de Luther e do jansenismo (nos séculos 17 e 18). Ou seja, uma visão do mundo insuperável no entender do jovem Ratzinger que, além da experiência da guerra, também preza em Agostinho a sua visão de um mundo “niilista”. Portanto, é a este Pai da Igreja que ele dedica a sua tese de doutorando em teologia (1953). Além disso, será por ocasião de um congresso “agostiniano” que ele virá pela primeira vez a Paris, em 1954.

Ratzinger não é um filósofo nem um moralista, diferentemente de João Paulo 2º, cujos estudos haviam sido impregnados pela fenomenologia (Max Scheler, Husserl), e que freqüentava os filósofos franceses Ricoeur e Levinas. Ratzinger é em primeiro lugar um teólogo, convencido de que a sua disciplina está acima da filosofia. As suas categorias se alimentam das obras dos Pais da Igreja (Agostinho, Gregório o Grande, Santo Máximo o Confessor), os quais ele costuma citar até hoje em abundância, e principalmente desde que se tornou papa, em seus escritos. A sua teologia ambiciona ser uma meditação, a partir das santas Escrituras, a respeito da história humana. Este posicionamento comportava certos riscos para a sua carreira universitária, diante dos seus “mestres” alemães ainda marcados pelas categorias petrificadas do néo-tomismo (movimento iniciado no final do século19, baseado numa revisão das idéias de São Tomás de Aquino -1225-1274) e da escolástica. Num primeiro momento, a sua tese sobre a teologia da história na obra de São Boaventura (1221-1274) não obtém uma nota suficiente.

Mas ele poderá saborear sua revanche durante o concílio Vaticano II (1962-1965) durante o qual, aos 35 anos, quando ainda era um jovem universitário em Bonn, ele atuaria como especialista a serviço do cardeal Joseph Frings, uma proeminente figura reformadora do concílio. “Ratzinger vivenciou este evento sem euforia”, comenta Claude Dagens. “Ele é antes um intelectual que não se deixar envolver pela exaltação do momento”. Na presença de sumidades tais como Karl Rahner, Hans Küng, Yves Congar ou Henri de Lubac, ele enxerga no concílio uma chance para o renascimento do pensamento teológico, por meio da reavaliação das santas Escrituras, dos escritos dos Pais da Igreja e de um diálogo com a cultura contemporânea. Em sua opinião, o ponto fundamental é a Revelação de Deus atualizada na história dos homens. Conforme ele havia desejado, o concílio aprova por meio de uma votação um documento de grande importância, a respeito das “duas fontes” da Revelação, as Escrituras compensando o peso da tradição.

Ratzinger chegou ao concílio como um inovador. Mas, dele saiu com a imagem de um conservador. Há mais de quarenta anos que corre esta lenda. O mal-entendido provém da reforma da liturgia, que foi implementada de uma maneira que ele considerava excessivamente radical. Logo, no discurso que ele pronuncia no Katholikentag de Bamberg, em 1966, o professor Ratzinger condena o arcaísmo litúrgico e a modernização desmedida. A liturgia não foi reformada, diz ele, “para aumentar o número de pessoas que vão à missa”, mas sim para colocá-las “diante do gládio cortante da Palavra de Deus”. Ou seja, em outras palavras, a convicção teológica passa antes da conveniência pastoral. Mesmo que correndo riscos de passar por um nostálgico da antiga liturgia e por um aliado dos tradicionalistas, o papa jamais renegará este dogma.

O mal-entendido agrava-se com a revolta estudantil. No final da década, Ratzinger passa a ensinar na universidade de Tübingen. Em 1969, ele enfrenta anfiteatros agitados. Na França, muitos são aqueles que não conseguem compreender – num país onde ela não é ensinada na universidade pública – que a teologia possa se transformar num campo de batalha. Em Tübingen, ela torna-se uma “ideologia revolucionária” no quadro da qual a referência ao Cristo se torna secundária, analisa Ratzinger, ferido por esta “traição”, e que prefere então voltar a ensinar na Bavária (em Ratisbon), rompendo também com a revista progressista “Concilium” para fundar uma outra publicação, a “Communio”, em parceria com Hans Urs von Balthazar. No decorrer dos desentendimentos que o cardeal vivenciará mais tarde, em Roma, com Hans Küng, o seu antigo colega em Tübingen, ou ainda com os teólogos da libertação, esta experiência terá uma influência decisiva.

Este alemão é acima de tudo um filho da Aufklärung, uma corrente de pensamento identificada com as Luzes, da qual ele não é tão radicalmente crítico quanto dizem. Enquanto, para ele, a Fé, sem a Razão, está ameaçada pelo “iluminismo”, a Razão, sem a Fé, está ameaçada pelo “positivismo”, que não atribui à ciência outra lei senão aquela do seu próprio desenvolvimento, sem qualquer preocupação com a ética. Mas, no entender de Ratzinger, as Luzes também criaram as condições políticas necessárias para a liberdade dos crentes. No diálogo que ele manteve, em janeiro de 2004, na Academia da Bavária, com o filósofo agnóstico Jürgen Habermas, o cardeal Ratzinger sublinhou a legitimidade da razão secular, quando o seu interlocutor admitiu que a razão moderna não pode prescindir do “potencial de sentido” da religião, sobre o qual está fundamentada a substância ética dos Estados de direito e das sociedades democráticas.

A grande obsessão do professor Ratzinger é mesmo aquela da “crise da Verdade”. Na Sorbonne, em 1999, ele declarou: “A Verdade, que era uma promessa confiável, atualmente não passa de uma expressão cultural da sensibilidade religiosa geral”. Será o caso de fazer deste papa o artesão de uma reafirmação identitária do catolicismo? A articulação entre a Revelação bíblica e a Razão grega é determinante em todos os seus ensinamentos. É nela que se inspira a encíclica “Fides et Ratio”, de João Paulo 2º (1998), e ainda o famoso discurso de Bento 16 em Ratisbon (2006), que será relembrado apenas por conta da citação histórica que inclui uma crítica contundente do Islã. Este papa emite um alerta ao homem contra toda subserviência da fé à razão de Estado, e contra toda subserviência da razão de Estado a uma fé. Neste sentido, ele está decidido a premunir o mundo contra toda forma de extremismo.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

Simpósio sobre Pio XII

Foi aberto ontem, em Roma, um Simpósio Internacional sobre Pio XII, como noticia ZENIT e já havia sido comentado aqui. É para nós motivo de grande alegria ver que, às vésperas do cinquentenário da morte do Santo Padre Pio XII, as pessoas estão preocupadas em reparar a Justiça e trabalhar para, no que for possível, restaurar a imagem de um homem que foi tão duramente caluniado nas últimas décadas.

Krupp contou que ele e sua mulher Meredith estavam totalmente convencidos de que Pio XII e a Igreja Católica eram anti-semitas e colaboradores dos nazistas. Mas o encontro com algumas das testemunhas daqueles anos lhes abriu os olhos.

E quantos não são os que, ainda hoje, estão totalmente convencidos da omissão da Igreja Católica diante do Holocausto da Segunda Grande Guerra? Nós estamos falando de fatos históricos que se deram há sessenta anos, dos quais podemos (ainda) encontrar até mesmo testemunhas oculares. Por quê, afinal, a calúnia consegue sobrepujar tão enormemente a verdade?

