Vilipêndio religioso não é direito de ninguém

Foi com alegria que eu soube desta «Nota de Repúdio contra o grupo Porta dos Fundos» que diversos líderes religiosos assinaram e tornaram pública na última quarta-feira. Pessoas tão distintas entre si quanto uma “Sacerdotisa de Umbanda”, o “Pastor Pedrão” e a “Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro” reuniram-se para apresentar ao Cardeal do Rio de Janeiro «seu descontentamento em relação às investidas feitas pelo Grupo Porta dos Fundos contra as mais diversas religiões, através de atos abusivos que, sob pretexto de estarem albergados pela liberdade de expressão, não contribuem para o progresso do debate democrático e apenas acirram tensões, não concorrendo para a obtenção da paz social e religiosa que tanto se almeja no país».

Eu não vi este último vídeo polêmico do Porta dos Fundos. Como já disse aqui em outra ocasião, parei de me interessar pelos “humoristas” quando eles fizeram um esquete extremamente ofensivo envolvendo dois padres no confessionário e alusões à pederastia. Para mim, são um bando de pessoas sem caráter, que se consideram detentoras de alguma espécie de superioridade moral que lhes confere autorização prévia e incontestável para agredir e vilipendiar quem pensa diferente deles. Em suma, gente da pior cepa de hipocrisia que o pensamento moderno é capaz de parir. Não merecem que se gaste muito latim com eles.

No entanto, é curioso ver como está ficando cada vez mais difícil esconder os próprios crimes sob a cômoda desculpa da “liberdade de expressão”, como se esse direito estivesse acima dos outros direitos arrolados na Constituição Federal. A referida nota de repúdio não é assinada por um único católico. São judeus, muçulmanos, candomblezeiros e protestantes os que se levantaram em solidariedade à Igreja Católica, por conta da agressão gratuita a crença alheia que o conhecido grupo que se pretende “de humor” fez mais uma vez:

A utilização de palavras de baixo calão e xingamentos para se referir à divindade, como feito no vídeo “Anunciação”, é ofensiva e demonstra o emprego indevido da criação e do discurso artísticos com mera finalidade de ridicularizar a fé alheia.

[…]

O objetivo da publicação de tais vídeos não é debater o credo ou os dogmas de uma religião específica, mas simplesmente escarnecer dos mesmos, atingindo diretamente o sentimento religioso de cidadãos brasileiros, o que não encontra respaldo no ordenamento jurídico nacional.

Tudo isso me parece bastante evidente, mas é incrível como tão raramente encontramos essas posições expostas em público, com a clareza que a seriedade do assunto exige. Liberdade de expressão é uma coisa séria, e presta um enorme desserviço a este direito fundamental os que o caricaturizam ao ponto de torná-lo odioso – exatamente como a turma do “Porta dos Fundos” e quetais vem fazendo.

A ofensa gratuita não é um direito de ninguém. Pessoas normais percebem com extrema facilidade que não é certo ofender os outros. Se alguém insiste em fazê-lo alegando estar no mais legítimo exercício de um direito constitucional, a conseqüência mais óbvia dessa situação aberrante é o tal “direito constitucional” deixar de ser percebido como uma coisa positiva e passar a ser visto como uma licença perniciosa, uma corrupção legislativa, uma anti-lei.

Os direitos fundamentais existem e devem ser protegidos, mas o vilipêndio religioso não é direito de ninguém. Os inimigos da “liberdade de expressão” não são os que clamam pelo fim das agressões sistemáticas que grupos de sedizentes humoristas como o “Porta dos Fundos” perpetram constantemente contra o Cristianismo e as demais religiões. Muito ao contrário, os seus verdadeiros inimigos são os que lhe distorcem o sentido, chamando os seus próprios crimes de “liberdade” e arrogando-se um descabido “direito” de debochar gratuitamente do sentimento religioso alheio.

Que ninguém se engane: não são defensores da “liberdade de expressão” os que querem colocá-la a serviço da ignomínia. Estes são na verdade os seus maiores inimigos, porque a destroem no ato mesmo de identificá-la com os atos odiosos que praticam.

Convite: 1ª Caminhada pela Vida – Rio de Janeiro

Aos amigos cariocas e a todos os que estiverem no Rio de Janeiro no próximo dia 05 de outubro, convido para esta «Caminhada em defesa da vida» que está sendo realizada pelo Brasil Sem Aborto e que conta com o apoio da Arquidiocese do Rio de Janeiro, particularmente de Dom Antônio Augusto Duarte.

“Eu conto com todos vocês e peço que difundam esse convite aos seus familiares e amigos. Essa caminhada é uma resposta que queremos dar a tantas pessoas que não veem na vida, um tesouro que Deus nos concedeu”, sublinhou Dom Antônio.

O cartaz segue abaixo. A concentração se dará às 9h00 do dia 05 de outubro, na Candelária, de onde a caminhada seguirá em direção à Cinelândia. Todos estão convidados. Levem as famílias.

Caminhada_pela_Vida

A Jornada da Juventude Pró-Vida

A JMJ foi também palco de uma série de iniciativas pró-vida, de algumas das quais eu tive a honra de participar mais ativamente.

jorge-adriana

No dia 22 de Julho, segunda-feira, no Rio Centro, ocorreu o Vida in Concert. Foi um show realizado pela Elba Ramalho e convidados, que entremearam canções religiosas e seculares com testemunhos e brados pró-vida. Os artistas que subiram ao palco eram os mais variados: tivemos cantores católicos (como a Celina Borges, o Dunga, a Ziza Fernandes) e seculares (Geraldo Azevedo, Nando Cordel, a própria Elba, o Toni Garrido). Todos unidos em torno de uma causa comum a diferentes confissões religiosas: a defesa incondicional da vida humana e o repúdio a todas as formas de violência das quais ela é vítima, em especial o aborto.

Permito-me um parêntese. Segundo me informou uma amiga, o Luan Santana estava originalmente escalado para participar deste show. O motivo é que ele ajudou certa vez a Elba Ramalho a dissuadir uma garota de praticar um aborto. A história é a seguinte: enquanto a Elba estava no telefone com a menina, grávida, tentando convencê-la a ter a sua criança, ela (a jovem mãe) teria retrucado algo do tipo: «mas grande coisa a Elba Ramalho… ainda se fosse o Luan Santana…!». A paraibana não se fez de rogada. Ligou imediatamente para o Luan Santana, que topou falar com a menina. Ela ficou felicíssima e desistiu de abortar a criança.

