O Sínodo, o Papa e o Rei

Sobre o iminente Sínodo da Amazônia, duas ou três ligeiras palavras.

Primeiro, não é demais lembrar que o Sínodo, enquanto Conselho Episcopal, não foi inventado agora, mas se reúne regularmente há mais de meio século — desde o Vaticano II. Mês que vem, vai falar sobre a Amazônia, mas já falou, em anos recentes, sobre os jovens, sobre a família, sobre a África. As suas atividades não iniciaram agora e, conquanto se lhe possam fazer todas as críticas aplicáveis à própria hierarquia católica nestes tempos de crise, não dá para dizer que ele é um braço do globalismo, uma ameaça à soberania nacional brasileira ou um instrumento da autodemolição do Catolicismo.

Segundo, particularmente sobre este último ponto: o Sínodo certamente não vai ordenar mulheres. O próprio Papa Francisco, perguntado mais ou menos recentemente (em maio último) acerca das conclusões a que chegaram a comissão instituída para estudar sobre o diaconato feminino, deu esta resposta:

Quanto ao diaconado feminino: há uma maneira de o conceber, não com a mesma visão do diaconado masculino. Por exemplo, as fórmulas de ordenação diaconal encontradas até agora – segundo a comissão – não são as mesmas da ordenação diaconal masculina, e assemelham-se mais àquela que hoje seria a bênção duma abadessa. (…) Estas são as coisas que recordo. Fundamental, porém, é que não há certeza de que se tratasse duma ordenação com a mesma forma e finalidade da ordenação masculina. Alguns dizem: permanece a dúvida, vamos continuar a estudar. Eu não tenho medo do estudo. Contudo, até agora, nada se concluiu…

Conferência de imprensa do Santo Padre durante o voo de regresso de Skopje

E as funções destas antigas diaconisas, segundo o Papa, são exatamente aquelas sobre as quais cansámos de falar aqui: auxiliar no Batismo das mulheres (“como os Batismos eram por imersão, quando se batizava uma mulher, as diaconisas ajudavam; inclusive para a unção do corpo da mulher”), avaliar problemas conjugais (“[q]uando a mulher acusava o marido de a espancar, as diaconisas eram enviadas pelo bispo para verificarem as contusões no corpo da mulher e poderem assim testemunhar no julgamento”), etc. Não tem nada a ver com o diaconato masculino que é o primeiro grau do Sacramento da Ordem.

Aliás, nesta mesma ocasião, Sua Santidade levanta um ponto que, a mim, ainda não havia ocorrido, e que é um forte testemunho em favor da exclusividade masculina do sacerdócio católico enquanto vontade positiva de Cristo, e não meramente como uma tolerância aos costumes sociais da época. É que o paganismo conhecia perfeitamente a figura do sacerdócio feminino — as vestais, a pitonisa — e o Cristianismo nascente, tão acusado de copiar os ritos e práticas do politeísmo então praticado, fez questão de reservar apenas aos homens o seu sacerdócio. Nas palavras do Papa:

Mas é curioso: naquela época, havia muitas sacerdotisas pagãs, o sacerdócio feminino nos cultos pagãos existia por todo o lado. E, como se explica que, havendo este sacerdócio feminino – sacerdócio pagão -, o sacerdócio não fosse dado às mulheres no cristianismo?

Conferência de imprensa do Santo Padre durante o voo de regresso de Skopje

Ou seja: o que se pode afirmar, com todo o rigor histórico, é que ordenação de mulheres não é avanço algum, mas sim retrocesso ao paganismo politeísta. Causa finita.

É apenas possível, embora muito pouco provável, que o Sínodo intente resgatar a instituição de uma espécie de diaconato feminino nestes moldes: o de uma função religiosa, porém laical, similar ao “que hoje seria a bênção duma abadessa”. Como é também possível (e pouco provável) que venha do Sínodo alguma autorização, ad experimentum, para a ordenação de homens casados como é praticado até hoje nas Igrejas Orientais (mesmo nas unidas a Roma). Nenhuma dessas coisas é o triunfo do Anticristo, porque as abadessas e o clero casado fazem parte da Igreja Católica há muitos e muitos séculos; tais disposições, repito, improváveis, mas possíveis, se vierem, estarão dentro do legítimo munus regendi da Igreja e não nos devem perturbar a paz da alma. Não seriam muito piores do que os muitos atos de governo desastrosos que nós já nos acostumamos a encontrar todos os dias a nosso redor. Oremus pro Ecclesia Sancta Dei.

Um terceiro e último ponto: ouve-se que o Sínodo poderia ser instrumentalizado pela esquerda para desestabilizar o governo Bolsonaro e, neste sentido, já ecoa, na mídia nacional, que há bispos sendo criminalizados. Ora, isso é uma suprema estultice e um discurso insidioso que os católicos devem rechaçar com veemência. A uma porque os grandes problemas atuais da Igreja Católica são com a sua Doutrina e (mais ainda) com a sua disciplina: se, por absurdo, o Sínodo se dedicasse exclusivamente a condenar as queimadas da Amazônia, com certeza muitos de nós respiraríamos aliviados. A duas porque, como disse recentemente, há questões sociais e ambientais que podem e devem ser informadas pela vitalidade do Evangelho, não existindo assunto humano sobre o qual a Igreja não tenha uma palavra a dar, nem circunstância do século totalmente alheia à caridade cristã que nos constrange a tudo ordenar a Cristo.

E a três porque, sinceramente, entre o Vigário de Cristo e o Presidente da República Federativa do Brasil, é óbvio e evidente que todo e qualquer católico deve tomar partido pelo primeiro. Em um trágico confronto direto entre a esquerda católica e a direita protestante, é a primeira que deve ter a preferência dos que pretendem levar a sério as promessas do seu Batismo. Se o papa pode ser ruim, pior é o rei que se põe contra o papa. Nestes tempos de ânimos exaltados, de lideranças incertas e de juízos superficiais, convém não esquecer nunca que o nosso primeiro e mais fundamental compromisso é com o Reino de Deus e não com a cidade dos homens.

Somente Uma pode reinar

Já vi algumas pessoas me perguntarem acerca da relevância social da Igreja Católica no Brasil de hoje. Explicando melhor: pessoas que, vendo o Protestantismo ocupar espaços públicos até ontem reservados ao Catolicismo Romano, querem saber de mim, como católico, se a Igreja não está preocupado com isso, se Ela não pretende fazer nada para reverter essa situação.

Ora, não há nada que a Igreja possa fazer a não ser aquilo que é a sua missão atávica: anunciar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo em sua pureza e em sua integridade, sem lhe adicionar ou suprimir absolutamente nada. Não penso, de nenhuma maneira, que os representantes da Igreja (e aqui eu me refiro principalmente aos clérigos, mas o mesmo se aplica, mutatis mutandis, aos leigos) devam se preocupar em responder aos anseios do mundo moderno. Penso, aliás, que é exatamente o contrário, e que é justamente quando a Igreja se deixa pautar pelas reivindicações do saeculum que a sociedade deixa de Lhe dar valor.