A PTWF (Pave The Way Foundation – fundação americana que está promovendo o simpósio sobre Pio XII em Roma) disponibilizou uma farta documentação sobre o evento. Tem os palestrantes, a programação, e muitos documentos que serão apresentados durante o simpósio. Entre muitas coisas interessantes que podemos encontrar lá (recomendo enfaticamente o download do arquivo .pdf), há pronunciamentos do Papa, jornais da época, testemunhos de pessoas envolvidas (tudo reproduzido em fac-similes e fotografias) e – preciosíssimo! – exemplos de propaganda nazista contra o Papa, como as imagens a seguir (retiradas todas da documentação linkada acima):

Importa que a Verdade venha a lume, e um dos papas mais caluniados dos últimos tempos possa ter, enfim, um estudo minucioso sobre o seu pontificado. A Igreja é a Luz das Nações, e sempre continuou a sê-lo, mesmo durante os negros anos da Guerra na Europa. Agradeçamos a Deus por este Simpósio realizado, e esforcemo-nos para o fazer conhecido, a fim de reparar uma grande injustiça. E, cinqüenta anos após a morte do Santo Padre Pio XII, que ele possa ser conhecido sob a ótica de historiadores sérios, e não dos seus detratores.

Pio XII e os judeus

[Nota: este artigo desapareceu do site do Centro de Informática onde eu o tinha hospedado originalmente (provavelmente porque já concluí o curso há dois anos…), e é precioso demais para ficar indisponível. Consegui recuperá-lo e publico-o aqui, para honrar a memória do Santo Padre Pio XII que, no próximo mês, completa 50 anos de falecimento.]

* * *

Artigo do rabino David G. Dalin (1)

A polêmica em torno de Pio XII e seu suposto silêncio diante do Holocausto, é bem posterior à Segunda Guerra mundial. Começa em 1963 com a peça O vigário, do dramaturgo alemão Rolf Hochhut. Naquela década, muito se escreveu a favor e contra Pio XII. Nestes últimos quatro anos, o debate ressurge. Um documento do Vaticano é lançado, e vários livros são publicados. O mais polêmico é o do inglês John Cornwell, intitulado O papa de Hitler. No início deste ano, o cineasta grego Costa-Gavras lança na Europa uma adaptação de O vigário, o filme Amen, com ampla repercussão.
O rabino David G. Dalin é norte-americano e historiador, especialista nas relações cristão-judaicas. Neste artigo publicado originalmente na revista The Weekly Standard(2) , em 26 de fevereiro de 2001, ele faz um resumo da questão, comentando as obras recentes. De um ponto de vista judaico, Dalin defende a credibilidade do testemunho dos sobreviventes do Holocausto e de seus contemporâneos, e reprova a manipulação da tragédia do seu povo com fins ideológicos(3) .

Mesmo antes da morte de Pio XII em 1958, a acusação de que o seu pontificado teve simpatia pelos nazistas circulou pela Europa, alimentada pela propaganda comunista anti-ocidental. Depois do falecimento do papa, as críticas cessaram por alguns anos sob o rio de homenagens que lhe foram prestadas por judeus e não-judeus; e ressurgem com a estréia da peça O vigário, do autor alemão de esquerda Rolf Hochhuth (antigo membro da Juventude Hitlerista). O vigário era uma ficção altamente polêmica, onde um Pio XII absorvido pelas finanças do Vaticano se tornou indiferente à destruição dos judeus da Europa. A peça de Hochhuth de sete horas teve, entretanto, grande repercussão, desencadeando uma polêmica que durou até o fim dos anos 60. E agora, trinta anos depois, a polêmica ressurge de repente por razões não evidentes.

Na realidade, “ressurgir” é pouco para descrever a verdadeira torrente. Nos últimos dezoito meses, nove livros que tratam de Pio XII apareceram: O papa de Hitler de John Cornwell(4) , Pio XII e a Segunda Guerra Mundial de Pierre Blet(5), Papal sin de Garry Wills, Pope Pius XII de Margherita Marchione, Hitler, the war and the pope de Ronald J. Rychlak’s, The Catholic Chuch and the Holocaust 1930-1965 de Michael Phayer, Under his very windows de Susan Zuccotti, The defamation of Pius XII de Ralph McInerny’s, e o mais recente, A espada de Constantino de James Carroll(6).

Os ataques contra o papa

Quatro destes autores, Blet, Marchione, Rychlad e McInerny, defendem o papa. Wills e Carroll tratam o papa num contexto maior de um ataque contra o catolicismo. O quadro tem um certo equilíbrio. Mas, de fato, ler os nove livros é concluir que os defensores de Pio XII são mais esclarecidos, sobretudo Hitler, the war and the pope de Rychlak, o melhor e mais cuidadoso entre eles, obra elegante ao mesmo tempo séria e erudita. Todavia, são os livros que atacam o papa que chamam mais a atenção, especialmente O papa de Hitler, uma obra bastante difundida afirmando que Pio XII foi “o eclesiástico mais perigoso da história moderna”, sem o qual “Hitler jamais teria atingido seu objetivo”. O “silêncio” do papa penetrou na mídia norte-americana: “Pio XII ter colocado os interesses do catolicismo acima da consciência católica, é um dos pontos mais sombrios da história moderna da Igreja”, afirma o New York Times, de passagem, numa resenha de A espada de Constantino de Carroll no mês passado.

Curiosamente, quase todos os que seguem esta linha – dos ex-seminaristas John Cornwell e Garry Wills ao ex-padre James Carroll – são católicos afastados ou revoltados. Para os líderes judeus da geração anterior, a campanha contra Pio XII teria provocado um choque. Durante a guerra e depois, muitos judeus bem conhecidos manifestaram publicamente sua gratidão pelo papa: Albert Einstein, Golda Meir, Moshe Sharett, rabino Isaac Herzog e muitos outros. O diplomata Pinchas Lapide (que foi cônsul de Israel em Milão e entrevistou italianos sobreviventes do Holocausto), em seu livro Três papas e os judeus de 1967, afirmou que Pio XII “salvou pelo menos 700.000 judeus da morte certa pelas mãos nazistas, e provavelmente 860.000”.

Não vamos dizer que Eugênio Pacelli – poderoso eclesiástico que foi núncio apostólico na Baviera e na Alemanha de 1917 a 1929, depois secretário de Estado do Vaticano de 1930 a 1939, até se tornar papa seis meses antes da Segunda Guerra – era tão amigo dos judeus como João Paulo II. Nem vamos dizer que ele foi bem sucedido ao defender os judeus. Apesar de seus esforços desesperados em manter a paz, a guerra veio; apesar de seus protestos contra as atrocidades germânicas, o horror do Holocausto aconteceu. Mesmo sem ser exaustivo, um estudo atencioso mostra que a Igreja Católica perdeu oportunidades de influenciar o curso dos acontecimentos, não deu a devida importância às intenções dos nazistas, e alguns de seus membros estavam contaminados por um anti-semitismo que veio encorajar, e em alguns casos lamentáveis, sustentar a ideologia nazista.

Todavia, fazer de Pio XII o alvo de nossa indignação moral contra o nazismo, e colocar o catolicismo entre as instituições que perderam sua legitimidade por causa dos horrores do nazismo, é um fiasco na compreensão da história.