Por favor, não me venham questionar a mentalidade de quem desiste de abortar só porque falou com o Luan Santana. Eu sei que é fútil e irresponsável. Alguém poderia dizer que um filho indesejado por sua mãe a ponto dela cogitar abortá-lo não está em condições muito melhores do que o mesmo filho cuja mãe desistiu de matá-lo no ventre porque falou com um astro teen. A isso eu responderia: está sim, porque ao menos está vivo. É claro que todas as mães deveriam amar os seus filhos, e não os utilizar como moeda de troca para satisfazer as suas tietagens. Mas se a um filho há de ser negado o amor de sua mãe, que ao menos não lhe seja negado também o próprio direito à vida por conta disso. Por vias tortas que sejam, aquela jovem fez a coisa certa; e que Deus possa tocar o coração dela, para que – se ela optou por ficar com a criança; não sei o desfecho da história – possa amar verdadeiramente o filho que ela um dia decidiu deixar viver por razões tão mesquinhas. Há sempre espaço para mudanças de postura nesta vida. Uma conversão verdadeira é sempre possível, e é sempre melhor que ela ocorra sem um aborto consumado.

Esta seria a participação original do Luan Santana da JMJ, e aqui ao menos ele seria edificante: tratava-se de um show não especificamente católico, realizado longe dos holofotes dos Atos Centrais, e aqui ele poderia contar a história que relatei brevemente acima. No entanto, os inimigos das coisas de Deus preferiram arrancá-lo do testemunho pró-vida para o colocar nos Atos Centrais da Jornada, com toda a repercussão negativa que esta infeliz escolha teve. Não falemos mais sobre este assunto. Ao menos a sua interpretação da Oração de São Francisco em Copacabana foi breve e bonita, após a qual ele permaneceu e parecia acompanhar com atenção as palavras do Papa Francisco (*). Que elas possam encontrar terreno fértil no coração ferido do jovem artista.

[(*) Nesta noite, entre outras coisas, o Papa Francisco falou: «E se cometerem um erro na vida, se tiverem uma escorregadela, se fizerem qualquer coisa de mal, não tenham medo. Jesus, vê o que eu fiz! Que devo fazer agora? Mas falem sempre com Jesus, no bem e no mal, quando fazem uma coisa boa e quando fazem uma coisa má. Não tenham medo d’Ele! Esta é a oração». E ainda: «Hoje eu roubo a palavra a Madre Teresa e digo também a você: Começamos? Por onde? Por ti e por mim! Cada um, de novo em silêncio, se interrogue: se devo começar por mim, por onde principio? Cada um abra o seu coração, para que Jesus lhe diga por onde começar». Que bom seria se aquela vigília em Copacabana fosse o início de uma nova vida para aqueles peregrinos que ouviam com atenção as palavras do Vigário de Cristo!]

Parêntese fechado. No Rio Centro (como mais tarde em muitos outros lugares da cidade, graças a Deus) foi feita a distribuição das réplicas de um bebê humano com doze semanas de gestação. Os meus leitores devem se lembrar: trata-se desta iniciativa daqui.

replicas-riocentro

A todos aqueles que contribuíram generosamente para que aquele projeto se tornasse realidade, os meus agradecimentos e o meu testemunho: foi graças a vocês que tantas pessoas, naquela noite e ao longo de toda a Jornada, puderam receber o seu pequeno kit pró-vida. Deus sabe o bem que foi realizado com estas ações. Num mundo em que só se dá valor ao que é visível e palpável, a distribuição de réplicas em tamanho e formato naturais de um feto com doze semanas de gestação tem um importante efeito pedagógico: ajuda a entender que o aborto não é um remédio mágico para um problema invisível, mas muito pelo contrário, é o extermínio de um ser humano bem concreto.

Entre diversas outras, foi feita também uma distribuição dos kits em Copacabana, no domingo, e o Jônatas a relatou no Blog da Vida, de onde retiro a foto abaixo. Para outras fotos e a narrativa completa, acessem o link. Outras informações bem detalhadas podem ser encontradas também no Tubo de Ensaio.

kit-provida-copa

Numa das praças em Copacabana, havia um sacerdote ostentando diversos cartazes com os métodos abortivos existentes, que também ajudou na distribuição dos kits. Infelizmente não lhe guardei o nome, mas alguns dos que passaram pelo Rio naqueles dias certamente o devem ter notado. Uma vez mais, vale registrar: o seu incansável trabalho de esclarecimento da população a respeito do maior e mais trágico holocausto da história da humanidade, que acontece todos os dias sob o nosso olhar indiferente, não há de ser inútil. Que Deus o recompense e faça os seus esforços frutificarem.

Todos os peregrinos inscritos na Jornada receberam, dentro da mochila oficial da JMJ, um interessantíssimo livreto chamado Keys to Bioethics, organizado pela Fundação Jérôme Lejeune. Estava em português – Manual de Bioética: “Chaves para a Bioética” – e continha diversas informações importantes sobre aborto, fertilização assistida, pesquisas com embriões humanos e eutanásia, entre outros assuntos. A versão portuguesa (de Portugal) dele pode ser obtida clicando-se na figura abaixo. É quase igual à que foi distribuída na JMJ.

keystobioethics

O nosso manual continha ainda um anexo excelente e atualíssimo sobre “teoria do gênero”, que infelizmente eu não consegui encontrar online. Se alguém tiver, eu agradeço. A charge abaixo faz parte dele. Fantástica.

IMG_0294

Essas e outras iniciativas concorreram para que JMJ fosse, em acréscimo a tudo, também um grande evento pró-vida, onde a mensagem de que a vida humana é um bem que deve ser protegido desde a concepção até a morte natural foi proclamada com coragem e criatividade por um sem-número de pessoas que se entregaram generosamente a este objetivo.

E os frutos já estão chegando. Estamos na Semana Nacional da Família. A Arquidiocese do Rio de Janeiro preparou uma «Celebração Eucarística pela Vida», que acontecerá no dia 21 de agosto (quarta-feira da semana que vem) e tem «o objetivo de reparar os pecados cometidos contra a vida, como o crime do aborto, através de oração em nome dos inocentes». Ainda, na mensagem que o Papa Francisco enviou às famílias brasileiras no último dia 06 de agosto consta um explícito apelo pela vida, que deve «sempre ser defendida, já desde o ventre materno». São palavras do Vigário de Cristo:

De modo particular, diante da cultura do descartável, que relativiza o valor da vida humana, os pais são chamados a transmitir aos seus filhos a consciência de que esta deva sempre ser defendida, já desde o ventre materno, reconhecendo ali um dom de Deus e garantia do futuro da humanidade.

Este é, em suma, o apelo lançado no Rio de Janeiro: a vida é um dom de Deus que como tal deve ser defendido. Que ele ecoe para muito além das fronteiras da Cidade Maravilhosa, e que possa alcançar os corações dos homens dos nossos tempos. Que o Altíssimo nos ajude nesta empresa; que a Santíssima Virgem da Conceição Aparecida interceda por nós, e nos livre sempre da maldição do aborto.

A Jornada da Juventude Tridentina

Durante os dias da JMJ, a Antiga Sé do Rio de Janeiro ficou oficialmente sob os cuidados da Administração Apostólica São João Maria Vianney. A velha igreja se converteu, assim, em um cenáculo de espiritualidade católica tradicional, que pôde ser aproveitada pelos que lá passaram naqueles dias. Com missas diárias na Forma Extraordinária do Rito Romano (inclusive mais de uma ao mesmo tempo, nos altares laterais, como era costume antigamente) e catequeses ministradas por S. E. R. Dom Fernando Arêas Rifan, as atividades que lá se realizaram foram bastante proveitosas. E concorridas.

