Carmina Burana

[youtube=http://it.youtube.com/watch?v=v4cNSC8x0Og]

Eu não entendo absolutamente nada de música erudita. Acho-a, no entanto, bela e agradável de ser ouvida. No auge da minha reconhecida ausência de erudição, fui ontem à noite ao teatro da Universidade assistir a uma cantata, a convite de uma amiga. De acordo com o pequeno folder que recebemos, era uma versão simplificada do espetáculo; mas, para mim, pareceu primorosa. Dois pianos, uma camerata de sopros e metais da universidade e um coral de 160 vozes. Majestoso.

A apresentação – que eu não conhecia – era a Carmina Burana, de Carl Orff. Não sabia do que se tratava, nem mesmo se a expressão era traduzível. O teatro, completamente lotado. Ao início, no telão, apresentou-se o subtítulo em latim: Cantiones profanæ cantoribus et choris cantandæ comitantibus instrumentis atque imaginibus magicis. Deu para entender que eram canções profanas que tinham alguma coisa a ver com imagens mágicas… decidi esperar.

Começou a Fortuna Imperatrix Mundi. Espetacular; embora eu não soubesse o nome, já tinha, sim ouvido a música – quem não ouviu? Latim. No telão, era mostrada a tradução, enquanto as vozes e os instrumentos executavam a melodia. O latim eu tentava identificar de ouvido, feliz quando encontrava a expressão original cuja tradução correspondente eu lia.

As peças sucediam-se, e eu comecei a estranhar as letras daqueles negócios que eram cantados. O “profanae” parecia estar sendo levado muito a sério… por detrás das apresentações espetaculares e sem dúvidas de encher os ouvidos, eu via – graças à tradução exibida – o que estava sendo cantado. Horror. As letras não eram apenas “profanas” no sentido de “não-sagradas”, mas sim de “anti-sagradas”. Dentre as canções, só à guisa de exemplos, encontram-se as seguintes:

Salve, mundo
tão rico de alegrias!
ser-te-ei obediente
pelos prazeres que me permites

entrego-me aos meus vícios,
esquecido das virtudes,
mais ávido de volúpias
do que de salvação,
morta minh’alma
só minha pele me importa.

Queira Deus, queiram os deuses,
aplacar meu desejo:
que eu possa romper
as cadeias da sua virgindade. Ah!

Se um menino com um menina
se encontram em um quarto.
o casamento é feliz.

O amor avulta,
e entre eles
a vergonha é posta de lado
e tem inicio um jogo inefável
em seus membros, braços e lábios.

Inacreditável como é possível alguém passar tantos anti-valores por meio de músicas tão belas! Comecei a ficar incomodado quando vi o sujeito cantar ao “mundo” que lhe seria obediente por causa dos prazeres que ele proporcionava – aliás, a versão traduzida ontem dizia “eu te servirei”. Servir ao mundo por causa dos prazeres que o mundo oferecia! É o anti-Evangelho. A idéia afigurava-se-me como um pacto com Satanás, uma declaração de apostasia: para quê servir a Deus? Comprometo-me a servir ao mundo. Mas – é inegável – a beleza dos arranjos musicais arrebatava o ânimo e arrancava aplausos calorosos. “Servirei ao mundo por causa dos seus prazeres” – e o teatro lotado aplaudia.

Mas, para mim, o ápice foi quando o tenor cantou, em alto e bom latim, que estava mais ávido de volúpia do que de salvação. Em latim! voluptatis avidus / magis quam salutis. Para mim – acostumado com o latim sacro – soava-me incompreensível alguém utilizar a “língua da Igreja” para proferir blasfêmias. E, que blasfêmia horrorosa – como alguém é capaz de escrever (ou de cantar) que está mais ávido de volúpia do que de salvação? O pecado contra o Espírito Santo exibido assim, em toda a clareza do eu-lírico impenitente e empedernido, era repugnante a despeito da beleza da peça.

