As imagens religiosas e a intolerância na Facvldade de Direito do Recife

No século XIX, a Facvldade de Direito do Recife foi solenemente consagrada a Nossa Senhora do Bom Conselho, dora em diante tornada a padroeira dos estudantes de direito da referida instituição. A imagem que provavelmente foi legada à Casa na ocasião encontra-se atualmente (e confesso não saber ao certo a partir de quando) como parte do acervo do Museu Franciscano de Arte Sacra.

Em 2007, na comemoração dos 150 anos da supracitada consagração, um grupo de estudantes ofereceu-se para intermediar a doação de uma imagem da Mater Boni Consilii à Casa, a fim de marcar o sesquicentenário. A matéria foi apreciada pelo Conselho Departamental – órgão deliberativo máximo da FDR – que, em sessão realizada aos 04 de dezembro de 2007, aprovou a doação, tomando diversas diligências para a oficialização do gesto.

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Foi designado um professor para supervisionar o processo, pouco tempo depois culminado com a solenidade de doação da imagem, que foi conduzida pelo Cerimonial da Universidade e acompanhada por diversos representantes do corpo docente e discente, pela pró-reitora da UFPE e pelo presidente do Diretório Acadêmico. Passava, desde então, a integrar o patrimônio público da Universidade Federal de Pernambuco.

Cerimônia de entronização da imagem de N. S. do Bom Conselho

A imagem, até a semana passada, ocupava – já há anos – um lugar discreto no hall lateral do edifício, sobre uma mesa, com uma pequena placa indicando as circunstâncias da doação. Não é o lugar que aparece nas fotos acima, mas um bastante similar, do lado oposto.

No último dia 17 de novembro, contudo, segunda feira próxima passada, determinado movimento estudantil atuante na FDR – o Movimento Zoada – adquiriu uma imagem de Iansã (uma divindade afro) e, sem obedecer a nenhuma formalidade administrativa, numa pantomima grotesca da cerimônia acima referida, afastou a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho da mesa onde ela se encontrava para a aposição, ao lado dela, da do orixá. O ato, apresentado como parte da I Semana da Consciência Negra da Faculdade de Direito do Recife, foi interpretado por alguns católicos como provocativo e suscitou vivo debate entre os estudantes.

No dia 20 de novembro, pela manhã, descobriu-se que a imagem de Iansã fora danificada, tendo a sua cabeça quebrada e separada do corpo. O vandalismo provocou viva indignação de toda a comunidade acadêmica e levou a direção a remover todas as imagens do local, até deliberação do próximo Conselho Departamental que está marcado para esta semana.

Os meios de comunicação fizeram verdadeira e macabra festa em torno do cadáver, apresentando o ato como uma vergonhosa manifestação de racismo e intolerância religiosa, com grave prejuízo para a imagem da instituição perante a opinião pública. Para quem vê de fora, fica parecendo que algum membro da Casa, em atitude racista ou de intolerância religiosa, destruiu um símbolo da cultura afro que estava civilizadamente exposto no prédio onde funciona a Facvldade de Direito do Recife.

Eu, na qualidade de discente da Casa e, portanto, de observador interno de toda essa patacoada, sinto-me em condições de apresentar algumas informações a respeito do ocorrido:

1. Para a maior parte das pessoas, católicas ou não católicas, a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho nunca provocou maiores incômodos, sendo interpretada como um objeto decorativo que contava uma parte da história da Facvldade e sobre a qual, portanto, nunca houve necessidade de se suscitar grande polêmica.

2. Também sempre houve, quer no corpo discente, quer no docente, algumas pessoas profundamente incomodadas com a presença da padroeira dos estudantes de Direito do Recife no interior do prédio da Facvldade. Reclamavam contra essa flagrante violação da laicidade constitucional. Ao que consta, já chegaram inclusive a ser enviados requerimentos administrativos pedindo a retirada da imagem, sob este argumento, tendo todos eles sido indeferidos.

3. A razão pela qual a pretensão de remover a imagem da Virgem do Bom Conselho sempre fracassou é bastante óbvia: os que a levantavam eram apenas minoritários descontentes inflamando uma polêmica já pacificada e buscando ressuscitar uma questão já anteriormente decidida. Os símbolos religiosos nos prédios públicos não ferem a laicidade do Estado quando se trata de elementos histórico-culturais: a imagem específica da Virgem do Bom Conselho (e não outra imagem) estava no hall lateral do Palácio não para fazer proselitismo religioso, mas para contar um pedaço da história da Casa.

4. (É esta a razão, inclusive, pela qual não procede, em absoluto, o argumento nonsense de que “se coloca um, então tem que colocar tudo”: há casos em que a função do símbolo religioso em público não é a de representar a religião do povo, e sim a de prestar um tributo à história do país. É por conta de determinadas contingências históricas que os nossos quartéis, por exemplo, guardam ainda imagens da Conceição dos Militares, ou as nossas cédulas de Real ostentam a Marianne revolucionária, ou a cidade de Salvador tem enormes orixás dançando despreocupadamente em público no Dique do Tororó. Tais símbolos, embora conservem o seu caráter religioso, não desempenham função específica de culto, razão pela qual não incorrem na norma constitucional que proíbe ao Estado “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança” (Art. 19, I, CF). Não tem lógica, portanto, exigir representação isonômica, nos prédios públicos, das religiões do povo brasileiro: prédio público não é lugar para “representar” religião alguma, e os símbolos religiosos lá presentes não estão desempenhando este papel.)

5. É este entendimento o que prevalece na sociedade atual, quando a maior parte das pessoas não se mostra particularmente ofendida em suas crenças íntimas diante de um Crucifixo num tribunal ou de Thêmis na frente do STF. É este o entendimento que prevaleceu no CNJ, quando do julgamento que indeferiu os pedidos para a remoção de crucifixos das dependências do Judiciário. É este o entendimento, por fim, que prevaleceu no Conselho Departamental de 2007 acima referido, que decidiu que a presença de uma imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho no prédio da Facvldade de Direito do Recife não violava a laicidade do Estado.