Pude estar presente em duas ocasiões. A primeira delas, na quarta-feira à noite, para participar do Pontifical que Dom Rifan celebrou. A igreja completamente abarrotada era uma coisa linda de se ver! Cheguei um pouco tarde e praticamente não havia mais espaço; inclusive um amigo desistiu de assisti-la ao ver como estava lotada a Antiga Sé. Entrando pelos corredores e salas internas, consegui sair lá na frente do lado esquerdo, próximo ao presbitério; a visão era péssima, mas havia lugar para ficar de pé e – principalmente – para ouvir com tranqüilidade.

Assisti ao Pontifical mesmo sem o ver. Participei do Santo Sacrifício sem contudo admirar os sinais externos tão ricos da cerimônia, castigado que fora por não ter chegado a tempo de conseguir um bom lugar. Mas foi espetacular mesmo assim. Não posso dizer que conheço em pormenores a celebração episcopal solene segundo os livros litúrgicos antigos: devo ter assistido somente a uns dois ou três pontificais na minha vida inteira. Naquela concorrida cerimônia da quarta-feira, contudo, aceitei contente que outras pessoas pudessem acompanhá-la com mais detalhes do que eu. Talvez tenha sido o primeiro Pontifical de alguém, e sabe-se lá quando aquelas pessoas terão a oportunidade de assistirem a outro novamente.

No dia seguinte eu voltei, e voltei de manhã cedo. Cheguei antes das nove, e Dom Rifan ainda não iniciara a sua catequese; tive tempo de encontrá-lo na sacristia e o cumprimentar. No interior da igreja, as músicas tradicionais animavam a multidão que já começava a se avolumar: provando que não é necessário fazer muito barulho para “acolher” a juventude, um órgão e um coral cantavam cânticos clássicos que eram alegremente acompanhados pelos que estavam presentes. Dessa vez, tendo chegado mais cedo, sentei mais confortavelmente num degrau que levava a uma capela lateral: os bancos já estavam todos ocupados.

Sua Excelência falou sobre o discipulado, explicando o étimo da palavra e dizendo que discípulos são aqueles que aprendem de alguém: a origem do termo é a mesma de “corpo discente”, o conjunto dos alunos de uma universidade. Um discípulo é portanto um aluno; um discípulo de Cristo, um aluno do Mestre. Vez por outra o bispo descia do presbitério para tocar alguma música no órgão, e era acompanhado animadamente e aplaudido com entusiasmo sempre que o fazia. Tudo acontecia em um clima suave e frutuoso: aqueles jovens recebiam doutrina sólida de uma forma leve, longe de ser cansativa.

Falando da SSma. Virgem, d’Aquela que soube aprender com perfeição do Seu Divino Filho, Dom Rifan nos instigava a recorrermos sempre à Sua maternal proteção. Guardei um ponto curioso da prédica. Lá pelas tantas, falando sobre a Virgindade Perpétua da Bem-Aventurada Virgem Maria, Sua Excelência lembrava que certas traduções antigas eram mais enfáticas sobre este assunto: elas, dizia ele, professavam a crença de que Cristo nascera “de Maria Virgem”, e isso era um pouco diferente (em ênfase, claro) de falar simplesmente que Ele nasceu “da Virgem Maria”. Porque a ordem das palavras às vezes importava. Afinal de contas, uma enxada cara era diferente de uma cara inchada. Escrito, o gracejo não tem o mesmo impacto de falado; mas dá para imaginar.

Meia hora antes da Missa, o senhor bispo franqueou a palavra aos presentes, abrindo uma sessão de perguntas e respostas. As perguntas, eram sobre assuntos os mais diversos, não necessariamente abordando o tema da catequese recém-findada. E perguntaram sobre a Missa e sobre interpretação bíblica, sobre a Presença Real de Cristo e sobre a possibilidade de se ser santo nos dias de hoje, sobre assuntos vários enfim. O bom bispo respondia com tranqüilidade: não era sempre possível proferir um tratado sobre aqueles temas, mas as sínteses que ele fazia eram preciosas. Penso que aqueles jovens devem ter saído satisfeitos. Não é sempre que os fiéis têm a oportunidade de interagir assim com o pastor.

Depois disso, a Santa Missa, dessa vez rezada: bem diferente do Pontifical da véspera, mas o mesmo Sacrifício de Cristo tornado presente de modo incruento sobre o altar. Findada a cerimônia, ainda me encontrei com Sua Excelência à porta da igreja, paramentado, cumprimentando os fiéis: despedi-me, agradecendo pela agradável manhã e dizendo-lhe não saber se conseguiria encontrá-lo ainda durante a Jornada.

De fato, não o encontrei mais, ocupado com o serviço de voluntário que a partir de então me deu pouca folga: mas aqueles dois dias foram muito bons. E quanto a tantas pessoas que puderam acompanhar com mais calma as atividades da Administração Apostólica na Antiga Sé do Rio de Janeiro… penso que devem ter sido muito edificadas. Rezo para que tenham sido.

Os que passaram naqueles dias por aquela velha igreja erigida em honra a Nossa Senhora do Carmo – nossa padroeira cá da Cidade do Recife – tiveram a oportunidade de presenciar atividades bem pouco usuais. Missas simultâneas, confissões, latim, órgão e coral, catequeses ministradas por um “bispo tridentino”, uma miríade de coisas antigas que muitos poderiam dizer já ultrapassadas, convivendo maravilhosa e harmoniosamente com os jovens peregrinos do século XXI que foram ao Rio de Janeiro para participar da Jornada Mundial da Juventude. Certas coisas antigas são sempre novas. Que aquela espiritualidade tradicional possa ter ajudado a alguns dos tantos – centenas! – de jovens que por lá passaram. Que a Santíssima Virgem do Carmo abençoe a cada peregrino que por lá passou naqueles dias. E que Ela olhe com maternal solicitude pela Administração Apostólica, por seu bispo, seu clero e seus fiéis. A todos os que dela fazem parte, nosso muito obrigado pela riqueza daqueles dias.

As palavras do Papa Francisco no Brasil

O Papa falou um bocado quando esteve no Brasil; muito mais do que nós, ocupados que estávamos com a Jornada, podíamos acompanhar no turbilhão daqueles dias intensos. Nestes tempos de internet, contudo, é sempre possível recuperar depois as palavras que foram proferidas na Viagem Apostólica à Terra de Santa Cruz; é útil conhecermos o que o Papa Francisco julgou por bem falar enquanto esteve no Brasil.

aqui um .pdf que compila todos os discursos do Sumo Pontífice durante a JMJ. Abaixo, trago alguns excertos do que o Papa Francisco falou no Brasil. Não são os trechos mais importantes e nem talvez os mais representativos da Jornada, mas somente alguns recortes selecionados por mim que podem ser úteis à nossa meditação. E que, como em outras coisas que pus aqui no blog, faço votos de que possam servir para aguçar o interesse por conhecer mais profundamente o que o Vigário de Cristo disse quando visitou a nossa Pátria.