Porque as esferas de atuação são bem distintas. Não adianta à Igreja, por exemplo, tentar competir com as festas e com os bailes no quesito de atração da juventude. Ora, se a juventude é atraída por dada sensualidade, ou certa irreverência, ou determinado passatempo fútil, é lógico e evidente que a Igreja não Se poderá jamais tornar suficientemente fútil, irreverente ou sensual a ponto de bater o mundo nestas características. Se tal fosse possível, deixaria de ser Igreja.

É fora de qualquer discussão que existem diversões sadias. Mas de maneira alguma compete à Igreja — à Igreja enquanto tal — proporcionar, diretamente, essas diversões, transformando os seus templos em casas de espetáculos ou em clubes familiares — ainda que fossem primorosos os espetáculos que lá se representassem ou muito distintas as famílias que ali se reunissem. Ao argumento de combater as más diversões, a Igreja não pode fazer de Si própria um parque de diversões, por mais que fosse um parque de diversões sadias.

O mesmo se diga a respeito da política. Não pode a Igreja competir com as associações civis ou com os partidos políticos no que concerne à persuasão das massas acerca da melhor maneira de se organizar in concreto a vida em sociedade. Ora, a Igreja aponta para a Eternidade, e se é verdade que o Eterno não é alheio ao contingente (coisa, aliás, que é particularmente verdade em se tratando do Cristianismo, que é a Religião do Verbo Encarnado!), não é menos verdade que Nosso Senhor não instituiu a Igreja para sair pelo mundo organizando as mil formas possíveis de os homens interagirem entre si.

Por vezes as pessoas — muitas delas bem formadas — estranham que a Igreja não estabeleça um partido político para fazer frente aos desmandos que grassam no país. É coisa boa e justa que os católicos se envolvam em partidos políticos; que a Igreja tenha Ela própria, institucionalmente, um partido político, aí já é coisa bastante inconveniente. Sinceramente, e para dizer o mínimo, é indigno d’Ela descer a essas minudências de estabelecer orçamentos e impostos, de fiscalizar a realização de obras públicas e dirigir políticas de combate à pobreza.

Porque a Igreja é Rainha e não convém à Rainha sair pelo castelo, à própria conta, com as próprias mãos, espanando o pó dos móveis e lavando os pratos dos banquetes reais. Note-se bem: com isso não se quer dizer, evidentemente, que o castelo deva ter salas empoeiradas e cozinhas sujas. Acontece que a boa ordem de um castelo exige a colaboração de um grande número de pessoas diferentes, com responsabilidades diferentes, todas necessárias ao bem do todo. Se não houvesse quem limpasse, quem cozinhasse, quem passasse, rainha nenhuma conseguiria dar conta de todo o trabalho palaciano. E se não houvesse rainha… ora, sem rainha, por que é que alguém iria construir um castelo em primeiro lugar?

Assim é a Igreja na sociedade, ou ao menos a Igreja discente, a hierarquia eclesiástica. Não dispondo de braços para fazer todas as coisas necessárias à vida secular, a Igreja espera — os padres, os bispos esperam — que os cristãos leigos tomem sob seu encargo a condução dos negócios terrenos. E que o façam de maneira ordenada e correta, edificando a cidade humana à sombra, imagem e semelhança da Jerusalém Celeste.

Da mesma forma esses cristãos leigos devem ordenar o corpo social em atenção ao fim último de cada homem, que é o conhecimento de Deus e o exercício das virtudes com vistas à sua própria salvação — esta, que só no seio da Igreja se dá. Espera, assim, o laicato — e, diga-se, também todo o gênero dos homens de boa vontade aos quais a Igreja já há décadas costume dirigir os Seus pronunciamentos — que a Igreja lhe dirija o caminho, apontando-lhe o que é reto e lhe censurando os desvios. Vivem os leigos, destarte, de olhos voltados para a Igreja — “ecce sicut oculi servorum in manibus dominorum suorum sicut oculi ancillæ in manibus dominæ ejus ita oculi nostri ad Dominum Deum nostrum” (Psalm CXXII, 2) –, esperando d’Ela conforto e direção. Edificando em função d’Ela a Cidade Terrena, que outro motivo não haverá para a construção de uma sociedade o mais possível justa e fraterna.

Porque certas obras humanas só se alcançam à custa de um sacerdócio consistente e devotado. E os sacrifícios que não sejam feitos ao Deus Vivo e Verdadeiro são incapazes de sustentar os homens por tempo suficiente para que dêem frutos.

O que deve, enfim, fazer a Igreja neste momento em que a heresia avança e parece assumir verdadeiro protagonismo na condução dos rumos do país? A Igreja deve ensinar a verdade e condenar o erro!, deve insistir na pregação da Sã Doutrina, no anúncio do Evangelho, na propagação da Fé Católica e Apostólica sem a qual é impossível agradar a Deus. Deve sustentar e inflamar a Fé na alma dos homens, em primeiríssimo lugar, sem querer resolver de chofre, por conta própria, os problemas mundanos: estes serão resolvidos na medida em que puderem ser resolvidos por homens tementes a Deus — homens que aprenderem a temer a Deus ouvindo a pregação da Igreja e nenhuma outra. Porque muitos podem cuidar do palácio, mas somente uma pode reinar no castelo. São muitos os que podem construir uma sociedade mais justa; mas somente a Igreja pode anunciar a Salvação.

O que importa é a luta pela santidade

Após a divulgação da última pesquisa Datafolha que anunciou uma nova redução do número de católicos no Brasil — hoje somos apenas 50% dos brasileiros –, a Folha de São Paulo noticiou que a CNBB comentou os dados dizendo que a «[l]uta por justiça é mais relevante que porcentagem de católicos». O aparente absurdo da declaração deixou a muitos perplexos. Olhemos, no entanto, a questão com um pouco mais de cuidado.

Em primeiro lugar, cabe um registro do nosso já antológico mau jornalismo. O primeiro parágrafo da reportagem diz o seguinte:

Mais importante que a porcentagem de católicos no Brasil é “quantas pessoas realmente buscam justiça e vivem o amor até as últimas consequências”, diz o secretário-geral da CNBB (conferência dos bispos brasileiros), dom Leonardo Ulrich Steiner, bispo auxiliar de Brasília.

Aqui já não se fala na «luta» estampada na manchete, embora o sentido ainda seja o mesmo. No entanto, olhando a íntegra da entrevista que a própria matéria disponibiliza mais abaixo, não se encontra a frase entre aspas que abre a reportagem!