6. É impossível não enxergar relação entre o incômodo que a imagem da santa católica provocava em alguns e o estardalhaço feito recentemente com a doação da imagem de Iansã: primeiro porque as mesmas pessoas que sempre defenderam a retirada da imagem católica foram as mais ardentes defensoras da permanência da da divindade africana; depois porque tudo foi conduzido de forma a acirrar os ânimos religiosos o mais possível; terceiro porque não faltaram membros do corpo discente e docente a falar, em público, coisas como “que a polêmica gerada pode dar frutos positivos e visibilidade à necessidade de se combater os discursos do ódio e da intolerância” – no caso, o discurso católico de que era ofensiva e desrespeitosa a colocação e a permanência da imagem de Iansã ao lado da de Nossa Senhora; por fim, porque agora as duas imagens foram retiradas e a relativa tranquilidade em que se encontra a Casa parece dar indícios de que o verdadeiro objetivo foi atingido: conseguiu-se um fato novo para levar ao Conselho a fim de anular a decisão pelo órgão tomada em 2007 e, no final das contas, alcançar o direito mesquinho de ostentar a intolerante Mesa Vazia no lugar onde os últimos anos viram repousar a serena imagem da Virgem do Bom Conselho.

7. Em declaração à mídia local, uma militante do acima referido Movimento Zoada – responsável pela “doação” à brasileira da imagem de Iansã – afirmou quanto segue:

Ainda em entrevista ao LeiaJá, a integrante do Zoada, Brisa Lira, afirmou que boa parte dos participantes não são adeptos ao candomblé. A própria estudante se diz ateia e garantiu que colocar a Iansã na Faculdade foi “apenas um ato político”. “Meu sentimento em relação ao acontecido é de total intolerância política”, completou Brisa.

8. Ou seja, a colocação da imagem de Iansã, além de não seguir as exigências legais a que se submeteram os estudantes que, em 2007, doaram a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho, ainda foi feita sem nenhuma motivação religiosa sincera: tratou-se tão somente da utilização política de um símbolo sagrado – de uma religião da qual os responsáveis pelo ato não são adeptos – para atacar uma situação que eles, contrariamente ao brasileiro médio, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Deliberativo do CCJ/UFPE, consideravam injusta. É um escândalo que essa artimanha incivilizada prevaleça e, por conta dela, os derrotados em todas as esferas legais consigam reverter, ad baculum, uma decisão administrativa já há anos definitiva!

9. Last but not least, cabe perguntar quem foi que quebrou a imagem da Iansã. Como nenhuma investigação sobre o assunto foi concluída, a autoria do ato de vandalismo é, até o presente momento, desconhecida. Sendo desconhecido o autor, com ainda mais razão são desconhecidas as intenções que o motivaram a fazer o que fez. Não é possível, portanto, falar que a decapitação da imagem africana tenha sido um ato de intolerância! Com os elementos dos quais dispomos atualmente, pode ter sido qualquer coisa: tanto pode ter sido um acidente quanto uma manifestação preternatural de um Xangô furioso com a utilização desrespeitosa da imagem de sua esposa, tanto pode ter sido um cristão revoltado com a profanação da imagem da Virgem do Bom Conselho quanto um membro de algum movimento estudantil de esquerda que vislumbrou na polêmica uma oportunidade de ouro para conseguir enfim retirar da FDR a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho – e de quebra ainda culpando os católicos.

É esta a triste situação atual: um mal-estar generalizado, um profundo desrespeito à religião católica e ao Candomblé, uma sórdida capitalização político-ideológica de um ato de vandalismo cujas reais motivações ninguém sabe, e um anteparo vazio no hall da FDR. Esperemos o desenrolar dos próximos acontecimentos. Veremos se o Conselho vai respeitar a decisão tomada em 2007 ou vai abaixar a cabeça subserviente diante da truculência dos iconoclastas. Vejamos se ele vai se impôr contra essa terrível falta de caráter na última semana realizada… ou se vai se deixar ser zoado.

Sobre o assunto, ler também (no Facebook):

Vou tentar explicar que da melhor forma que consigo

Vamos falar de igualdade de tratamento?

Já que fui citado…

Em defesa de Iansã.

«Lei natural e catolicidade» – Carlos Ramalhete

Fonte: Facebook

Uma experiência científica interessante, comparável com aquelas em que pesquisadores soltam carteiras pelas cidades do mundo para medir quantas são devolvidas, seria a de furtar abertamente bens alheios em todas as culturas do mundo. Tomar o chocalho do cacique, a espada do guerreiro, o sapato da velhinha, o pirulito da criança. E ficar ali, de bobeira, esperando para ver o que iria acontecer.

Arrisco o chute: o pesquisador levaria uma bela coça na imensa maioria dos lugares, e nos outros seria conduzido a algum sucedâneo formal da mesmíssima coça: cadeia, chibatadas, “bolos” de palmatória, o que for.

Isto ocorre por uma razão simples: o furto é condenado por lei natural. Lei esta que já vem, “de fábrica”, inscrita em nossos corações. Todas as sociedades são e sempre foram compostas por gente que conhece a lei natural. Há quem finja não a conhecer, que mude de calçada para não cruzar com ela, e alguns destes acabam sempre em cargos de mando. Mas, na verdade, é impossível não a conhecer. Uma sociedade pode até criar maneiras doentias e complicadas de negar um que outro aspecto dela, como quem deixa uma válvula de escape aberta. Mas ela está ali, e todos sabem dela.

E as condenações e obrigações da lei natural, tão bem conhecidas de todos, são necessariamente a base do nosso sentido de certo e errado e daquele curioso mecanismo que nos avisa quando ultrapassamos estes saudáveis limites: a nossa consciência.