Nem todas as peças conseguiam atingir este grau de perversão. Muitas eram inocentes – todas, artisticamente bonitas. Mas algumas eram simplesmente chulas. O sujeito clamar aos deuses que aplaquem o desejo dele de “romper as cadeias da (…) virgindade” da garota, afirmando que o “o sopro da primavera (…) torna [o homem] lascivo”, e a menina responder “amor querido, ah, me entrego toda a ti” após o garoto chamar “vem, vem, linda, estou morrendo”, é degradante. Mesmo que seja em latim e em alemão, mesmo que haja dois pianos e cento e sessenta vozes. Percebam bem, não é o amor – mesmo o erótico – entre o homem e a mulher que é degradante, e sim a sua exposição num lugar que não lhe é próprio: num cenário pagão, sob as bênçãos de Vênus e Baco, entre odes à embriaguez e pseudo-conflitos entre “amor lascivo e pudor”, com explícito repúdio à mensagem do Evangelho e louvores ao prazer. Era aviltante.

No final, a apoteose com – de novo – a Fortuna Imperatrix Mundi. Chuva de aplausos, em pé; o espetáculo foi primoroso, sem dúvidas. Talvez as pessoas não tenham prestado atenção naquilo que era cantado; talvez – e pior ainda – não se importem mesmo. Quanto a mim, eu estranhava que o espetáculo depravado fosse de censura livre, sem aviso algum aos navegantes sobre o seu conteúdo…

Foi uma boa noite, fora de discussões, por um duplo motivo. O primeiro, por causa da inegável qualidade da música e da beleza da apresentação; o segundo, porque eu fiquei sabendo que há músicas e músicas, e que certas peças conseguem juntar conteúdos horrorosos com uma tremenda beleza estética. Serviu-me para atiçar a curiosidade e procurar saber exatamente o quê estou escutando; afinal, nem todo espetáculo de música erudita é como a majestosa Messa di Gloria de Puccini que tive a oportunidade de assistir no ano passado…

29 comentários em “Carmina Burana”

  1. Jorge

    Daí vc entende o mesmo sentimento quando ateus ouvem lindas canções sacras…

    (ainda censurado)

  2. Belo post. Me fez lembrar na hora da parte da Teologia do Corpo que o Papa JPII analisa o Cântico dos Cânticos! Uma aula, você irá amar, por enquanto so temos em inglês.

    E também me faz lembrar outras coisas:

    1) Como a cultura deve servir para o que a palavra diz: cultivar a ALMA para DEUS, e dái a depravação que vemos quando a música, instrumento privilegiado por Deus para elevar é misturado com anti-valores.
    2) No blog “teologar” quando você entra se escuta uma música italiana, belíssima. Perguntando à blogueira ela disse que é uma música do Fabio Baggio, em homenagem à São Paulo. É de se arrepiar, e elevamos imediatamente nossa mente e coração à Deus.

    Como o mundo está sedento da beleza verdadeira! Sedento de Deus, fonte de toda BELEZA como poetizava São Agustinho… um grande conhecedor das misérias da carne, e um santo que, pela graça divina, conseguiu amar a Deus e não ao seu ego.

    PAX

    Julie Maria

  3. Caro Jorge,

    Não ache que o conteúdo blasfemo de Carmina Burana é raro. É bem comum até, e principamenteno, repertório denominado por “música erudita”. Produções menos graves ensejaram até a proibição por parte da Igreja da segunda metade do século XVII a montagens de óperas com livretos de tema religioso. Geralmente, se não blasfemos ou heréticos, insinuavam heresia e impureza doutrinária e de costumes. Esses atentados aumentaram muito depois do ressurgimento do romantismo cátaro aplicado maciçamente às letras, à música e às artes em geral no séc. XIX, que Não só porque tornaram-se bem menos combatidos após a vitória maçônica de 1789 e pelo entorpecimento maciço dos estados católicos e dos fiéis por essa ideologia, mas também porque houve um casamento bem próximo da “perfeição” entre o conteúdo (dessas heresias e blasfêmias) e a forma (da escola romântica) que se prestou a veículo.

    Portanto, Carmina Burana é péssima e repugnante não apesar da suposta beleza estética de sua música, mas principalmente por causa dessa mesma beleza. A gravidade do delito de Carl Orff aumenta muito, assim a Igreja sempre ensinou. Não é a toa que sobre o manto da beleza e da sedução o demônio e seus servos costumam esconder as piores impurezas (não entenda, por favor, que teria afirmado uma relação unívoca ou freqüente entre beleza e mal). Na média, os conteúdos programáticos de muitas obras de compositores tidos como de grande valor, como Hector Berlioz, Franz Liszt, etc, são igualmente ruins e maliciosos. Outros mais, que se impregnaram pelo espírito romântico fizeram coisas também ruins, mesmo sem modificar os textos santos que musicaram. É, bem concretamente, o caso das Ave Marias de Schubert e de Gounod, que impregnam os sentidos dos ouvintes de um estado sentimental e contemplativo muito díspar com o texto que se canta. A Igreja chegou a proibir essas coisas em sede de documentos semelhantes ao Index. Mas o modernismo se engarregou de fazer (o Index e o “index musical”) pouco caso deles paulatinamente, até o ponto de que os citados exemplos são algumas das músicas mais tocadas em casamentos, quando se deseja, muitas vezes por ingenuidade ou ignorância, fazer algo mais especial.