O debate sobre o futuro do papado

Quase nenhum dos livros recentes sobre Pio XII e o Holocausto trata de fato destes dois temas. O objeto deles é o debate católico interno sobre os rumos da Igreja hoje, onde o Holocausto é simplesmente o maior argumento disponível dos católicos liberais contra os mais tradicionais.

O debate teológico sobre o futuro do papado evidentemente é algo que os não-católicos não deveriam se envolver muito. No entanto, quaisquer que sejam seus sentimentos em relação à Igreja Católica, os judeus têm o dever de reprovar qualquer tentativa de usurpar o Holocausto e de utilizá-lo com propósitos partidários, principalmente quando estas tentativas desacreditam o testemunho dos sobreviventes e estendem a pessoas que não merecem a condenação devida a Hitler e aos nazistas.

Os recentes ataques contra Pio XII têm uma técnica simples. Basta considerar da pior maneira possível e com rigor excessivo, o que for a seu favor; e considerar da melhor maneira possível e sem rigor, o que for contra.

Por exemplo, quando Cornwell decide provar em O papa de Hitler que o papa era anti-semita (uma acusação raramente feita pelos oponentes do pontífice), ele faz muitas referências ao “culto judaico” de uma carta de 1917, como se para um prelado católico italiano nascido em 1876 a palavra “culto” tivesse a mesma conotação no inglês hoje. Não é por acaso se Cornwell fala do culto católico da Assunção e no culto da Virgem Maria. Uma das melhores partes de Hitler, the war and the pope é o epílogo em que Rychlak demole este tipo de argumento em O papa de Hitler.

O mesmo modelo é usado por Susan Zuccotti em Under his very windows. Por exemplo: há um testemunho de um sacerdote bom samaritano sobre o bispo de Assis, Giuseppe Nicolini, com uma carta em punho, afirmando que o papa lhe escreveu pedindo para ajudar os judeus durante a deportação pelos alemães em 1943. Como o bispo não leu a carta, Zuccotti imagina que o sacerdote ficou decepcionado – e o seu testemunho é rejeitado.

Veja-se a abordagem cética dos fatos e o modo de tratá-los, por exemplo, numa entrevista do diplomata alemão Eitel F. Molhausen dizendo ter enviado informações ao embaixador nazista no Vaticano, Ernst von Weizsäcker; admitindo que Weizsäcker as transmitiu às autoridades eclesiástica. Zuccotti toma isto como prova inquestionável de que o papa tinha conhecimento direto da deportação alemã. Uma interpretação razoável sugere que o papa tinha ouvido rumores e que interpelou os ocupantes nazistas. A princesa Enza Pignatelli Aragona relata que quando ela deu ao papa a notícia da deportação, na manhã de 16 de outubro de 1943, as primeiras palavras dele foram: “mas os alemães prometeram não tocar nos judeus”!

Com este tipo de argumentação, autores recentes não têm dificuldades em chegar a duas conclusões pré-estabelecidas. A primeira é que a Igreja Católica deve carregar a culpa do Holocausto, pois segundo Zuccotti, “Pio XII é o mais culpado”. A segunda é que a culpa do catolicismo se deve a aspectos da Igreja que João Paulo II representa hoje. De fato, na conclusão de O papa de Hitler e ao longo de Papal sin e A espada de Constantino, o paralelismo é claro: o conservadorismo de João Paulo II é da mesma natureza do suposto anti-semitismo de Pio XII; e a posição do Vaticano sobre a autoridade papal está na mesma linha da cumplicidade no extermínio dos judeus pelos nazistas. Como não reagir diante destas comparações monstruosas e de um tal abuso do holocausto?

É verdade que durante a polêmica em torno a O vigário e ao longo das longas audiências para sua canonização (já em andamento desde 1965), o papa teve detratores judeus. Em 1964, por exemplo, Guenter Lewy publicou The Catholic Church and nazi Germany, e, em 1966, Saul Friedländer publicou Pio XII and the Third Reich. Ambas os livros sustentam que o anticomunismo do papa o levou a apoiar Hitler para fazer barreira contra os russos.

Como surgiram informações mais precisas sobre as atrocidades soviéticas a partir de 1989, a obsessão contra o stalinismo é mais compreensível hoje do que em meados dos anos 60. Entretanto, as fontes mostram que o papa classificava as ameaças por ordem. Em 1942, por exemplo, ele disse a um visitante: “o perigo comunista existe, mas atualmente o perigo nazista é mais sério”. Ele interveio junto aos bispos americanos para assegurar as linhas de crédito aos soviéticos, e recusou explicitamente abençoar a invasão da Rússia pelos nazistas. Contudo, a acusação de anticomunismo resiste. Em A espada de Constantino, James Carroll ataca a concordata(7) assinada por Hitler perguntando: “é concebível que Pacelli tivesse negociado um tal acordo com os bolchevistas em Moscou?” Sem saber que, em meados dos anos 20, Pacelli tentou exatamente isto.

Neste caso, o papa teve seus defensores entre os judeus. Além de Três papas e os judeus de Lapide, há um opúsculo da Liga Anti-Difamação, em 1963, A question of judgment de Joseph Lichten, e uma crítica bastante severa a Friedländer feita por Livia Rotkirchen, especialista em história da comunidade judaica eslovaca no Yad Vashem(8) . Jeno Levai, grande historiador húngaro, ficou tão revoltado com as acusações do silêncio papal que escreveu Pio XII was not silent (publicado em inglês em 1968), com uma excelente introdução de Robert M. W. Kempner, procurador-chefe dos Estados Unidos no tribunal de Nuremberg.

O não-silêncio diante da tragédia judaica

Em resposta aos novos ataques contra o papa, muitos intelectuais judeus se manifestaram. Sir Martin Gilbert disse em entrevista que Pio XII não merece acusações mas agradecimentos. Michael Tagliacozzo, líder dos judeus romanos durante o Holocausto acrescenta: “eu tenho um dossier em Israel intitulado Calúnias contra Pio XII…sem ele, muitos dos nossos não estariam vivos”. Richard Breitman, o único historiador que teve acesso aos arquivos de espionagem dos Estados Unidos na Segunda Guerra, afirma haver documentos secretos provando que “Hitler desconfiava da Santa Sé por ela esconder judeus”.

De qualquer maneira, o livro de Lapide de 1967 continua sendo a obra mais influente dos judeus sobre o assunto, e nestes trinta e quatro anos desde a sua publicação, muitas novas fontes se tornaram disponíveis nos arquivos do Vaticano e em outros lugares. Novos centros de história oral produziram uma quantidade impressionante de entrevistas com sobreviventes do Holocausto, capelães militares e civis católicos. Devido às acusações recentes, chegou a hora de novas defesas pois, apesar de alegações contrárias, a evidência histórica confirma que Pio XII não se calou e que quase ninguém na época imaginou o contrário.

Em janeiro de 1940, por exemplo, o papa deu instruções à Rádio Vaticano para revelar “as terríveis crueldades da tirania bárbara” que os nazistas infligiam aos judeus e católicos poloneses. Comentando a emissão uma semana depois, o Jewish Advocate de Boston louva a “denúncia franca das atrocidades germânicas na Polônia ocupada pelos nazistas, declarando serem uma afronta à consciência moral da humanidade”. O New York Times afirma em editorial: “Agora o Vaticano falou com uma autoridade que não pode ser posta em dúvida, e confirmou as piores notícias de terror que vêm da Polônia mergulhada nas trevas”. E na Inglaterra, o Manchester Guardian saudou a Rádio Vaticano como “a mais poderosa defensora da Polônia torturada”.

