A condenação de Lula e a de Cristo

A foto abaixo tornou-se viral na semana passada; não sei exatamente em que contexto ela foi tirada (pelo que li nas redes sociais, teria sido uma manifestação da CUT da qual participou o frei Aloísio Fragoso — isso contudo pouco importa), mas ela se presta bem para falarmos um pouco sobre o que há de errado com determinada visão religiosa contemporânea. Para representá-la, essa imagem é de uma preciosidade ímpar.

A primeira coisa errada nesta foto é a forte conotação político-partidária que ela apresenta. A política, no sentido clássico, da arte relacionada ao cuidado das coisas públicas — da polis, da cidade — é uma coisa conatural ao ser humano: viver em sociedade é, sempre e necessariamente, de algum modo fazer política. Mas não é este o sentido corrente do termo, e (principalmente!) não é este o sentido que se depreende de uma imagem onde se protesta contra uma decisão judicial que condenou um ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro. O sr. Luís Inácio, ali, não está retratado como um cidadão esmagado sob a tirania estatal: é um líder político a cuja defesa o manifestante empresta o próprio nome, a honra, tudo.

Ora, isso não tem nada a ver com religião e além disso: a religião é tanto mais importante quanto mais consegue fazer as pessoas perceberem a mesquinharia dessas lutas conjunturais pelo poder terreno. A frase da coroação dos papas — sic transit gloria mundi — tem muito a ensinar tanto aos que assumem poderes temporais (os Papas, lembremo-nos, governavam os Estados Pontifícios) como também àqueles que se sujeitam aos poderes constituídos: todas essas coisas passam e, portanto, não vale a pena dedicar-lhes a própria vida com este devotamento religioso tão comum de se encontrar no Brasil de hoje em dia. É saudável manter uma relativa distância das disputas político-partidárias. Quem não o faz corre o risco de passar vexame.

A segunda coisa terrivelmente errada com a imagem é a blasfêmia grosseira em que consiste a comparação. Nosso Senhor Jesus Cristo era verdadeira e propriamente um inocente, no sentido mais próprio, ontológico em que se pode afirmar a inocência de alguém. Ele era a própria Inocência encarnada e pendurada em um madeiro. Ora, quem, por cândido e puro que seja, pode se afirmar inocente assim? Quem ousaria se comparar ao Filho de Deus?

Uma pessoa realmente inocente se sentiria aliás ofendida com a comparação. Algum místico espanhol (Santa Teresa? São João da Cruz? Agora não me recordo…) certa feita estava sendo terrivelmente caluniado. Perguntaram-lhe se eram verdadeiras aquelas coisas. O santo respondeu algo como: “meu filho, essas coisas que estão falando de mim são tudo mentira. No entanto, eu já fiz tantas coisas horríveis e das quais ninguém ficou sabendo que tomo umas pelas outras e ainda saio no lucro”.

Com certeza os nossos tribunais estão repletos de sentenças injustas, e com certezas há inocentes injustamente condenados. Mas o máximo que se pode dizer de qualquer ser humano é que ele seja inocente do crime pelo qual foi condenado. Assumamos, unicamente para argumentar, que o sr. Luís Inácio não tenha realmente nada a ver com o Triplex do Guarujá. Isso o faria inocente, sim, mas de uma inocência por assim dizer relativa: ele seria inocente de ter recebido propina de um construtora. Este é o máximo de inocência a que ele pode aspirar. Aliás, este é o máximo de inocência a que qualquer ser humano pode aspirar.

Coisa completamente diferente é o caso de Cristo — e espanta que um líder religioso não perceba esta coisa tão básica! Ora, Nosso Senhor não era somente inocente da acusação de blasfêmia que os judeus Lhe lançaram: Ele era inocente completamente, inocente simpliciter, inocente de toda e qualquer culpa porque Ele jamais cometeu pecado algum. Não dá, simplesmente não dá para comparar Nosso Senhor nem mesmo com a vítima da maior injustiça que Thêmis tenha algum dia sido capaz de cometer.

A terceira coisa errada, terrivelmente errada com a imagem é a figura nela retratada. Admitir-se-ia, vá lá, mesmo com a impropriedade da comparação, que Cristo Crucificado fosse comparado com a inocência de uma criança covardemente assassinada. Agora compará-Lo logo com o senhor Luís Inácio…! Ninguém em sã consciência acredita de verdade na inocência do ex-presidente. O máximo a que consegue chegar a militância minimamente pensante é dizer que ele foi condenado sem provas. Ora, qualquer pessoa que tenha uma compreensão ainda que rudimentar de como funciona a justiça sabe que uma coisa é não haver provas e outra, completamente diferente, é o acusado ser inocente. Provas por provas, também não as há de que o goleiro Bruno tenha assassinado Eliza Samudio. Alguém cogitaria retratá-lo de coroa de espinhos na cabeça e protestar contra tão aviltante reencenação do Pretório de Pilatos? Tal não seria profundamente ridículo? E quão ridículo não é o presente protesto, onde as imagens de Cristo e de Lula são colocadas juntas em uma cruz no meio da rua?

A respeito de Cristo não se pode simplesmente dizer que os judeus não se desincumbiram do ônus de provar a sua acusação; no Gólgota a questão era verdadeiramente fática, constitutiva, substancial — não era uma reles questão procedimental! Transformar a Paixão em uma “condenação sem provas” é de um reducionismo tacanho, verdadeiramente inimaginável em épocas mais civilizadas. Os dias atuais, no entanto, sempre surpreendem em matéria de estupidez.

Os inimigos da Igreja gostam de dizer que a religião aliena, e a frase segundo a qual ela seria o ópio do povo tem cada vez mais se tornado um lugar-comum entre as classes soi-disant pensantes. O que se percebe, no entanto, no dia a dia, é justamente o contrário: não é a Cidade de Deus quem aliena, mas sim a Cidade dos Homens. O que torna o homem alheio à realidade a seu redor não é a religião e sim a ideologia política. A triste cena que ilustre este artigo dá, disso, uma demonstração perturbadora.