Sabemos todos que é errado, é erradíssimo, é abominável!, matar um inocente. Podemos tentar justificar o injustificável, arranjar desculpas esfarrapadíssimas, peneiras furadas com que tentaremos tapar o sol da própria consciência. Podemos até mesmo fazer com que estas mentiras ganhem força de lei, e que os donos de escravos possamos estuprar e matar nossas escravinhas sensuais, os arianos puros possamos dar uma solução final aos incômodos judeus, os samurais possamos testar lâminas cortando camponeses ao meio, ou as vadias possamos nos livrar de uma gravidez indesejada matando nosso próprio filho.

Sabemos todos que é justo e necessário dar graças a Deus a todo momento. Não importa que substituamos Seu Nome por “ainda bem” ou “ufa”; no fundo, é a Ele mesmo que dá graças o chinês que acende um bastão de incenso aos “Céus” e o africano ofegante que se deixa cair de costas na pradaria, contemplando a infinitude do céu estrelado, agradecendo silenciosamente por ter sido livrado de uma fera que o atacava.

E sabemos todos que não devemos furtar. E não devemos mentir. E não devemos cometer adultério.

Quando, contudo, a sociedade enlouquece – e vivemos numa sociedade enlouquecida – é frequentemente necessário que lembremos a nós mesmos e ao próximo o que já sabemos todos, em virtude de ser lei natural. Que, por vezes, tenhamos que brigar para impedir que o mal seja imposto por lei e o bem proibido. Que precisemos salvar as vidas cujo valor é negado pelo século, pela loucura muito peculiar que ataca aquela sociedade naquele momento.

Este dever é de todos. Não é o dever específico do cristão, nem do muçulmano, do judeu, do hinduísta, animista, budista ou do zoroastrista.

Paradoxalmente, toda e qualquer religião tradicional – pelo simples fato de ser tradicional, por ter ouvido durante os séculos o que milhares, milhões de pessoas de boa-vontade tinham a dizer sobre a busca do Bem – há de conhecer, repetir e pregar a mesmíssima lei natural. Esta lei, contudo, não há de ser o cerne de sua pregação, por uma razão simples: ela não é nem algo que **precise** ser revelado pelo Divino nem um caminho suficiente até Ele.

A lei natural é o mínimo; é o que nos faz ser plenamente humanos, para, humanos que somos, podermos caminhar rumo ao Divino. Ela não é nem pode ser confundida com a mensagem religiosa que, entre outras coisas, a contém. A mensagem religiosa a contém por ser dirigida ao homem, e a lei natural é o que deve reger o homem na sua relação com o mundo ao redor.

A religião, todavia, não é nem tratado de boas maneiras nem código civil ou penal.

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Compete ao clero, do papa ao menor dos ostiários, pregar a Vida Eterna. Pregar a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, loucura para os gentios. Tratar das nossas almas, feridas nesta guerra sem tréguas a que somos chamados, com a medicina dos sacramentos. Alimentar-nos com o Pão dos Anjos. Curar-nos as almas, para que possamos viver no mundo sem a ele pertencer.

A adesão – ou não – da legislação e da política à lei natural não requer a atenção do clero. A relação entre o Estado e a lei natural não é tema de religião nem necessária à salvação.

Ao contrário, até: é uma armadilha demoníaca trata-la como se o fosse. Fazer da luta política pela proteção legal à vida do nascituro uma marca de catolicidade é, em última instância, negar que seja de lei natural que a vida do nascituro deva ser protegida. É negar-lhe a inocência, negar-lhe a humanidade, ao transformá-la falsamente em tema de Fé. Temos fé no que não vemos, e vemos – nem que seja pelos exames laboratoriais! – que o nascituro é vivo e é humano.

Mais ainda: assumir a luta pela lei natural como se fosse uma luta intrinsecamente católica é cair na armadilha da mídia, que não consegue perceber o que realmente é a Igreja e a reduz àquilo em que a Verdade eterna faz intersecção com as besteiras do século, e olhe lá. É auxiliar a pregar que a Igreja é um bando de esquisitões dizendo “não” às alegrias, e só. É fazer com que a luta pela vida seja percebida como uma maluquice a mais, irracional – ou mesmo antirracional –, pregada por loucos sem noção alguma do mundo real.

Isto ocorre porque esta redução da Igreja ao combate contra a violação deste ou daquele aspecto da lei natural faz com que aquilo que é realmente intrinsecamente católico desapareça. Se a Igreja **é** o combate ao aborto, à distribuição de camisinhas ou ao “casamento gay”, ela ***não é*** o Cristo. Ela não é a Encarnação do Verbo. Ela não é a Imaculada Conceição. Ela não é o Santíssimo Sacramento.

O que compete à Igreja pregar é o Eterno, é a Verdade Revelada. Esta Verdade – que é uma Pessoa, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade! – tem, sim, corolários. Entre outros, ela ilumina e atrai a atenção a algo que já é de lei natural, que é o valor e a dignidade da vida humana. Da vida do camponês, da mulher, do judeu, do escravizado, do nascituro.

Não podemos, contudo, reduzir ou deixar reduzir a especificidade católica a um ou mais corolários do que é o cerne da mensagem e do próprio ser da Igreja: o Cristo. Não podemos permitir que a imprensa venha nos pautar, que ela venha a transformar a luta pela vida em catolicidade ou a catolicidade em luta pela vida. Ou contra o “casamento gay”. Ou contra a exploração do pobre, especialmente o órfão ou a viúva. Em todos estes pontos, a Revelação ilumina e atrai a atenção a um ponto de lei natural. Não é, contudo, a Revelação que faz com que tenhamos o dever de agir neste ou naquele sentido na sociedade, sim a lei natural.