Uma leitura exaustiva e minuciosa das fontes mostra que Pio XII foi um crítico persistente do nazismo. Eis alguns pontos importantes de sua oposição antes da guerra:

* Dos seus quarenta e quatro discursos como núncio apostólico na Alemanha, entre 1917 e 1929, quarenta denunciam algum aspecto da ideologia nazista emergente.

* Em março de 1935, ele escreveu uma carta aberta ao bispo de Colônia chamando os nazistas de “falsos profetas, orgulhosos como Lúcifer”.

* No mesmo ano, diante de uma enorme multidão de peregrinos em Lourdes, ele ataca as ideologias “possuídas pela superstição de raça e de sangue”. Dois anos depois, na Notre Dame em Paris, ele classifica a Alemanha como “nação nobre e poderosa que maus dirigentes desviam para a ideologia da raça”.

* Os nazistas eram “diabólicos”, confidenciou a amigos. E à Irmã Pascoalina, sua secretária de muitos anos, diz que Hitler “é completamente obsecado. Tudo o que não lhe for útil, ele destrói;…este homem é capaz de pisotear cadáveres”. Ao encontrar o herói antinazista Dietrich von Hildebrand, ele afirma que “não pode haver reconciliação possível” entre o cristianismo e o racismo nazista, pois são como “fogo e água”.

* Um ano depois da nomeação de Pacelli como secretário de Estado em 1930, a Rádio Vaticano começa a funcionar sob sua direção. O jornal do Vaticano L’Osservatore Romano, em situação precária, foi melhorando graças a Pacelli e fez uma ampla cobertura da Noite dos Cristais em 1938(9) . A Rádio foi muito ouvida com emissões controvertidas, como o pedindo aos ouvintes de orações pelos judeus perseguidos na Alemanha depois das leis de Nuremberg de 1935.

* Foi quando Pacelli era o principal conselheiro de seu antecessor, que Pio XI fez a famoso pronunciamento a um grupo de peregrinos belgas em 1938: “o anti-semitismo é inadmissível; espiritualmente somos todos semitas”. E foi Pacelli que fez o rascunho da encíclica de seu antecessor Mit brennender Sorge (Com Ardente Preocupação), a mais veemente condenação da Alemanha nazista feita pela Santa Sé. A imprensa nazista, ao longo dos anos 30, o satiriza com virulência como o cardeal “pró-judeu” de Pio XI, pois ele enviou à Alemanha mais de cinquenta e cinco protestos como secretário de Estado do Vaticano.

Ações de Pio XII

Tratamos agora de importantes ações de Pio XII durante a guerra:

* Sua primeira encíclica Summi pontificatus, publicada em 1939 na urgência de suplicar pela paz, é de certo modo uma declaração de que o papel do papa não é culpar uma ou outra das partes em conflito, mas de interceder junto a ambas. Entretanto, ele cita explicitamente São Paulo – “não há gentio nem judeu” – usando o termo “judeu” precisamente num contexto de rejeição da ideologia racial. O New York Times saudou a encíclica com manchete de primeira página, em 28 de outubro de 1939: “Papa condena os ditadores, os que violam os tratados e o racismo”. Os aviões aliados lançaram milhares de cópias da encíclica no solo alemão para despertar o sentimento antinazista.

* Em 1939 e 1940, o papa atua como intermediário secreto entre os alemães que conspiravam contra Hitler e os britânicos. Ele corre risco igualmente avisando os aliados que a Alemanha estava prestes a invadir a Holanda, a Bélgica e a França.

* Em março de 1940, o papa recebe Joachim von Ribbentrop, ministro do exterior alemão e a única alta autoridade nazista que se sujeita a visitar o Vaticano. O que os alemães pensavam da posição do papa ao menos está claro, pois Ribbentrop critica o papa por se colocar do lado dos aliados. Ao que Pio XII responde com uma longa lista de atrocidades germânicas. Em sua edição de 14 de março, O New York Times informa que o papa “falou com veemência diante de Herr Ribbentrop,…defendendo os judeus alemães e poloneses”.

* Em 1942, quando os bispos franceses publicaram cartas pastorais atacando as deportações, o papa envia o seu núncio apostólico para protestar junto ao governo de Vichy(10) contra “as prisões desumanas e deportações dos judeus da zona ocupada francesa para a Silésia e para partes da Rússia.” A Rádio Vaticano comentou as cartas dos bispos durante seis dias, num tempo em que ouvir esta Rádio na Alemanha ou na Polônia era crime passível de pena de morte. Em 6 de agosto de 1942, o New York Times destaca: “Comenta-se que o papa intercede pelos judeus da França destinados à deportação.” Três semanas depois, o Times retoma: “Vichy prende os judeus; o papa é ignorado”. Em retaliação, no outono de 1942, o escritório de Goebbels distribui dez milhões de exemplares de um panfleto descrevendo Pio XII como “papa pró-judeu” e citando explicitamente sua intervenção na França.

* No verão de 1944, depois da libertação de Roma e antes do final da guerra, ele disse a um grupo de judeus que veio lhe agradecer pela proteção recebida: “por século, os judeus foram maltratados e desprezados. É chegada a hora de que eles sejam tratados com justiça e humanidade. Deus quer e a Igreja quer. São Paulo nos diz que os judeus são nossos irmãos. Que eles sejam igualmente nossos amigos”.

Como estes e centenas de outros exemplos são denegridos um por um nos livros que atacam Pio XII, o leitor perde de vista o seu conjunto, que não deixou ninguém em dúvida sobre a posição do papa, muito menos os nazistas.

Um exame mais detalhado revela o tipo de procedimento. Autores como Cornwell e Zuccotti vêem a mensagem de Natal do papa em 1941 como débil e obscura, mas para os seus contemporâneos ela foi clara e incisiva. No dia seguinte, o New York Times afirma em editorial: “a voz de Pio XII é a única voz no silêncio e nas trevas que cobrem a Europa neste Natal…Clamando por uma ‘verdadeira nova ordem’ baseada na ‘liberdade, justiça e amor’, …o papa se opõe totalmente ao hitlerismo”.

Na mensagem de Natal do ano seguinte ele expressa sua preocupação “pelas centenas de milhares de pessoas que, sem culpa nenhuma e muitas vezes só por motivo de nacionalidade ou raça, são destinadas à morte ou extinção progressiva”. A mensagem foi amplamente entendida como uma condenação pública do extermínio dos judeus pelos nazistas. De fato, os próprios nazistas entenderam assim, como consta num comunicado interno deles: “Seu discurso é um longo ataque a tudo o que nós defendemos…Ele fala claramente em favor dos judeus…Ele acusa o povo alemão de injustiça para com os judeus, e se faz porta-voz dos judeus criminosos de guerra”.

Esta preocupação dos nazistas poderia, além do mais, ter consequências dramáticas. Havia vários precedentes para que o papa temesse uma invasão. Em 1809, Pio VII teve que se entregar às tropas de Napoleão; Pio IX teve que fugir de Roma depois do assassinato de seu chanceler; e Leão XIII foi levado a exílio temporário no final do século 19.