«No está bien eso»

papa-morales

Imagem sensacional.

O olhar de desprezo de Sua Santidade (em outro ângulo aqui) diante da paspalhice do boliviano cocaleiro é a mais eloquente declaração anticomunista que o Papa Francisco poderia dar. E, ao contrário do que acontece com entrevistas, diante de cara feia não dá pra tergiversar, pra distorcer, pra suscitar conflito interpretativo nem nada do tipo.

O semblante sisudo é inequívoco, universalmente compreensível, insofismável. O sorriso aguado posterior, protocolar, não elide a força do símbolo desta cara de desgosto. Aqui está a imagem que vale mais do que mil palavras. Aqui está o tratamento de asco e repulsa que o comunismo merece. Às claras, sem ruído, sem margem para má interpretação.

Outras duas boas razões pelas quais é importante compartilhar este acontecimento:

1. Porque, como muitos argutamente perceberam, sob uma determinada ótica a escultura é até apropriada: de fato, há mais de século a foice e o martelo vêm pregando Cristo na Cruz.

2. Porque ele permite que sejam divulgadas matérias como esta ou esta: «Al Papa no le gustó el regaló, le miró de forma severa y se dirigió a Morales diciendo: “No está bien eso”».

Quem debocha da Igreja é de Cristo que debocha

Causou-me espanto esta notícia segundo a qual uma revista jesuíta (!), em solidariedade à Charlie Hebdo, após o recente atentado, resolveu publicar algumas charges do semanário francês agressivas ao Catolicismo (!!). Segundo explicou originalmente Étvdes, a tese era que rir de certos traços da instituição “Igreja” era «uma demonstração de força» (!), uma vez que mostrava que aquilo a que os católicos estavam realmente ligados [Cristo, suponho] está «além das formas sempre transitórias e imperfeitas [nas quais a Igreja visível se manifesta, acredito]».

[No original francês a que tenho acesso somente de segunda mão: C’est un signe de force que de pouvoir rire de certains traits de l’institution à laquelle nous appartenons, car c’est une manière de dire que ce à quoi nous sommes attachés est au-delà des formes toujours transitoires et imparfaites.]

A extravagante iniciativa recebeu diversas críticas; em particular este pedido de um jesuíta francês por «um pouco de bom senso» merece-nos alguma atenção. Como é possível que um católico ache que o escárnio da sua Fé é algo cuja divulgação possa ser sequer considerada por uma revista religiosa? A falta de visão sobrenatural e a pouca importância com a qual os editores da Étvdes tratam as coisas mais importantes da vida são de estarrecer. A revista – que se diz «de culture contemporaine»… -, com isso, mais parece um veículo de toda a podridão debochada, de mau gosto e descartável que se auto-intitula “cultura” nos dias de hoje. Desse tipo de mundanidades o mundo já está muitíssimo bem servido. Para quê pôr religiosos no desempenho de tão deplorável papel?

As caricaturas foram posteriormente retiradas. No lugar delas, a revista pôs uma nota sobre a «Repercussão», dizendo que a reprodução das irreverências era «um meio de afirmar que a fé cristã é mais forte do que as caricaturas que [dela] se podem fazer, ainda que os cristãos se sintam ofendidos». Ora, a explicação não faz nenhum sentido.

Primeiro, porque é óbvio que a fé cristã é mais forte do que as caricaturas. Qualquer ideia é mais forte do que as representações caricaturescas que os seus oponentes possam conceber para a ridicularizar. Isso independe da veracidade ou falsidade da ideia, sendo um simples dado da realidade: por definição, a caricatura é menor do que o caricaturizado. Também a fé islâmica ou o Nationalsozialismus são maiores do que as garatujas de Maomé ou os cartuns antinazistas britânicos da década de 30, por exemplo.

Segundo, porque quem se ofende são as pessoas mesmo, e não as suas crenças. Em qualquer agrupamento humano civilizado, é esta a razão que faz com que certos comportamentos sejam socialmente aceitos e, outros, reprováveis. Pretender que não haja problema com a blasfêmia porque “Deus Todo-Poderoso pode muito bem aguentar uma piada” é uma argumentação que não tem cabimento nem teológica e nem sociologicamente. Teologicamente é um absurdo, porque do fato de Deus ser perfeitíssimo só segue que a Sua glória intrínseca não sofre dano com o pecado dos homens: a glória extrínseca d’Ele, por sua vez, dado que depende não d’Ele próprio mas do mundo que Lhe é externo, aumenta ou diminui de acordo com os homens honrarem-No ou O rejeitarem. E sociologicamente é um nonsense porque, para além de quaisquer possíveis desavenças teológicas, indiscutivelmente o crente é ofendido com a blasfêmia, e isso por si só dificulta o bom e pacífico relacionamento entre os cidadãos que é um dos fins mais óbvios de qualquer sociedade.

Terceiro, por fim, porque a revista comodamente “se esqueceu” do que dissera anteriormente – e que é o seu erro maior. A questão de fundo é que, para os jesuítas da Étvdes, como eles disseram originalmente, há uma distinção radical entre um Cristo invisível e espiritual e as instituições humanas que se reúnem para falar d’Ele, há uma Igreja espiritual que nada tem a ver com a Igreja visível e histórica: isto, sim, explica que eles não vejam problema em escarnecer da Igreja Católica!

O problema é que tal se trata de uma concepção herética incontáveis vezes condenadas: a Igreja Católica é o Corpo Místico de Cristo e, portanto, não existem essas «formes toujours transitoires et imparfaites» além das quais a revista parece crer que Cristo está. Entre incontáveis outros, quem o disse – e muito recentemente – foi o próprio Papa Francisco: «Nenhuma manifestação de Cristo, nem sequer a mais mística, pode jamais ser separada da carne e do sangue da Igreja, da realidade histórica concreta do Corpo de Cristo». O que passa pela cabeça desses jesuítas franceses, que não dão ouvidos ao Papa nem mesmo quando é um jesuíta a sentar-se no sólio pontifício?

«Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita», disse Cristo aos Apóstolos – à Igreja, portanto (cf. Lc X, 16). Estas palavras continuam válidas nos dias de hoje, e em observância a elas podemos muito bem concluir: quem debocha da Igreja é de Cristo que debocha. Não se trata de nenhuma conclusão teológica de altíssima sofisticação: é matéria de doutrina católica a mais comezinha, da mais básica piedade popular. É questão de bom senso! Bom seria se os editores da Étvdes não tivessem somente retirado os cartoons blasfemos por conta da repercussão que eles tiveram. Bom seria se estes jesuítas tivessem se dado conta de que, na verdade, escarnecem de Cristo quando não se pejam de escarnecer da Igreja d’Ele.

A liberdade de expressão e os seus limites

Um leitor do Deus lo Vult! deixou, aqui, o seguinte comentário:

Sobre a liberdade de ofender e escarnecer, como se pode definir que alguém foi ofendido ou escarnecido se os pontos de vista são tão diferentes? Essa batalha que deve ocorrer no âmbito civil e com critérios muito claros. Pois muitos do movimento gay também consideram ofensivo que representantes das igrejas apareçam na TV bradando que os homossexuais são pecadores, pode-se evocar a liberdade de expressão nesse caso ou estamos diante de um outro limite para a liberdade de expressão?

Penso que o assunto merece um post à parte.

Antes de qualquer coisa, o problema, a nível teórico, se resolve de maneira muitíssimo simples: a rigor, a única liberdade que existe é «a liberdade fundamentada sobre a verdade» (Paulo VI, Mensagem para o 9º dia mundial das comunicações sociais, 19 de abril de 1975). A fórmula de Pio XII (Miranda Prorsus, Parte Geral, “Liberdade de Difusão”), por sua vez, é bastante intuitiva e pode nos ser muito útil nesta seara:

[A] verdadeira liberdade consiste no uso regrado da difusão daqueles valores que ajudam ao aperfeiçoamento do homem.

Assim, o único discurso que pode pretender propriamente um “direito” à existência em sociedade é, portanto, o discurso verdadeiro e bom. A mentira, o erro e o engano não podem ter um direito infrene à livre-proliferação em público, e não tem o menor cabimento conceder às verdades e às fábulas o mesmo status social. Enquanto este princípio generalíssimo não for assimilado, não se vai conseguir resolver a contento o problema da «liberdade de expressão» nas sociedades complexas contemporâneas.

Deve ser buscado o «aperfeiçoamento do homem», pois bem. Em teoria, está perfeito. A nível mais concreto, contudo, a questão se impõe com contornos mais complicados a partir do momento em que diferentes pessoas não conseguem entrar em mútuo acordo a respeito de qual seja, especificamente, o discurso verdadeiro e qual o falso, qual o pernicioso e qual o útil. O socialismo matou milhões de pessoas ou é o responsável por avanços civilizacionais de outro modo inalcançáveis? A democracia representativa brasileira contemporânea é eficaz para reproduzir fidedignamente a vontade política dos cidadãos, ou é um instrumento de manipulação demagógica concebido e executado para atender a interesses particulares inconfessáveis? A religião verdadeira é a Católica Apostólica Romana ou é o Islão? Como saber qual dos discursos é verdadeiro e proveitoso,  e qual é falso e daninho? Onde está a verdade?

Evidentemente, não se negam as dificuldades existentes para identificar quem está com a razão em cada caso concreto. É óbvio que a verdade a respeito de toda e qualquer coisa não é imediatamente evidente a toda e qualquer pessoa. Há, no entanto, maneiras civilizadas e inteligentes de minimizar esta contingência:

1. Via de regra, descobrir o que não é verdade é mais fácil do que identificar o que é verdade, e existem muitos casos em que fazê-lo está ao alcance de qualquer pessoa. Por exemplo, diante de alguém que apresenta o punho cerrado e pergunta “o que tenho na mão?”, pode ser bastante difícil descobrir o que a mão fechada esconde; não obstante, é facílimo dizer, com bastante segurança, o que ela não esconde. Diante de tal indagação, alguém pode não saber responder ao certo se o que está na mão do interlocutor é uma moeda, uma tampa de caneta ou um piolho-de-cobra; mas qualquer um consegue dizer, com bastante segurança, que o que está lá não é uma jaguatirica, um capacete de moto tamanho padrão ou a Grande Muralha da China.

As questões que interessam à sociedade são um pouco mais complicadas do que este exemplo ilustrativo, é verdade, mas mesmo entre aquelas é possível encontrar vastos territórios de coisas que inequivocamente não «ajudam ao aperfeiçoamento do homem», para usar a fórmula de Pio XII. Por exemplo, a imensíssima maior parte das pessoas há de concordar que a proposta de acabar com a pobreza exterminando fisicamente os pobres é totalmente inadmissível, e está disposta até mesmo a conceder que a veiculação pública de semelhante ideia possa e deva ser inibida pelos poderes públicos. No atual estado de coisas, aliás, não faz o menor sentido alguém protestar contra a “imposição de limites à liberdade de expressão”: em qualquer lugar civilizado do orbe ela já tem limites, aceitos pacificamente pela esmagadora maioria dos membros da sociedade.

2. Dada a intrínseca contingência humana e a (conseqüente) natural e inevitável falibilidade de tudo o que ele produz – inclusive julgamentos -, nenhum tema pode ser “indiscutível” em absoluto. Futebol, política e religião, tudo, há que se discutir sim. No entanto, duas coisas precisam ser aqui observadas. Por um lado, qualquer assunto só é discutível em razão inversa à solidez que ele estabeleceu na sociedade: isso significa que as coisas com as quais virtualmente todo mundo concorda precisam de novos e fortes argumentos para serem colocadas em discussão, enquanto aquelas que encontram maior resistência social para se disseminar têm exigências argumentativas mais modestas (*). Por todo lado, “discutir” significa se utilizar de um discurso racional argumentativo para convencer o interlocutor de uma determinada tese: a simples peça publicitária (pior ainda, enganosa), a ofensa gratuita, a desmoralização do “oponente” e coisas parecidas estão fora do escopo dessa discutibilidade universal de todas as coisas aqui apresentada.

