Os burros, os mal-intencionados e os convertidos à Fé Católica

Um leitor do blog perguntou aqui se o fato de ele não alcançar a verdade histórica do Cristianismo fazia com que ele não fosse «uma pessoa honesta». A pergunta é excelente porque reflete um equívoco infelizmente comum aos dois lados da relação, tanto religiosos como descrentes.

Como todo grande equívoco, ele radica em uma grande verdade: neste caso, que o ser humano é capaz de Deus. Afinal, o Todo-Poderoso, Ser Perfeitíssimo, simplesmente não poderia exigir das Suas criaturas o culto a Ele se o próprio conhecimento deste culto e desta necessidade lhes fosse de todo impossível. Seria uma incoerência atroz. Uma vez que os homens precisam da Fé para se salvarem, uma vez que a Fé é por definição um ato livre — a Fé é essencialmente aquele ato de vontade mediante o qual a inteligência movida pela graça aquiesce às verdades reveladas — e uma vez que a responsabilização pelos próprios atos pressupõe e exige a liberdade de agir ou deixar de agir, a conclusão de que o homem tem que rejeitar a Fé para se condenar impõe-se de modo bastante consistente a quem considera todas essas coisas.

Ora, o ato de Fé é um ato complexo, uma vez que envolve as duas potências da alma humana: envolve a inteligência, que apreende a verdade da Fé, e envolve a vontade, que livremente dá crédito — acredita — a esta verdade. Parece, portanto, que para rejeitá-la é preciso vulnerar a vontade, a inteligência ou ambas.

Acontece que ninguém rejeita verdadeiramente aquilo que não leva a sério: é uma queixa bastante feita pelos incrédulos. Do homem médio contemporâneo não se pode propriamente dizer que ele rejeite, digamos, a existência de duendes ou do Saci-Pererê. Essas coisas não entram no seu universo de conhecimento como se fossem coisas reais, mas ao contrário: carregam inerentemente a nota da fantasia e do lendário. Não existe, aqui, um juízo valorativo a respeito da veracidade ou falsidade da informação: o próprio conhecimento é já apreendido com a sua nota de “fantasioso”, “mítico”, “não-verdadeiro”. E é sob esta clave que alguns ateus, segundo dizem, enxergam o Deus Todo-Poderoso.

Ora, eu naturalmente concedo que algumas pessoas possam imaginar o Criador nestes termos; concedo até que, em alguns casos, elas o façam sem malícia. O que não dá para conceder, de maneira alguma, é que tenham alguma razão nesta idéia. E é aqui que entra a história do burro ou do mal-intencionado: semelhante compreensão é tão estapafúrdia, tão distante da realidade, tão incompatível com o que ensina quer a teologia natural, quer as doutrinas religiosas, que aderir a ela — parece — só é possível se o fulano for muito burro ou estiver com muita má vontade.

Contudo, isto é um reducionismo que se deve evitar, tanto porque é impreciso (pelas razões que serão expostas mais embaixo) quanto porque é contraproducente (por razões óbvias: a pessoa apodada de burra ou mal-intencionada não costuma se mostrar muito receptiva a ouvir o que o seu interlocutor tem a dizer). É sim verdade que a Fé Católica, como ato para cuja concretização convergem a inteligência e a vontade, é alcançável a todo ser humano que esteja com as adequadas disposições intelectuais e volitivas. Contudo — e aqui está a raiz do problema –, nem toda dificuldade intelectual é sinônimo de burrice e nem todo problema da vontade significa que o sujeito está mal-intencionado.

O pe. Leonel Franca tem um excelente livro sobre o assunto (“A psicologia da Fé”), onde ele disserta sobre o que a Doutrina Católica convencionou chamar de praeambula fidei — que são aqueles assuntos alcançáveis à inteligência natural e reconhecíveis por todos os seres humanos, independente de eles terem Fé ou não, e que distingue completamente o Deus Todo-Poderoso do Saci-Pererê acima referido. Afirma o prelado que os obstáculos à Fé são de duas naturezas: de ordem intelectual e de ordem moral, i.e., respectivamente da ordem do conhecimento e da ordem da vontade. E compreender as coisas sob esta ótica muda radicalmente o assunto.

A questão não é meramente de nomenclatura: burrice e má intenção são substantivos de conotação pejorativa e, mais do que isso!, que implicam num certo juízo de censura sobre quem detém essas características. No caso da burrice talvez não se o perceba tanto, mas no da intenção má esta característica é evidente: o sujeito que está mal-intencionado é pessoalmente responsável pela prática deliberada de um ato reprovável. Já um obstáculo não é assim: aqui o termo é mais neutro, e a diferença terminológica reflete uma diferença de realidade muito importante. A pessoa pode fingir que não entende o Cristianismo, sim, mas essa não é a única fonte possível da incredulidade. Um sujeito pode deter muito honestamente uma gama de conhecimentos equivocados, e pode fazê-lo com bem pouca (ou até mesmo nenhuma) culpa própria particular. Pode, por conta disso, levar um determinado estilo de vida — as coisas que nós fazemos são condicionadas por aquelas nas quais acreditamos — incompatível com as exigências da Fé, e o primeiro impulso de preservar sua visão de mundo particular é perfeitamente humano e saudável. Tudo isso são obstáculos à crença; nem tudo é igualmente reprovável; e decerto os modos de superar os diversos obstáculos à Fé são bastante diferentes entre si.