    Finalmente, Puccini não é muito diferente. Muito embora sua produção operística seja esteticamente bonita, usou e abusou desse mesmo estilo na citada obra religiosa. A Missa de Gloria objetivamente não se presta à função litúrgica porque quebra vários dos preceitos prescritos para esse tipo de composição. Mesmo como oratório de palco tem pouco valor, apesar de alguns “bons momentos” ao longo de toda a peça. Pois, utilizando-se da mesma estética, fraseado e até mesmo temas melódicos copiados diretamente de suas óperas profanas, mistura desnecessariamente coisas santas com um espírito romântico e contemplativo muito inadequado ao texto.

    E assim se foi minando o catolicismo. Hoje, essas coisas já não produzem os mesmos efeitos que ontem, porque quase ninguém mais (leigos, religiosos ou sacerdotes; católicos, protestantes ou ateus) tem formação estética e musical para ver valor na forma erudita e rebuscada dessas composições, e também pela inacessibilidade de muitos à lingua latina. Para o programa maçônico, essa forma já deu o que tinha de dar às massas mais eruditas de outros tempos. Hoje, é reeditado/reexecutado mais um ícone-comemoração (secretamente, para poucos entenderem) de sua conquista do passado, e menos para mal doutrinar as poucas pessoas que ainda possam ter tido hoje a oportunidade de uma formação artística acima do lixo popular que é, na média, cultivado nas massas. Para os demais, as missas afro, as canções piegas, românticas e e de conteúdo e estilo protestantes já cumprem bem esse objetivo atualmente.

    Em Jesus e Maria,

    Antonio

  4. Prezado Antonio,

    Muito obrigado pela aula, com uma miríade de informações interessantes que eu não conhecia.

    Não sabia, por exemplo, que muitas dessas coisas haviam sido proibidas por documentos similares ao Index Librorum Prohibitorum; se bem que comentei, com os meus amigos que estavam comigo no teatro, ontem, que provavelmente em outros tempos a Igreja deveria ter excomungado os que assistissem a estas obras blasfemas…

    Sobre a Messa di Gloria, que a composição não se prestava à liturgia eu já sabia; mas causa-me estranheza a afirmação (implícita) de que certos estilos musicais são… “intrinsecamente maus”. Se não foi isso que tu quiseste dizer, favor desconsiderar.

    Abraços,
    Jorge

  5. Estimado Antônio, obrigada pela aula! Como é lindo aprender coisas que nos elevam! Vou repassar este post no meu blog.

    Mas, lendo isso que o Jorge comentou: “…causa-me estranheza a afirmação (implícita) de que certos estilos musicais são… “intrinsecamente maus” me surgiu a pergunta do “rock”.

    Um experto da Teologia do Corpo trata em um artigo da “redenção do rock” e como sou ignorante neste tema gostaria de sua opinião sobre o artigo… está só em inglês aqui:

    http://www.christopherwest.com/page.asp?ContentID=66

    Muitíssimo obrigada mesmo!