[(*) No Brasil atual, note-se, ocorre justamente o contrário: coisas evidentíssimas e que gozam de ampla aceitação popular, como por exemplo que o aborto é moralmente condenável e não deve ser aceito, discute-se com a superficialidade das escalações da seleção brasileira, o tempo todo, em todos os foros possíveis e imagináveis. Por sua vez, a uma coisa de que ninguém (a não ser uma meia-dúzia de ditos intelectuais) se convence, que não haja diferença alguma entre o casamento vitalício e monogâmico entre o homem e a mulher e a mera união entre dois homens ou duas mulheres, quer-se conceder ares de indiscutibilidade, chegando até mesmo à criminalização do contraditório…]

Duas implicações decorrem daqui: inexiste um direito de ofender, uma vez que toda e qualquer discussão deve ser construída sobre as bases da argumentação racional e não de ofensas gratuitas; e ao mesmo tempo ninguém tem um direito de não ser ofendido, um vez que o detentor de uma ideia não pode alegar “ofensa” para coibir uma refutação intelectual, racionalmente fundamentada, daquela ideia. Abrem-se, assim, as portas para o futuro e o progresso, ao mesmo tempo em que se protegem as conquistas civilizatórias já historicamente adquiridas.

3. Por fim, é necessário que haja instâncias de decisão para apaziguar os ânimos e arbitrar possíveis discussões entre cidadãos que possam surgir, mormente nos casos-limites (“ah, isso é ridicularizar a minha crença!”, “não, senhor, trata-se de emprego de reductio ad absurdum para demonstrar racionalmente a falsidade da sua tese”…). Tais instâncias necessariamente serão uma espécie de elite intelectual, comprovadamente hábeis na arte de aplicar os princípios acima elencados na solução de conflitos concretos; e precisarão, igualmente, ser dotadas de legitimidade moral para fazer valer as suas decisões sobre os contendedores, i.e., precisarão exercer, em quanto maior medida melhor, uma autoridade natural sobre a sua esfera de “jurisdição”.

Em observância ao princípio da subsidiariedade, é preferível que tais instâncias se multipliquem em diversos níveis – familiar, condomínio/bairro, comunidade, município, região metropolitana, estado etc. -, preservando assim características e valores locais ao mesmo tempo em que se evita a ingerência de pretensos iluminados na autodeterminação dos legítimos agrupamentos sociais intermediários. Começa-se a discutir religião, assim, dentro de casa, e não nos jornais das metrópoles. São os grupos de pais que decidem a respeito da educação de seus filhos, e não os ministros de Brasília.

À luz de todo o exposto, por fim, responde-se ao comentário que deu origem a este post da seguinte maneira:

  • identifica-se a ofensa, primeiramente, pelo critério da evidência: um discurso argumentativo a respeito do que quer que seja é uma coisa, e a veiculação de peça publicitária aviltante é outra coisa completamente distinta;
  • nos hard cases, é necessária a intervenção de uma instância superior, o mais localizada possível, e que (evidentemente) goze de autoridade sobre todas as partes envolvidas no litígio, a fim de discernir se se trata de exercício adequado da liberdade de expressão ou não;
  • o critério para a difusão pública de discursos não é o “movimento gay” e nem ninguém “sentir-se” ou deixar de se sentir “ofendido”, e sim se a mensagem veiculada ajuda «ao aperfeiçoamento do homem» ou não; isso se determina, mais uma vez, pelos critérios supramencionados da racionalidade do discurso e do prestígio (ou falta de prestígio) social de que gozam as teses em lide.

Concordo que é muito difícil obter consenso entre pessoas diferentes; tal, contudo, torna-se completamente impossível se a discussão e o debate racional são socialmente desestimulados. É bem provável que a plena concórdia a respeito de tudo seja inalcançável; penso, no entanto, que existem amplas margens para consensos substanciais a respeito de um grande número de coisas – para a obtenção dos quais é contudo necessário, mais uma vez, que a discussão pública, séria e honesta seja cada vez mais incentivada e não tolhida. Um mundo perfeito é sem dúvidas impossível, mas isso não dá a ninguém o direito de desistir de trabalhar por um mundo um pouco melhor do que este que está aí: em direção a este objetivo, sim, nós podemos e devemos caminhar com valentia e determinação.

O massacre de Charlie Hebdo: combatemos por algo maior do que nós

Muito já se falou a respeito do horrível atentado que a redação da Charlie Hebdo sofreu ontem em Paris. No meio de uma infinidade de comentários (para dizer o mínimo) superficiais que inundaram os nossos meios de comunicação, gostaria de fazer um apanhado daquilo que considero mais relevante sobre o assunto.

A primeira coisa que acho importante desmistificar é essa necessidade doentia – socialmente exigida e, em alguns casos, até mesmo auto-imposta – de se “tomar partido”, de preferência o mais rápida e veementemente possível. Ora, não nos é necessário, absolutamente, escolher um lado entre os dois que se chocaram, ontem, na capital francesa! Sem dúvidas a comoção é enorme e, por conta disso, é razoável que o raciocínio se nos embote um pouco; contudo, é preciso resistir, e caminhar com bastante cuidado.

Porque, no afã de condenar a chacina estúpida, corre-se o risco de chancelar o deboche religioso que era a marca registrada da revista francesa. Não, nós não defendemos uma liberdade de expressão absoluta e intocável – que inclua o direito de agredir, ofender, escarnecer. Por outro lado, ao repudiar o escárnio da Charlie Hebdo, arriscamo-nos a justificar o assassinato cometido pelos terroristas. Não, nós não defendemos um direito de exterminar os que nos desagradam – segundo o qual os ofendidos possam sentenciar à morte e executar por conta própria os seus ofensores.