O que tem de mais parecido na entrevista de D. Leonardo é o seguinte:

Desse modo, a resposta para a declaração de pertença das pessoas à Igreja ganha um significado mais espiritual que estatístico. Falta-nos, a todos, mais disposição para a conversão de vida e adesão ao cerne da mensagem cristã que é formado pela busca intransigente da justiça e da vivência do amor até as últimas consequências.

Ao que parece, para a sra. Ana Estela de Sousa Pinto (que assina a reportagem), as aspas não significam mais uma citação literal. Aparentemente, no seu estilo jornalístico, o texto que vem entre estes conhecidos sinais gráficos tanto pode significar algo reproduzido literalmente, palavra a palavra, como pode ser qualquer coisa que o jornalista ache que foi dito por alguém. E o pior é que, aqui, o próprio sentido da declaração episcopal foi distorcido: não se trata apenas da mesma coisa dita com palavras diferentes (o que, empregado entre aspas, já seria um absurdo), mas de duas declarações completamente distintas. Porque uma coisa é a «luta por justiça» ser mais importante que o número de católicos, e outra coisa é a constatação de que falta, a todos, uma maior «adesão ao cerne da mensagem cristã»!

Quem passa os olhos pela manchete, ou mesmo quem lê apenas os primeiros parágrafos, fica com a impressão de que a CNBB faz pouco caso da apostasia de milhões de fiéis, trata-a com indiferença, julga que ela não importa; quando na verdade o que se lê na entrevista é um lamento e um pesar pelos tristes números que os anticlericais divulgaram na noite de Natal. Não há o tom de menosprezo que abre a matéria. Este escândalo, portanto, por uma questão de justiça, não seja colocado nas já sobrecarregadas costas de D. Leonardo Steiner. O desdém da instituição não está na pena do seu secretário-geral, mas sim na redação defeituosa da sra. Ana Estela.

Em segundo lugar, é preciso dizer que o número absolutamente não surpreende. Não é verdade que o Brasil seja um país de maioria católica; há muito dizemos que pode até ser grande o número de batizados, mas não o de católicos. Porque “católico não-praticante” é uma contradição em termos, uma vez que a Fé ou bem é vivida, ou não é crida simplesmente. Isso é muito fácil de explicar. Entre diversas outras coisas, a Fé Católica manda que se vá à Missa aos domingos e dias santos. Se a pessoa de ordinário não vai à Missa, então é porque ela não acredita que precise ir à Missa aos domingos e dias santos — não crê na Fé Católica portanto. Uma outra pesquisa feita em 2013 dava conta de que apenas 28% dos que se diziam católicos –ou seja, 16% da população — iam à Missa uma vez na semana. Ora, isso — a prática religiosa semanal — é absolutamente o mínimo! Com menos do que isso não dá para ser adepto do Catolicismo. O número real de católicos brasileiros, assim, deve estar perto de uns 14% da população — o que está bem longe dos 50% que a última pesquisa tão generosamente nos concede.

A vastidão da impiedade sem dúvidas nos entristece; é verdadeiramente de se pasmar que quatro em cada cinco dos nossos conterrâneos estejam privados da graça dos sacramentos sem a qual não é possível obter o perdão dos pecados e a amizade com Deus. É preciso rezar, e rezar muito!, como o Anjo ensinou em Fátima, pedindo perdão pelos que não amam a Nosso Senhor. É preciso fazer apostolado vigoroso e incansável; não nos é permitido ficar indiferentes diante desta multidão de almas se perdendo à falta dos remédios espirituais mais básicos, e que estão aí, ao alcance de uma caminhada, distribuídos em profusão nas igrejas que os nossos antepassados espalharam Brasil afora. Deus pediu a Caim contas do seu irmão (cf. Gn IV, 9); também nós seremos cobrados, e n’Aquele Dia não Lhe poderemos responder que não somos custodiantes das almas que aprouve a Ele colocar em nosso caminho.

Mas há um terceiro aspecto a ser mencionado. É que, talvez por um ato falho, quiçá pela primeira vez em muitos anos, a resposta da Conferência dos Bispos à apostasia católica é surpreendentemente adequada. Dom Steiner — eu vivi para ver isso! — disse que a Igreja «cuida do anúncio dos valores do Evangelho» e «sua missão central (…) é anunciar integralmente o Evangelho de Cristo».

Sim, a Missão da Igreja é levar a toda criatura humana — a todos os confins da terra — o Evangelho de Cristo, a Boa-Nova da Salvação, em toda a sua integridade: sem nada lhe acrescentar ou suprimir. Como a CNBB é conhecida por há décadas desfigurar a mensagem de Nosso Senhor (cabendo-lhe, em perturbadora parcela, a responsabilidade pelo êxodo de católicos que a Igreja no Brasil vem sofrendo ano após ano), é um alento ver no secretário-geral da CNBB, justo nele!, essa preocupação (ao menos diante da imprensa) com a integralidade do anúncio do Evangelho. Se isso, apenas isso!, fosse feito com os devidos zelo e dedicação, assistiríamos muito em breve a um maravilhoso reflorescimento da Igreja Católica na Terra de Santa Cruz.

A despeito das conotações políticas que a palavra tem no discurso público contemporâneo, «Justiça» é uma palavra muito cara à teologia bíblica e significa santidade. Neste sentido, a frase falsamente atribuída a D. Steiner seria profundamente católica e verdadeira, profética até: para além das pesquisas demográficas, o que importa é a luta pela santidade! Fazendo isso, somente isso!, Deus saberia abençoar o plantio e prover uma colheita generosa. Afinal, não foi o próprio Cristo quem disse que deveríamos buscar primeiro o Reino de Deus e a Sua Justiça, que tudo o mais nos seria dado por acréscimo (cf. Mt VI, 9)? Ouçamos as palavras d’Ele, inadvertidamente ecoadas na manchete adulterada de uma má jornalista. Saibamos lutar, com denodo e galhardia, pela justiça de Deus! Pois com isso teremos a certeza de que omnia adicientur nobis.

À luz da eternidade

Correndo os olhos pelo noticiário político, tenho cada vez menos vontade de escrever textos específicos sobre o assunto. As coisas, simultaneamente, parecem correr numa velocidade estonteante (a notícia de hoje pela manhã é já velha, tendo sido já esmiuçada e destrinchada por um sem-número de textos internet afora…) e não sair nunca do mesmo lugar (todos os protagonistas continuam onde sempre estiveram, por semanas, meses, anos a fio). O problema parece ser tão íntimo a nós próprios, tão próximo, que se confunde com a nossa história e a nossa índole, e (parece que) antes conseguiremos emancipar o homem pós-moderno da natureza humana que atingir um governo cujo fim precípuo não seja — ou pelo menos não explicitamente — espoliar o povo brasileiro.