    Até mais

    JM

  6. Prezado Jorge,

    O estilo (musical) romântico — se me permite assim apelidar um conjunto de certas características de difícil conceituação — não resultou, em todos os casos em que foi aplicado à música do séc. XIX, em mau produto. Mas é quase sempre perigoso, precisamente porque, sem se discriminar raríssimas exceções, não é de se esperar que, na média, as pessoas esgotem suas curiosidades e apetites em uma rara produção menos perigosa (ou mesmo, em si, sã de conteúdo e forma), e ainda mais porque, em sede desse estilo, pratica-se uma arte (a música) e uma técnica composicional muito apelativas aos ouvidos e, portanto, de difícil resistência humana. Em meio a diversas matizes de maldade ou perigo, alguns exemplos são mais perigosos do que outros, com defeitos que geralmente crescem na medida em que se alimentam mais (e retroalimentam) ou se aproximam das produções filosófica e literária do Romantismo alemão, de fundo bem reconhecidamente cátaro e gnóstico. É o caso, só para citar alguns bem poucos, da grande maioria das canções de Schumann, Brahms e Schubert. E, nesse mesmo exemplo, o que dizer das canções que não parecem más ou perigosas? Será que não o são mesmo, ou é limitação de minha compreensão e da maioria das pessoas? Ou será ainda que seriam boas fruto do que resta de moral, bondade e virtude nesses compositores? Ou foram criadas com aparência e/ou essência insuspeitas para maliciosamente confundir ou convidar o ouvinte a uma tolerância a esses compositores, a título de não ignorar o que é ruim? Ante a tantas perguntas e conjecturas otimistas que se pode fazer para salvar composições, homens e estilos, o fato é que o ensinamento católico, relembrado pela moral ligoriana, foi sempre o de fugir aos reconhecidos e esquiváveis perigosos.

    Eu, particularmente, e principalmente em circunstâncias desgraçadas, deixo-me submeter por vezes a algumas dessas composições, tendência que graças a Deus, tem sido paulatinamente diminuída desde meu Batismo, curiosamente pelo crescente desgosto (de sentido mesmo) por essas coisas. Como “cabeça vazia [de virtudes] é convite para o demônio nela adentrar”, procuro, mais do que simplesmente aniquilar tais tentações, substitui-las com música de estilo e/ou conteúdo, para no mínimo dizer, mais nobres, que se pode muitíssimo mais fartamente encontrar nas composições medievais, gregorianas, renascentistas e, em menor parte, nas barrocas.

    Abraços,

    Antonio

  7. Jorge,

    As artes nos revelam como eram o dia a dia das pessoas à época em que foram compostas ( músicas, livros, telas )

    você já leu O DECAMERON de Giovanni Boccaccio?

    É muito bom. Recomendo.

    Um filme que acredito que você tenha assistido, é HAIR, também retrata a juventude norte americana nos anos 60 em plena guerra do Vietnã

  8. Sr. Antônio…

    Muito obrigado pelos esclarecimentos. No meu caso, diria mesmo ensinamento. Já apreciava muito o canto gregoriano e as composições medievais,… Nada é claro como entendedor, mas como um ‘analfabeto musical’ mesmo. Não sei! Atraia-me e ainda me atrai. Tomarei mais cuidado de agora em diante para não ‘gostar’ de uma coisa simplesmente por ser ‘agradável’ e ‘bonito’ ao se ouvir.

    O que eu acho mais interessante é o quanto eu,… A cada dia que passa, fico admirado com a Santa Madre Igreja. É belíssima a sua riqueza em detalhes no que diz respeito a amar a Deus sobre todas as coisas e em todas as circunstâncias. Magnífico!!!

    Como me impressiona, no mundo em que vivemos,… a beleza sendo substituída em coisas aberrantes!!! Sic! Vejamos as ‘modas’… As pessoas estão sendo atraídas para o horripilante, monstruoso… E por aí vai.

    Isso tudo me fez lembrar um dos ‘lemos’ dos Arautos do Evangelho: “O belo salvará o mundo!”. Acho que são palavras do Santo Padre Papa João Paulo II.

    Parabéns!!! Fiquemos todos com Deus.

    Abraços.

    André Víctor

  9. Jorge

    Já havia ouvido Carmina Burana, mas não fazia idéia da letra…

    E, considerando apenas o que você aqui transcreveu, não vi, necessariamente, uma apologia do vício (ainda que aceite que é uma interpretação possível).

    Posso, imagino, pois não conheço o restante da letra, interpretar como os desejos, os estados e os sentimentos de uma alma quando transpassa o limite do pecado. Posso até mesmo enxergar uma angústia de quem não consegue alcançar a virtude e mergulha no pecado, como alguém que se compraz na aceitação da própria fraqueza e se consola na carniça que lhe sobrou, já que lhe faltou forças para aspirar pelo mais alto.

    Ou ainda como não há vulgaridade nas expressões, é necessariamente deletério a arte expressar a condição humana do pecador ou daquele que despreza a Deus?