Em suma, nem todo não-católico é pessoalmente desonesto. Pode acontecer — e ouso imaginar que é esta a maior parte dos casos — de ele partir de premissas incompatíveis com as do Catolicismo e, mediante métodos de inferência perfeitamente honestos, chegar a conclusões incompatíveis com as da Igreja. Obviamente, há premissas corretas e premissas equivocadas; mas a questão da veracidade ou falsidade dos pressupostos básicos de nossas visões de mundo é um pouco mais complicada do que o reducionismo “você é burro ou mal-intencionado” induz a acreditar. Sim, todo ser humano é chamado por Deus à Fé Católica, e é portanto capaz de responder-Lhe; sim, aquilo que impede o ser humano de oferecer ao Deus Onipotente o seu obséquio da inteligência e da vontade que caracteriza o ato de fé é um obstáculo, quer intelectual, quer moral; sim, o nosso papel deve ser, sempre!, o de fazer o que estiver a nosso alcance para retirar as barreiras que impedem os nossos próximos de viver a liberdade dos filhos de Deus. Mas não é possível subsumir igualmente toda descrença à deficiência mental de quem é um completo parvo ou à perversidade moral de quem se recusa a aceitar o que sabe ser verdadeiro. O papel de todo cristão, repita-se, é levar todas as almas à Fé. E, para fazê-lo, é fundamental que as coisas sejam compreendidas e apresentadas como de fato são — sem reducionismos fáceis, nem maniqueísmos cômodos.

Não há outra maneira de o celebrar!

Há toda aquela tendência moderna a que a religião seja considerada como uma questão de foro íntimo, subjetiva e que diga respeito somente às crenças internas de cada fiel, sem nenhum reflexo no mundo objetivo dos fatos empiricamente verificáveis. Sustentá-lo é um lugar-comum entre os que se consideram intelectuais e livre-pensadores, mas existe apenas um pequeno problema: o Cristianismo não se amolda a esta concepção religiosa de nenhuma maneira.

A Igreja é uma instituição histórica que nasce de fatos históricos: a Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, Deus e Homem Verdadeiro. No início do Cristianismo – a construção é de Bento XVI – não está uma grande idéia, nem uma grande descoberta, nem uma inspiração subjetiva profunda nem nada do tipo: está uma pessoa, a de Nosso Senhor – e, em particular, está o Seu Nascimento hoje celebrado em todo o mundo. O Cristianismo não é uma disposição de alma nem uma maneira abstrata de ver o mundo: o Cristianismo é uma realidade histórica, no sentido mais próprio que esta expressão é capaz de assumir.

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Tudo na Igreja Católica tem esta orientação voltada para o sensível, para o empírico: aquilo que os primeiros Apóstolos anunciavam – é São João quem o diz (cf. 1Jo 1, 1-3) – é o que eles viram e ouviram e tocaram com as suas mãos. Não se trata de uma idéia: a Fé “que recebemos dos Apóstolos” simplesmente não comporta ser reduzida a uma questão de foro interno, a uma decisão meramente subjetiva e individual. Fazê-lo é destruir a própria Fé.

De fato, como sustentar que um nascimento verdadeiro – hoje comemorado no mundo inteiro – possa ser uma questão de foro íntimo? As idéias até podem nascer no universo privado de cada mente individual: os homens, no entanto, nascem no mundo exterior que é comum a todos os homens. Se um Menino verdadeiramente nos nasceu, se Ele veio ao mundo em Belém da Judéia, se isso se passou “na época da centésima nonagésima quarta Olimpíada de Atenas; no ano setecentos e cinquenta e dois da fundação de Roma; no ano quinhentos e trinta e oito do edito de Ciro, autorizando a volta do exílio e a reconstrução de Jerusalém; no quadragésimo segundo ano do império de César Otaviano Augusto, enquanto reinava a paz sobre a terra” – como cantam as Kalendas de Natal -, se tudo é assim, como é possível, então, que o Cristianismo seja uma questão subjetiva que só diga respeito às disposições interiores dos que têm Fé? O caráter histórico da Encarnação é parte constituinte da Fé Cristã!

E, por mais que as pessoas teimem em “não acreditar”, o Deus-Menino continua nascido em uma estrebaria. Por mais que os homens duvidem, os anjos continuam a cantar o Gloria a uma turba de assustados pastores. Por mais que os cegos insistam em fechar os olhos, a Luz continua a refulgir nas Trevas, em uma noite fria de dezembro – e de lá a iluminar toda a História. Porque, independente daquilo em que creiam os homens, a realidade se lhes impõe inexorável – e a realidade é que o Verbo Divino se fez Carne, e é esse o prodígio que nós celebramos ainda hoje.