O trabalho — de formiguinha! — que há de ser feito, embora não disponhamos absolutamente dos meios para o tornar socialmente significante, é bem conhecido: é a educação para a virtude, é a valorização da cultura, é o exercício da própria atividade no mundo com a devoção de um sacerdócio. Pode parecer pouco efetivo, e talvez o seja mesmo. Paciência, que ninguém está obrigado ao impossível; Deus haverá de nos julgar pelo (pouco) que conseguirmos fazer, ainda que fracassemos vergonhosamente em conduzir a nossa Pátria a um destino melhor do que este que hoje se lhe descortina.

À desesperança para com os rumos da Cidade dos Homens em cujo interior vivemos, contudo, não se nos deve somar espécie alguma de tibieza no que diz respeito aos nossos deveres cristãos para com o nosso horizonte próximo de influência: nossa família, nosso trabalho imediato, nossos amigos próximos. Se o destino dos reis e das nações foge ao nosso controle, cada vida é uma nação em miniatura e cada homem é rei e senhor do seu futuro. Talvez não dê para mudar o Brasil, mas decerto é possível salvar a própria alma — o que é muito mais importante.

A vida no século deve ser encarada à luz da Eternidade; somente assim é possível sobreviver-lhe. Aquela história de omnia hæc adicientur vobis (cf Mt 6, 33) tem implicações universais: também o bem público (só) é concedido aos homens por acréscimo. Não se ganha o mundo lutando contra ele; esta vitória só é possível alcançando Aquele que venceu o mundo. O mais é desperdiçar preciosas energias debatendo-se em vão.

As palavras do Papa Francisco no Brasil

O Papa falou um bocado quando esteve no Brasil; muito mais do que nós, ocupados que estávamos com a Jornada, podíamos acompanhar no turbilhão daqueles dias intensos. Nestes tempos de internet, contudo, é sempre possível recuperar depois as palavras que foram proferidas na Viagem Apostólica à Terra de Santa Cruz; é útil conhecermos o que o Papa Francisco julgou por bem falar enquanto esteve no Brasil.

aqui um .pdf que compila todos os discursos do Sumo Pontífice durante a JMJ. Abaixo, trago alguns excertos do que o Papa Francisco falou no Brasil. Não são os trechos mais importantes e nem talvez os mais representativos da Jornada, mas somente alguns recortes selecionados por mim que podem ser úteis à nossa meditação. E que, como em outras coisas que pus aqui no blog, faço votos de que possam servir para aguçar o interesse por conhecer mais profundamente o que o Vigário de Cristo disse quando visitou a nossa Pátria.

Ouçamos o Papa, ouçamos o Cristo-na-Terra, para que aqueles dias não sejam somente agradáveis lembranças das multidões reunidas. Para que possamos haurir deles o máximo que eles têm para nos dar. Para que, a partir deles, possamos verdadeiramente mudar a nossa vida. Para que eles possam dar os frutos que tantas pessoas se esforçaram por fazê-los dar.

* * *

– E atenção! A juventude é a janela pela qual o futuro entra no mundo. É a janela e, por isso, nos impõe grandes desafios. A nossa geração se demonstrará à altura da promessa contida em cada jovem quando souber abrir-lhe espaço. (Papa FranciscoCerimônia de boas-vindas no Jardim do Palácio Guanabara)

– Deus sempre surpreende, como o vinho novo, no Evangelho que ouvimos. Deus sempre nos reserva o melhor. Mas pede que nos deixemos surpreender pelo seu amor, que acolhamos as suas surpresas. Confiemos em Deus! Longe d’Ele, o vinho da alegria, o vinho da esperança, se esgota. Se nos aproximamos d’Ele, se permanecemos com Ele, aquilo que parece água fria, aquilo que é dificuldade, aquilo que é pecado, se transforma em vinho novo de amizade com Ele. (Papa Francisco, Santa Missa na Basílica do Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida)

– Eu penso que, neste momento, a civilização mundial ultrapassou os limites, ultrapassou os limites porque criou um tal culto do deus dinheiro, que estamos na presença de uma filosofia e uma prática de exclusão dos dois pólos da vida que constituem as promessas dos povos. A exclusão dos idosos, obviamente: alguém poderia ser levado a pensar que nisso exista, oculta, uma espécie de eutanásia, isto é, não se cuida dos idosos; mas há também uma eutanásia cultural, porque não se lhes deixa falar, não se lhes deixa agir. (Papa FranciscoEncontro com os jovens argentinos na Catedral Metropolitana)

– A fé em Jesus Cristo não é uma brincadeira; é uma coisa muito séria. É um escândalo que Deus tenha vindo fazer-se um de nós. É um escândalo que Ele tenha morrido numa cruz. É um escândalo: o escândalo da Cruz. A Cruz continua a escandalizar; mas é o único caminho seguro: o da Cruz, o de Jesus, o da Encarnação de Jesus. Por favor, não “espremam” a fé em Jesus Cristo. Há a espremedura de laranja, há a espremedura de maçã, há a espremedura de banana, mas, por favor, não bebam “espremedura” de fé. A fé é integral, não se espreme. (Papa FranciscoEncontro com os jovens argentinos na Catedral Metropolitana)

– Queridos amigos, certamente é necessário dar o pão a quem tem fome; é um ato de justiça. Mas existe também uma fome mais profunda, a fome de uma felicidade que só Deus pode saciar. Fome de dignidade. Não existe verdadeira promoção do bem-comum, nem verdadeiro desenvolvimento do homem, quando se ignoram os pilares fundamentais que sustentam uma nação, os seus bens imateriais: a vida, que é dom de Deus, um valor que deve ser sempre tutelado e promovido; a família, fundamento da convivência e remédio contra a desagregação social; a educação integral, que não se reduz a uma simples transmissão de informações com o fim de gerar lucro; a saúde, que deve buscar o bem-estar integral da pessoa, incluindo a dimensão espiritual, que é essencial para o equilíbrio humano e uma convivência saudável; a segurança, na convicção de que a violência só pode ser vencida a partir da mudança do coração humano. (Papa Francisco, Visita à Comunidade da Varginha em Manguinhos)

– Vejam, queridos amigos, a fé realiza na nossa vida uma revolução que podíamos chamar copernicana, porque nos tira do centro e o restitui a Deus; a fé nos imerge no seu amor que nos dá segurança, força, esperança. Aparentemente não muda nada, mas, no mais íntimo de nós mesmos, tudo muda. (Papa Francisco, Festa de Acolhida dos jovens na Praia de Copacabana)

– Deus é pura misericórdia! «Bote Cristo»: Ele lhe espera no encontro com a sua Carne na Eucaristia, Sacramento da sua presença, do seu sacrifício de amor, e na humanidade de tantos jovens que vão lhe enriquecer com a sua amizade, lhe encorajar com o seu testemunho de fé, lhe ensinar a linguagem da caridade, da bondade, do serviço. Você também, querido jovem, pode ser uma testemunha jubilosa do seu amor, uma testemunha corajosa do seu Evangelho para levar a este nosso mundo um pouco de luz. (Papa FranciscoFesta de Acolhida dos jovens na Praia de Copacabana)

– Queridos jovens, confiemos em Jesus, abandonemo-nos totalmente a Ele! Só em Cristo morto e ressuscitado encontramos salvação e redenção. Com Ele, o mal, o sofrimento e a morte não têm a última palavra, porque Ele nos dá a esperança e a vida. (Papa FranciscoVia-Sacra com os jovens na Praia de Copacabana)

–  Com a mesma parresia –coragem, ousadia– de Paulo e Barnabé, anunciemos o Evangelho aos nossos jovens para que encontrem Cristo, luz para o caminho, e se tornem construtores de um mundo mais fraterno. (Papa Francisco, Santa Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião).