  10. Di Fiore,

    A obra completa (com todas as letras traduzidas para o português) encontra-se no seguinte site:

    http://www.das.ufsc.br/~sumar/perfumaria/Carmina_Burana/carmina_burana.htm

    Acredito que, se o intuito fosse meramente expressar a angústia de uma alma pecadora, primeiro que a condição de pecado não deveria receber tantos louvores, segundo que deveria haver uma referência, mínima que fosse, à virtude e, terceiro, que o estilo musical precisaria ser outro (porque o alegre e agradável estilo das peças não combina com angústia).

    Abraços,
    Jorge

  11. Caro André,

    Eu diria mais, que o “Belo [com b maiscúlo mesmo] já salva o mundo”. Lembrando que a beleza aparente das coisas, em si, não necessariamente santifica ninguém, podendo até levar insidiosamente à perdição. É a sua substância, por vezes insipiente ou desgostosa aos sentidos, compreendida limitada e racionalmente por uns e aderida por muitos pela Fé, que verdadeiramente salva.

    É também o caso bem concreto do Canto Gregoriano. Tanto a entoação do canto quanto sua apreciação requerem não raramente uma adaptação intelectual, principalmente nos dias de hoje, em que somos antiesteticamente abrutalhados por expressões e modas de inclassificável categoria. Aqueles que se depararem com essa bem compreensível dificuldade devem ser lembrar que o Canto, analogamente a um artigo de Fé, pode requerer a crença em sua verdade e beleza. No processo de gostarem ou não de uma nova música, leigos e mesmo cantores profissionais são também tentados a abordar a música que executam/apreciam segundo somente seus gostos [sensíveis] pré-concebidos ou reforçados. Porque é da natureza humana ser assim impressionado. O Canto é a menos imperfeita expressão musical da oração. Seu inesgotável desafio técnico e sua profundidade religiosa aos quais remete ouvintes e executores guardam semelhança com a beleza de sua forma e o inestimável valor intrínseco do texto que musica. Assim, devemos nos aproximar dessa forma, com o prévio conceito de que ele é belo e que promove perfeita integração entre o texto e a música, e que nos leva ao desenvolvimento de uma consciência estética como nenhuma outra música, por mais virtuosa, o faria. A verdade, que está em pouquíssimos livros de história da música, é que a música ocidental de um milênio para cá muito derivou do canto. O canto nasceu do Culto Divino, e para o Culto Divino! Aquilo que nasce de imaculada intenção, para um fim tão nobre e não se mistura só pode ser santo e santificador. Toda música que se aproxima, por herança ou imitação, a sua forma só pode lhe tomar emprestado virtudes. Aquela outra que dele (o Canto) se distancia torna-se mais cedo ou mais tarde veículo de vícios e dos perigos do mundo.

    Em Jesus e Maria,

    Antonio

  12. Caro Joachim,

    O cotejamento de tantos vícios só seria virtuoso quando feito a Deus, de coração contrito, e em sede de uma boa Confissão. Dizê-los em público, ainda mais tomando emprestado uma forma exaltada e artisticamente aprazível, configura-se preponderantemente numa anti-doutrinação, que denigre tanto a arte quanto o artista, e, o que é bem pior, desperta precisamente naqueles a beira dos mesmos erros e vícios uma sedução ou falsa justificação para os imitarem.

    Essa libertinagem instituída adveio diretamente do pensamento liberal revolucionário. Objeto de censura ou, no mínimo, de tolerância, a má arte tornou-se então meio legítimo e despudorado dar eco a uma nova filosofia mundana, hedonista e antropocêntrica.

    Saudações,

    Antonio

  13. Estimado Antônio,

    quando puder… gostaria de sua opinião sobre o que escrevi no post acima.

    Grata!

    E mais uma vez, obrigada. Como é bom aprender!!

    JM

  14. Embaraçosamente, faltou esclarecer que as letras da músicas do Carmina Burana datam da Idade Média (séc. XIII) e foram recolhidas no mosteiro beneditino de Burn… Isso muito antes de qualquer espírito liberal atacar a Europa.

    Aparentemente, alguns seminaristas aproveitavam o tempo livre de forma um tanto inadequada. Como se vê, o pecado é uma constante da humanidade e não começou com Lutero.

    No século XX, Carl Orff musicou e orquestrou dando-lhe uma espetacularidade certamente desconhecida nos originais. Mas não foi Orff que elaborou as letras.