Celebramos ad extra, no mundo – exterior a nós mesmos -, porque foi ao mundo que Ele veio. Celebramos de modo visível e perceptível, porque o dia de hoje é justamente Aquele Dia em que o Deus Invisível Se fez visível e Se colocou ao nosso alcance. Celebramos abertamente, diante de todos, porque a Boa Nova hoje anunciada é causa de “alegria para todo o povo” (cf. Lc II, 10). Celebramos, enfim, o Natal em público – porque não há outra maneira de o celebrar.

Um santo e feliz Natal a todos! Aos que já crêem, a fim de que o Deus hoje humilhado no presépio possa vencer a dureza de nosso coração e nos tornar menos indignos d’Ele. Aos que não crêem, para que, olhando para o Verbo Eterno feito Menino recém-nascido, possam ser tocados pela graça de Deus e, voltando-se para a Luz, abandonem as trevas em que vivem. E a todos, a fim de que o Seu Nascimento aproveite a nós: a fim de que nos conduza, um dia, à Glória definitiva pela qual Ele nos veio.

O patrimônio comum de todos os homens

Está simplesmente antológica a coluna do Carlos Ramalhete de ontem na Gazeta do Povo: invejo a capacidade do articulista de dizer tanto em tão exíguo espaço de jornal! É até difícil selecionar um trecho para citar aqui. Leiam-no lá na íntegra.

O que o Ramalhete faz é classificar as recentes manifestações ocorridas em Brasília (aqui e aqui) como um legítimo grito por liberdade que brota do fundo do peito da natureza humana aviltada por um sem-número de políticas imorais impostas à população brasileira pelos revolucionários que hoje se encontram no poder. E o faz com a sua particular perspicácia, apontando um fato bem óbvio que as práticas fascistas dos que têm voz na mídia se empenham por ocultar: o “fundamentalismo religioso” é o que separa as religiões, e não o que as une. Ora, uma movimentação que reúne em torno de um objetivo comum católicos e espíritas, protestantes e umbandistas, budistas e agnósticos não pode, por definição, ser um ato de fundamentalismo religioso.

Se religiões tão díspares e contraditórias entre si são unânimes em afirmar um determinado valor moral, então é óbvio que a origem deste valor deve ser buscada naquilo que é comum a todos os que o afirmam, e não no que os distingue. O que distingue um protestante de um muçulmano e de um agnóstico é justamente a sua religião e, portanto, não pode ser ela a origem daquele valor moral que estamos buscando. Esta só pode estar naquilo que os une, não no que os separa; e o que os une é a sua natureza humana. O fato de culturas religiosas tão radicalmente irredutíveis entre si afirmarem em uníssono uma mesma coisa exige que o fundamento desta coisa esteja naquilo que transcende as culturas religiosas, naquilo que é comum a todos os homens independente da religião que professem. É este patrimônio comum que está sendo atacado. É por isso que o Carlos afirma com toda a propriedade: «Natureza, não religião».

Os brasileiros começam a se levantar. As pessoas de boa vontade começam a deixar o estado letárgico em que se encontram e já ensaiam dizer em público, em alta voz, que não suportam mais os descalabros dos nossos governantes, as abominações impostas a ferro e fogo pelos poderes públicos. A iniqüidade já foi longe demais, e é do bom povo brasileiro que virá a oposição a ela: do povo ordeiro que por sua própria índole não é afeito a confrontos abertos com a autoridade, mas que não tem mais condições de suportar o vilipêndio da natureza humana praticado pelos nossos governantes, «o caos antinatural que nos vem sendo imposto». Como dizem os franceses, chassez le naturel, il revient au galop: e esta cavalaria por vezes vem de onde menos se espera.

“A vera civilização ou é religiosa ou não existe”

Publico abaixo um pequeno trecho de um discurso de Alves Mendes, que eu não sei quem é mas que, a dar crédito ao Google, talvez seja este português daqui. Convém ignorar esta biografia meio capenga e, seguindo a sabedoria popular, prestar mais atenção ao que se fala do que a quem fala. O nome de “Alves Mendes” eu encontrei neste livro do Mário Ferreira dos Santos (“Curso de Oratória e Retórica”, São Paulo, 1962), que é de onde retiro o trecho abaixo.

Diríamos hoje que os arrazoados do orador não têm mais sentido? Não há – e abundantes! – contra-exemplos que hoje nos permitem cogitar a possibilidade de existir civilização sem crença religiosa? Não se multiplicam as nações onde o número de ateus é cada vez maior, os povos organizados em torno de valores anti-religiosos, os países que vivem como se Deus não existisse – e todos esses, inobstante, não continuam “progredindo”, não continuam “civilizados”?