O combate pela lei natural é o combate de todo ser humano, não só de todo católico. É um combate a que somos chamados individualmente ou em grupos e associações que formemos; serão, contudo, associações de pessoas, não braços da Igreja. Uma ação de pessoas, de leigos, de indivíduos, de quem quer combater o mal – católico ou não –, não um braço pastoral.

A Igreja, lembrou-nos com razão o Santo Padre, é como um hospital de campanha, um hospital feito de lona, localizado logo ao lado do campo de batalha.

A batalha pela lei natural é nossa, como seres humanos. Quando nossos amigos também batalham por ela – como é seu dever, por serem eles também seres humanos – e não têm acesso ao hospital, não acedem aos Sacramentos, levemo-los, sem dúvida! Mas esta já é outra batalha, quiçá bem mais importante.

Se o nascituro não pode se defender, compete a cada um de nós, seres humanos, lutar pela vida de todo ser humano inocente. Em cada ser humano inocente que é assassinado toda a humanidade é atacada. O assassinato de inocentes é a negação da própria humanidade, e combate-lo é dever de todo ateu, muçulmano, judeu, budista… ou católico. Este combate é um combate humano, feito em prol da humanidade. Não é um combate religioso, nem o pode ser. Dizer que é um combate religioso é negar o valor do combate e permitir que ele seja tratado como uma idiossincrasia idiota qualquer, pois é assim que o mundo trata a religião.

É urgente que não nos deixemos mais confundir. Que não façamos mais a besteira de querer que o Papa implore a governantes de terceiro mundo que aprovem ou vetem esta ou aquela lei antinatural, que nós, leigos, burramente deixamos passar. Ao Papa compete pregar a Cristo crucificado. A nós, leigos, é que compete combater no terreno imundo da política.

É urgente que não mais nos confundamos. Que não façamos mais a besteira de levar imagens de santos para passeatas em que estamos lutando pelo humano, não pelo divino. Passeatas pedem cartazes, gritos e a lembrança permanente de que estamos ali por sermos seres humanos, não por sermos católicos.

É urgente que não mais confundamos as almas. Que não ofendamos a Deus e a Seus Santos, levando cartazes, bonequinhos e balõezinhos de campanhas políticas – por mais nobres que sejam!!! – para as procissões em que prestamos homenagem e culto de veneração e rogação a Seus Santos. Cartazes, bonequinhos e balõezinhos são feitos para serem vistos pelos homens. Procissões são feitas para que os Céus nos ouçam.

Que Deus nos ajude, para que sejamos os seres humanos que Ele quer!

– Prof. Carlos Ramalhete

De penas civis para delitos de Fé

Uma reportagem que eu li ontem n’O Globo (“Criação de igreja é negociada até em anúncio de classificados”) me levou à seguinte divagação.

Não é incomum encontrarmos casos de pastores protestantes acusados de estelionato – uma rápida busca ao Google me revelou um caso em Araçatuba, outro em São Bernardo e um terceiro em Sergipe, e isso só nos primeiros resultados. Ora, estelionato é o famoso 171 do Código Penal, cuja definição se inicia da seguinte maneira: «Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro». O itálico é meu.

A pergunta óbvia é: com que autoridade os poderes civis podem sentenciar que uma determinada doutrina religiosa é um erro? A resposta é igualmente óbvia: com nenhuma. É por isso que as supracitadas acusações foram feitas não com base nas barbaridades apregoadas pelos pastores, mas sim se referindo a certos “deslizes” que eles cometeram. O primeiro prometeu devolver uma doação e não o fez, o segundo passou a vida fazendo maracutaias com empréstimos financeiros e, o terceiro, vendeu casas populares que nunca foram entregues.

Estes casos independem da religião de seus autores: tanto faz aqui se são pastores evangélicos, umbandistas ou neo-ateus. No entanto, o estigma carregado especificamente pelos pastores evangélicos não é oriundo desse tipo de “criminalidade comum” pela qual alguns deles são condenados. Na percepção popular, o engodo está perfeitamente caracterizado a partir do instante em que o “pastor” associa qualquer tipo de benefício espiritual a doações realizadas pelos fiéis. Ora, isso não é um crime civil e sim um eclesiástico: isso, mesmo prescindindo de qualquer avaliação sobre se o sujeito é ou não capaz de fazer o que promete, chama-se em boa linguagem teológica de simonia.

O irônico da história é que o Estado inimigo da Igreja encontra-se completamente alijado do embasamento religioso que lhe possibilitaria identificar (e conseqüentemente punir) o crime da simonia. No entanto, a falcatrua religiosa não deixa de existir pelo fato das autoridades públicas deliberadamente voltarem as costas para ela e – mais importante! – os cidadãos comuns não dispõem de suficiente ideologia para deixarem de perceber a simonia como uma coisa escancaradamente errada, à qual não se pode dar livre curso na sociedade.

Qualquer pessoa em sã consciência percebe naturalmente que esta prática é abusiva, socialmente deletéria e deve ser coibida. No entanto, para os casos em que não é possível encontrar um crime comum para enquadrar o herege (punindo assim uma coisa por outra), como este impasse é resolvido?

Nas esferas mais baixas, o estigma de «crente ladrão» ou «pastor safado» é um mecanismo sociológico de defesa empregado para uma tentativa – incipiente e imperfeita, sem dúvidas – de restabelecimento da ordem social, ameaçada por uma situação anômala e escandalosa cuja proliferação é impiedosamente favorecida pela ausência de mecanismos institucionais de regulação. Este preconceito sozinho, no entanto, se não conseguir oferecer resistência à propagação da injustiça religiosa, termina por pressionar as esferas mais altas a tomarem alguma providência.

