Novo Rei e nova Mesa

Sua Excelência Reverendíssima Dom Fernando Saburido, Arcebispo Metropolitano de Olinda e Recife, saindo da Missa de Corpus Christi para a procissão pública do Corpo de Deus. Olinda, cidade alta, 31 de outubro de 2018, perto das onze horas da manhã.

Quantum potes, tantum aude 
Quia maior omni laude
Nec laudare sufficis.

Feliz Páscoa!

É Páscoa! Nosso Senhor ressurgiu Glorioso do túmulo para nos infundir coragem. E se antes estávamos fracos e acabrunhados, se agonizávamos sob o peso das nossas culpas, se vagávamos a esmo, sem destino, agora todas essas coisas passaram, agora o mundo é novo e o futuro nos chama a coisas grandiosas.

Cristo ressuscitado dos mortos não morre mais — é, assim, segura a nossa esperança, certa a nossa vitória. Se o nosso Deus deixou atrás de Si o sepulcro, que haveremos de temer? Que são os nossos pecados, nossas fraquezas, nossos medos, perto da glória da Ressurreição? Se o nosso Deus chegou a morrer por nós, que coisa haverá que Ele não faça em nosso favor?

Que Cemitério é este de onde brota tanta vida? Que Tumba é essa que exala o doce odor do Paraíso? Que Homem é esse que caminha à nossa frente, altivo, garboso, sob o estandarte da Cruz? Sigamo-Lo!

A manhã do domingo de Páscoa, junto com as trevas da noite, dissipa as trevas dos últimos dias, dos últimos séculos, da história da humanidade inteira desde Adão. Cristo ressuscitou! Deixemos as coisas antigas para trás. Vivamos a vida que o Salvador nos mereceu.

Feliz Páscoa!

Duas palavras sobre a Assunção

Houve outrora um Homem que subiu aos Céus. Mas houve também uma Mulher que sobre as nuvens foi elevada; e se a Ascensão de Cristo revela o Poder de Deus, a Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria escancara a Misericórdia do Onipotente. Cristo subiu aos Céus e não teria como ser de outro modo; Maria foi assunta em meio aos Anjos e teria, sim, como ser diferente, e aliás o que qualquer pessoa sensata poderia esperar era que fosse diferente. Mas, podendo ser de outro modo, foi assim. E isso é de pasmar.

A festa de hoje, digamo-lo às claras, é a exaltação suprema da criatura humana — não a desordenada pelo pecado, mas a querida e estabelecida por Deus. Por conta dela os hereges acusam-nos de idólatras; ora, venerar a Assunção de Maria Virgem é, ao contrário, a máxima anti-idolatria. Os ídolos são obra humana; a Virgem Santíssima é obra de Deus. Os privilégios d’Ela são muito maiores do que os pagãos jamais ousaram conferir aos seus falsos deuses. São tão imensos que seriam humanamente inimagináveis; só os conhecemos porque eles aconteceram. Só os sabemos porque o próprio Deus os realizou. Ninguém mais os poderia sequer imaginar.

Feliz Páscoa!

 

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As amarras da morte não foram fortes o bastante para detê-Lo. A pedra do túmulo não foi demasiado pesada para O prender. Aquele que veio um dia até nós do Alto do Céu hoje nos vem novamente das profundezas dos Infernos.

Não satisfez-Se em perdoar os nossos pecados; venceu-nos a Morte, para que com Ele ressurjamos também. Mesmo Morto, cumpriu a promessa de abrir o sepulcro e ressurgir glorioso; agora, Vivo, não haverá porventura de cumprir a de nos levar ao Pai?

Cristo ressuscitou, e o mundo é um mundo novo. E a história é uma nova história. E a nossa nova vida, agora, é uma vida nova. Alegremo-nos e n’Ele exultemos.

Feliz Páscoa!

Calendário – Quaresma 2016

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A Quaresma é aquele tempo do Ano Litúrgico — tempo belíssimo! — onde o chamado à conversão é mais premente; onde aquele brado de S. João Batista sobre o machado estar já «posto à raiz das árvores» (cf. Mt III, 10) ressoa-nos mais forte aos ouvidos. Não se trata de uma ameaça vazia cujo objetivo é nos impingir terror a ponto de nos deixar petrificados; ao contrário, é um convite amoroso para que endireitemos as nossas veredas enquanto é tempo.

Deus nos concede as graças para mudar de vida! Na homilia de hoje o padre nos recordava que este tempo oscila entre a misericórdia e a conversão: a misericórdia, da parte de Deus, que não falta nunca; e a conversão, de nossa parte, pela qual havemos de Lhe agradecer.