    JB

  15. Caríssimos,

    De novo en passant, Platão n’A República [Livro X; Editora Martin Claret, São Paulo, 2006, pp. 305ss], após tratar sobre a poesia grega que era deletéria e devia ser evitada, diz o seguinte:

    [A] parte da alma que há pouco contínhamos pela força, nos nossos desgostos pessoais, que tem sede de lágrimas e de gemidos em abundância, até se saciar, porque a sua natureza é tal que a leva a ter esses desejos, é, nessas alturas, a parte a que os poetas dão satisfação e regozijo. Ao passo que a parte de nós que é a melhor por natureza, por não estar suficientemente educada pela razão e pelo hábito, abranda a vigilância desta parte dada às lamentações, a pretexto de que está a contemplar males alheios (…). É que, julgo eu, a poucos é dado fazer idéia de como inevitavelmente temos, na nossa vida íntima, o usufruto dos sentimentos alheios. Porquanto, depois de termos criado e fortalecido neles a nossa piedade, não é fácil contê-la nos sofrimentos próprios.

    […]

    Porventura não se aplica também o mesmo argumento ao ridículo?

    […]

    E quanto ao amor, à ira e a todas as paixões penosas ou aprazíveis da alma (…) não produz em nós os mesmos efeitos a imitação poética?

    E, após dizer que concederia aos defensores dos poetas trágicos a possibilidade de argumentar em favor da utilidade da poesia, e de dizer que de muito bom grado aceitaria Homero na cidade que ele está modelando, prossegue o filósofo:

    Mas se assim não for, meu caro amigo, faremos como aqueles que, quando estão apaixonados por alguém, e reconhecem que aquele amor não lhes é proveitoso, se afastam dele, embora com esforço; do mesmo modo nós, devido ao amor por essa poesia quem em nós se formou por influência da educação dos nossos belos Estados, estaremos dispostos a vê-la como muito boa e verdadeira, mas, enquanto não for capaz de se justificar (…) [tomaremos] precauções para não cairmos novamente naquela paixão da nossa infância, e que é a da maioria.

    Donde se vê que a “deseducação” pela arte, ainda que involuntária ou imperceptível, não é novidade…

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  16. OOps!

    Obviamente, ainda não havia seminários no século XIII.

    Por “seminaristas”, em meu comentário, entenda-se “estudantes de teologia” ou similares.

    JB

  17. Jorge e demais,

    A ressaltar: as “carmina”, no seu total, vão muito além dos trechos musicados por Carl Orff. Examinando o conteúdo de muitas das que não constaram da obra desse compositor percebe-se que Orff até escolheu as menos “pesadas”, digamos assim.

    Dentre o material não aproveitado há referências explícitas à Igreja Católica e – pasmem! – inclusive elegias a seus perseguidores, tal é o exemplo de uma Missa a Décio!

    Sobre o trabalho de Orff, uma análise correta terá que abranger todo o trabalho, que na verdade constituía um tríduo formado or Carmina Burana, Catulli Carmina e Il Trionfo d’Afrodite. Os próprios títulos já dão uma idéia do tema da obra: o amor sensual. Sem dúvida alguma, perpassa por todo o trabalho uma idéia cara ao paganismo e condenada desde o Judaísmo: a de que a brevidade da vida justificaria a buca incessante dos prazeres materiais (neste caso, os do sexo).

  18. Caro João,

    A condição de religiosos ou de clérigos não alivia, nem muito menos justifiça, o erro de suas artes. Pelo contrário, como já disse ao me referir à beleza de forma empregada por Carl Orff na citada obra, agrava suas culpas. Aqueles que vc chamou eufemicamente de “seminaristas ociosos e inadequados” eram, na verdade, pelo que pude averigüar, hereges traidores e anticlericais que, tendo deixado suas ordens e práticas religiosas, mal utilizavam seus talentos e a instrução recebida pela Igreja para escrever tais heresias e blasfêmias. A história cunhou-lhes o apelido de goliardos.

    Curiosamente, lembrei-me agora, escrevendo essa mensagem, de um periódico dito “católico” que parece, até no nome, muito neles se inspirar:

    http://www.golias.fr/

    Certamente o pecado da heresia e do anticlericalismo não começou com Lutero. Mas nunca na história da Igreja, antes das revoluções protestante e, principalmente, liberal, tantas pessoas passaram a mal compreender tais comportamentos como exercício de suposto direito ou tolerância de princípio. Antes, agiam quase sempre na clandestinidade. De quase séculos para cá, principalmente nos últimos 150 anos, muitos artistas dão sistemática e despudoradamente, em suas obras, eco a coisas as mais repugnantes e censuráveis, sob o manto de uma falsa liberdade institucionalizada que os Estados liberais lhes proporcionam.