Nas esferas mais altas, a “solução” encontrada é dupla: ou se dá livre curso a toda sorte de mercenários da fé (e isso fortalece o preconceito acima referido), ou – e este é o ponto mais perigoso aqui – o Estado se arroga o direito de arbitrar questões de fé e se imiscui no relacionamento entre fiel e líder religioso, extrapolando a sua competência e sentenciando uma «coação moral e psicológica» exercida sobre a «vulnerabilidade emocional» do pobre fiel lesado – ou coisa parecida. O acerto de fato desta condenação concreta não nos pode fazer olvidar a questão de princípio, que é sobre a inexistência de jurisdição dos poderes civis em matéria religiosa. Banida a Igreja da vida pública, termina-se por forçar o Estado a absorver cercas competências que ele, em absoluto, não pode exercer.

Casos como o da criação de igreja anunciada em classificados de jornais provocam uma justa indignação e, por serem extremamente caricatos, servem para ilustrar com eloqüência aquela máxima medieval que justificava a imposição de penas civis para questões religiosas. Sobre isso dizia Santo Tomás de Aquino:

É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda, que é o meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que sejam comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte.

Summa, II-IIae, q. 11, art. 3
apud Ecclesia Una

Se a pena aplicada é de prisão ou de morte, trata-se de questão secundária e acidental: trata-se do ordenamento jurídico de cada época. O que é interessante aqui é verificar o ressurgimento (ou será que ele nunca desapareceu?) deste princípio tão criticado pelos modernos. Ao que parece, na cabeça de alguns, se é a Igreja que aponta os desvios religiosos para os poderes públicos, então isso é uma coisa absurda e inadmissível; mas se são os próprios poderes públicos a, por conta própria, identificarem, julgarem e punirem crimes de Fé, então está tudo muito bem e a isso se chama avanço e progresso. O perigo escondido nesta contradição não pode ser ignorado. A mim, esta prerrogativa de César não me parece nada sadia.

O levante da hipocrisia contra o Estatuto do Nascituro

Recebi a foto abaixo por email (cliquem para vê-la um pouco maior): trata-se da turba abortista aglomerada em São Paulo diante da Catedral da Sé, no último sábado (15 de junho). Protestam contra o Estatuto do Nascituro; houve protestos similares em vários lugares do Brasil. Em Recife, a manifestação deve ter contado com umas cinco pessoas: não faltasse pauta pros jornais, nem saberíamos dela.

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Em São Paulo, havia um número maior de gente. E, mais uma vez, um pequeno grupo de fiéis formou um cordão humano diante das portas do templo de Deus; eram umas vinte pessoas. Segundo um relato colocado no Facebook por uma menina que estava presente, «[r]esistimos bravamente por três horas, aí os policiais nos aconselharam a sair. Pois eles estavam ficando cada vez mais agressivos».

Como já explicamos aqui, é simplesmente incompreensível que possa haver pessoas tão egoístas a ponto de não aceitarem um projeto que manda o Estado prestar auxílio às mulheres que foram vítimas de violência sexual e não desejam abortar. A hipocrisia do discurso abortista aparece às claras quando se percebe que ele na prática força a mulher vítima de estupro a abortar o próprio filho, uma vez que não permite ao Estado oferecer-lhe suporte psicológico e financeiro na situação de vulnerabilidade em que ela se encontra. Não são a favor do “direito de decidir” coisíssima nenhuma. Na verdade, eles se levantam raivosos contra qualquer iniciativa que proponha fornecer à vítima de violência sexual reais possibilidades de escolha. Essa histeria toda dá testemunho inconteste disso.

Enquanto isso, a grande mídia se coloca vergonhosamente a favor dos hipócritas da forma mais cretina possível. Um jornal tem a pachorra de fazer uma enquete perguntando aos internautas se eles são a favor da “bolsa-estupro” (sic) e outro reclama até do material que a CNBB pretende distribuir para os católicos durante um evento católico. Este último, aliás, além de polarizar o discurso de maneira totalmente falsa (médicos e cientistas de um lado contra padres e religiosos do outro), ainda consegue grafar (por duas vezes!) «Estatuto do Nasciturno», o que mostra que não tiveram sequer o cuidado de ler com atenção o que estão empenhados em criticar.

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Como exceção realmente honrosa se encontra o editorial da Gazeta do Povo, mais uma vez nadando contra a corrente das ideologias assassinas da moda e levantando a sua voz em defesa daqueles que ainda não podem falar. Destaco:

Sabemos que o esforço para dissociar a criança do agressor chega a ser heroico, e por isso o Estatuto do Nascituro também prevê o encaminhamento da criança à adoção, rompendo a falsa dicotomia que só apresenta como alternativas válidas nessa situação fazer o aborto ou ficar com a criança – com todas as consequências psicológicas que ambas as escolhas acarretam. Graças à exceção aberta pela lei para não punir abortos em caso de gravidez resultante de estupro, chega a haver uma pressão social para abortar quando uma mulher violentada se descobre grávida do estuprador. Joga-se sobre as costas da mulher, já fragilizada pela violência sofrida, a responsabilidade por uma nova violência, dessa vez contra a criança. A nova legislação permite à mulher buscar uma alternativa sem impedir que ela recorra às possibilidades já previstas pela lei atual; qualquer pessoa preocupada com a ampliação dos direitos da mulher deveria, portanto, receber o Estatuto do Nascituro como um avanço.

O jornal está de parabéns por ser uma das únicas vozes sensatas que ainda restam na grande mídia: não deixem de entrar em contato com ele por meio da página de “Fale Conosco” do editorial ou do email «leitor@gazetadopovo.com.br», a fim de encorajar a redação a continuar com esta tão importante linha editorial. E que ninguém se retraia diante da gritaria dos abortistas, que ninguém se intimide diante do levante da hipocrisia. Apoiar a mulher vítima de estupro é dar-lhe condições dignas de escolher a maneira como pretende tentar seguir a sua vida. Esta verdade não pode ser mudada à força de passeatas mal-fingidas. Nem um milhão de feministas baderneiras podem mudar este fato evidente.