Nego este aparente progresso e esta alegada civilização. A técnica, de fato, ainda progride, mas a técnica sozinha não é capaz de constituir um verdadeiro progresso humano. Os costumes estão há muito piores (e bem piores) do que os percebia Alves Mendes, e piorando a olhos vistos, e se não decaímos ainda na barbárie completa é porque o impulso civilizatório de dois milênios de Cristianismo ainda é capaz de manter as rodas da sociedade girando – como um ventilador cujas hélices giram ainda por um tempo, mesmo após ser puxado da tomada.

Estamos mais ricos e mais poderosos e, igualmente, mais insatisfeitos e perdidos do que os nossos pais e avós. Estamos decrépitos! Não, não me parece que continuamos “progredindo”, e sim apenas haurindo dos benefícios inerciais de um progresso cuja razão de ser já perdemos há algum tempo. Não, não me parece que ainda estamos “civilizados”: apenas nos abrigamos precariamente nas ruínas das civilizações que outrora fomos, para nos protegermos como podemos das intempéries do mundo que, sobre nossas cabeças, ameaçam-nos e açoitam impiedosamente estes séculos estranhos em que vivemos.

* * *

Quem denega ou desconhece que a crença é o maior tesouro da verdade, o mais adorável surgente de virtudes, o eterno timbre da nobreza do homem, a garantia suprema, a base inconcussa da grandeza social?

E não há de demonstrá-lo, basta vê-lo. Aqui a geo­grafia supre a retórica. Para provar-se que a civilização social deriva essencialmente da crença religiosa, é apon­tar para os povos que não têm podido assumir ou com­preender a ideia cristã. Jazem todos derrancados, jungidos a um ignóbil fatalismo. Se são povos primitivos, vivem imbecis numa eterna infância; se são povos poli­ciados, vivem ineptos numa eterna decrepitude. Exem­plo — a Oceania e o Bósforo. Nem numa nem noutra banda floresce a cultura humana, porque os seus habi­tantes não têm logrado ser cristãos; e assim, aqueles ar­rastam a existência de um menino ignorante; estes, a de um velho crapuloso. É natural, evidentíssimo. Não há progresso, não há civilização sem moral, e não há moral sem religião. Portanto, o progresso autêntico, a vera ci­vilização ou é religiosa ou não existe. No homem, mui­tíssimo mais que na matéria, reponta e refulge a mani­festação do progresso.

[…]

O positivismo teórico resulta o pessimismo prático: é espírito descrente, o espírito estéril; é o coração em ge­lo, o coração empedrado; é a antítese de toda a grandeza humana e de toda a grandeza moral; não pode ser a dou­trina de um povo militante, de um povo em progresso. Não pode. Povos grandes são povos progressivos, povos crentes, — porque a vida é de si uma luta e a crença é de si uma vitória!

Alves Mendes,
apud Mário Ferreira dos Santos,
op. cit., pp 91-92

A laicidade do Estado versus o fanatismo dos ateus

A quinta-feira seguinte chegou e, com ela, a resposta da Gazeta do Povo à mobilização de milhares de internautas que, desde a última semana, haviam se polarizado entre o ataque estúpido e a defesa solidária ao professor Carlos Ramalhete por conta da sua última coluna publicada naquele jornal. Com relação ao desfecho deste affair (aguardado com expectativa pelos dois lados da polêmica!), os nossos mais sinceros agradecimentos à Gazeta do Povo porque, nela, o bom senso venceu o obscurantismo intolerante dos fanáticos que babando exigiam o fim da coluna do Ramalhete. O articulista segue escrevendo nas quintas-feiras. Parabéns ao jornal de Curitiba por não ceder à pressão dos neofascistas! Não nos esqueçamos de nos manifestar junto ao jornal apoiando esta sua louvável atitude.

Em uma excelente resposta à talvez mais tosca das acusações que ele sofreu ao longo desta semana – a de que as suas opiniões a respeito da adoção de crianças por duplas de homossexuais eram um atentado à laicidade do Estado -, o Ramalhete publicou hoje um texto chamado “Uma religião para todos?”, onde aborda o problema com a clareza de raciocínio que lhe é peculiar. Leiam-na. Cito apenas um trecho, do comecinho, para dar água na boca.

Religião, afinal, é isso: é a ligação, ou busca de ligação, do homem com a ordem de todas as coisas. Nossa sociedade, vendo-se como autora da ordem do mundo, criou esta forma religiosa: uma religião ateia, em que o homem é seu próprio deus.