Aquilo que a revista se notabilizou por fazer não é humor nem liberdade de expressão, e sim agressão gratuita. Aquilo que os criminosos fizeram ontem em Paris não foi justiça nem defesa legítima, e sim violência absurda. Não é preciso achar lindo o que faziam os cartunistas assassinados para condenar com ardor o seu assassinato. Não é preciso considerar heróis os terroristas para rechaçar com vigor as charges cretinas que a revista satírica veiculava. Não aceitamos a blasfêmia. Mas tampouco aceitemos que a blasfêmia seja punida por particulares – muito menos com a morte.

Evidentemente, também não aceitamos as retaliações ligeiras, com mesquitas anonimamente atacadas à noite por exemplo. A tragédia não pode servir de trampolim para discursos superficiais que, procurando ad hoc responsáveis sobre os quais lançar a culpa do massacre, terminem por cristalizar lugares-comuns como “religião é violenta mesmo”. É evidente que os responsáveis por este crime brutal precisam ser responsabilizados. Infelizmente, parece não ser tão evidente assim que a culpa não pode ser coletivizada para “os muçulmanos” como um todo e nem muito menos para “os religiosos” em geral. Tal expediente irreligioso cretino, de instrumentalização de uma tragédia para alavancar a própria concepção ideológica, precisa – também ele – ser repudiado com a máxima diligência.

Uma outra coisa que precisa ser pontuada é esta: a França não foi palco de um episódio de intolerância religiosa, e sim de um choque de culturas. E, neste sentido, o melhor texto que li sobre o assunto foi escrito no final da década passada. Chama-se «O Islã e o Ocidente», é da lavra de Roger Scruton, é longo e vale cada parágrafo.

Em tempos de multiculturalismo, é preciso ter suficientes pés no chão para reconhecer a existência, em diferentes culturas, de determinados valores completamente incompatíveis entre si. Uma cultura como a ocidental que julgue poder escarnecer das crenças religiosas dos outros não pode conviver com uma outra cultura – como a islâmica – que considere um mandato divino, imposto a todo e qualquer fiel, punir com a morte os que blasfemem contra o Islã. É bastante evidente que ambas tendem à aniquilação mútua; e que, se nenhuma das duas abrir mão de [ao menos parte dos] seus valores, episódios como o de ontem vão se tornar recorrentes.

E a proposta do Scruton é a de que defendamos, abertamente, o patrimônio cultural ocidental frente aos que o ameaçam. Sim, eu sei que isso é mal visto nos dias de hoje, sei que recebe o rótulo depreciativo de “etnocentrismo”, sei que fomos ensinados, de maneira repetida e consistente, desde crianças, a odiarmos aquilo que somos e a desprezarmos as nossas raízes. No entanto, essa atitude é suicida. Nas sociedades, como na natureza, não existe o vácuo. Se os homens não estiverem dispostos a moldar a sociedade de acordo com os seus valores próprios, então ela será moldada pelos valores dos que primeiro tiverem a ideia de os apresentar em praça pública. Se os súditos não forem ensinados a honrar os deuses dos seus antepassados, então eles serão levados a honrar os deuses dos estrangeiros. É assim que o mundo funciona. Já não é mais possível continuar se recusando obstinadamente a o reconhecer.

Tudo isso quer dizer, em suma, que nós estamos em guerra. Não é possível fingir que tudo está na mais perfeita paz e concórdia, porque não está. No entanto, há três coisas sobre esta «guerra» que é preciso deixar claro.

Primeiro, e antes de qualquer outra coisa, que se trata de uma guerra cultural a ser travada no campo das ideias. Isso é bastante evidente, e é preciso rejeitar com veemência todas as tentativas que surjam de estabelecer analogias, ainda que remotas, entre os atos de violência dos terroristas islâmicos e o dito «fundamentalismo» cristão – que geralmente outra coisa não é que «ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja», a propósito. Sim, queremos fazer prevalecer as nossas ideias. Isso não permite concluir, de nenhuma maneira, que queiramos exterminar fisicamente os que pensam diferente de nós.

Segundo, e no mesmo sentido, que discordância não é necessariamente sinônimo de agressão. E, em contrapartida, viver em sociedade não exige necessariamente que as pessoas guardem as suas convicções para si próprias. É lógico que a sociedade precisa caminhar em relativa ordem, mesmo com a presença de múltiplos sistemas de valores em seu interior: isso é óbvio. No entanto, é também evidente, e empiricamente verificável, que a maior parte das pessoas não joga bombas naqueles de quem discorda mesmo visceralmente. Inibir o debate público dos valores não é o mesmo que resguardar a convivência tolerante entre os diferentes, mas justamente o contrário: é deixar o espaço livre para os valores que não respeitem essa regra de auto-contenção. O islamismo é aqui somente o exemplo mais radical: traços dessa “publicização axiológica”, contudo, podem ser encontrados em menor grau também nos laicismos ocidentais.

Terceiro, e por fim, que a vitória nesta guerra é já humanamente impossível. Os valores ocidentais já estão moribundos por conta da longa guerra travada contra a Igreja ao longo dos últimos séculos, e a cultura judaico-cristã parece não encontrar mais uma massa crítica disposta a defendê-la. Os ocidentais envelhecem e morrem impondo-se um controle de natalidade anti-natural que os está conduzindo à extinção, enquanto os muçulmanos povoam o mundo a partir do ventre de suas mulheres. O futuro é sombrio. No entanto, nós mesmo assim precisamos lutar, porque não combatemos pela vitória e sim pela justiça da batalha. Não devemos nos preocupar com as adversidades que existem e nem devemos nos perturbar com os ventos que sopram contra nós: defendemos os nossos ideais por acreditarmos que eles estão corretos, e não porque eles tenham uma chance razoável de se tornarem hegemônicos dentro do horizonte de nossas vidas. Eles muito provavelmente não têm, mas mesmo assim cumpre defendê-los com valentia. Combatemos por algo maior do que nós, e esse é o diferencial que temos em nosso favor. Não é por nós, e sim ad majorem Dei gloriam.