Ouçamos o Papa, ouçamos o Cristo-na-Terra, para que aqueles dias não sejam somente agradáveis lembranças das multidões reunidas. Para que possamos haurir deles o máximo que eles têm para nos dar. Para que, a partir deles, possamos verdadeiramente mudar a nossa vida. Para que eles possam dar os frutos que tantas pessoas se esforçaram por fazê-los dar.

* * *

– E atenção! A juventude é a janela pela qual o futuro entra no mundo. É a janela e, por isso, nos impõe grandes desafios. A nossa geração se demonstrará à altura da promessa contida em cada jovem quando souber abrir-lhe espaço. (Papa FranciscoCerimônia de boas-vindas no Jardim do Palácio Guanabara)

– Deus sempre surpreende, como o vinho novo, no Evangelho que ouvimos. Deus sempre nos reserva o melhor. Mas pede que nos deixemos surpreender pelo seu amor, que acolhamos as suas surpresas. Confiemos em Deus! Longe d’Ele, o vinho da alegria, o vinho da esperança, se esgota. Se nos aproximamos d’Ele, se permanecemos com Ele, aquilo que parece água fria, aquilo que é dificuldade, aquilo que é pecado, se transforma em vinho novo de amizade com Ele. (Papa Francisco, Santa Missa na Basílica do Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida)

– Eu penso que, neste momento, a civilização mundial ultrapassou os limites, ultrapassou os limites porque criou um tal culto do deus dinheiro, que estamos na presença de uma filosofia e uma prática de exclusão dos dois pólos da vida que constituem as promessas dos povos. A exclusão dos idosos, obviamente: alguém poderia ser levado a pensar que nisso exista, oculta, uma espécie de eutanásia, isto é, não se cuida dos idosos; mas há também uma eutanásia cultural, porque não se lhes deixa falar, não se lhes deixa agir. (Papa FranciscoEncontro com os jovens argentinos na Catedral Metropolitana)

– A fé em Jesus Cristo não é uma brincadeira; é uma coisa muito séria. É um escândalo que Deus tenha vindo fazer-se um de nós. É um escândalo que Ele tenha morrido numa cruz. É um escândalo: o escândalo da Cruz. A Cruz continua a escandalizar; mas é o único caminho seguro: o da Cruz, o de Jesus, o da Encarnação de Jesus. Por favor, não “espremam” a fé em Jesus Cristo. Há a espremedura de laranja, há a espremedura de maçã, há a espremedura de banana, mas, por favor, não bebam “espremedura” de fé. A fé é integral, não se espreme. (Papa FranciscoEncontro com os jovens argentinos na Catedral Metropolitana)

– Queridos amigos, certamente é necessário dar o pão a quem tem fome; é um ato de justiça. Mas existe também uma fome mais profunda, a fome de uma felicidade que só Deus pode saciar. Fome de dignidade. Não existe verdadeira promoção do bem-comum, nem verdadeiro desenvolvimento do homem, quando se ignoram os pilares fundamentais que sustentam uma nação, os seus bens imateriais: a vida, que é dom de Deus, um valor que deve ser sempre tutelado e promovido; a família, fundamento da convivência e remédio contra a desagregação social; a educação integral, que não se reduz a uma simples transmissão de informações com o fim de gerar lucro; a saúde, que deve buscar o bem-estar integral da pessoa, incluindo a dimensão espiritual, que é essencial para o equilíbrio humano e uma convivência saudável; a segurança, na convicção de que a violência só pode ser vencida a partir da mudança do coração humano. (Papa Francisco, Visita à Comunidade da Varginha em Manguinhos)

– Vejam, queridos amigos, a fé realiza na nossa vida uma revolução que podíamos chamar copernicana, porque nos tira do centro e o restitui a Deus; a fé nos imerge no seu amor que nos dá segurança, força, esperança. Aparentemente não muda nada, mas, no mais íntimo de nós mesmos, tudo muda. (Papa Francisco, Festa de Acolhida dos jovens na Praia de Copacabana)

– Deus é pura misericórdia! «Bote Cristo»: Ele lhe espera no encontro com a sua Carne na Eucaristia, Sacramento da sua presença, do seu sacrifício de amor, e na humanidade de tantos jovens que vão lhe enriquecer com a sua amizade, lhe encorajar com o seu testemunho de fé, lhe ensinar a linguagem da caridade, da bondade, do serviço. Você também, querido jovem, pode ser uma testemunha jubilosa do seu amor, uma testemunha corajosa do seu Evangelho para levar a este nosso mundo um pouco de luz. (Papa FranciscoFesta de Acolhida dos jovens na Praia de Copacabana)

– Queridos jovens, confiemos em Jesus, abandonemo-nos totalmente a Ele! Só em Cristo morto e ressuscitado encontramos salvação e redenção. Com Ele, o mal, o sofrimento e a morte não têm a última palavra, porque Ele nos dá a esperança e a vida. (Papa FranciscoVia-Sacra com os jovens na Praia de Copacabana)

–  Com a mesma parresia –coragem, ousadia– de Paulo e Barnabé, anunciemos o Evangelho aos nossos jovens para que encontrem Cristo, luz para o caminho, e se tornem construtores de um mundo mais fraterno. (Papa Francisco, Santa Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião).

– Não é a criatividade pastoral, não são as reuniões ou planejamentos que garantem os frutos, mas ser fiel a Jesus, que nos diz com insistência: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós” (Jo 15, 4). (Papa FranciscoSanta Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião)

– Jesus fez assim com os seus discípulos: não os manteve colados a si, como uma galinha com os seus pintinhos; Ele os enviou! Não podemos ficar encerrados na paróquia, nas nossas comunidades, quando há tanta gente esperando o Evangelho! (Papa FranciscoSanta Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião)

– Não queremos ser presunçosos, impondo as “nossas verdades”. O que nos guia é a certeza humilde e feliz de quem foi encontrado, alcançado e transformado pela Verdade que é Cristo, e não pode deixar de anunciá-la (cf. Lc 24, 13-35). (Papa FranciscoSanta Missa com os Bispos da XXVIII JMJ e com os Sacerdotes, os Religiosos e os Seminaristas na Catedral de São Sebastião)

– Quem atua responsavelmente, submete a própria ação aos direitos dos outros e ao juízo de Deus. Este sentido ético aparece, nos nossos dias, como um desafio histórico sem precedentes. Além da racionalidade científica e técnica, na atual situação, impõe-se o vínculo moral com uma responsabilidade social e profundamente solidária. (Papa FranciscoEncontro com os Representantes da Sociedade brasileira no Teatro Municipal)