– Não é a criatividade pastoral, não são as reuniões ou planejamentos que garantem os frutos, mas ser fiel a Jesus, que nos diz com insistência: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós” (Jo 15, 4). (Papa FranciscoSanta Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião)

– Jesus fez assim com os seus discípulos: não os manteve colados a si, como uma galinha com os seus pintinhos; Ele os enviou! Não podemos ficar encerrados na paróquia, nas nossas comunidades, quando há tanta gente esperando o Evangelho! (Papa FranciscoSanta Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião)

– Não queremos ser presunçosos, impondo as “nossas verdades”. O que nos guia é a certeza humilde e feliz de quem foi encontrado, alcançado e transformado pela Verdade que é Cristo, e não pode deixar de anunciá-la (cf. Lc 24, 13-35). (Papa FranciscoSanta Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião)

– Quem atua responsavelmente, submete a própria ação aos direitos dos outros e ao juízo de Deus. Este sentido ético aparece, nos nossos dias, como um desafio histórico sem precedentes. Além da racionalidade científica e técnica, na atual situação, impõe-se o vínculo moral com uma responsabilidade social e profundamente solidária. (Papa FranciscoEncontro com os Representantes da Sociedade brasileira no Teatro Municipal)

– Jesus nos oferece algo muito superior que a Copa do Mundo! Algo maior que a Copa do Mundo! Oferece-nos a possibilidade de uma vida fecunda e feliz. E nos oferece também um futuro com Ele que não terá fim: a vida eterna. É o que Jesus oferece. Mas ele pede que paguemos a ingresso. Jesus pede que treinemos para estar ‘em forma’, para enfrentar, sem medo, todas as situações da vida, dando testemunhos de fé. Como? Através do diálogo com Ele: a oração, que é um diálogo diário com Deus que sempre nos escuta. (Papa Francisco, Vigília de oração com os jovens em Copacabana)

– Vocês têm o futuro nas mãos. Por vocês, é que o futuro chegará. Peço que vocês também sejam protagonistas, superando a apatia e oferecendo uma resposta cristã às inquietações sociais políticas que se colocam em diversas questões do mundo. Peço que sejam construtores do mundo. Envolvam-se num mundo melhor. Por favor, jovens, não sejam covardes, metam-se, saiam para a vida. (Papa FranciscoVigília de oração com os jovens em Copacabana)

– Mas, atenção! Jesus não disse: se vocês quiserem, se tiverem tempo, mas: «Ide e fazei discípulos entre todas as nações». Partilhar a experiência da fé, testemunhar a fé, anunciar o Evangelho é o mandato que o Senhor confia a toda a Igreja, também a você. É uma ordem sim; mas não nasce da vontade de domínio ou de poder, nasce da força do amor. (Papa FranciscoSanta Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude em Copacabana)

– O Brasil, a América Latina, o mundo precisa de Cristo! Paulo exclama: «Ai de mim se eu não pregar o evangelho!» (1Co 9,16). Este Continente recebeu o anúncio do Evangelho, que marcou o seu caminho e produziu muito fruto. Agora este anúncio é confiado também a vocês, para que ressoe com uma força renovada. A Igreja precisa de vocês, do entusiasmo, da criatividade e da alegria que lhes caracterizam! Um grande apóstolo do Brasil, o Bem-aventurado José de Anchieta, partiu em missão quando tinha apenas dezenove anos! Sabem qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem! Este é o caminho a ser percorrido! (Papa FranciscoSanta Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude em Copacabana)

– Além disso, Jesus não disse: «Vai», mas «Ide»: somos enviados em grupo. Queridos jovens, sintam a companhia de toda a Igreja e também a comunhão dos Santos nesta missão.  (Papa FranciscoSanta Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude em Copacabana)

– Eis aqui, queridos amigos o nosso modelo. Aquela que recebeu o dom mais precioso de Deus, como primeiro gesto de resposta, põe-se a caminho para servir e levar Jesus. Peçamos a Nossa Senhora que também nos ajude a transmitir a alegria de Cristo aos nossos familiares, aos nossos companheiros, aos nossos amigos, a todas as pessoas. Nunca tenham medo de ser generosos com Cristo! Vale a pena! (Papa FranciscoOração do Angelus Domini em Copacabana)

– A resposta às questões existenciais do homem de hoje, especialmente das novas gerações, atendendo à sua linguagem, entranha uma mudança fecunda que devemos realizar com a ajuda do Evangelho, do Magistério e da Doutrina Social da Igreja. (Papa Francisco, Encontro com a Comissão de Coordenação do CELAM no Centro de Estudos do Sumaré)

– É uma tentação que se verificou na Igreja desde o início: procurar uma hermenêutica de interpretação evangélica fora da própria mensagem do Evangelho e fora da Igreja. (Papa Francisco, Encontro com a Comissão de Coordenação do CELAM no Centro de Estudos do Sumaré)

– Deus é real e se manifesta no “hoje”. A sua presença, no passado, se nos oferece como “memória” da saga de salvação realizada quer em seu povo quer em cada um de nós; no futuro, se nos oferece como “promessa” e esperança. No passado, Deus esteve lá e deixou sua marca: a memória nos ajuda encontrá-lo; no futuro, é apenas promessa… e não está nos mil e um “futuríveis”. O “hoje” é o que mais se parece com a eternidade; mais ainda: o “hoje” é uma centelha de eternidade. No “hoje”, se joga a vida eterna. (Papa Francisco, Encontro com a Comissão de Coordenação do CELAM no Centro de Estudos do Sumaré)

– Alguns são chamados a se santificar constituindo uma família através do sacramento do Matrimônio. Há quem diga que hoje o casamento está “fora de moda”; está fora de moda? na cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é “curtir” o momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas, “para sempre”, uma vez que não se sabe o que reserva o amanhã. (Papa FranciscoEncontro com os Voluntários da XXVIII JMJ no Pavilhão 5 do Rio Centro)

– Em vista disso eu peço que vocês sejam revolucionários, que vão contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, que não são capazes de amar de verdade. (Papa FranciscoEncontro com os Voluntários da XXVIII JMJ no Pavilhão 5 do Rio Centro)

– Continuarei a nutrir uma esperança imensa nos jovens do Brasil e do mundo inteiro: através deles, Cristo está preparando uma nova primavera em todo o mundo. Eu vi os primeiros resultados desta sementeira; outros rejubilarão com a rica colheita! (Papa FranciscoCerimônia de despedida no Aeroporto Internacional Galeão/Antônio Carlos Jobim)

– Uma última coisa: rezem por mim.