Deus nos vê; combatemos por Ele e por Sua santa Religião, combatemos pela Igreja por Ele fundada, combatemos pelas glórias da Santíssima Virgem. Deus vê, e Ele é Senhor da história, e isso nos deve bastar. As guerras culturais não se vencem pelo poder das armas, e sim pela força das idéias. Talvez, se rezarmos bastante e trabalharmos com afinco, Deus torne o nosso apostolado fecundo. Talvez, se nos esforçarmos e n’Ele confiarmos, Ele conceda graças para que os homens O vejam e, abandonando as fábulas do mundo moderno, n’Ele creiam. Talvez Ele intervenha, e mude a nossa sorte.

Mas talvez não. Talvez só vejamos a Igreja em Seu esplendor na outra vida – quem sabe? Talvez tenhamos mesmo que atravessar tempos tenebrosos à nossa frente: não importa. A cada um cabe fazer a sua parte, e a nossa é defender, com todas as nossas forças, a Fé dos que nos precederam, a Fé que recebemos dos Apóstolos. Ainda que talvez não vejamos o resultado dos nossos esforços, nada que se faz por amor de Deus é em vão. Isso nos deve ser suficiente. No calor do campo de batalha, isso nos deve bastar.

De volta à vaca fria (sobre humor e blasfêmia no “Porta dos Fundos”)

Depois de tanta água rolada por debaixo da ponte, nem sei se vale ainda a pena falar sobre o “especial de Natal” do Porta dos Fundos. Chego a temer que alimentar a polêmica seja precisamente aquilo de que o grupo precisa no momento. No entanto, há dois ou três tostões que desde o final do ano passado eu queria oferecer sobre o assunto. Pelo sim, pelo não, vou fazer alguns rápidos comentários sobre o tema.

– A má repercussão que o vídeo teve (v.g. aqui e aqui) foi muito positiva. Por mais que defendam o “falem bem ou falem mal contanto que falem de mim” (e por mais que haja uma certa verdade nesse raciocínio), pior seria se ficássemos calados e deixássemos a blasfêmia caminhar livremente, como se fosse coisa que não importasse. Quem não se lembra daquele episódio “ovelhas também mordem” ocorrido há alguns anos na França? Não podemos nos esquecer da verdade que existe naquela frase segundo a qual o mal avança impulsionado pelo silêncio dos bons. Ignorar os ataques ao Cristianismo é incentivá-los a ficarem cada vez maiores e mais violentos.

– A estratégia do CitizenGO de reclamar junto aos patrocinadores foi no meu entender muito acertada. Não dá para exigir valores humanos minimamente civilizados de psicopatas como os que fazem parte do Porta dos Fundos. Não é deles que se deve exigir nada, e sim das pessoas (até prova em contrário) normais como as que patrocinam um grupo que está fazendo algum sucesso no momento. Dentro dos limites do que era razoável esperar, eu também gostei da nota que foi emitida pelo Grupo Petrópolis: disseram com todas as letras que «o Grupo Petrópolis, além de não ter previamente mantido qualquer tipo de contato com seu conteúdo, ainda, não admite que suas marcas sejam relacionadas com tais manifestações, pois não representa o pensamento de seus Diretores» (grifos meus). Só há um pequeno “problema”: a nota foi publicada na última sexta-feira (10 de janeiro) e, hoje, 17 de janeiro de 2014, a marca da Itaipava continua ostentada em lugar de destaque na página da manifestação anti-cristianismo dos marginais do Porta dos Fundos! Basta entrar no site deles para ver:

itaipava-porta-fundos

E então, senhores do Grupo Petrópolis? Vocês disseram “não admitir” relação alguma de suas marcas com ofensas a valores religiosos. Por que não fizeram nada para tirar o enorme banner da Cerveja Itaipava da página do Porta dos Fundos onde se faz o deboche do Cristianismo que tanto revoltou os brasileiros?

– Conto nos dedos de uma mão só os vídeos do Porta dos Fundos a que assisti na vida. Depois que vi um sobre dois padres num confessionário, percebi que eles não estavam dispostos a fazer humor – e sim a ofender gratuitamente uma minoria perseguida e odiada. Por mais que os caras possam ser bons em outros esquetes que não tratem de religião, eu digo sem pestanejar: não vale a pena. Não se trata de gente que às vezes erra a mão na dose e sai com piada de mau gosto: é sistemático, trata-se de militantes anti-religiosos confessos, de pessoas que estão deliberadamente empenhadas em uma patética cruzada contra a civilização formada pelo Cristianismo. Não dá para “desculpar”, eles não querem desculpas, não se arrependem jamais de terem “exagerado”, muito pelo contrário: jactam-se de ofender e se orgulham de chocar. São conscientes e contumazes. O objetivo deles é desmoralizar a Igreja, e não fazer humor. Não merecem um milímetro do nosso reconhecimento para nada.

– Naturalmente, não dá para “debater” com esse tipo de gente. Pode até valer a pena expôr-lhes a cretinice, mas sem lhes dar demasiada atenção. Eu ia falar que tampouco vale a pena entrar no mérito da questão sobre se é lícito debochar da Fé alheia para fazer humor, mas semelhante questão não tem “mérito” algum: curiosamente, os que defendem o Porta dos Fundos são os mesmos que defendem, v.g., o assassinato de crianças no ventre materno. É claro que ninguém pode blasfemar alegando fazer “humor”, e a blasfêmia se afere objetivamente: trata-se das palavras ofensivas dirigidas a Deus, da irreverência para com as coisas sagradas, e não tem nada a ver com o subjetivismo de fulano ou sicrano “sentir-se ofendido”. De novo, não se espera que os celerados do Porta dos Fundos saibam estas diferenças e nem há esperanças de lhas explicar: processos judiciais nas costas deles, é o que há para fazer, quando menos para lhes aporrinhar. Quando menos para o registro de que ainda há pessoas dispostas a não se omitirem diante dos que escarnecem de Deus e vilipendiam as coisas santas.