Pio XII, por sua vez, preferia “ser deportado a um campo de concentração que contrariar sua consciência”, relata o chanceler de Mussolini. Hitler falou abertamente em invadir o Vaticano e “enfiar no saco essa cambada de putos desordeiros,(11)” e o papa sabia dos vários planos dos nazistas para prendê-lo. Ernst von Weizsäcker(12) escreveu que diversas vezes advertiu as autoridades do Vaticano sobre o risco de provocar Berlin. O embaixador nazista na Itália, Rudolf Rahn, descreve um desses planos de Hitler e os esforços dos diplomatas alemães para dissuadi-lo. O general Carlo Wolf afirma ter recebido ordens de Hitler em 1943 para “ocupar o Vaticano e a Cidade do Vaticano o mais rápido possível, assegurar os arquivos e tesouros artísticos, que tinham um valor inestimável, e transferir o papa e a cúria sob sua guarda, para que eles não caíssem nas mãos dos Aliados e exercessem influência política”. No início de dezembro de 1943, Wolff conseguiu convencer Hilter a voltar atrás.

E se ele tivesse sido mais explícito

Ao pensar na atitudes que Pio XII poderia ter tomado, muitos (e eu me incluo) gostariam que houvesse excomunhões. Os nazistas católicos de batismo incorriam em pena automática de excomunhão por diversos motivos, começando por não frequentar a missa até homicídios não confessados e repudiar publicamente o cristianismo. Hitler não se considerava mais católico, como mostram seus escritos e conversar. E bem antes de chegar ao poder, considerava-se mesmo um anticatólico. Mas uma declaração papal de excomunhão talvez tivesse feito bem.

E mesmo assim, talvez não. Don Luigi Sturzo, fundador do Movimento Democrata Cristão na Itália durante a guerra, observa que nas últimas vezes que “foi declarada uma excomunhão de um chefe de Estado”, nem a rainha Elizabeth I nem Napoleão mudaram de política. Há razões para acreditar, segundo Margherita Marchione, que provocações “teriam resultado em retaliação violenta, como a morte de muito mais judeus, especialmente os que estavam sob a proteção da Igreja, e na intensificação da perseguição contra os católicos”.

Sobreviventes do Holocausto como Marcus Melchior, rabino-chefe da Dinamarca, argumenta que “se o papa tivesse falado explicitamente, Hitler provavelmente teria massacrado mais do que seis milhões de judeus e cem milhões de católicos, se ele tivesse poder suficiente”. Quando um trecho do livro de Guenter Lewy foi publicado numa revista em 1964, Robert M. W. Kempner escreveu à seção dos leitores evocando sua experiência no tribunal de Nuremberg: “qualquer propaganda da Igreja Católica contra Hitler e o Terceiro Reich teria sido não só um puro ‘suicídio’, …mas também teria provocado a execução de ainda mais judeus e sacerdotes católicos.”

Trata-se de uma especulação muito difícil. Uma carta pastoral dos bispos holandeses condenando “o tratamento injusto e sem misericórdia reservado aos judeus” foi lida nos templos católicos da Holanda em julho de 1942. Esta carta bem-intencionada, que dizem ter sido inspirada por Pio XII, foi contraproducente. Como observa Pinchas Lapide: “a conclusão mais alarmante e desoladora é que na Holanda, onde o clero católico protestou com mais força, veemência e insistência contra a perseguição dos judeus – mais do que a hierarquia nos outros países ocupados pelos nazistas – mais judeus foram levados aos campos de extermínio: 110.000 ou 79 por cento do total.”

O bispo de Luxemburgo, Jean Bernard, prisioneiro em Dachau de 1941 a 1942, notificou o Vaticano que “cada vez que havia protestos, as condições dos prisioneiros pioravam imediatamente”. No final de 1942, o arcebispo de Cracóvia, Sapieha, e dois outros bispos poloneses que conheciam a brutalidade das represálias nazistas, pedem ao papa que não publique suas cartas sobre a situação na Polônia. Mesmo Susan Zuccotti admite que, no caso dos judeus de Roma, o papa “certamente agiu em função dos judeus escondidos e dos católicos que lhes protegiam”.

Os judeus da Itália

Pode-se perguntar se existe algo pior do que o assassinato em massa de seis milhões de judeus. A resposta é o massacre de centenas de milhares a mais. E foi para salvar estes que o Vaticano trabalhou. O destino dos judeus italianos se tornou o ponto principal dos críticos do papa. O fracasso do catolicismo em evitar a tragédia em sua própria casa, demonstraria a hipocrisia papal de querer ter autoridade moral hoje. Observe-se o título do livro de Zuccotti: Bem debaixo de sua janela(13). Mas o fato é que, enquanto 80 por cento dos judeus europeus pereceram durante a Segunda Guerra, 80 por cento dos judeus italianos foram salvos.

Nos meses em que Roma esteve sob ocupação alemã, Pio XII instruiu o clero italiano a salvar vidas por todos os meios. (Há ainda uma fonte que esquecemos de mencionar, as memórias do monsenhor J. Patrick Carroll-Abbing But for the Grace of God, que trabalhou sob ordens do papa para salvar pessoas.) No início de outubro de 1943, o papa pediu às igrejas e conventos espalhados pela Itália para abrigarem os judeus. Apesar de Mussolini e dos fascistas cederem às exigências de deportação vindas de Hitler, muitos católicos italianos desafiaram as ordens germânicas.

Em Roma, 155 conventos e mosteiros abrigaram cerca de cinco mil judeus. Pelo menos três mil se refugiaram na residência papal de verão de Castel Gandolfo. Sessenta judeus viveram por nove meses na Universidade Gregoriana, e muitos foram escondidos na dispensa do Pontifício Instituto Bíblico. Centenas se refugiaram no Vaticano mesmo. Seguindo as instruções do papa, sacerdotes, monges, freiras, cardeais e bispos italianos salvaram milhares de vidas. O cardeal Boetto, de Gênova, salvou pelo menos oitocentos. O bispo de Assis escondeu trezentos judeus por mais de dois anos. O bispo de Campagna e dois parentes seus salvaram 961 no Fiume.

O cardeal Pietro Palazzini, então vice-reitor do Seminário Romano, escondeu Michael Tagliacozzo e outros judeus italianos no seminário (propriedade do Vaticano) por muitos meses em 1943 e 1944. Em 1985, o Yad Vashem (memorial do Holocausto em Israel) homenageou o cardeal como justo entre as nações. Acolhendo a homenagem, Palazzini disse que “o mérito é todo de Pio XII, que nos mandou fazer todo o possível para salvar os judeus da perseguição”. Muito leigos ajudaram igualmente e sempre atribuíram a idéia ao papa.

Novamente o testemunho mais eloquente é dos próprios nazistas. Documentos fascistas publicados em 1998 (e resumidos por Marchione em Pope Pius XII) falam de um complô germânico chamado “Rabat-Fohn” a ser executado em janeiro de 1944. O plano era tomar São Pedro com oito divisões de cavalaria da SS disfarçados de italianos e “massacrar Pio XII e o Vaticano inteiro”. A razão é claramente expressa: “o protesto do papa em favor do judeus”.

