A juventude da Missa Antiga

Encontrei esta bonita foto no Fratres in Unum, sobre a singela legenda de «[q]ualquer diferença em relação à sua paróquia, cujas missas são assistidas majoritariamente por senhoras com mais de 50 anos, não é mera coincidência». Trata-se de uma Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano, celebrada no último dia 03 de novembro (sábado passado) pelo Card. Cañizares na Basílica de São Pedro.

É um belíssimo argumento contra os que chamam as antigas rubricas de “ultrapassadas”, “estéreis”, incapazes de atender aos anseios dos homens modernos, ou qualquer outra bobagem do tipo. Aliás, melhor: trata-se de um fato que faz calar todos os [pseudo-]argumentos dos progressistas que vaticinam o fim da Igreja para “logo mais” caso Ela não abandone as Suas práticas seculares em favor dos últimos modismos modernos. Esta é uma Missa em latim (nesta “língua que ninguém entende”), celebrada versus Deum (“de costas para o povo”) por um cardeal romano com toda a solenidade (toda esta “pompa” que incomoda o povo simples) a que Deus tem direito. Ou seja, é exatamente tudo aquilo a que os modernos têm ojeriza e que afirmam afastar as pessoas da Igreja. Eis, no entanto, a Basílica lotada!

Porque, no meio das coisas voláteis do mundo moderno, o homem é atraído precisamente pelas coisas que não passam. Cansei de explicar para as pessoas que uma doutrina que dissesse hoje uma coisa e amanhã dissesse o seu contrário não teria, absolutamente, nenhum valor enquanto doutrina; tratar-se-ia tão somente de opinião mais ou menos digna de crédito, ou de livre-investigação intelectual condicionada às limitações do saber humano em cada momento histórico concreto. Ora, afora os Fanáticos Irreligiosos (que existem somente para desempenhar no mundo o necessário papel da exceção que confirma a regra), quem seria louco o bastante para confiar nas suas próprias limitações racionais em assuntos de tão grave importância como o são as coisas necessárias à salvação eterna da própria alma?

A Doutrina Verdadeira precisa ser certa e, para ser certa, Ela precisa ser Imutável, porque a Verdade é atemporal e o que é verdadeiro hoje não passa a ser falso amanhã. A Doutrina Verdadeira, para poder existir entre homens intrinsecamente falíveis e limitados, precisa ser uma dádiva concedida aos seres humanos por Alguém que não pode enganar-Se e nem nos enganar, precisa ter sido entregue aos homens por um Deus que é Ele próprio a própria Verdade. A Doutrina Verdadeira, assim, não é algo que os homens constroem, mas sim um dom concedido por Deus que nós recebemos daqueles que nos precederam e que temos a missão de conservar e guardar íntegro. E que melhor maneira de testemunhar ao mundo a nossa adesão integral àquilo que nos foi legado do que rezar publicamente do mesmo modo que rezaram os cristãos ao longo dos séculos? Que forma mais conveniente de expressar a nossa Fé em uma Doutrina que recebemos dos que vieram antes de nós do que conservar também a forma como rezavam estes cristãos que nos precederam neste mundo e a quem devemos o dom da Fé?

É muito estreita a ligação entre a Liturgia e a Doutrina da Igreja! A clássica expressão lex orandi, lex credendi não tem apenas o significado mais óbvio de que os Ritos Católicos expressam a Fé Católica: o mesmo se poderia dizer de qualquer rito que expressasse qualquer crença, bastando para isso que ele fosse determinado em conformidade com o que se acredita e alterado de acordo com as mudanças na própria forma de se acreditar. Ao contrário, a tradicional expressão católica reveste-se de uma eloqüente dimensão pedagógica quando se torna visível a unidade entre as liturgias de todos os tempos e lugares e entre estas e a Liturgia Celeste, Eterna e Imutável de cujo vicejante vigor vive a Igreja de Deus.

E ainda hoje em dia há católicos que percebem este nexo e se encantam com a força deste símbolo. Há católicos – muitos, em todos os lugares, de todas as idades – que encontram na Forma Extraordinária do Rito Romano a maneira mais salutar de viver a Fé Católica, há fiéis – jovens inclusive! – que vêem na espiritualidade tradicional católica a forma mais adequada de viverem sob a égide da Cruz de Cristo no mundo de hoje. Que a sua vida possa servir de poderosa inspiração para os que vagam no desespero do mundo moderno! Que a sua Fé possa contagiar muitas almas sedentas de Deus também no nosso tempo. Que, por intermédio deles, Cristo Nosso Senhor possa ser cada vez mais conhecido e amado neste mundo que d’Ele tem tanta necessidade.

Versus Deum

Passei por algumas igrejas aqui em Salvador hoje. São igrejas antigas, que mantêm – entre outras coisas – os altares laterais onde antigamente eram celebradas missas. De frente para Deus.

É impressionante, e triste, constatar como o sentido desta posição litúrgica se perdeu por completo. Hoje, por pelo menos duas vezes eu ouvi dois guias turísticos distintos “explicarem” que, antigamente, os padres celebravam “de costas para o povo”. E sem disfarçar o tom de desprezo a esta atitude ultrapassada dos padres de outrora.

Na verdade, a idéia moderna é bastante estúpida. Nunca antes na Igreja passou seriamente pela cabeça de ninguém que os padres estivessem celebrando de costas para o povo. Porque sempre se soube que ambos, padre e povo, estavam voltados juntos para a mesma direção. Ambos voltados para Deus.

E isso, que qualquer pessoa – por mais humilde que fosse – sempre aprendeu “na prática”, foge completamente à compreensão dos homens modernos. Estes simplesmente são incapazes de conceber que o padre e o povo devessem estar ambos voltados para a mesma direção para significar, exteriormente, uma convergência interior. Ambos olham para a mesma direção porque ambos olham em direção a Deus. Isto, que é tão simples, parece ser incompreensível para os homens que se desacostumaram a volver os olhos para o Criador do mundo.

Em uma das igrejas em que estive – acho que na nova Sé – eu vi um pequeno altar de parede. Neste, havia um grande, um enorme e belíssimo crucifixo. E, por um instante, eu imaginei um sacerdote diante deste altar, diante desta cruz, celebrando a Santa Missa. Durante o cânon romano, “elevando os olhos” e mirando, bem perto de si, enorme e alto, Cristo Crucificado. Mostrando, de forma visível e bem visível, o milagre que ele tem invisível em suas mãos. E nada será capaz de me convencer que não seria (muito) mais fácil manter a Fé este sacerdote que, todos os dias, celebrasse o Santo Sacrifício tendo, literalmente, o Crucificado diante dos olhos.