“Decapitando o Papa na PUC”

A situação da PUC-SP, ao que me consta, está já [p.s.: relativamente…] pacificada com o fim da greve. Sobre os lamentáveis atos que tiveram palco na Pontifícia eu já havia falado aqui no blog; contudo, apenas hoje tive acesso ao vídeo de uma peça “pela Democracia” que foi representada no pátio da Universidade.

Se a história toda provoca desconcerto, este vídeo a ilustra com uma expressividade macabra e assustadora. Diante de um sujeito com feições monstruosas que, apoteoticamente, saca uma motosserra (!) de verdade para decapitar um boneco gigante de um bispo (!!) – ou, disseram alguns, do Papa… -, ato ao qual se segue uma chuva de aplausos (!!!) dos presentes e uma animada dança Gangnam Style (!!!!) por sobre os “restos mortais” do defunto… o que se pode dizer?

Sinceramente, parece-me impossível conversar com alguém que não consiga perceber que não se deve dançar sobre um corpo decapitado. Parece-me evidente que uma peça que se resume a um líder religioso sendo decapitado – com profusão de detalhes – sob os aplausos da multidão é um claro espécimen de discurso de ódio danoso à vida em sociedade. Aqui, as palavras são até supérfluas. Contra o ódio tão vividamente pintado não há o que contra-argumentar.

Ite, M.I.S.S.A. est

[Reproduzo a notícia como se encontra no site da Arquidiocese do Rio de Janeiro, apenas destacando com negrito algumas partes. Deo Gratias. Para quem não se lembra, a “festa” blasfema é essa aqui. Foi-se embora. E já vai tarde.

O título deste post foi (mais) uma sacada genial do @tht, a quem eu agradeço por me ter sido o portador de tão alvissareiras notícias.]

Acordo judicial derruba festa “M.I.S.S.A.”

A Associação Arquidiocesana Tarde com Maria conseguiu celebrar acordo judicial com a Cinco Entretenimentos, grupo que realizava as festas denominadas “M.I.S.S.A.”. A partir de agora, o substantivo “missa” não pode ser usado nos eventos produzidos, assim como não pode haver a utilização de indumentária e símbolos católicos nas citadas festas.

Conforme o acordo, a Cinco Entretenimentos “obriga-se, definitivamente, a nunca mais promover, nesta cidade ou em qualquer outro ponto do território nacional, qualquer evento que se identifique pelo substantivo “missa”, ou no qual se utilize essa palavra, de modo a associar o espetáculo à principal celebração da liturgia da Igreja Católica Apostólica Romana”.

Em eventos, materiais publicitários ou shows “qualquer indumentária, dístico, palavra ou verso, símbolo, letra, coreografias, foto, músicas ou outro elemento de qualquer natureza, que possa de algum modo associar a ação à mesma Igreja ou a seus sacerdotes, templos, livros, objetos de culto, ritos ou liturgia” também não será permitida.

A empresa continuará a utilizar a sua denominação “Movimento dos Interessados em Sacudir a Sua Alma”, não podendo dispor das iniciais para compor o substantivo em questão.

“Se não reage agora, quando é que reagirá?”

[Traduzo um trecho do pronunciamento de S. E. R. Dom Luigi Negri, bispo de San Marino-Montefeltro (Itália), sobre uma obra teatral blasfema que se apresentará em Milão nos próximos dias. Que falta fazem bispos assim! Aqui, nesta terra de Santa Cruz onde a Igreja é tão freqüentemente atacada, ressoam de maneira terrível e embaraçosa as perguntas – retóricas – do bispo de San Marino. Que a voz de Sua Excelência brade mais alto do que o nosso silêncio. Que sirva ao menos para nos cobrir de vergonha e nos constranger a mudar de atitude.]

Eu me pergunto isto, e sobre esta pergunta me detenho: uma Igreja Particular – ou um conjunto de Igrejas Particulares que aderem às Conferências Episcopais Nacionais – que não reage em termos absolutamente essenciais e públicos a este violento ataque à tradição católica, eu me pergunto: se não reage agora, quando é que reagirá? [si no interviene sobre este punto, ¿sobre qué interviene?]

O quê põe mais em crise a possibilidade de uma comunicação objetiva da fé do que esta série de iniciativas que buscam desacreditar, criminalizar, corromper nossa tradição? Certamente que se as chamadas Igrejas oficiais – o termo me é absolutamente desagradável porque a Igreja é uma só, não é nem a oficial e nem a carismática: a Igreja é o mistério do povo de Deus nascido do mistério de Cristo morto e ressuscitado e da efusão do Espírito, e portanto há uma só Igreja -; se Igreja[, eu dizia,] não reage de maneira adequada, certamente de uma maneira não rancorosa, nem agressiva, assumindo um sentido igual e oposto à atitude demente destes falsos homens de cultura; se não reage a Igreja, então certamente poderão intervir, com protagonismo, pessoas ou grupos da Igreja que se preocupam não apenas com a defesa d’Ela, mas também com a expressão legítima de suas convicções.

Portanto, não se diga logo que o protesto é dos tradicionalistas: o protesto é dos tradicionalistas porque a Igreja como tal não toma uma posição, que a mim pareceria absolutamente necessária.

Curtas

Imagem de Nossa Senhora e Missa na Forma Extraordinária em São Paulo. «Esta imagem é chamada de Imagem Sagrada, pois, estando exposta numa paróquia em Nova Orléans, verteu milagrosamente lágrimas humanas no dia 17 de julho de 1972. Investigação liderada pelo bispo de Nova Orléans concluiu não haver explicação natural para o fenômeno».