E nos esforçar…! Quaresma, enfim, é tempo de exercícios espirituais. Para tanto pode ser útil elaborar um calendário, indicando que pequena obra de misericórdia concreta pode ser oferecida a Deus em cada um desses 40 dias que nos separam da Páscoa. Este, do Regnum Christi, serve de modelo: que cada um encontre os jejuns, esmolas e orações com os quais preencher sua Preparação.

Vivamos bem esta Quaresma — que pode ser a nossa última!

«No está bien eso»

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Imagem sensacional.

O olhar de desprezo de Sua Santidade (em outro ângulo aqui) diante da paspalhice do boliviano cocaleiro é a mais eloquente declaração anticomunista que o Papa Francisco poderia dar. E, ao contrário do que acontece com entrevistas, diante de cara feia não dá pra tergiversar, pra distorcer, pra suscitar conflito interpretativo nem nada do tipo.

O semblante sisudo é inequívoco, universalmente compreensível, insofismável. O sorriso aguado posterior, protocolar, não elide a força do símbolo desta cara de desgosto. Aqui está a imagem que vale mais do que mil palavras. Aqui está o tratamento de asco e repulsa que o comunismo merece. Às claras, sem ruído, sem margem para má interpretação.

Outras duas boas razões pelas quais é importante compartilhar este acontecimento:

1. Porque, como muitos argutamente perceberam, sob uma determinada ótica a escultura é até apropriada: de fato, há mais de século a foice e o martelo vêm pregando Cristo na Cruz.

2. Porque ele permite que sejam divulgadas matérias como esta ou esta: «Al Papa no le gustó el regaló, le miró de forma severa y se dirigió a Morales diciendo: “No está bien eso”».

Nunca se fez tanto por nós…!

É passada a agonia do Getsêmani, a traição do horto. A prisão imunda, a noite interminável. Os julgamentos injustos, os gritos da turba assassina, o caminho do Calvário, o Gólgota e o Sepulcro. Tudo passado ao longo de três dias intensos. Três dias que têm tudo a ver conosco: porque é no interior do Tríduo Santo que se desenrola o drama de nossas vidas.

Sandro-Botticelli-The-Resurrection

É passado…! O alvorecer do dia de hoje encontra o Sepulcro aberto, o Túmulo vazio, deixado para trás por Aquele que venceu o mundo e a morte. Hoje, como após o pecado de Adão, os homens morrem. Hoje, como naquela época longínqua, recusamo-nos a morrer. Mas hoje, diferente do que acontecia antes da Páscoa de Cristo, pela primeira vez na história, há-nos opção.

Diante de um Deus que irrompe, vivo, do Hades profundo, não dá para ficar impassível. Afinal, nunca se fez tanto por nós. E nunca o merecemos menos.

É Páscoa! É a vitória de Cristo sobre a morte, que é também a nossa vitória. Ele se fez Vítima por nós. Ele, ressurrecto e glorioso, é também por nós. Ressuscitou verdadeiramente: é a razão da nossa esperança.

Ele vive! Feliz e Santa Páscoa a todos!

Começa a Semana Santa

São poucos os dias que separam o Domingo de Ramos da Sexta-Feira da Paixão: que separam a entrada gloriosa de Nosso Senhor em Jerusalém, aclamado pelo povo, da Sua Crucificação horrenda, instigada também pelo povo, poucos dias depois. Na Liturgia de ontem, o drama se desenrola com ainda maior volatilidade: o contraste entre os gritos de «Hosana!» e «Crucifica-O!» atinge o fiel católico que assiste à Missa no pequeno intervalo entre a procissão de entrada e o Evangelho. Nós O saudamos! Nós O crucificamos!

A súbita mudança de humor pode parecer inverossímil; no entanto, com que facilidade os nossos melhores propósitos de amor e dedicação a Deus esvanecem-se e dão lugar, da noite para o dia, aos mais mesquinhos sentimentos de egoísmo e amor-próprio! Não cabe somente aos judeus daquele tempo o terrível crime do deicídio; em verdade, cada um de nós, e por incontáveis vezes!, assassinamos a Deus. Verdade que aprendemos no Catecismo. Verdade que a Sagrada Liturgia não nos deixa esquecer. Verdade enfim que experimentamos em nossa carne – que, se mirarmos com sinceridade o espelho de nossa alma, não deixaremos de ver com desconcertante clareza.

Começa a Semana Santa. É uma síntese de nossa vida. Sigamo-la atentamente.

Na Sexagésima, saiu o semeador a semear sua semente

Todo mundo certamente travou contato, em algum momento do antigo Segundo Grau, durante os seus estudos da literatura barroca brasileira, com aquele que é o mais famoso dos sermões do Pe. António Vieira: o Sermão da Sexagésima. O que nem todo mundo sabe – eu, mesmo, só o vim saber muito tempo depois de velho… – é o que significa “Sexagésima”.