(Papa FranciscoEncontro com os Voluntários da XXVIII JMJ
no Pavilhão 5 do Rio Centro
)

Estatuto do Nascituro aprovado na CFT!

No final desta manhã, o Estatuto do Nascituro foi aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Votação simbólica, com apenas quatro ou cinco oposições. Agora o projeto segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Nossos agradecimentos a todos os que colaboraram, de uma forma ou de outra, para este importante resultado. Vencemos esta batalha! Mas a guerra continua.

Abaixo, uma foto dos céus de Brasília sobre a Marcha da Cidadania pela Vida de ontem. Outras podem ser encontradas no Flickr do Brasil Sem Aborto.

marcha-bsa

Que orvalhem os Céus sobre nós, e que brote a justiça deste solo brasileiro. Já basta de dor e de iniqüidade, já basta de crimes e de omissão. Que nos ajudem os Céus, os Eternos, que sobre nós brilham com muito mais fulgor e beleza do que este do Planalto Central ao entardecer. Levantai-Vos, ó Virgem Aparecida, e defendei Vosso Brasil!

É, senhores bispos, está difícil segurar o rojão…

Não basta o avanço do ateísmo; não é suficiente o laicismo proselitista que sufoca o Brasil. Não basta a militância pró-aborto, não chega o gayzismo desenfreado, não é o bastante a erotização da sociedade. Não chega o avanço das seitas, não bastam os protestantes vomitando impropérios contra a Igreja, não é suficiente o espiritismo esvaziando a mensagem cristã de sua essência. Não é o bastante a destruição da Família, a desmoralização da Igreja, o apodrecimento da civilização, a troca de valores morais multisseculares pelas depravações da moda. Não chega nem mesmo a luta quotidiana que cada um de nós precisa travar pela própria santificação; parece que nós estamos profundamente relaxados, porque a CNBB – ah, a CNBB! – resolveu mais uma vez dar uma força aos inimigos de Cristo e munir-lhes de razões para zombar dos católicos.

O tal “Credo da Juventude” que o Fratres publicou é um deboche, e as reações a ele (p.ex. aqui e aqui) eram extremamente previsíveis e quase dá vontade de dizer que é bem empregado. Depois a CNBB vem questionar a evasão de católicos; ora, o que se pode esperar desse catolicismo de débeis mentais divulgado nos textos da Conferência?

Eu li o “Caminhando para a JMJ 2013”. Antes de continuar, um pequeno parêntese: apóio com muito entusiasmo a Jornada Mundial da Juventude sim, mas não as patacoadas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O que eu defendo aqui no Deus lo Vult! é a seriedade da JMJ, e não da CNBB. As idiotices que a Conferência faz, portanto, nada têm a ver com a essência da Jornada: ao contrário, são somente (mais!) tentativas de expôr o Catolicismo ao ridículo e à irrelevância – ou seja, é o contrário mesmo do que objetiva a JMJ.

Voltemos. Eu li aquele “Subsídio para Adultos” da CNBB. O pior é que o livreto tem os seus méritos. A seção de “Perguntas e Respostas”, p.ex., nas páginas 15-25, é bastante útil e está bem feita. O esquema proposto para os encontros, com o seu “Texto Bíblico”, “Meditação”, “Orientações para preces” e “Contemplação”, segue as linhas mestras da Lectio Divina: lectio, meditatio, oratio e contemplatio. Portanto, há atividade intelectual católica por trás do material, os responsáveis por ele eram capazes de fazer um trabalho bem feito. O que só torna os erros mais graves.

A obra de arte em questão está lá na página 31, como “Oração Final” proposta para um dos encontros. Não bastasse a irritante e estúpida insistência no emprego dos dois gêneros – é um “o jovem e a jovem” pra lá, “todo jovem e toda jovem” pra cá – e não fosse suficiente o nonsense teológico que é confundir admiração com profissão de Fé e apresentar características louváveis da juventude como objeto de um “Credo”, o texto é patético nas palavras que escolhe, nas imagens que evoca, nas situações que apresenta! Francamente, a “rapaziada (…) que segura o rojão”, os jovens que “sabem dizer sim e também dizer não”, a crença em que “todos e todas seremos irmãos e irmãs” (argh!), o “Deus Pai e Mãe, Libertador”… gente, o que é isso, é uma redação de aluno de segunda série? O que pretendem os senhores bispos com a apresentação desse cristianismo retardado, alguém pode me explicar?

Isso é uma palhaçada. Propôr uma babaquice dessa magnitude para adultos rezarem (!) é escarnecer da Fé Católica, é debochar do Cristianismo, é zombar da Igreja de Cristo e voltar a crucificar Nosso Senhor. A Fé é coisa séria e portanto a sua transmissão só pode ser feita com seriedade, é evidente, e não por meio desses textos ridículos que tratam os seus leitores como debilóides.

Parece-me óbvio que o mais provável é que tenha vergonha de ser católico uma pessoa normal que seja apresenta a uma “oração” desse nível. E como a CNBB espera convencer alguém a ser católico expondo-o ao ridículo e à zombaria? Como ela espera que a Fé seja levada a sério se a apresenta de modo tão imbecil? Como espera tornar a Igreja relevante no mundo moderno oferecendo razões para debocharem d’Ela?

Como se não bastasse tudo o que nós temos que fazer, ainda precisamos ser ridicularizados assim por aqueles que deviam defender e guardar a Fé! É, senhores bispos, muito obrigado pelo favor! Vou lhes dizer: está difícil segurar esse rojão. Que Deus nos ajude! Porque no que depender desses textos nós estamos muito mal na fita.