Do mesmo texto: «Em silêncio, devotamente e de olhar atento a tudo o que acontecia no altar, aqueles dois mil paulistanos suburbanos provaram-me definitivamente que a missa de São Pio V pode perfeitamente ser rezada para multidões. Embora a grande maioria dos presentes provavelmente nunca tenha assistido à missa antiga, não houve embaraços nem constrangimentos. Apenas alguns poucos presentes sabiam os momentos corretos de ajoelhar-se, levantar-se etc. e estes poucos foram suficientes para conduzir, pelo mero exemplo, a multidão a adotar a postura correta em cada parte da missa. Enganam-se, portanto, os que pensam que o Usus Antiquior é indicado apenas para pequenos grupos, de espiritualidade mais elevada».

A Virgem e a Eucaristia, como no sonho de Dom Bosco! Ambas – assim esperamos! – como um sinal de que as coisas estão melhorando. Como um prenúncio da vitória da Igreja.

Digno de menção, a propósito, o comentário sobre a Forma Extraordinária do Rito Romano. Eu sempre soube que o povo simples é perfeitamente capaz de assistir – e com muitíssimo fruto – a celebração do Santo Sacrifício segundo as rubricas anteriores à Reforma Litúrgica. São apenas os “sábios deste mundo” que, por não possuírem vida espiritual e por não entenderem as coisas de Deus, pretendem que os pobres também não a possuam ou as entendam…

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Luteranos voltam à Igreja CatólicaDeo Gratias, et iterum dico, Deo Gratias! «Todos os membros da ALCC [Igreja Católica Anglo-Luterana] se farão católicos. A diferença de algumas Igrejas Anglicanas, a ALCC não tem “posturas inamovíveis” A ALCC não está interessada em absoluto em “preservar um patrimônio”. Ao contrário, trata-se de uma Igreja profundamente “romanizada”, que trabalha com todas as suas forças para “desfazer” a Reforma, porque considera que foi um trágico erro de proporções épicas, que nunca devia ter acontecido, e procura restaurar a unidade da Igreja segundo os critérios da Igreja Católica. A ALCC não pede para preservar um “patrimônio luterano”. A diferença do patrimônio anglicano, o patrimônio luterano é essencialmente teológico e, ao ter compreendido plenamente as heresias do luteranismo e ao ter aceitado a fé católica, a única coisa que pede e por que reza a ALCC é que se lhe permita “voltar para casa” e entrar na Igreja Católica, como filhos pródigos arrependidos. A única coisa que queremos é nos dissolvermos na Igreja Católica, como católicos normais».

Isto, sim, são os verdadeiros frutos do Ecumenismo: a volta dos filhos pródigos à casa paterna, o retorno das ovelhas tresmalhadas ao único redil do Senhor. Há festa nos Céus. Que, a este exemplo, sigam-se outros e mais outros em profusão.

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– Enquanto isso, Lula chama de bobagem palavras de Nosso Senhor (!!). Sim, senhoras e senhores, o ex-presidente que é “católico a seu modo” abre a boca para blasfemar desta maneira. «Bobagem», disse o ex-presidente, «essa coisa que inventaram que os pobres vão ganhar o reino dos céus. Nós queremos o reino agora, aqui na Terra».

E quem ainda não compreendeu que o Reino de Nosso Senhor não é deste mundo não foi capaz de chegar nem mesmo aos umbrais do Cristianismo. Passagens de uma sabedoria profunda que inspiraram grandes homens ao longo dos séculos são agora transformadas em “bobagem” por esta sumidade sapiencial que é o sr. Luiz Inácio, vergonha do Pernambuco que um dia lutou pela Fé.

O Lula quer um reino aqui e agora, aqui na Terra. Como são mesquinhos e fúteis os desejos do ex-presidente! Para quê tesouros na terra, onde as traças corroem e a ferrugem consome? Contra este materialismo infeliz – digno de pena, inclusive – do Lula, ficam as palavras de São Paulo: «Se é só para esta vida que temos colocado a nossa esperança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de lástima» (1Cor 15,19). Bom faria o Luiz Inácio se meditasse nesta passagem antes de abrir a boca para falar besteiras.

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As mentiras do filme “Ágora”. O filme não é de hoje (se não me engano, a versão brasileira veio com o nome de “Alexandria” e foi – tanto aqui quanto na Espanha – um estrondoso fracasso de bilheteria), mas talvez valha a pena se prevenir. «Não só havia cristãos nas aulas de Hipátia, não só havia bispos cristãos entre seu círculo de amigos, mas havia também teólogos cristãos – Agostinho, Ambrósio e Orígenes, só para citar os mais proeminentes –  e eles eram entusiastas defensores do neo-platonismo. Portanto, retratá-la como a campeã da nobre razão sobre os intolerantes cristãos primitivos é simplesmente ridículo».

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Motivações do terrorista de Oslo são anti-cristãs. Já que o assunto é recente, é bom deixar claro que este indivíduo não tem nada a ver com a “ultra-direita fanática” no mesmo sentido em que a expressão é (pejorativamente) aplicada aos cristãos que valorizam a sua Fé. Excerto:

O terrorista teria fundado, em 2002, em Londres, junto a outros ativistas, a ordem dos Pobres Companheiros de Cristo do Templo de Salomão, inspirado nos graus Templários da Maçonaria.

Esta suposta Ordem estaria aberta “aos cristãos, cristãos-agnósticos e ateus-cristãos”, quer dizer, a todos que reconhecem a importância das raízes culturais cristãs, “mas também “das judaicas e iluministas”, assim como “das pagãs e nórdicas”, por se oporem aos verdadeiros inimigos, o Islã e a imigração.

“Longe de ser um fundamentalista cristão – esclarece Introvigne – Breivik, batizado na Igreja Luterana da Noruega, define-se um ‘cristão cultural’, cujo apelo à herança cristã tem uma função instrumental anti-islâmica.”

As igrejas, segundo o terrorista, não estão dispostas a lutar contra o Islã. Por isso, ele propõe um Grande Congresso Cristão Europeu, do qual nasça uma nova Igreja Europeia e anti-islâmica. E ameaça diretamente o Papa Bento XVI, pois “abandonou o cristianismo e os cristãos na Europa e deve ser considerado um Papa covarde, incompetente, corrupto e ilegítimo”.