– Jesus nos oferece algo muito superior que a Copa do Mundo! Algo maior que a Copa do Mundo! Oferece-nos a possibilidade de uma vida fecunda e feliz. E nos oferece também um futuro com Ele que não terá fim: a vida eterna. É o que Jesus oferece. Mas ele pede que paguemos a ingresso. Jesus pede que treinemos para estar ‘em forma’, para enfrentar, sem medo, todas as situações da vida, dando testemunhos de fé. Como? Através do diálogo com Ele: a oração, que é um diálogo diário com Deus que sempre nos escuta. (Papa Francisco, Vigília de oração com os jovens em Copacabana)

– Vocês têm o futuro nas mãos. Por vocês, é que o futuro chegará. Peço que vocês também sejam protagonistas, superando a apatia e oferecendo uma resposta cristã às inquietações sociais políticas que se colocam em diversas questões do mundo. Peço que sejam construtores do mundo. Envolvam-se num mundo melhor. Por favor, jovens, não sejam covardes, metam-se, saiam para a vida. (Papa FranciscoVigília de oração com os jovens em Copacabana)

– Mas, atenção! Jesus não disse: se vocês quiserem, se tiverem tempo, mas: «Ide e fazei discípulos entre todas as nações». Partilhar a experiência da fé, testemunhar a fé, anunciar o Evangelho é o mandato que o Senhor confia a toda a Igreja, também a você. É uma ordem sim; mas não nasce da vontade de domínio ou de poder, nasce da força do amor. (Papa FranciscoSanta Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude em Copacabana)

– O Brasil, a América Latina, o mundo precisa de Cristo! Paulo exclama: «Ai de mim se eu não pregar o evangelho!» (1Co 9,16). Este Continente recebeu o anúncio do Evangelho, que marcou o seu caminho e produziu muito fruto. Agora este anúncio é confiado também a vocês, para que ressoe com uma força renovada. A Igreja precisa de vocês, do entusiasmo, da criatividade e da alegria que lhes caracterizam! Um grande apóstolo do Brasil, o Bem-aventurado José de Anchieta, partiu em missão quando tinha apenas dezenove anos! Sabem qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem! Este é o caminho a ser percorrido! (Papa FranciscoSanta Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude em Copacabana)

– Além disso, Jesus não disse: «Vai», mas «Ide»: somos enviados em grupo. Queridos jovens, sintam a companhia de toda a Igreja e também a comunhão dos Santos nesta missão.  (Papa FranciscoSanta Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude em Copacabana)

– Eis aqui, queridos amigos o nosso modelo. Aquela que recebeu o dom mais precioso de Deus, como primeiro gesto de resposta, põe-se a caminho para servir e levar Jesus. Peçamos a Nossa Senhora que também nos ajude a transmitir a alegria de Cristo aos nossos familiares, aos nossos companheiros, aos nossos amigos, a todas as pessoas. Nunca tenham medo de ser generosos com Cristo! Vale a pena! (Papa FranciscoOração do Angelus Domini em Copacabana)

– A resposta às questões existenciais do homem de hoje, especialmente das novas gerações, atendendo à sua linguagem, entranha uma mudança fecunda que devemos realizar com a ajuda do Evangelho, do Magistério e da Doutrina Social da Igreja. (Papa Francisco, Encontro com a Comissão de Coordenação do CELAM no Centro de Estudos do Sumaré)

– É uma tentação que se verificou na Igreja desde o início: procurar uma hermenêutica de interpretação evangélica fora da própria mensagem do Evangelho e fora da Igreja. (Papa Francisco, Encontro com a Comissão de Coordenação do CELAM no Centro de Estudos do Sumaré)

– Deus é real e se manifesta no “hoje”. A sua presença, no passado, se nos oferece como “memória” da saga de salvação realizada quer em seu povo quer em cada um de nós; no futuro, se nos oferece como “promessa” e esperança. No passado, Deus esteve lá e deixou sua marca: a memória nos ajuda encontrá-lo; no futuro, é apenas promessa… e não está nos mil e um “futuríveis”. O “hoje” é o que mais se parece com a eternidade; mais ainda: o “hoje” é uma centelha de eternidade. No “hoje”, se joga a vida eterna. (Papa Francisco, Encontro com a Comissão de Coordenação do CELAM no Centro de Estudos do Sumaré)

– Alguns são chamados a se santificar constituindo uma família através do sacramento do Matrimônio. Há quem diga que hoje o casamento está “fora de moda”; está fora de moda? na cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é “curtir” o momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas, “para sempre”, uma vez que não se sabe o que reserva o amanhã. (Papa FranciscoEncontro com os Voluntários da XXVIII JMJ no Pavilhão 5 do Rio Centro)

– Em vista disso eu peço que vocês sejam revolucionários, que vão contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, que não são capazes de amar de verdade. (Papa FranciscoEncontro com os Voluntários da XXVIII JMJ no Pavilhão 5 do Rio Centro)

– Continuarei a nutrir uma esperança imensa nos jovens do Brasil e do mundo inteiro: através deles, Cristo está preparando uma nova primavera em todo o mundo. Eu vi os primeiros resultados desta sementeira; outros rejubilarão com a rica colheita! (Papa FranciscoCerimônia de despedida no Aeroporto Internacional Galeão/Antônio Carlos Jobim)

– Uma última coisa: rezem por mim.

(Papa FranciscoEncontro com os Voluntários da XXVIII JMJ
no Pavilhão 5 do Rio Centro
)

O caos dos bastidores

A Jornada foi um estrondoso sucesso, mas este não pode (por questões de Justiça) ser atribuído aos seus organizadores. A todos os que participaram da JMJ, eu, na qualidade de voluntário do evento, gostaria de pedir sinceras desculpas – ex imo cor meum – pelo mais criminoso desleixo com o qual vocês foram tratados pela organização do evento, quer por parte das autoridades seculares, quer pelo Comitê de Organização Local (COL) da Jornada, empenhados todos que estavam – ao que parece – em tornar a experiência desses dias a pior possível.

Não penso que exagero. Falo do que eu vi e vivi ao longo de quinze dias no Rio de Janeiro, e que merece um registro, quando menos para que a glória de Deus resplandeça com um fulgor mais vívido ao se perceber quão adversas eram as circunstâncias em que ela se manifestou. Convivi com incontáveis pessoas de coração generoso e de boa vontade, e justamente por isso posso falar um pouco das dificuldades que encontramos para que esta Jornada Mundial se realizasse de maneira a servir à maior glória de Deus e à salvação das almas.

Dizem que peregrino não está à procura de luxo e que a JMJ é uma peregrinação repleta de provações. É verdade. No entanto, não havia nenhuma necessidade de se infligir contrariedades e sofrimentos desnecessários àquelas pessoas que foram ao Rio de Janeiro para ver o Doce Cristo na Terra. A impressão forte que passava a todos os que contemplavam atônitos as absurdas diretrizes emanadas das altas esferas de tomada de decisões era a de que tudo estava sendo feito da pior maneira possível, que por vezes nem o mais irresponsável amadorismo poderia explicar. Muitas vezes, a impressão que nos dava era a de haver uma vontade deliberada de melar de alguma maneira o evento.