O patrimônio comum de todos os homens

Está simplesmente antológica a coluna do Carlos Ramalhete de ontem na Gazeta do Povo: invejo a capacidade do articulista de dizer tanto em tão exíguo espaço de jornal! É até difícil selecionar um trecho para citar aqui. Leiam-no lá na íntegra.

O que o Ramalhete faz é classificar as recentes manifestações ocorridas em Brasília (aqui e aqui) como um legítimo grito por liberdade que brota do fundo do peito da natureza humana aviltada por um sem-número de políticas imorais impostas à população brasileira pelos revolucionários que hoje se encontram no poder. E o faz com a sua particular perspicácia, apontando um fato bem óbvio que as práticas fascistas dos que têm voz na mídia se empenham por ocultar: o “fundamentalismo religioso” é o que separa as religiões, e não o que as une. Ora, uma movimentação que reúne em torno de um objetivo comum católicos e espíritas, protestantes e umbandistas, budistas e agnósticos não pode, por definição, ser um ato de fundamentalismo religioso.

Se religiões tão díspares e contraditórias entre si são unânimes em afirmar um determinado valor moral, então é óbvio que a origem deste valor deve ser buscada naquilo que é comum a todos os que o afirmam, e não no que os distingue. O que distingue um protestante de um muçulmano e de um agnóstico é justamente a sua religião e, portanto, não pode ser ela a origem daquele valor moral que estamos buscando. Esta só pode estar naquilo que os une, não no que os separa; e o que os une é a sua natureza humana. O fato de culturas religiosas tão radicalmente irredutíveis entre si afirmarem em uníssono uma mesma coisa exige que o fundamento desta coisa esteja naquilo que transcende as culturas religiosas, naquilo que é comum a todos os homens independente da religião que professem. É este patrimônio comum que está sendo atacado. É por isso que o Carlos afirma com toda a propriedade: «Natureza, não religião».

Os brasileiros começam a se levantar. As pessoas de boa vontade começam a deixar o estado letárgico em que se encontram e já ensaiam dizer em público, em alta voz, que não suportam mais os descalabros dos nossos governantes, as abominações impostas a ferro e fogo pelos poderes públicos. A iniqüidade já foi longe demais, e é do bom povo brasileiro que virá a oposição a ela: do povo ordeiro que por sua própria índole não é afeito a confrontos abertos com a autoridade, mas que não tem mais condições de suportar o vilipêndio da natureza humana praticado pelos nossos governantes, «o caos antinatural que nos vem sendo imposto». Como dizem os franceses, chassez le naturel, il revient au galop: e esta cavalaria por vezes vem de onde menos se espera.

Amostras de conservadorismo ateu: as domésticas e o pastor na CDHM

O mundo é engraçado. Poucas pessoas seriam tão improváveis de terem os seus textos recomendados aqui no Deus lo Vult! quanto o Janer Cristaldo, ateu ferrenho com não raros rasgos de anti-clericalismo, cuja (louvável) verve anti-comunista sempre se me afigurou mais como dissonância do mainstream do que construção política propositiva. Hoje, no entanto, trago aqui dois recentes textos de sua autoria: um sobre a assim chamada “PEC das Domésticas” e, outro, sobre o deputado Marco Feliciano.

Faço-o mais como provocação do que outra coisa, mais como uma espécie de ad hominem do que para encerrar o assunto: com eles, quero mostrar que os costumeiros chiliques de sacudir o fetiche do “Estado Laico” diante do interlocutor e de acusá-lo de ser um fundamentalista escroque movido por obscurantismos religiosos escusos diante de qualquer tomada de posição mais conservadora (ou mesmo diante do único pecado de destoar da ideologia da moda!) não têm fundamento. Seria engraçado ver os trolls de plantão acusarem o pobre ateu de ser um agente da Igreja maquinando contra os avanços democráticos conquistados pela laicidade do Estado! A julgar por algumas peças que leio aqui e acolá, no entanto, eu não considero de todo impossível que o façam. Certas pessoas não têm noção nenhuma do ridículo. Parecem achar que todos os fatos têm o dever moral de se calar diante de seus furados argumentos.

1. Domésticas e Frilas. «Sim, o Brasil entrou decididamente no Primeiro Mundo. Calcula-se em sete milhões o número de empregados domésticos no Brasil, sendo 97% mulheres. A profissão vivia em meio à informalidade, mas existia. Com a nova lei, tende a extinguir-se, a médio e longo prazo. O legislador agiu como o alfaiate que quer encontrar o terno ideal que sirva a todos e acaba não servindo em ninguém».

2. Em apoio ao pastor. «Feliciano foi eleito deputado com mais de 200 mil votos, e eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos por seus pares. Contra a vontade do dito povo e dos demais deputados, ergueu-se uma chusma de ativistas, que querem retirar o deputado da presidência da comissão. Querem afastar o deputado no grito. Só porque teria manifestado sua condenação aos homossexuais – que antes de ser dele é bíblica. […] [O Deputado Marco Feliciano] é instado a renunciar, por suas opiniões sobre homossexualismo. O pastou bate pé e diz que não renuncia. Espero que não. Porque no dia em que um deputado legitimamente eleito para uma comissão tiver de renunciar em função da gritaria de baderneiros, acabou a democracia no país».

Eslováquia diz não à implicância ateísta

Comentei meio en passant há uns dias sobre as moedas comemorativas da Eslováquia, nas quais a representação dos santos Cirilo e Metódio fora proibida por não sei qual comissão da União Européia. Quer dizer, eles podiam constar na moedas, contanto que não fossem representados como santos: as imagens deles podiam ser cunhadas, desde que não ostentassem sobre as suas cabeças as auréolas características da representação iconográfica dos santos católicos.

Para a minha alegria, li em ACI Digital que a Eslováquia não aceitou a imposição laicista e «votou para que se mantenha o desenho original da moeda comemorativa da evangelização da Grande Morávia pelos dois irmãos e santos Cirilo e Metódio, grandes evangelizadores e construtores da cultura dos países eslavos».