Isso que o Carlos aborda vem ao encontro de várias coisas que eu já escrevi aqui no Deus lo Vult! sobre o assunto (p.ex., aqui e aqui, entre tantas outras). Ora, se o ateísmo é ou se propõe a ser uma resposta ao problema de Deus, então é lógico que ele é um fenômeno localizado no mesmo patamar das diversas expressões religiosas existentes mundo agora. Quando a pergunta “quem é Deus?” se coloca diante do homem, dizer “não há Deus” é uma resposta no máximo tão válida quanto qualquer outra que afirme “Deus é este” ou “Deus é aquele”. E o que vale para estas últimas deve também, por força de coerência, valer para aquela. A alegada laicidade do Estado, portanto, antes de oferecer suporte às pretensões totalitárias dos anti-católicos, na verdade serve para lhes dar um “cala-a-boca” e os reconduzir ao seu lugar. Evocar o Estado Laico na promoção de uma cultura atéia é simplesmente uma contradição boba, é uma usurpação indevida e perigosa do conceito de laicidade, é uma ameaça concreta à liberdade religiosa. No Brasil de hoje, os maiores inimigos do Estado Laico não são os cristãos e nem nenhuma outra religião tradicional: são os sacerdotes do ateísmo, porque estes contam com o apoio intelectual dos formadores de opiniões e com a amizade dos que detêm o poder.

Ainda esta semana, nas discussões sobre o artigo do Carlos Ramalhete, eu comentei no Facebook com uma garota que os ateus têm todas as características que gostam de execrar nos religiosos. Eles acreditam em coisas que não podem ser demonstradas (= que Deus não existe, que o ateísmo é a melhor resposta ao problema de Deus, etc.), agem com proselitismo na expansão de suas crenças (o que se expressa nos seus constantes ataques à religião), julgam-se detentores da verdade absoluta (no máximo tratando com uma pseudo-caridosa condescendência os religiosos tradicionais, que julgam possuir uma inteligência inferior), estão convencidos de que as suas concepções religiosas são as mais corretas e as melhores para o mundo e quando não conseguem vencer os seus oponentes nos argumentos apelam para o braço secular exigindo que o Estado venha em seu socorro e cale o dissidente. Ora, qual é sinceramente a diferença entre isto e a mais grotesca caricatura que os próprios ateus pintam de um fanático religioso queimando bruxas nas profundezas da Idade das Trevas? É espantoso que esta nova modalidade religiosa seja assim tão exaltada nos dias de hoje! Espantoso e aliás perigoso. Poucos fanatismos religiosos são mais daninhos à sociedade do que este fanatismo ateu típico dos nossos tempos.

O destino das obras realizadas “por conta própria”

Não julgo ser fora de propósito repetir que a Igreja Católica é uma instituição hierárquica onde existe uma clara distinção de papéis entre aqueles a quem compete, em sentido próprio, a transmissão da Doutrina Católica e aqueles a quem não cabe senão recebê-la e guardá-la. E também não creio que faça mal lembrar que, sem Doutrina Católica, não existe a Igreja Católica. Como já foi dito e repetido muitas vezes, a Igreja não é uma instituição cujos princípios sejam passíveis de serem revisados e atualizados de acordo com as mais recentes descobertas do engenho humano, muito pelo contrário: Ela é detentora de um conjunto de verdades que o próprio Deus – Suma Verdade – legou aos homens por meio de uma sociedade perfeita (i.e., uma sociedade que possui em Si mesma todos os meios necessários à realização do Seu fim), que é a própria Igreja Católica, somente mediante a Qual os homens têm acesso àquelas verdades que o Altíssimo estabeleceu serem necessárias à sua salvação eterna.

Disto decorre que i) a distinção entre Igreja Docente e Igreja Discente, i.e., entre os Pastores a quem cumpre o encargo de transmitir sem supressões nem acréscimos a Sã Doutrina em Sua integridade, e os demais católicos que recebem dos legítimos pastores a Fé da Igreja e a devem cultivar e guardar, não é uma distinção acidental no Corpo Místico de Cristo; e ii) esta nítida separação de ministérios é tão grave e tão importante que a obediência da Fé não é, absolutamente, um assunto que seja facultativo aos fiéis católicos.

Duas notícias que recebi hoje me fizeram julgar oportuno relembrar estas verdades. A primeira fala sobre a volta de um tal “Romeu T. Campos”, que se apresenta como “padre casado”, ao exercício do ministério sacerdotal. Como se o fato por si só não fosse já escandaloso o bastante, o sacerdote ainda tem a pachorra de disparar: «[e]stou voltando às funções sacerdotais por própria conta, independente de autorização ou da aceitação de alguma autoridade da Igreja Católica». A segunda, de teor correlato, é esta entrevista da Ivone Gebara, onde a tristemente célebre freira abortista (que afirma candidamente só ter procurado, em sua vida, «fazer o que acreditávamos que era nossa interpretação do Evangelho») aparentemente quer nos convencer de que ela é a favor do aborto por acreditar ser esta a interpretação correta do Evangelho de Cristo. Mas fico com o pe. Romeu.

Por conta própria! Poucas coisas podem ser mais contrárias à Igreja Católica do que isso. Semelhante declaração do sacerdote consegue ser ainda mais diabólica do que a própria violação do sagrado celibato, uma vez que é possível imaginar um padre casado dentro da Igreja mas não é possível imaginar Igreja onde um sacerdote – celibatário ou não – faça as coisas “por conta própria”. O que dizer de semelhante declaração? Já seria possível entrever que este padre, pelo fato de ter dado as costas à Igreja e se amasiado com uma mulher, não conhecia muito bem o Evangelho de Cristo; agora, que ele se arroga o direito de fazer ou deixar de fazer o que lhe der na telha sem prestar contas a ninguém a não ser ele próprio, revela-se com deprimente clareza o quanto a própria noção de Religião lhe é estranha.