Eu não vou nem mencionar as barbaridades feitas com os voluntários, amontoados na Catedral numa fila que nunca andava, alguns jogados para alojamentos distantes e depois tirados deles às pressas no meio da noite, outros obrigados a participar de treinamentos concorrentes, outros ainda separados de seus cônjuges (voluntários igualmente) por uma burocracia estúpida e sem sentido. Concedamos aos organizadores o benefício da dúvida, e concedamos que a semana da pré-Jornada tenha sido o “teste” que eles precisavam para acertar os ponteiros e prestar um serviço melhor na próxima semana. Nada justifica, no entanto, que na semana seguinte os mesmíssimos erros tenham sido repetidos de novo e mais uma vez, transformando todo o evento numa sucessão de martírios kafkianos que, não fosse a sede de Deus daqueles que foram ao Rio de Janeiro, teria certamente comprometido todo o evento.

Havia necessidade de se entregar kits peregrinos para centenas de milhares de pessoas? Que tal descentralizar a distribuição? Que tal separá-los por estado de procedência, por ordem alfabética, por número de inscrição, por qualquer coisa? Que tal antecipar o início da distribuição? Mas, não. Todos os peregrinos foram enviados (alguns inclusive sem o voucher de confirmação da inscrição que deveriam ter recebido…) para um único ponto, o Sambódromo [p.s.: conforme uma voluntária teve a gentileza de me avisar aqui no blog, havia um outro ponto de distribuição, menor, em Santa Cruz], onde enfrentavam diversas filas para pegar sucessivamente as credenciais, as mochilas, os livros que compunham o seu conteúdo, os vales transporte e alimentação.  Custava ao menos entregar o kit completo de uma vez só? Era realmente necessário forçar os peregrinos a pegarem-no aos pedaços, enfrentando uma nova fila quilométrica para cada item do kit que deveriam receber? As filas se formavam desde as primeiras horas da manhã, e a distribuição só começava as 10h. Custava iniciá-la mais cedo, ao se perceber o estado caótico em que as coisas se encontravam?

Para se locomoverem no interior da cidade, os peregrinos recebiam um cartão de transporte que lhes permitia pegar os ônibus e o metrô. De repente, o MetrôRio decide que estes bilhetes não vão valer para a cerimônia de recepção do Papa da quinta-feira e nem para a Via-Sacra da sexta. Exige que adquiram um outro bilhete, válido por horário, para estes dois dias. E, de repente, o peregrino se vê na rua com um bilhete que pode usar para ir pra qualquer canto do Rio de Janeiro, exceto o único lugar para ir ao qual ele estava na cidade: o lugar onde o Papa estava. Pode-se adquirir o bilhete sem ônus na estação “Carioca”, dizem: e lá se vão outras filas quilométricas e mais um dia inteiro perdido para se conseguir um bilhete de metrô.

Na quinta-feira, o metrô do Rio pára, e esta foi uma das situações que me fizeram pensar em sabotagem explícita: de repente, toda a linha metroviária da cidade do Rio de Janeiro pára por completo, e justamente no instante em que todas as pessoas estavam se dirigindo à Zona Sul para recepcionar o Papa! Peregrinos ficam presos no subterrâneo, entre duas estações. Nem ligam: cantam, batem palmas, rezam, depois saem e vão como podem, andando ou de ônibus, ao encontro do Vigário de Cristo. Dizem depois que uma latinha de refrigerante jogada nos trilhos provocou o colapso. Eu fico pensando em quem foi o responsável por este caos.

Na sexta, durante a Via-Sacra, a Av. Atlântica é fechada do Forte ao palco (que ficava quase no Leme) para a passagem do Papamóvel. As grades são colocadas quando a avenida estava já tomada: grupos ficaram separados, e quem estava do lado da praia não conseguia atravessar para o lado dos prédios, e nem vice-versa. Passa o Papa, começa a Via-Sacra: eu, no cordão de isolamento, a orientação que recebo é que as grades só serão retiradas quando acabarem todas as estações, dali a uma hora e meia pelo menos. Uma senhorita de língua espanhola me chama às lágrimas: ela está do lado dos prédios, e quer ir à praia para rezar com o Papa. Onde ela está o som não chega, diz, e eu constato que é verdade. Digo-lhe que ela está coberta de razão. Reclamações análogas começam a pulular por todos os cantos: decidimos, nós mesmos voluntários, por conta própria, tirar as grades. Fazemos um cordão somente para impedir que as pessoas seguissem pela avenida, onde a Via Sacra ainda estava acontecendo: mas deixamos que elas passem de um lado para o outro. Lá pelas tantas, uma garota vem correndo dizendo que era para liberar a via para a passagem de não-sei-o-quê e perguntando quem havia mandado tirar as grades. Respondo que nós tiramos a grade sim, e há muito tempo, porque era necessário. Ela reclama alguma coisa e sai praguejando; ainda a ouço dizer que “os voluntários só atrapalham”. Quanto à senhorita de língua hispânica, não a vi mais, mas rezo para que ela tenha conseguido acompanhar a Via-Sacra como desejava.

No sábado, outras filas quilométricas se formam no MAM para pegar o kit vigília. Horas e horas e horas desperdiçadas. Quando chego no lugar de entrega dos kits, percebo que é um pavilhão que possui uns balcões de uns cinqüenta metros no total, atrás dos quais estão voluntários com os kits a serem entregues. A forma mais óbvia de se fazer esta distribuição seria formar diversas filas de frente para os balcões; mas as pessoas fizeram uma fila única vinda por somente um dos lados, no mesmo sentido do comprimento do pavilhão, e as pessoas entravam de dez em dez ou de vinte e vinte e eram orientadas a correrem até o fim para pegarem o kit. Claro que muitas ficavam no início do balcão, em cujo final distribuía-se kits com muito menor freqüência do que era possível.

Ainda no sábado, no percurso entre a Central e Copacabana, disseram haver banheiros para os peregrinos. De fato, há: duas ou três cabines a cada quilômetro ou mais, evidentemente insuficientes para uma marcha de um milhão de católicos. Também aqui formam-se filas. Na praia há também banheiros, em quantidade ridícula e que não foram limpos: no domingo pela manhã, o espetáculo dos peregrinos formando filas a mais de dez metros das cabines (para só correrem rapidamente em direção a ela quando chegasse a sua vez, e saírem depois o mais depressa possível) era digno das mais escabrosas cenas do “Ensaio sobre a Cegueira”. Ainda no domingo pela manhã, uma outra coisa me levou a cogitar a hipótese de sabotagem: fechada mais uma vez a avenida para a passagem do Papa com mais de duas horas de antecedência, as pessoas que estavam na praia não podiam atravessar para o lado dos prédios – e do lado da areia não havia banheiros químicos. Quero dizer, pelo menos um milhão de pessoas que haviam passado a noite em Copacabana e, de manhã, não tinham banheiros para se aliviar! Havia os banheiros dos postos. No que eu estava, o banheiro estava fechado: já há horas que faltava água, papel, material de limpeza. A fila se formava enorme na frente; muitas pessoas pediam pelo amor de Deus para que as deixassem entrar, e não havia como. Já perto das sete horas da manhã, a fila começou a andar em conta-gotas. Dali a que todas entrassem, passaram-se horas: a fila continuou durante toda a manhã.