    Voltando, Orff resgatou aqueles esquecidos textos e deu-lhes vida nova. E que vida!! Vida de morte, das almas que vêem naquela sedutora e apoteótica forma um convite mais ou menos claro para imitá-la.

    Hoje, Carmina Burana, sem a dissecação mínima do presente artigo, não mata quase ninguém. Por pouco não passou desapercebida pelo erudito colega Jorge. As Carminas Buranas das massas contemporâneas são muitas das letras do rock, do funk, do rap, às quais suas instrumentações e estilos musicais dão-lhe veículo e “vida”, e delas e para elas nasceram!

    Abraços,

    Antonio

  19. Assentando o que escrevi acima: a Carmina Burana, de Orff, é representante do paganismo, conquanto o Antônio muito bem lembrou o “renascimento” cátaro entremeado no movimento romântico. Catarismo e paganismo,aliás, foram duas das molduras desse movimento artísitico. E ambos nocivos à nossa Igreja, sem sombra de dúvidas.

    Falei que há muitas carminas além dos versos musicados por Orff, inclusive com mençoes “honrosas” a perseguidores da Igreja. O citado Décio foi um imperador romano do século III, anterior a Aureliano, e promotor de uma das mais sangrentas perseguiçoes aos cristãos. O simples fato de se fazer algo em lembrança desse sanguinário, e ainda em tom de troça, já seria suficiente para se conhecer o caráter desses poemas.

    De um modo geral – missa a Décio, à parte – as carminas exaltam precisamente o que a Igreja condena como pecados capitais, como a gula e a luxúria. Nesse sentido, pode-se afirmar, sem medo de ser feliz, que constituem uma “antidoutrina” católica.

    Gostaria de fechar meu post comentando a afirmaão da Sandra de que a arte revela como era o dia-a-dia das pessoas contemporâneas do artista. Cita, então, o Decameron, de Boccaccio.

    Discordo, pelo menos parcialmente. Nem sempre a obra artística tem esse aspecto documental, digamos. Por vezes, e isso é bastante comum, o que ela revela são as idiossincrasias do autor ou aquilo que ele conscientemente deseja firmar como ideal para as outras pessoas.

    Por isso, é preciso um certo cuidado ao se deter sobre o Decameron, por exemplo, e imaginar que Boccaccio fez uma descrição do cotidiano dos seus patrícios trecentistas, ainda mais que o seu alvo predileto são integrantes do clero. Não que algumas das situações de suas novelas inexistissem no dia-a-dia medieval, mas o perigo é tomar exemplos de exceção por exemplos de regra.

  20. Caro Antônio:

    Sim, você tem toda a razão.

    Acrescente-se ainda que, bem sintomaticamente, o público alemão da estréia em 1937 adorou a Carmina Burana, num claro sinal da psicopatologia que assaltou a Alemanha nessa década.

    Obrigado pelas explicações!

    JB

  21. Acho uma total ignorância criticarem a obra de Carl Orff, que é magnífica, apenas para demonstrar um puritanismo idiota. Até porque dificilmente encontraremos alguém totalmente puro e casto. Na maioria das vezes as pessoas criticam nos outros o que gostariam de fazer ou o que fazem escondido. Sou espiritualista, sei o conteúdo das letras musicadas por Carl Orff, tando na Carmina Burana, Catulli Carmina e Trionfo de Afrodite. Realmente trazem um conteúdo denso, ligado à materialidade e sensualidade. Que mal há nisso? As mensagens das letras retratam pensamentos, descontentamentos e anseios típicos do ser humano. Se certos ou errados não cabe a ninguém julgá-los. Até porque é a prova cabal de como nós, seres humanos temos dificuldade de nos alijarmos da matéria e elevarmos nossos espíritos. São pensamentos e idéias sinceras, claras e honetas de irmãos nossos que viveram em época remota e temos que respeitá-los. Não importa o que signifiquem é poesia, é arte. E se as letras profanas trazem um conteúdo tão “espúrio” por outro lado ganharam magestosa musicalidade que as elevam à categoria de quase angelicais. Necessário se faz abrir nossas mentes e aprendermos dissociar e apreciar as coisas em todas as suas nuances. Não há como negar como Orff conseguiu transformar textos tão simples e no entender de alguns,chulos, em algo tão espetacularmente belo. Pensem nisso e deixem de carolice pois se a Santa Madre Igreja Romana, fosse tão pura e “santa” não teria levado tanta gente à morte através da fogueira e outras torturazinhas muito bem elaboradas por seus seguidores e não haveria como sempre houve e há até hoje tantos casos de pedofilia
    em meio ao seu rebanho.