Religião, como o étimo ensina, é aquilo que religa, liga de novo, une novamente o homem pecador ao Deus três-vezes Santo. E a Religião Verdadeira, como se ensina nas aulas de catequese básica para crianças, é aquela onde a iniciativa da reunião parte do próprio Deus e tem a Ele próprio por fundamento. A História nos fornece abundantes testemunhos de homens que procuraram erigir pontes para chegar até Deus; todos eles, sem exceção, revelaram-se cedo ou tarde fragorosos fracassos. Do “sereis como deuses” a que deram ouvidos nossos Protoparentes, passando pela Torre de Babel e por toda sorte de paganismo e religiões animistas, chegando até as modernas e pobres filosofias relativistas de auto-ajuda contemporâneas cujo maior legado à história do pensamento ocidental é provavelmente a tag de “spiritual but not religious” consolidada pelo Orkut nos seus áureos tempos, todas essas coisas têm dois pontos em comum: o fato de serem obras humanas e o fato de serem fracassadas. E são fracassadas porque infinita é a distância entre a criatura e o Criador; infinito é o abismo cavado pela malícia humana e, portanto, somente Alguém infinito – somente o próprio Deus – seria capaz de suprir esta deficiência, de percorrer esta distância, de realizar esta miraculosa e sobre-humana religação.

Isto tudo é tão básico que é desalentador ler certas coisas escritas por membros da Igreja que detêm uma certa posição de destaque e cujas palavras, portanto, são levadas a sério por muita gente. O nosso consolo é que as falsas doutrinas não prevalecerão, e a fragilidade das modernas torres de Babel teológicas através das quais os inimigos de Cristo pretendem apresentar Deus aos homens não tardará a aparecer. Terão o mesmo destino da Torre original: cairão por terra gerando dor e confusão no caminho. E quando isto acontecer, a Igreja continuará aqui para recolher os cacos. Quando tudo o mais entrar em colapso, a Igreja permanecerá sendo o único caminho por meio do qual podem os homens ascender ao Deus para o Qual foram criados.

Topblog 2012 – Estamos concorrendo e precisamos do seu voto!

No ano passado o Deus lo Vult! ganhou o primeiro lugar do Prêmio Topblog – pelo júri acadêmico – na categoria Religião / Pessoal. Este ano nós estamos concorrendo de novo. Cliquem aqui ou no selo da coluna da direita para votar neste blog e nos ajudar nesta competição.

Além disso, este ano nós temos alguns concorrentes que são muitíssimo recomendáveis, e para os quais gostaríamos também de pedir votos. Não é necessário escolher um ou outro: é possível votar em todos, mesmo nos blogs que estão concorrendo na mesma categoria. Todos os votos são contabilizados: portanto, votem sem moderação.

  1. O Tubo de Ensaio é veterano na competição, tendo vencido já duas edições do prêmio: 2010 e 2011. Este ano tenta o tricampeonato. Para votar nele, cliquem aqui.
  2. O Dominus Vobiscum foi finalista do ano passado junto com este blog, e este ano está concorrendo novamente. Para votar nele, cliquem aqui.
  3. O Sou conservador sim e daí? foi campeão no ano passado na categoria “Política”, e também está concorrendo de novo ao prêmio deste ano. Para voltar nele, cliquem aqui.
  4. A novidade deste ano e forte candidato ao pódio é o excelente Salvem a Liturgia!, que dispensa apresentações. Para votar nele, cliquem aqui.

Lembrando que a primeira fase do prêmio vai até o final de setembro. Portanto, se você é leitor do Deus lo Vult!, o que está esperando para votar no blog? Faça-o agora. Se já votou, faça um serviço de utilidade pública e apresente este blog para um amigo que ainda não o conhece, dizendo que ele está concorrendo ao prêmio e pedindo que vote nele se gostar do trabalho aqui realizado. Este blog agradece pelo apoio dos seus leitores ao longo destes anos.

A religiosidade e a hipocrisia

A moda agora parece ser publicar imagens de pessoas que passam sua vida destratando as demais e, depois, vão à igreja como se tudo estivesse muito bem. Em uma palavra, de pessoas hipócritas. Eu não sei se o objetivo é promover uma generalização estúpida e obviamente falsa ou se, ao contrário, o objetivo é pôr em dúvida a capacidade da religião de tornar as pessoas melhores. Somente hoje vi dois quadrinhos diferentes. O que segue abaixo foi tirado daqui (só depois notei a malícia gayzista do quarto quadrinho; vou ignorar por completo esta alusão descabida à homossexualidade e me focar no binômio “pecado” x “religião”).