E não falei do transporte público que escasseava a ponto de praticamente desaparecer à noite; dos protestos (de “Fora Cabral!” e da “Marcha das Vadias”) que permitiram acontecer em meio aos peregrinos; das irresponsabilidades ocorridas com as hospedagens (com locais totalmente inadequados recebendo peregrinos, e casas de família que haviam aberto as suas portas junto à organização do evento esperando os seus hóspedes que nunca chegavam); do pessoal do COL arrogantemente dizendo aos voluntários “só vá trabalhar onde foi alocado” quando era óbvio que havia necessidade de mais gente nos lugares onde a desorganização estava mais crítica (e, quando lá chegávamos, eram as próprias pessoas que lá estavam trabalhando a pedirem a nossa ajuda); dos cafés da manhã servidos não nos alojamentos, mas nos locais de catequese que muitas vezes distavam daqueles uma hora ou mais de locomoção; et cetera. A lista é extensa e este post já vai longo e chato demais. Apenas quero dizer mais três coisinhas.

Primeiro, é óbvio que nenhuma cidade no mundo comporta três milhões de pessoas a mais do que as que já vivem nela. Filas e locais lotados eram naturalmente esperados, mas havia uma infinidade de coisas simples que poderiam ter sido feitas para minimizar estes problemas. Coisas como melhor organização dos pontos de distribuição de kits, maior contingente de veículos de transporte público (inclusive madrugada adentro), maior número de banheiros químicos e melhor cuidado com eles. Estas coisas são básicas, e não existe justificativa possível para que tenham sido tão mal feitas.

Segundo, que os voluntários estão de parabéns por terem sabido se desvencilhar das orientações estapafúrdias do COL e organizarem as coisas à própria maneira, da melhor forma possível dentro das condições precárias em que eram colocados. O que dizíamos entre nós era que quaisquer pessoas conversando por dois minutos diante de um problema específico eram capazes de arranjar uma solução muito melhor do que a que fora dada pelo COL, e isso era verdade; trabalhamos muito e trabalhamos duro, às vezes sem apoio “dos bastidores” algum, para que as coisas pudessem acontecer de modo menos traumático.

Terceiro, e mais importante, e é isso que eu quero que fique deste post (e não somente a reclamação generalizada que pode fazer parecer que nada prestou ou valeu a pena): tenho certeza que cada um daqueles peregrinos passaria por tudo aquilo de novo para viver o que viveu. Aquela multidão era diferente das outras multidões, e os que tentaram expôr os jovens a situações-limite para forçar reações impensadas que pudessem comprometer o espírito da Jornada foram fragorosamente derrotados pelo espírito cristão daquelas multidões que, com cânticos nos lábios e amor a Deus nos corações, ultrapassaram todas as dificuldades com os olhos fitos no Cristo que foram encontrar. Não houve nenhum incidente, nenhuma briga, nenhum confronto com a polícia, nenhum quebra-quebra, nada enfim que pudesse desmerecer a Jornada Mundial da Juventude. Se é na nossa fraqueza que se revela a força de Deus, o fato da JMJ ter sido um sucesso mesmo com todo o caos dos bastidores revela de modo insofismável a ação poderosa d’Ele que, ultrapassando toda a má-vontade humana, foi capaz de congregar junto a Si em espírito de paz e harmonia aqueles milhões de pessoas dos quatro cantos do mundo que foram ao Rio de Janeiro para se encontrar com o Romano Pontífice. Com um tão vasto número de problemas, qualquer evento mundano teria sido um estrondoso fracasso; é somente porque a Jornada era um evento de Deus que tantos que lá estiveram podem hoje se lembrar daqueles dias como uma experiência espiritual positiva e frutuosa, que levarão com gratidão para sempre em suas vidas. Deus não Se deixa vencer em generosidade, mesmo quando O tratam com descaso. Deus realiza a Sua vontade, mesmo quando os homens trabalham e conspiram para a frustrar.

Aos voluntários de Magalhães Bastos

Após ter passado quinze dias no Rio de Janeiro como voluntário da Jornada Mundial da Juventude, há muito o que comentar. Pretendo escrever uma série de posts sobre os «Bastidores da JMJ 2013» nos próximos dias, mas gostaria de começar pelo começo: pela segunda-feira 15 de julho, o primeiro dia em que cheguei ao Rio. Pelas pessoas que nos acolheram e nos apoiaram, e que estiveram conosco antes, durante e depois da Jornada. Pela grande família em que se transformou a Paróquia de São José em Magalhães Bastos.

Muito já foi dito nos grupos privados de Facebook e WhatsApp, mas é um dever de justiça registrar aqui algumas linhas de agradecimento àquelas pessoas com as quais dividimos os nossos dias enquanto estávamos na Cidade Maravilhosa, e sem as quais tudo teria sido um bocado diferente. Mesmo sem ser capaz de prever o futuro, arrisco-me a dizer que tudo teria sido muito pior. Se enfrentamos muitas dificuldades durante a Jornada, a boa vontade das pessoas que estavam ao nosso redor ajudou-nos – e muito! – a suportá-las de um modo mais suave e agradável.

Era segunda-feira, perto das 18h00, e estávamos na Catedral com as nossas malas, após passar literalmente o dia inteiro esperando os nossos kits de voluntários que nunca chegavam. E de fato não chegaram: após a desgastante espera de um dia inteiro, mandaram-nos de mãos abanando para os alojamentos, que sequer sabíamos onde ficavam. Não nos conhecíamos. Alguém instruiu que o grupo que ficaria alojado em Magalhães Bastos se reunisse em não sei que entrada da Catedral para irem juntos ao alojamento; fui meio a contragosto, pois a minha idéia original era acampar ali mesmo até o dia seguinte. Mas, se fosse para ir, era mesmo melhor que fôssemos juntos. E lá nos encontramos.

Pessoas dos mais variados rincões do Brasil, reunidas sob uma bandeira genérica da JMJ que rapidamente elegemos o estandarte do nosso grupo, para facilitar que ficássemos juntos. Conduzíamos ao mesmo tempo em que éramos conduzidos, sempre gritando “Magalhãããães!” no instante em que partíamos de um lugar para o outro, a fim de que nenhum de nós se desgarrasse. Da entrada da catedral para a estação de metrô, para a bilheteria, para a Central do Brasil, para o trem (“Campo Grande”, “Bangu” ou “Santa Cruz”, como nos instruíram): seguíamos em bando, em plena hora do rush carioca, quais mulas de carga soterradas sob bagagens necessárias a quinze dias longe de casa, chamando-nos uns aos outros pelo nome do nosso alojamento.