  22. Dona Katia,

    Se “certos ou errados não cabe a ninguém julgá-los”, por qual motivo a senhora julga minha crítica “ignorante”? E ainda lança insinuações maledicentes sobre a Igreja de Cristo?

    – Jorge

  23. Senhor Jorge,

    Não se trata insinuações maledicentes. É a pura verdade. Basta ligar a TV ou ler os jornais que estará em pauta algum assunto degradante ligado a padres que por sua vez estão ligados à “Santa Madre Igreja Católica”. O que Cristo ensinou foi a Lei de amor, perdão e evolução espiritual não esta teoria autoritária, castradora e infame que atrasou a evolução da humanidade em séculos. Que torturou, aleijou, matou e fez calar a voz inteligente de grandes luminares de nosso mundo. Como Galileu, por exempo. Graças a Deus a força desta instituição está entrando em falência e em futuro próximo ruirá não ficando pedra sobre pedra. Até mesmo João em seu Apocalipse previu isto. Assim finalmente ficaremos livres de fanáticos religiosos que batem no peito num eterno “Blá blá blá” que não instrui, não eleva o espírito, não acrescenta nada a não ser dogmas ultrapassados e absurdos. Quem sabe assim a Humanidade terá realmente oportunidade de evoluir?

  24. “Graças a Deus a força desta instituição está entrando em falência e em futuro próximo ruirá não ficando pedra sobre pedra. Até mesmo João em seu Apocalipse previu isto..”

    O apóstolo São João previu a queda do Império Romano, e não da Igreja Católica, e quem acredita que algum dia a Igreja Católica irá cair, vai ficar esperando, porque em 2000 anos de história, entre tantos membros Dela, Santos e pecadores, Ela ainda não caiu, é só por um milagre mesmo, somente pela promessa de CRISTO, que disse que as portas do inferno não prevaleceriam contra Ela, e a verdadeira Igreja de CRISTO, comporta joio e trigo misturados (Mt. 13, 24-43), e quem vê mais ao joio que ao trigo está agindo com insinuações maledicentes.

  25.  Não são os católicos inocentes, mas a própria organização igreja católica que sempre apoiou tais blasfêmias pois p/ conseguir o poder secular, o político econômico e militar apoderou-se do evangelho e converteu seus fiéis em inocentes adoradores das abominações babilônicas. Procurem na internet, pesquisem sobre a verdade e esta vos libertará!!! 

  26. TEVE EVANGÉLICO AQUI DANDO OPINIÃO NÉ? ESSES IGNORANTES SEM CULTURA,NÃO ENTENDEM QUE EXISTIRAM PESSOAS INDIGNAS DENTRO DA IGREJA,QUERENDO DESTRUÍ-LA COM SUAS BLASFÊMIAS.COMO POR EXEMPLO OS FRADES GOLIORDOS BEBERRÕES,E ANTICELIBATÁRIOS,QUE COMPUSERAM UMA LETRA PROFANA CONSIDERADA PELA IGREJA HERÉTICA AO EVANGELHO.ESSES IGNORANTES NÃO ENTENDEM QUE SATANÁS QUER DESTRUIR A IGREJA CATÓLICA USANDO SEUS MEMBROS.ELES ACHAM QUE SÓ PORQUE A ÓPERA É EM LATIM A IGREJA CATÓLICA É A PROSTITUTA DO APOCALIPSE,COITADOS DESSES IGNORANTES QUE NÃO SABEM NEM INTERPRETAR O APOCALIPSE,QUE ACHAM QUE CONSTANTINO FUNDOU IGREJA E QUE A BABILÔNIA É A IGREJA CATÓLICA.SEUS IGNORANTES A PROSTITUTA ERA A PRÓPRIA JERUSALÉM,VESTIDA DE PÚRPURA E ESCARLATE: “ISAIAS 1:18-21” É UMA PENA QUE NOSSOS LIVROS DO MEC ESCONDEM OS PODRES DESSA RAÇA PROTESTANTE.

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