Eu nem vou falar sobre o risco (ou – pior ainda – o intento) de generalização, uma vez que considero a falsidade desta associação entre fervor religioso e descaso com o próximo evidente para qualquer pessoa que tenha contato real com o mundo. Dita de maneira geral, seria tão-somente uma calúnia grosseira, desmentida à exaustão pela infinitude de pessoas que se esforçam sinceramente por espalhar no mundo o Doce Odor de Cristo, e que se deixaram de tal maneira moldar pela Caridade que a sua vida é, para todos os que com elas convivem, uma doce leitura das mais suaves páginas do Evangelho. Não vou me deter na generalização caluniosa. Ao contrário, acho que vale a pena falar sobre a religião e a sua capacidade de tornar melhores as pessoas.

Há uma história clássica de um navio governado por um capitão cruel que tratava muito mal os seus subordinados. Gritava com eles, humilhava-os, chicoteava-os, era grosseiro e exigente em demasia, sempre disposto a castigar com a máxima severidade as menores faltas dos seus homens. Não obstante, era católico praticante e todos os dias, no navio, mandava celebrar Missa. E todos os dias comungava devotamente. Certa feita, um dos seus subordinados comentou que era um absurdo um homem cruel assim comungar todos os dias, o que foi ouvido pelo capitão. E este comentou: “se eu sou cruel assim comungando todos os dias, imagine como eu não seria se não comungasse!”.

A anedota, claro, é exagerada, uma vez que tal excesso de maus tratos – e de cores tão tetricamente carregadas! – configuraria muito provavelmente um pecado mortal e, portanto, impediria a comunhão eucarística ao nosso mal-amado capitão. No entanto, serve para ilustrar os princípios gerais, que podem ser resumidos no seguinte: se alguém é uma má pessoa tendo uma vida religiosa, provavelmente seria muito pior se não a tivesse. À exceção de algum distúrbio patológico profundamente afim com a psicopatia, o fato é que um religioso hipócrita seria ainda pior se os seus vícios não tivessem nem ao menos que se preocupar em prestar essa “homenagem à virtude” que é a essência de toda hipocrisia. Naturalmente, do ponto de vista subjetivo, esconder a iniqüidade sob um verniz de virtude provavelmente fará com que quem assim procede tenha contas mais graves a acertar com o Justo Juiz n’Aquele Dia; do ponto de vista do mal causado, no entanto, e abstraindo-se do mau exemplo e do escândalo, é fato que a energia gasta em esconder o mal causado poderia perfeitamente ser empregada em causar ainda mais mal, se não houvesse nem ao menos a preocupação de escondê-lo. Para ilustrar, em se tratando da tirinha acima, o último quadrinho poderia perfeitamente conter outra má ação igual a todos os demais se não houvesse uma necessidade (“hipócrita”) de parecer uma boa pessoa.

Isto fica ainda mais claro quando se percebe que a maior parte das pessoas não é “exclusivamente hipócrita”; digo, não utiliza a hipocrisia como um ideal de vida a ser mantido. Para a maior parte das pessoas, a vida é feita de quedas e soerguimentos, de pecado e de conversão: a menina da tirinha (volto a ela!) pode perfeitamente – e, aliás, para ela ser verossímil, é exatamente assim que ela vai agir – lembrar-se, na igreja, de todas as suas más atitudes e começar a ter o desejo de abandoná-las ou, ao menos, praticá-las com menor freqüência. Assim, poderia reclamar menos com a empregada no dia seguinte, e na semana seguinte dar alguma esmola para o mendigo; no mês seguinte ela estaria falando menos mal das outras pessoas, até que um dia ela teria progredido tanto que seria necessário desenhar uma outra tirinha com outras falhas de caráter se ainda se quisesse ridicularizá-la. Mais importante até: se ela não fizesse tal progresso moral, seria por falta de religiosidade e não por excesso dela. A religião, como todo mundo sabe (ou ao menos tinha o dever moral de saber), conclama as pessoas a serem melhores. Não existe uma única prática religiosa que funcione – como a tirinha induz a pensar – na base da teoria machadiana do abre-e-fecha de janelas para arejar a consciência, do “tudo bem” fazer o mal aqui se a gente fizer o bem ali para “compensar”.

Muito pelo contrário, aliás. É completamente impossível – de novo, salvo casos patológicos raros – manter por muito tempo uma prática religiosa que contradiga o estilo de vida que se leva. Mais cedo ou mais tarde, ou se vai abandonar a prática religiosa ou se vai mudar de estilo de vida. Exemplos disso existem aos borbotões no dia-a-dia mesmo dos nossos círculos de amizades. No caso então da garota hipócrita da supracitada tirinha caluniosa, deixem-na ir à igreja ou, melhor ainda, incentivem-na a ir ainda mais à igreja! Mais cedo ou mais tarde alguma coisa vai acontecer e alguma das duas coisas contraditórias ela vai ter que abandonar. E é melhor contribuir para que ela largue a má vida do que para torná-la mais assídua às más ações censuráveis dos primeiros quadrinhos.