Surpresa: a Sexagésima é um domingo específico do ano, escondido dos católicos pela Reforma Litúrgica de 1969. Imediatamente antes da Quaresma – a Quadragesima – há três domingos: na ordem, do mais distante para o mais próximo da Quarta-Feiras de Cinzas, os domingos da Septuagésima, da Sexagésima e da Quinquagésima.

Mais especificamente, o Domingo da Sexagésima é o último domingo antes do de Carnaval. Ou seja, foi ontem.

Ontem, na Santa Missa, eu ouvi a leitura do Evangelho que o pe. António Vieira leu naquele longínquo ano de 1655. A Wikipedia lusófona, aleatoriamente, diz que o tema do sermão – a parábola do semeador – foi extraído «duma passagem bíblica escolhida para a ocasião». Puro devaneio. A passagem não foi “escolhida” coisa nenhuma, ela é a leitura prescrita pelos livros litúrgicos para o domingo anterior àquele que antecede a Quarta-Feira de Cinzas: o domingo da Sexagesima. Não é meditação sobre uma passagem escolhida ao acaso ou à conveniência. É sermão concernente ao tempo litúrgico em que ele é pregado.

Não achei a data exata do sermão; a referida enciclopédia colaborativa diz, tão-somente, “março de 1655”. Não parece que seja verdade. Podemos aplicar os algoritmos para calcular o dia da Páscoa; com isso, descobrimos que, naquele ano, ela caiu no dia 28 de março. O domingo da Sexagesima, assim, foi no dia 31 de janeiro – e é esta, portanto, a data mais provável em que o conhecido sermão foi pela primeira vez pregado. É até possível que ele, após escrito, tenha sido burilado nas semanas posteriores e tenha recebido a sua forma definitiva – a escrita final, que nos chegou – em meados de março mesmo; mas não tem o menor cabimento imaginar que o sermão da Sexagésima retumbou nas paredes da Capela Real portuguesa em março de 1655 – quase à Páscoa! Seria como dizer que um Sermão de Natal fora proferido no início de fevereiro.

Ontem eu ouvi de novo o milenar Evangelho: «Ecce exiit qui seminat, seminare». Na verdade, ouvi-o diretamente em português, naquela que é quiçá a mais elegante das traduções bíblicas para o vernáculo de Camões: «Saiu o semeador a semear sua semente». A aliteração é deliciosa; a cadência da frase, serpentinando, parece mostrar que o semeador segue em zigue-zague, titubeando, andando de lá para cá – e isso explica a semente caindo ao acaso na estrada, na terra seca, entre os espinhos. Se eu tivesse que escolher uma feliz tradução dos Evangelhos, tal seria este versículo.

Mas o original é sempre o original, e eis porque ele não deve ser jamais posto de lado: há uma belíssima exegese, do próprio Pe. António Vieira, no mesmo sermão citado, que é impossível de ser feita a partir do versículo em português que nos acostumamos a ouvir. Assim ressoou um dia na Capela Real:

A definição do pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no Evangelho não o comparou ao semeador, senão ao que semeia. Reparai. Não diz Cristo: saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia: Ecce exiit, qui seminat, seminare. Entre o semeador e o que semeia há muita diferença. Uma coisa é o soldado e outra coisa o que peleja; uma coisa é o governador e outra o que governa. Da mesma maneira, uma coisa é o semeador e outra o que semeia; uma coisa é o pregador e outra o que prega. O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é acção; e as acções são as que dão o ser ao pregador. Ter o nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as acções, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o Mundo.

E é por isso que vale a pena o esforço para preservar o latim litúrgico mesmo nas leituras das Escritura Sagradas, é por isso que vale a pena perscrutar a sabedoria dos antigos: muito se perde ao simplesmente verter uma língua n’outra, e a pior forma de ignorância é a de quem acha que já sabe. Aquele antigo adágio do traduttore, traditore! tem mil modos de demonstrar o seu acerto. E, em se tratando da palavra de Deus, não se pode fazer pouco caso dos tesouros que ela tem para nos ofertar. Não podemos deixar que o vernáculo quotidiano oculte as pedras preciosas das Sagradas Escrituras que os antigos já nos garimparam.

Patena de vidro do século IV descoberta na Espanha

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Patena do século IV, recentemente descoberta na Espanha. 175 gramas de vidro em 2mm de espessura. Na peça, vê-se claramente a imagem de Cristo acompanhado por dois apóstolos. Uma patena (objeto litúrgico onde, na Missa, se depõe a Eucaristia, o Corpo de Cristo), na Espanha (a mais de três mil quilômetros de Jerusalém), nos anos trezentos (bem pouco tempo depois, portando, do Edito de Milão). Era assim que o Cristianismo Primitivo celebrava a Liturgia. O resto é tagarelice anti-clerical.