P.S.: A inspiração do texto:

Velhas falácias em uma roupagem não tão nova assim: o CFM e o aborto

Na última segunda-feira (18 de março), o “Contra o Aborto” fez uma oportuna denúncia: o Conselho Federal de Medicina (CFM) deu os braços à militância abortista para fazer lobby a favor da legalização do aborto no Brasil. Ontem (20 de março), o “Blog da Vida” publicou uma importante matéria chamada “Por que os motivos do CFM para apoiar o aborto não se sustentam?”, levantando questões bem pertinentes (e incômodas…) sobre as alegadas razões do CFM para o órgão se posicionar a favor do aborto. Estes dois textos põem a tagarelice abortista a descoberto e dirimem (pela milésima vez) a questão para quem não tem compromissos ideológicos com a cultura da morte. Ontem, portanto, estavam já sepultados os sofismas dos quais recentemente os burocratas do CFM lançaram mão para minar a defesa da vida no Brasil. O zelo dos pró-vida brasileiros garantiu que a refutação deles estivesse disponível antes mesmo que a imprensa começasse a divulgá-los, trabalho pelo qual estão de parabéns.

A despeito do atraso, com monótona previsibilidade, o establishment tomou partido do Conselho. Hoje, os órgãos de mídia parecem não falar em outra coisa! Em particular, o Sakamoto ressuscitou velhos sofismas e preconceitos puídos para encher de clichês o seu blog:

  • “defesa do direito ao aborto é diferente de defesa do aborto…”
  • “aborto hoje é legal para quem é rico…”
  • “[a] discussão não é quando começa a vida, sobre isso dificilmente chegaremos ao um consenso, mas as mulheres que estão morrendo nesse processo…”
  • “eles [os abortos] vão acontecer legal ou ilegalmente…”
  • “[n]egar a uma mulher o direito a realizá-lo [o aborto] é equivalente a dizer que ela não tem autonomia sobre seu corpo…”
  • “podemos entregar a questão da saúde pública aos cuidados da Igreja Católica…”
  • “[d]efendo incondicionalmente o direito da mulher sobre seu corpo…”
  • “o Estado brasileiro, laico, não pode se basear em argumentos religiosos para tomar decisões de saúde pública ou que não garantam direitos individuais…”
  • “não se pode defender que minhas crenças, físicas ou metafísicas, se sobreponham à dignidade dos outros…”

Incrível, não? Em pleno século XXI o cara me sai com este discurso do século passado, mais furado que tábua de pirulito e mais mentiroso do que propaganda eleitoral gratuita! E o pior é que ele não se dá sequer ao trabalho de argumentar: simplesmente vomita as mesmas bobagens de sempre, como se elas fossem alguma novidade intelectualmente relevante às quais nunca ninguém tivesse sequer tentado dar resposta.

Rapidamente, ajudemos o Sakamoto a se situar no mundo moderno e tragamos à mesa o que já se disse sobre o assunto (sobre o qual ele prefere lançar um cômodo manto de silêncio, fingindo que nunca existiu ou que não é com ele):

  • Defender o direito de se fazer alguma coisa e defender a própria coisa são posições estreitamente afins, de modo que não é possível conceber um sistema de valores no qual a primeira seja moralmente exigível e, a segunda, execrável e inadmissível. A distinção é completamente irrelevante para o mérito da celeuma. Ainda: no caso concreto, insinuar que seja possível defender um “direito” mas não o exercício desse “direito” chega a ser ridículo e ofensivo à inteligência dos adversários.
  • Sim, crimes sempre vão continuar acontecendo e, sim, quanto mais recursos uma pessoa tiver mais fácil será para ela cometer um crime e permanecer impune. Isso é lamentável, mas é uma característica das relações humanas da qual os contemporâneos (e indignantes) crimes de corrupção política são talvez o exemplo mais embaraçosamente eloqüente. A óbvia bandeira de luta a ser levantada diante disso é pela punição dos poderosos, é lógico. Querer democratizar o acesso à degeneração moral e garantir que os pobres também possam cometer “em segurança” os crimes dos ricos é simplesmente nonsense.
  • Nenhum direito é absoluto. A partir do momento em que uma mulher carrega um outro ser humano no ventre ela deixa, sim, de poder dispôr do seu corpo da mesma forma que fazia quando não estava grávida. Isto é uma decorrência imediata do princípio da igualdade fundamental entre todos os homens, fundamento basilar de qualquer sistema de direitos humanos que se possa conceber.
  • Não existe nenhuma discussão sobre “quando começa a vida”, esta resposta já foi dada há muito tempo pela genética e pela embriologia: com a junção dos gametas masculino e feminino surge um novo indivíduo, distinto dos seus progenitores, que é humano e está vivo. Qualquer tentativa de negação dessa verdade é arbitrária e ideológica, nunca racional. O que os defensores do aborto propagam é que alguns seres humanos são mais humanos do que outros: e sobre tão bárbara crença, de fato, nós nunca chegaremos a um acordo.
  • Nenhum dos pontos acima é um “argumento religioso”; são sempre os promotores do aborto que trazem o tema “religião” à baila, numa tentativa patética e desesperada de desqualificar uma discussão incômoda que eles não são capazes de travar com honestidade intelectual.

Enfim, nada de novo sob o sol. No entanto, é de se lamentar que os defensores do aborto não estejam mais sequer fingindo argumentar, e tenham aparentemente partido para a estratégia de ignorar cinicamente tudo o que já se disse contra a posição macabra que eles defendem. É de se lamentar que, agora, a ideologia abortista se limite a papagaiar de tempos em tempos a mesmíssima cantilena que lhe embalou as vergonhosas derrotas passadas, sem nem sequer fingir debater mais.

Rascunhos sobre a conferência de Dom Bertrand no Círculo Católico

Ontem à noite eu fui ao Círculo Católico para assistir à palestra de Dom Bertrand. O tema originalmente previsto era a «Psicose Ambientalista», título do seu livro cujo lançamento ocorrera na véspera, na Livraria Saraiva do Shopping RioMar; mas Sua Alteza, orador valoroso, com muita graça discorreu também sobre diversos outros assuntos, brindando a platéia com os seus vastos conhecimentos sobre temas gerais de história, catolicismo, civilização.

Sobre o tema do ambientalismo em si, ele teve o cuidado de separar o – necessário! – cuidado do planeta do lobby moderno que, imbuído de um forte viés ideológico anti-cristão, intenta produzir nas pessoas um sentimento de pânico e de paranóia ante um alegado cataclismo global climático iminente. Deus Nosso Senhor criou a Natureza para o homem e, este, foi colocado pelo Altíssimo no Jardim do Éden para o cultivar e guardar, como lemos nas Escrituras Sagradas. É óbvio que não podemos dilapidar a Criação do Todo-Poderoso; mas é preciso ter bem claro que o catastrofismo corrente não nos ajuda a preservar melhor o planeta que Deus nos deu. Em particular, os brasileiros não somos os irresponsáveis poluidores que uma superficial leitura da nossa mídia pode nos levar a crer: embora sejamos o quinto maior país do mundo, a nossa “contribuição” para a poluição atmosférica é de menos de 2%. Ficamos (muito) atrás de países como a China (esta sim a grande poluidora, responsável por cerca de 20% da emissão global de gases poluentes), os Estados Unidos, a Índia e a Rússia. Em números absolutos, somos o décimo-alguma-coisa; se os colocarmos em termos proporcionais à população e considerarmos a poluição per capita, ficamos para lá do centésimo lugar: o que, bem dito, significa que somos um dos países que menos poluem atualmente.