Chesterton vs. Clarence Darrow

Mais Chesterton dramatizado! Recentemente, eu dizia para alguém que posso ler um texto de vinte páginas, mas não tenho paciência para assistir um vídeo de três minutos. Estes dez minutos de Chesterton, no entanto, são deliciosos.

Do canal do youtube: «O debate que vocês assistirão abaixo é a reconstrução de um que realmente aconteceu em Nova York, em 1931. A reconstrução foi feita por Dale Ahlquist a partir de relatos do mesmo (não há dele transcrição conhecida) e de textos de Chesterton que tratam dos mesmos assuntos que animaram o debate. Ele é atual porque o agnosticismo é o mesmo — e tem muitos representantes na intelectualidade atual — a doutrina católica é a mesma e, sobretudo, porque “o elo perdido de Darwin continua perdido”, como nos lembra o grande escritor inglês».

O laicismo, empecilho ao bem comum

“Todas as criaturas devem louvar a Deus. Ora, o Estado é uma criatura; logo, o Estado deve louvar a Deus”. O silogismo já me foi apresentado algumas vezes, embora eu não saiba afirmar com certeza de quem é sua autoria. Independente desta, no entanto, é forçoso concordar com a clareza do raciocínio. A maior e a menor estão adequadamente dispostas e relacionadas e, portanto, a conclusão se impera. Sim, o Estado deve louvar a Deus.

De que maneira deve o Estado louvar a Deus? O Estado Confessional é a primeira forma de concretização deste dever que nos vem à mente. Eu próprio, no entanto, tenho dúvidas sobre se esta é a única forma de fazer com que o Estado louve ao Todo-Poderoso como deve louvar. Ora, imagino que esteja fora de discussão que, se o Estado é uma criatura, não o é da mesma maneira que o próprio homem é uma criatura. Os seres racionais – o homem, os anjos – louvam a Deus com a sua inteligência e a sua vontade. Os animais, vegetais e seres inanimados louvam a Deus cumprindo com aquilo que a Divina Providência estabeleceu que eles realizassem: as abelhas construindo colmeias, as aves, ninhos, as plantas crescendo e dando flores ou frutos, os astros movendo-se lentamente no céu. Em uma palavra: cada criatura louva a Deus fazendo aquilo que lhe é próprio, aquilo que compete à sua natureza.

E qual a natureza do Estado? Não sei se Santo Tomás de Aquino o fala expressamente. Sei, contudo, que o Aquinate fala sobre a lei humana e, retomando Santo Isidoro, sentencia: “A lei deve ser honesta, justa, possível segundo a natureza e os costumes do país, proporcional aos lugares e aos tempos, necessária, útil. Deve também ser clara, para que não haja enganos escondidos em sua obscuridade. Deve estar direcionada não para o proveito privado, e sim para a utilidade comum dos cidadãos” (Summa, I-IIae, q.95, a.3). Julgo oportuno ficarmos com estes conceitos, que são mais genéricos. O homem é um ser político por natureza, como dizia Aristóteles, mas isso não implica necessariamente na existência dos Estados no sentido que o termo possui hoje em dia. É necessário haver, sim, a comunidade política que possibilite a vida em sociedade. Mas não é necessário que esta comunidade política seja o Estado.

Ora, se o objetivo da comunidade política – das leis humanas – é, em resumo, ordenar a vida em sociedade tendo em vista o bem comum dos indivíduos, segue-se ser esta a natureza do Estado. Este, portanto, não precisa adoptar expressamente o Catolicismo Romano como Religião Oficial para que louve a Deus (o que não significa que ele não possa adoptá-lo, mas aí é outra discussão). Cumprindo o Estado com os seus objetivos e esforçando-se por atingir os fins para os quais existe, Deus está sendo louvado por meio dele.

Os objetivos do Estado, no entanto, estão intimamente relacionados ao bem dos seus cidadãos. E estes, ao contrário do Estado, são seres dotados de personalidade, de inteligência e de vontade e, portanto, precisam louvar a Deus com tudo o que possuem – o que, para eles, significa aderir visivelmente à Igreja fundada por Deus, a Católica Apostólica Romana. O Estado não tem, portanto, o direito de dificultar aos seus súditos o ingresso na Religião verdadeira e a sua prática ao longo da vida. Ao contrário: já que tem por obrigação servir ao bem comum objetivo e, para os homens, o bem é serem católicos, o Estado deve colaborar com a Igreja para facilitar-Lhe a missão evangelizadora. Sem isso, o Estado não está cumprindo com as suas atribuições.

O Laicismo é, portanto, um grande mal. Um mal que dificulta aos homens (quando não os priva completamente de) terem acesso às realidades sobrenaturais, que são parte integrante de sua natureza e conditio sine quae non para que se possa falar em “bem” para eles. E assim, portanto, o Laicismo é um atentado contra o próprio Estado, contra a sua própria razão de ser, na medida que o impede de prover integralmente o bem de seus súditos. Foi isso que o Papa falou na Espanha. É isso que o mundo precisa entender.