Um opositor das idéias de Hitler

A Europa inteira está cheia desses testemunhos. É plausível argumentar que a Igreja Católica poderia ter feito mais. Há fatos irrefutáveis: Hitler bem que chegou ao poder, a Segunda Guerra Mundial aconteceu mesmo, e seis milhões de judeus morreram mesmo. Mas para início de conversa é preciso saber que as pessoas daquela época, nazistas e judeus igualmente, compreendiam que o papa era o opositor da ideologia nazista mais proeminente do mundo:

* Desde dezembro de 1940, em artigo no Time Magazine, Albert Einstein prestou homenagem ao papa: “Somente a Igreja enfrenta a campanha de Hitler para suprimir a verdade. Eu nunca tive nenhum interesse especial pela Igreja antes, mas agora eu tenho grande estima e admiração porque só ela teve a coragem e a persistência de lutar pela verdade intelectual e pela liberdade moral. Eu tenho que confessar: o que eu antes desprezava, eu louvo imensamente”.

* Em 1943, Chaim Weizmann, que se tornaria o primeiro presidente de Israel, escreveu que “a Santa Sé está prestando uma ajuda inestimável onde é possível, a fim de melhorar a sorte dos meus correligionários perseguidos”.

* Moshe Sharett, segundo primeiro-ministro de Israel, encontrou-se com o papa nos últimos dias da guerra: “disse a ele que minha primeira obrigação era agradecer ao papa e à Igreja Católica, em nome do povo judeu, por tudo o que fizeram em diversos países pela salvação dos judeus.

* O rabino-chefe de Israel, Isaac Herzog, enviou uma mensagem em fevereiro de 1944 dizendo que “o povo de Israel nunca esquecera o que Sua Santidade e seus ilustres representantes, inspirados pelos princípios eternos da religião, que são os verdadeiros fundamentos da verdadeira civilização, estão fazendo pelos nossos irmãos e irmãs desafortunados no momento mais trágico da nossa história; o que é uma prova viva da Divina Providência neste mundo”.

* Em 1945, Leon Kubowitzky, secretário geral do Congresso Judaico Mundial, agradeceu pessoalmente o papa pelas suas intervenções, e esta instituição doou $20.000 às obras de caridade do Vaticano “em reconhecimento pelo trabalho da Santa Sé na salvação de judeus das perseguições fascistas e nazistas.”

* Em 1955, quando a Itália celebrou o décimo aniversário de sua libertação, a União da Comunidades Judaicas Italianas proclamou 17 de abril o “Dia da gratidão” pela ajuda do papa durante a guerra.

* Em 26 de maio de 1955, a Orquestra Filarmônica de Israel se apresentou no Vaticano para executar a Sétima Sinfonia de Beethoven, expressando a eterna gratidão do Estado de Israel ao papa pela ajuda prestada ao povo judeu durante o Holocausto.

Este último exemplo é bastante significativo. Por razões políticas, a filarmônica israelense nunca tocou música de Richard Wagner por causa de sua célebre reputação de “compositor de Hitler”, uma espécie santo padroeiro cultural do Terceiro Reich. Nos anos 50, centenas de milhares de israelenses eram sobreviventes do Holocausto e viam Wagner como um símbolo do regime nazista. É inconcebível o governo israelense ter pagado para a orquestra inteira ir a Roma homenagear o “Papa de Hitler”. Muito pelo contrário, o concerto sem precedentes da Filarmônica de Israel no Vaticano foi um gesto único de reconhecimento coletivo para com um grande amigo do povo judeu.

Não à usurpação do Holocausto

Centenas de outras homenagens poderiam ser citadas. Em sua conclusão, Susan Zuccotti as desqualifica, considerando como equivocados, mal-informados e deturpados os louvores que Pio XII recebeu dos líderes e intelectuais judeus, bem como as manifestações de gratidão de capelães judeus e sobreviventes do Holocausto, que testemunham pessoalmente a ajuda do Papa.

O que ela faz, atormenta. Negar a legitimidade da gratidão deles por Pio XII, equivale a negar a credibilidade do seu testemunho pessoal e do seu juízo sobre o Holocausto mesmo. Elio Toaff, judeu italiano que viveu o Holocausto e depois se tornou rabino-chefe de Roma, lembra: “nós tivemos a oportunidade de conhecer de perto a grande compaixão, bondade e magnanimidade do papa durante os anos infelizes de perseguição e terror, quando parecia que para nós não havia mais saída.”

Todavia Zuccotti não esta só. Há algo que perturba em quase todos os livros sobre Pio XII. Com exceção de Hitler, the war and the pope de Rychlak, nenhum dos livros recentes trata do Holocausto mesmo – de Hitler’s pope de Cornwell, um ataque odioso contra o papa, até The Defamation of Pius XII de McInerny, uma defesa acrítica. Todos utilizam os sofrimentos do povo judeu há cinquenta anos atrás para forçar mudanças na Igreja Católica hoje.

É um abuso do Holocausto que nós devemos condenar. Uma imagem verdadeira de Pio XII nos permitiria chegar à conclusão oposta à de Cornwell: Pio XII não foi o papa de Hitler; pelo contrário, foi a ajuda mais próxima que os judeus tiveram, o apoio papal no momento em mais necessitaram.

John S. Conway, a maior autoridade nos onze volumes das Atas e documentos da Santa Sé relativos à Segunda Guerra Mundial(14) , escreve na revista Yad Vashem Studies, em 1983: “um estudo profundo dos milhares de documentos publicados nestes volumes não sustenta a tese de que a autopreservação da Igreja guiou a ação dos diplomatas do Vaticano. Pelo contrário, pode-se ver um grupo de homens inteligentes e conscientes, buscando o caminho da paz e da justiça, num mundo de ‘guerra total’ onde estes ideais eram impiedosamente pisoteados.” Estes volumes negligenciados, resumidos no livro de Pierre Blet Pio XII e a Segunda Guerra Mundial, “vão revelar com mais clareza e convicção o quão profundamente Pio XII viveu a tragédia do povo judeu, e o quanto ele trabalhou duro e com afinco para ajudá-lo”, segundo as palavras de João Paulo II a um grupo de líderes judeus em Miami, em 1987.

O Talmud ensina que “quem salva uma vida, conta como se tivesse salvado o mundo todo”. Mais do que todos os líderes do século 20, Pio XII realizou este ensinamento, quando o destino dos judeus da Europa estava ameaçado. Nenhum outro papa foi tão homenageado pelos judeus, e eles não estavam enganados. Sua gratidão, como a de toda a geração de sobreviventes do Holocausto, testemunha que Pio XII foi um profundo e genuíno justo entre as nações.

David G. Dalin

A tradução do artigoo foi publicada na: “REB (Revista Eclesiástica Brasileira no. 247 (2002) pp 643-655”
R. Paiva, SJ


NOTAS


(1) Publicado na REB (Revista Eclesiástica Brasileira) no247 (2002) 643-655.
(2) Texto em inglês disponível em: http://www.stms.f2s.com/david_g_dalin.htm [e em http://www.columbia.edu/cu/augustine/arch/dalin.html]
(3) Introdução e tradução: Pe. Luís Corrêa Lima, S.J.
(4) Imago, 2000.
(5) São João do Estoril (Portugal), Principia, 2001.
(6) Manole, 2002.

(7) Acordo firmado em 1933 entre a Santa Sé e o Terceiro Reich, sobre as relações entre a Igreja Católica e o Estado na Alemanha, assinado pelos seus respectivos representantes, Eugênio Pacelli e Franz von Papen (nota do tradutor).
(8) Memorial do Holocausto em Jerusalém (nota do tradutor).