Citando estudos (se a memória não me trai) da Embrapa, Dom Bertrand opôs ao terrorismo midiático alguns dados bem menos apocalípticos. O nosso bioma amazônico ainda está em sua esmagadora maior parte intacto, e a relativa derrubada da Mata Amazônica necessária para abrigar (e sustentar) as nossas cidades é um preço bem razoável a ser pago para que tenhamos hoje uma civilização que Cabral não encontrou quando atracou nesta então chamada Ilha de Vera Cruz. A temperatura média global ao longo dos últimos cem anos variou menos de um grau centígrado; e, se as calotas polares do Pólo Norte estão de fato reduzindo, as geleiras do Pólo Sul (substancialmente mais densas do que as árticas) ainda estão crescendo. Lembrando alguns dados históricos que os eco-terroristas soem esquecer, Sua Alteza falou-nos da Groenlândia – hoje praticamente só gelo -, que tem o nome derivado justamente de “Green Land”, “Terra Verde”: na Idade Média, o clima lá era muito mais quente do que hoje em dia, o que possibilitava a existência de plantações e campos tão vastos que batizaram o território com a cor de sua vegetação. E, sobre emissões de CO2, o Príncipe lembrou-nos o singelo fato [p.s.: decerto mais retórico-ilustrativo do que estatisticamente rigoroso] de que uma única erupção vulcânica é capaz de lançar na atmosfera mais gás carbônico do que toda a atividade humana acumulada da Revolução Industrial até hoje. Obviamente, nada disso nos exime do cuidado com o planeta e não pode ser usado como desculpa para o mau uso dos recursos naturais: mas serve para que as coisas sejam colocadas em perspectiva e para nos ajudar a distinguir os fatos das ideologias.

Aproveitando o espaço e a receptividade do público, Dom Bertrand falou-nos ainda de diversas amenidades. Cito duas. Uma: a idéia de se construir a estátua do Cristo Redentor (que hoje pode-se encontrar embelezando o Rio de Janeiro) partiu da Princesa Isabel após a assinatura da Lei Áurea: diante da euforia do povo que a queria homenagear com um monumento em sua honra pela remissão da escravatura, a monarca disse que eles deviam era erigir uma estátua em honra de Cristo, o verdadeiro Redentor da humanidade. Outra: na época da Colonização, havia na Patagônia uma tribo de índios bem peculiar. Monoteístas e monogâmicos, havia entre eles uma lenda antiga – passada de pai para filho – de que, um dia, viriam uns homens de preto que lhes instruiriam a respeito das coisas do Céu. Quando os missionários (salesianos, se a memória não me falha) chegaram, os índios os receberam com grande júbilo e docilidade, e abraçaram maciçamente a Fé Católica que aqueles sacerdotes tinham atravessado o oceano para lhes transmitir.

A conferência foi edificante, a noite foi bastante agradável, o evento foi deveras proveitoso. Os nossos agradecimentos ao Círculo Católico de Pernambuco, que proporcionou este encontro, e a Sua Alteza Dom Bertrand, que tão generosamente aceitou falar-nos ontem à noite. Que a Virgem Santíssima os possa recompensar. E a nós, nutridos pelas palavras que ontem ouvimos, cumpre fazermos a nossa parte nesta luta pela Civilização Cristã: guardando, defendendo e transmitindo o que de nossos pais recebemos. É um combate no qual temos a ajuda dos Céus! Que Deus nos faça, a cada dia, menos indignos do papel que Ele nos reservou neste mundo.

A cada vinte casais, o Brasil perde um casal

A notícia é do mês passado, mas alterações significativas nestas coisas demoram muito para acontecer e, portanto, ela ainda é sem dúvidas muito atual: taxa de fecundidade no Brasil cai [de novo!] e é menor entre mais jovens e instruídas, segundo notícia de G1. O gráfico apresentado na matéria é assustador:

Como a gente sabe, a taxa de reposição da população é de 2,1 filhos por mulher, e é muito fácil entender o porquê disso: no mundo matematicamente perfeito esta taxa seria de 2 (i.e., estar-se-ia substituindo dois pais por dois filhos, ou seja, mantendo o número total de habitantes intacto), e este 0,1 é necessário para contemplar as exceções (sei lá, pessoas que morrem antes de chegar à idade adulta, talvez). Mas o fato matematicamente incontestável é que 1,9 filhos por mulher não consegue manter nenhuma população. A esta taxa, cada vinte pessoas (= dez casais) só estão deixando dezenove para o futuro; a cada vinte casais, o Brasil perde um casal, o que representa uma perda de no mínimo 5% a cada geração. E ninguém precisa ser gênio para entender que, trocando 100 por 95 ao longo dos anos, um dia a casa quebra.

O gráfico mostra a involução da taxa de fecundidade brasileiro num intervalo de 70 anos, de 1940 até 2010. A queda é vertiginosa e, no Brasil atual, somente a Região Norte mantém uma taxa de fecundidade acima da de reposição. Mas o pior talvez esteja justamente no fato que G1 apresenta logo na manchete: esta taxa de fecundidade é menor entre as mais jovens e mais instruídas.

As mais jovens e as mais instruídas, ou seja, exatamente aquelas que tinham maior obrigação (porque têm maiores possibilidades) de deixar uma contribuição humana mais generosa ao planeta! No entanto, são exatamente estas as que estão na vanguarda da mentalidade anti-natalícia irresponsável. Sempre que eu leio uma notícia assim, não consigo deixar de lembrar do Idiocracy – e de como os nossos maus costumes persistem estupidamente apesar do ridendo castigat mores generalizado a ponto de chegar aos besteiróis americanos.

E a situação é tanto mais angustiante quanto menos se vislumbra, no horizonte, uma possibilidade de reverter este quadro macabro. Taxas de natalidade não são números em máquinas cuja produção pode ser aumentada ou diminuída apertando-se dois botões. No fundo, o anti-natural controle de natalidade exige o cultivo de uma mentalidade egoísta e hedonista que, uma vez enraizada numa sociedade, é muito difícil de ser arrancada. E este já é o mundo em que vivemos: um mundo onde os outros não são bem-vindos porque já nos consideramos auto-suficientes demais. Um mundo onde a nossa adolescência mimada e mesquinha perdura por muitos e muitos anos depois de já termos entrado na vida adulta. Um mundo onde sacrificar um pouco de si em prol do futuro da humanidade simplesmente não faz mais sentido para muita gente. Um mundo que agoniza, porque parece não ter mais em si nem sequer vontade de sobreviver.