Bravo! Os dois santos irmãos responsáveis pela civilização eslava permanecem com o seu justo lugar na moeda comemorativa da Eslováquia, ostentando todos os seus adornos com os quais a piedade cristã tradicionalmente os representou. Por enquanto, Deus fica nas notas de Real e São Cirilo e São Metódio nas moedas de Euro.

Por enquanto, Deus fica nas cédulas de Real

A Justiça de São Paulo decidiu, em primeira instância, que a expressão “Deus seja louvado” constante nas cédulas de Real não viola a laicidade do Estado Brasileiro. Cabe recurso, mas um amigo comentava hoje que seria muita implicância se os fanáticos ateístas decidissem recorrer. Vamos aguardar.

Enquanto isso, o comentário da Raquel Sheherazade no SBT foi de lavar a alma:

http://www.youtube.com/watch?v=UElcG_eYfWM

Orgulho da Parahyba!

 

Ainda o “Deus seja louvado” da moeda brasileira: mais repercussões

– O De Lapsis fez o grande favor de transportar a nossa polêmica tupiniquim ao mundo hispânico ao verter na língua de Cervantes esta batalha cultural que se está travando no Brasil. A análise do articulista me parece bem verdadeira: «tenho certeza de que há católicos, inclusive de boa fé, que julgam estas questões irrelevantes [intrascendentes]. Talvez quando as vejam relevantes [trascendentes] seja já tarde demais»…

Em tempos onde bispos parecem aproveitar o calor da batalha para desferir mais um cruel golpe à Igreja Católica mandando tirar estátuas de santos de uma praça da matriz (o tempora! O mores!), estamos muitíssimo bem servidos de inimigos intra-muros. Chega a parecer incrível que a Igreja permaneça de pé. Cada episódio traiçoeiro destes (já incontáveis vezes repetido ao longo dos 2000 anos de Cristianismo) só nos revela a eficácia daquelas palavras de Cristo de que as Portas do Inferno não prevaleceriam sobre a Igreja d’Ele.

– Em defesa da retirada da inscrição, o sr. Robson de Souza escreveu para o Acerto de Contas e, o Carlos Orsi, para a Folha de São Paulo. Não vou mais repetir que a cédula vazia é tão anti-cristã quanto a mobilização para torná-la vazia é ateísta fanática, porque isto é óbvio: os efeitos apontam para as suas causas e são da mesma natureza destas. Guilhotinar o Rei de França e expôr o trono vazio é um símbolo anti-monarquista, ainda que não coloquem outra pessoa no trono ou mandem afixar na sala real uma placa dizendo “não há rei”.

Cabe apenas notar aqui que o Carlos Orsi, que dedica a maior parte do seu texto a atacar espantalhos ou a despejar falácias – como se (p.ex.) a permanência de uma coisa errada por séculos a transformasse em menos errada [«os nomes de cidades seculares têm peso cultural e histórico muito maior que “Deus seja louvado” (lema adotado nos anos 1980)»], e não – ao contrário – tornasse a luta pelo restabelecimento da Justiça mais premente! -, tem uma interpretação peculiaríssima da língua portuguesa. Para ele, «[o] artigo 19 da Constituição proíbe o Estado de “subvencionar” cultos religiosos. E usar dinheiro para mandar as pessoas louvarem a Deus me parece um caso claro de subvenção». Como se a inscrição na cédula brasileira tivesse a força de um mandado legal para obrigar os cidadãos a celebrarem missas, ou como se a pequena frase implicasse na reserva legal de uma parcela do dinheiro em circulação para a construção de igrejas ou o pagamento de espórtulas, ou – ainda! – como se um indivíduo que, de repente, pegasse uma nota de Real para examinar, prestasse atenção na frase e repetisse mentalmente “Deus seja louvado!” estivesse celebrando um culto religioso!

O fato é que a Fé Atéia irracional não se confunde com a verdade objetiva dos fatos. A existência de Deus é objeto da razão e da Filosofia Natural, esferas que estão perfeitamente ao alcance de qualquer pessoa (e, por extensão, do Estado). O que entra na seara da religião é saber Quem é Deus e como Ele deve ser cultuado; a simples e genérica existência d’Ele não é crença religiosa, mas saber filosófico. Assim, o mero reconhecimento de que Deus existe (chame-se-Lhe de IHWH dos Exércitos, Allah, Primeiro Motor Imóvel, Causa das Causas ou como se queira) não é, sob nenhuma ótica, um culto religioso!

No “Consultor Jurídico”, o Lenio Streck – Procurador de Justiça do Rio Grande do Sul – também escreveu sobre o tema, em um texto longo e provocativo que vale a pena ler. E, além disso, vale fazer uma pequena retrospectiva histórica.

A Maçonaria (que eu não sei se os fanáticos ateístas consideram ou não uma religião, mas não vem ao caso agora, pelo que segue) diz que a efígie da República chama-se Marianne mesmo e – ainda! – que ela é «chamada por uns de Senhora da Liberdade e por outros de Senhora da Maçonaria». Ou seja, o fato de haver uma francesa nas cédulas de Real é (além de racismo, como já mostrado) um injustificável favorecimento dos Maçons em detrimento de todos os não-maçons. Alguém já viu cristãos encaminhando pedidos ao Ministério Público para a retirada deste símbolo?

E mais: a nota de 50.000 cruzeiros reais tinha na frente uma «[e]fígie de “baiana”, com torço e colares, tendo à esquerda painel onde figuram alguns de seus mais importantes balagandãs, os quais possuem diversos significados: romã e cacho de uvas (fecundidade); figa de madeira e dentes de animais (proteção); caju (abundância); peixe, cordeiro e pombas do Espírito Santo» (vejam aqui). Alguém se lembra de algum católico ter então exigido a retirada do símbolo alegando que ele ofendia os seus sentimentos religiosos?