(9) Depredação anti-semita em massa ocorrida na Alemanha nos dias 7 e 8 de novembro, em que mais de mil sinagogas foram incendiadas, cerca de sete mil e quinhentas lojas atacadas e uns trinta mil judeus presos. O evento foi a maior tragédia infligida aos judeus alemães nos anos antes da guerra, e de certo modo, um prenúncio do pior que estava para acontecer (nota do tradutor).
(10) Cidade onde estava sediado o governo colaboracionista francês, dirigido pelo Marechal Pétain (nota do tradutor).

(11) No original inglês: “Pack up that whole whoring rabble” (nota do tradutor).
(12) Embaixador alemão junto à Santa Sé (nota do tradutor).
(13) No original: Under his very windows (nota do tradutor).
(14) Longa pesquisa e compilação dos Arquivos do Vaticano, feita por um grupo de historiadores jesuítas a pedido de Paulo VI. O primeiro volume foi publicado em 1965; e o último, no término dos trabalho, em 1981 (nota do tradutor).

Insurreição Pernambucana

A história de Pernambuco de uma maneira como ela não é contada. A narrativa é empolgante e faz a alma vibrar! A mensagem foi originalmente recebida por email.

* * *

João Fernandes Vieira e os heróis da Insurreição Pernambucana

José Maria dos Santos

Juntamente com Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e Henrique Dias, Fernandes Vieira liderou a expulsão dos hereges holandeses que invadiram nosso território e oprimiam o povo católico


João Fernandes Vieira

Entre as várias potências estrangeiras que cobiçaram e mesmo invadiram o território nacional, a que mais nele permaneceu foi a Holanda, de 1630 a 1654. Contra os invasores levantaram-se representantes das três raças que formariam nossa nação –– portugueses, índios e negros –– irmanados no amor à Religião e à terra em que nasceram, ou que adotaram como sua. Entre esses ressaltam as figuras de João Fernandes Vieira –– que sacrificou seu bem-estar, a fortuna e a própria energia para expulsar o herege invasor do solo pátrio –– Vidal de Negreiros, o índio Felipe Camarão e o ex-escravo Henrique Dias.

João Fernandes Vieira nasceu em Funchal, ilha da Madeira, em 1613. Era filho do fidalgo Francisco d’Ornelas Muniz e de uma mulher de condição humilde. Aos 11 anos emigrou para o Brasil, vindo a estabelecer-se em Olinda, Pernambuco, onde se empregou no comércio. Quando os holandeses invadiram Pernambuco em 1630, ele resistiu aos invasores no forte de São Jorge, com 20 homens, por quase um mês. Durante a trégua estabelecida entre Portugal e Holanda, ele viveu na Pernambuco ocupada, associando-se ao mercador judeu Jacob Stachower, conselheiro da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, e fez boa fortuna. Ao casar-se com rica herdeira pernambucana, tornou-se um dos mais prósperos senhores de engenho do nordeste. Era muito caritativo e esmoler.

Organiza-se a insurreição contra os invasores protestantes


Conquista de Porto Calvo por Nassau
Em 1644, tendo voltado o conde Maurício de Nassau para a Holanda e piorado a opressão a que os hereges submetiam os pernambucanos, João Fernandes Vieira julgou que era o momento para romper o jugo do invasor.

Nessa época, passando em Pernambuco o Tenente-general André Vidal de Negreiros, paraibano vindo da Bahia para visitar seus parentes, com ele traçou os planos para uma sublevação. Decidiram escrever ao governador e capitão geral de todo o Estado do Brasil, Dom Antônio Teles da Silva, “na qual carta foram assinados os mais principais e mais fiéis homens de Pernambuco, assim eclesiásticos como seculares, na qual lhe manifestaram por extenso todas as calamidades e aflições daquela miserável Província, e outrossim as traições, aleivosias, afrontas, roubos, tiranias e crueldades que os pérfidos holandeses executavam nos pobres e angustiados moradores, pelo que já quase desesperados, estavam resolutos em se defender daqueles carniceiros atrozes e vender-lhes, à custa de sangue derramado, a terça parte das vidas que lhes haviam deixado”.(1) João Fernandes Vieira escreveu também ao índio poti Antônio Felipe Camarão –– que, por sua valentia e lealdade à Coroa Portuguesa, havia recebido título de nobreza e de “Governador e Capitão-general de todos os índios do Estado do Brasil” –– pedindo-lhe para juntar-se, com os seus, aos insurretos. Escreveu, no mesmo sentido, ao ex-escravo Henrique Dias, a quem El-Rei dera o cargo de “Governador dos pretos, crioulos, minas e mulatos”. João Fernandes Vieira foi aclamado “governador da independência”.


André Vidal de Negreiros

O governador geral Antônio Teles da Silva enviou em 1644 para Pernambuco experientes militares, liderados por Antônio Dias Cardoso, para que atuassem como instrutores. Mas tudo isso foi feito muito secretamente, porque a trégua assinada entre Portugal e Holanda não permitia que se agisse às claras.

“Durante o período de treinamento da tropa por Dias Cardoso, a liderança do movimento insurgente assinou secretamente em Ipojuca, a 23 de maio de 1645, o ‘Compromisso Imortal’. Nesse documento, em que pela primeira vez aparece a palavra pátria no continente americano, os luso-brasileiros manifestam a disposição de lutar até o fim pela libertação de uma terra com a qual já mantinham vínculos indissolúveis”.(2)

A batalha do Monte das Tabocas


Felipe Camarão (indicado pelo número 4) lidera seus índios na luta contra os holandeses

Os holandeses, tendo lutado contra os luso-brasileiros em escaramuças diversas, com grande poderio os surpreenderam num matagal de tabocas (espécie de bambu muito espinhoso), querendo acabar de vez com sua reação. Mas os nossos heróis lhes fizeram face e o combate foi renhido de parte a parte. Dada a inferioridade numérica, e sobretudo de munições, os insurretos foram perdendo terreno e começaram a desfalecer. Foi então que um sacerdote, que estava com uma imagem de Cristo crucificado, fez uma patética preleção pedindo ao Senhor que, pelo seu Sangue, pelas angústias e dores de Maria, “não atentasse para nossos pecados, merecedores de eterno castigo, senão para Seu amor e misericórdia, e que não permitisse que os inimigos de Sua santa Fé, que tantos agravos lhe tinham feito, profanando Seus templos e despedaçando as sagradas imagens dos Santos, triunfassem do seu povo católico, que estava pelejando por Sua honra; e que, pois a empresa era Sua, nos desse vitória contra aqueles tiranos hereges, para que o mundo soubesse que aos que pelejavam por a honra de Deus, não lhes faltava o divino favor e adjutório. […] Todos prometeram cilícios, disciplinas, jejuns, romarias e esmolas; e o Governador João Fernandes Vieira, como não é menos cristão que bom e valoroso soldado, prometeu de levantar duas igrejas, uma a Nossa Senhora de Nazaré, e outra a Nossa Senhora do Desterro”.(3)

Nossa Senhora com o Menino socorre os católicos


Henrique Dias ferido em Porto Calvo

Fortalecidos por um espírito sobrenatural, os nossos bravos atacaram o inimigo de tal modo, que Fernandes Vieira teve que deter seus guerreiros, tal o ardor com que se entregaram ao ataque. Entretanto, tendo acuado o inimigo, este voltou-se contra os agressores com grande ímpeto, o que mudou outra vez a sorte da batalha. Foi aí que Fernandes Vieira, vendo o perigo, gritou: “Valorosos portugueses: viva a Fé de Cristo. A eles, a eles”. O padre Manuel de Morais, erguendo a imagem de Cristo, pediu a todos que rezassem uma Salve Rainha à Mãe de Deus, pedindo-lhe auxílio. “E em dizendo todos em alta voz ‘Salve Rainha, Madre de Misericórdia’, se viu logo o favor da Mãe de Deus, porque o inimigo se começou a retirar descomposto e ir perdendo terra a olhos vistos, e os nossos começaram a gritar ‘Vitória, Vitória’, e acometeram com tanto ímpeto, que o desalojaram e deitaram fora do campo, ficando a gloriosa vitória alcançada pelos merecimentos da Virgem Maria Mãe de Deus”.(4)

No dia seguinte, os católicos ouviram dos holandeses aprisionados este impressionante testemunho: “viam andar entre os portugueses uma mulher muito formosa com um menino nos braços, e junto a ela um velho venerando, vestido de branco, os quais davam armas, pólvora e balas aos nossos soldados, e que era tanto o resplendor que a mulher e o menino lançavam, que lhes cegava os olhos e não podiam olhar para eles de fito a fito. E que esta visão lhes fez logo virar as costas e retirar-se descompostamente”.(5) O mesmo fato é narrado por Frei Manuel Calado. Aí se fundou a vila de Vitória de SantoAntão, em honra do ancião que com a Virgem aparecera.

As batalhas de Guararapes e a reconquista


Batalha de Guararapes

No mesmo ano João Fernandes Vieira participou ainda da batalha de Casa Forte; e nos anos de 1648 e 1649, das duas batalhas dos Guararapes. Na primeira delas, que se deu no dia 19 de abril, domingo da Pascoela e festa de Nossa Senhora dos Prazeres, Fernandes Vieira e Vidal de Negreiros, auxiliados por Felipe Camarão comandando seus índios, e Henrique Dias os seus negros, levaram à vitória as hostes católicas, apesar da desproporção de 2.200 homens para 7.400 hereges holandeses.

Na segunda batalha dos Guararapes, que se deu no dia 19 de fevereiro de 1649, a desproporção era menor, se bem que considerável: 5.000 holandeses contra 2.600 luso-brasileiros, índios e pretos. Nela morreram 2 mil holandeses e apenas 47 coligados. Mas entre estes estava o heróico Henrique Dias, que deu assim a sua vida em defesa da Religião e da Pátria.


Batalha de Guararapes, (detalhe) – Óleo de Victor Meirelles

As perdas das duas batalhas, que somavam quase 5 mil homens, fizeram ver aos protestantes vindos da Holanda que estava custando muito caro a invasão e conquista de nossa terra.

Em 1654 João Fernandes Vieira tomou os fortes de Salinas e Altenar, enquanto o inimigo abandonava os de São Jorge e da Barreta.

Enfim, os holandeses retiraram-se definitivamente do Brasil. E a 27 de janeiro desse mesmo ano assinaram a capitulação da Campina do Taborda, pela qual deveriam entregar Recife e todas as fortalezas que ainda lhes restavam. E João Fernandes Vieira tomou posse de Recife em nome de Sua Majestade, o Rei D. João IV de Portugal. Ficava assim o Brasil definitivamente livre dos hereges que tentaram várias vezes assenhorear-se de parte de nosso imenso território.

Governador da Paraíba, Capitão-geral de Angola


Oficiais holandeses são aprisionados pelas forças luso-brasileiras

João Fernandes Vieira foi recompensado pelo Rei Dom João IV com os cargos de governador da Paraíba (1655-1657) e de capitão-geral de Angola (1658-1661). Em 1672 foi nomeado administrador e superintendente das fortificações de Pernambuco e capitanias vizinhas, até o Ceará.

Esse grande herói de nossa Pátria faleceu em 1681 em Olinda. Por sua relevante participação na Insurreição Pernambucana, foi escolhido como um dos patriarcas do Exército Brasileiro.

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Notas:

1. Frei Manoel Calado, O Valeroso Lucideno e triunpho da liberdade, Edições Cultura, São Paulo, 1943, tomo I, p. 318.

2. Texto: Colaboração do Cel. Rosty/COTER. http://www.exercito.gov.br/05Notici/VO/175/tabocas.htm

3. Frei Manoel Calado, Id., Ib., tomo II, p. 12.

4. Id. Ib., p. 14.

5. Diogo Lopes Santiago, História da Guerra de Pernambuco, Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, Recife, 1984, p. 258.

Ainda os templários

Saiu em ZENIT: uma pesquisadora chamada Bárbara Frale chegou à conclusão – após analisar os documentos que constam no Arquivo Secreto do Vaticano – que os templários não foram hereges. É certo que a história é controversa e é igualmente certo que supressões de Ordens Religiosas não pertencem ao Depositum Fidei, não exigindo obviamente adesão de Fé – embora exijam obediência, pois é uma atitude de Governo do Papa, que não obstante pode ser revogada por um Papa posterior, como no conhecido caso dos Jesuítas -, mas não entendo o porquê do revisionismo histórico agora. Aposto um doce como vai ser usado para atacar a Igreja.

Parece que, a despeito das acusações de “heresia” serem infundadas, havia problemas morais com a Ordem; são palavras da pesquisadora reproduzidas por ZENIT:

Segundo a pesquisadora, «graças a afortunados descobrimentos das atas conservadas no Arquivo Secreto Vaticano, hoje sabemos que a disciplina primitiva do Templo e seu espírito autêntico se haviam corrompido com o passar do tempo, caindo na decadência e deixando aberta a difusão dos maus costumes».

Espero que isto não seja usado pelos malucos auto-intitulados “herdeiros” da Ordem do Templo que querem processar o Papa

Pio XII e os judeus

O Papa Bento XVI receberá na próxima quarta-feira um pequeno grupo de judeus sobreviventes do holocausto, num encontro auspiciado pela Fundação Pave The Way (PTWF).

Esses judeus, presentes em Roma por ocasião de um simpósio sobre o Papa Pio XII que a Fundação patrocina, querem agradecer pessoalmente a intervenção da Igreja Católica, que conseguiu salvar-lhes a vida durante a Segunda Guerra Mundial.

A notícia foi publicada ontem em ZENIT. “Nada há oculto que não deva ser descoberto”, disse Nosso Senhor; e é gratificante ver as calúnias serem reparadas e, a memória de um homem, restaurada – pelo menos naquilo que é possível.

A Fundação “Pave the way” – algo como “aplainar, preparar o caminho” – é, ao que parece, uma Fundação Judaica. E mantém uma página muito interessante sobre Pio XII no seu site, na qual vale muito a pena dar uma olhada.

Sugestão de leitura: artigo de um rabino, David G. Dalin [que, aliás, segundo a notícia supracitada, estará presente ao Simpósio sobre o Papa Pio XII].

Rezemos!

Sancte Abraham,
ora pro nobis.

Sancte Moyses,
ora pro nobis.

Sancte Elia,
ora pro nobis.

Omnes sancti Patriarchae et Prophetae,
orate pro nobis.