Todas essas coisas servem para mostrar quem é que tem razão nesta história toda: se o punhado de ateístas fanáticos em uma jihad para banir Deus da vida pública ou o resto do mundo que não enxerga esta exigência de alijar a moeda brasileira de sua pequena inscrição de louvor a Deus. A realidade dos fatos mostra de modo insofismável quem são os verdadeiros intolerantes (e, por conseguinte, quem é a maior ameaça à vida em sociedade): não são os cristãos que sempre toleraram no dinheiro do Brasil referências a outras religiões até incompatíveis com o Cristianismo, mas sim os ateístas que – ao contrário – são incapazes de tolerar quaisquer referências (por mínimas e genéricas que sejam) a outras crenças distintas da sua própria.

Curtas: Ecologia e Panteísmo, EVP e consciência, aborto e condenação, União Européia e imagens de santos nas moedas, Joaquim Barbosa e a presidência do STF

– Da Teologia da Libertação para o Ecoterrorismo panteísta: Boff clama pela salvação da “Mãe Terra” crucificada. «“Dentro dessa opção pelos pobres é preciso colocar o grande pobre que é a Mãe Terra, que é a Pachamama, a Magna Mater, a Tonantzin, a Gaia, é o grande pobre devastado e oprimido”, afirmou» o notório herege.

Esta outra fonte coloca as coisas em termos ainda mais ridículos quando cita outro “pensamento” do ex-frei (que, verdade seja dita, eu não encontrei de primeira mão):

Ainda segundo este visionário profeta da “religião” verde, a “Mãe Terra” estaria preparando um novo ser capaz de “receber o espírito”.

Esse “novo homem” – alias, assaz diferente dele – não seria outra coisa senão uma lula gigante.

De qualquer forma, eis os devaneios aos quais se é capaz de chegar quando se abandona a Fé em Cristo!

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– Sobre mentes (e almas…) e cérebros: médicos “conversam” com paciente em Estado Vegetativo Permanente:

Funciona assim: os médicos escaneiam o cérebro do paciente Scott Routley usando fMRI (ressonância magnética). Em tempo real, a ressonância indica quais áreas do cérebro estão ativas, medindo o fluxo de sangue rico em oxigênio.

Então os médicos pedem, várias vezes, para o paciente imaginar cenas como jogar tênis, ou andar pela casa. São itens bem específicos que, em voluntários saudáveis, ativam áreas predefinidas do cérebro – nos pacientes, também.

Dessa forma, os médicos conseguem perguntar “se você está sentindo dor, imagine-se jogando tênis” e ver na ressonância se o paciente imagina isso. É dessa forma que ocorre a comunicação.

Também aqui. Ora, isto muda tudo o que se acreditava sobre a consciência em pessoas que sofreram acidentes; em particular, lança por terra os “argumentos” dos que defendiam a morte – por inanição! – de pessoas que se encontravam nestas condições. Terri Schiavo, Eluana Englaro, vítimas todas da sanha assassina do homem moderno: o futuro lhes fez justiça. Lamentavelmente, tarde demais para muitos inocentes.

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– A impunidade não pode durar para sempre: foi condenada em Brasília uma mulher que cometeu aborto:

O homem que teria comprado os comprimidos e que era pai da criança insistiu para que a grávida tomasse o medicamento. Ele foi interrogado pela Justiça e recebeu uma proposta para que seu processo fosse suspenso desde que ele cumprisse obrigações judiciais. Por causa disso, ele não foi punido.

A mulher, segundo o TJDFT, não cumpriu as tarefas prometidas e teve o benefício revogado. De acordo com o processo, ela estaria proibida de “frequentar boates, inferninhos e congêneres e de ausentar-se do DF sem autorização do juízo”. Deveria também “prestar serviços à comunidade pelo período de oito horas semanais, pelo período de dois anos no Hospital Regional de Taguatinga”.

Há felizmente outros exemplos. Lembro-me de ter lido há alguns meses sobre uma mulher que seria levada a júri popular pelo mesmo crime. Não sei como ficou este processo, mas a justificativa do promotor do caso é bastante lúcida e reconfortante:

– No júri vou pedir a condenação de Keila como forma de prevenção geral. É uma punição moral para que as pessoas entendam que o aborto é criminoso, diz Moreira, admitindo que é raro que casos de aborto sejam denunciados e terminem em júri.

Aborto é crime e deve ser combatido. E ainda há pessoas nos tribunais brasileiros que estão trabalhando para defender esta verdade tão importante.

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– Na Europa como no Brasil: nova polêmica da União Européia é contra a representação das auréolas (isso mesmo, só das auréolas!) de São Cirilo e São Metódio nas moedas comemorativas da Eslováquia! O fanatismo ateísta não tem limites geográficos nem culturais: os bárbaros se encontram por toda a parte. E o negócio se reveste de tons ainda mais kafkianos porque estamos falando de outros países da UE protestando contra a figura que o Banco Central eslovaco decidiu cunhar em suas moedas!

E o articulista saiu-se com um excelente comentário sobre o assunto: «Esta petulância laicista tem seu lado cômico: como dizia Chesterton, ninguém blasfema contra Thor. Vêm-me à mente várias moedas comemorativas com deuses gregos – a espanhola de 50€ retratava o rapto da Europa pelo deus Zeus. No fundo, “sabem” que não é o mesmo. Já é alguma coisa [algo es algo]».

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Joaquim Barbosa, presidente do STF: editorial da Gazeta do Povo. «Está agora em suas mãos contribuir para a construção dessa almejada realidade. Mas, data venia, convém que não seja tomado, no exercício do cargo, pela mesma vaidade que por tantas vezes marcou sua atuação em plenário».

Como eu disse aqui há não muito tempo, não há juízes em Brasília. É bom que órgãos da imprensa secular estejam dando a sua contribuição para frear a (compreensível, mas injustificável e perigosa) presente euforia nacional com o STF.