Chegamos enfim à estação e à paróquia onde ficaríamos hospedados. Os coordenadores de hospedagem, em um comovente rasgo de sinceridade, disseram-nos imediatamente que não estavam lá muito preparados para nos receber, posto que o local teoricamente só receberia peregrinos que chegariam uma semana depois: mas abriram com muita boa vontade as portas da paróquia e dos seus corações para nós, de tal modo que nos perguntamos se seria possível terem feito melhor caso houvessem sido avisados com antecedência. Este, aliás, foi um ponto distintivo de toda essa Jornada, permito-me dizer: a generosidade com a qual as pessoas dispunham-se a fazer o que não estavam preparadas para fazer, desdobrando-se para ajudar da melhor forma possível a todos que a Divina Providência lhes colocava no caminho. Se um ponto positivo pode ser retirado do clamoroso desleixo com o qual a JMJ foi tratada, é este: os sacrifícios de bom grado que tantos realizaram para proporcionar aos que chegavam ao Rio um encontro com Nosso Senhor, a despeito de todas as circunstâncias adversas.

Devo muito àquelas pessoas, certamente mais do que elas sabem e mais do que sou capaz de dizer. Dos cafés improvisados na cantina paroquial às salas lotadas onde dormíamos mal, do chuveiro gelado às animadas músicas no pátio, das rodas de conversa noite adentro aos plantões feitos na paróquia para garantir que nenhum voluntário se deparasse com a igreja fechada ao voltar quase de madrugada: tudo isso contribuiu maravilhosamente para que nos sentíssemos amados e, amparando-nos mutuamente nas dificuldades, pudéssemos depois realizar da melhor forma possível o nosso serviço aos peregrinos do mundo inteiro que fomos ao Rio para ajudar.

Compartilhamos muito mais do que duas semanas longe de casa. Trocamos idéias e experiências, expectativas e frustrações, angústias e alegrias, suor e lágrimas. Compartilhamos as nossas almas, ouso dizer. Almas de pessoas diferentes unidas em torno a um objetivo comum. Almas sedentas por Deus, ainda que tenham ido à Cidade Maravilhosa para transmiti-Lo a outros. Almas que voltaram lavadas para casa, apesar de tudo. E, não poucas vezes, por causa de tudo.

Tenho certeza de que os que depois da JMJ tomaram banhos confortáveis e se deitaram em camas macias lembram-se com carinho da penúria que por duas semanas sofreram. E lembram-se dela assim porque o calor daquela família reunida era mais forte do que o frio carioca, e o encontro aconchegante de irmãos na mesma Fé descansava mais do que era exasperante dormir mal. Falo por mim, mas penso falar por todos: aqueles dias foram maravilhosos. Com todo o frio e o cansaço, as caras amassadas de sono, a coriza e as tosses, as olheiras e os cabelos desgrenhados, a água gelada dos boxes improvisados, as roupas quase fedidas, o descanso noturno entrecortado pelos irmãos que insistiam em não respeitar os horários de silêncio, os trens lotados e as incontáveis horas gastas entre idas e vindas todos os dias: falo por mim, mas penso falar por todos quando digo que não troco isso pelo conforto asséptico e impessoal de um hotel padrão FIFA. Porque conforto é para os fracos, e nós éramos uma infantaria «a serviço do Papa!», como tantas vezes gritamos ao longo desses dias. Muito vivemos e fizemos juntos, e penso que sem a doação generosa de cada um pouco poderia ter sido feito.

A todos e cada um dos meus “magalhães” queridos, mesmo àqueles que eu não tive a oportunidade de conhecer mais profundamente, quero registrar aqui os meus mais sinceros agradecimentos. Obrigado pelo que fizeram para o êxito desta JMJ, e obrigado também pelo que fizeram por mim e por minha família. Que Deus os recompense a todos. Que nós, mesmo que não voltemos a nos reunir como naqueles dias, saibamos nos encontrar em cada Eucaristia; e que o Bom Deus nos permita, um Dia, voltarmos a fazer ecoar em uníssono o nosso brado de amor ao Vigário de Cristo em torno ao qual nos unimos na Cidade Maravilhosa naqueles dias inesquecíveis.

Casa de Amparo pró-vida interditada!

[Publico trecho de denúncia divulgada pelo Heitor de Paola, que esta manhã chegou a ser marcada como “suspeita” pelo Facebook. Sobre o mesmo assunto, a Doris Hipólito fala num vídeo aqui. A Casa de Amparo é um belíssimo e importantíssimo trabalho realizado no Rio de Janeiro para defender mulheres grávidas em situação de risco; faço coro ao pedido da Doris e peço que quem puder ajudá-la não deixe de entrar em contato.]

Fui convocada a comparecer a uma Audiência no dia 30/04/2013, às 10h30, ao Fórum da Promotoria de Violência Doméstica, sala 308.

Disse a Promotora: “Quanto à gestante Eloá, ela poderá ficar na Casa até o dia 30/04/2013. Procure a família ou algum parente dela, pois esta Casa não pode funcionar como Amparo. Vocês podem entregar enxovais, mas não podem abrigar mulheres, até que as exigências sejam cumpridas”.

Fomos expressamente proibidos de recebermos gestantes menores de idade, mesmo que tenham sido encaminhadas por órgãos públicos.

Não me foi apresentado qualquer pedido para notificação ou fiscalização tampouco me solicitaram permissão para fazer as fotos ou abrir os armários. Não me pediram para assinar qualquer documento. Todas as exigências foram feitas apenas verbalmente.

Peço que, por favor, me oriente quanto ao modo como devo proceder.

Questão: Dinheiro público para evento católico

Foi perguntado aqui no blog:

[A] deputada da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, Myrian Rios, destinou 5 milhões de reais para o evento católico denominado Jornada Mundial da Juventude. Myrian Rios é do movimento carismático da Igreja Católica. Houve aqui um claro privilégio à religião católica.

Segundo sua lógica, para que fosse possível essa alocação orçamentária, a AL do Rio deveria ter oferecido também 5 milhões de reais a todas as outras denominações religiosas no Brasil.

O que dizer?

Simples: em geral, os investimentos públicos são direcionados para projetos que tenham interesse social – o que é precisamente o caso aqui. Na mensagem que acompanha a Proposta Orçamentária 2013 da Cidade do Rio de Janeiro, pode-se ler o seguinte:

Está previsto a implementação de ações que visem e preparem a Cidade para receber o enorme contingente de turistas que nos visitarão por ocasião dos grandes eventos que ocorrerão durante o exercício, notadamente a Jornada Mundial da Juventude e a Copa FIFA das Confederações.

[…]

Será prioridade da SMTR a elaboração dos Planos Operacionais de Transporte Público para a Jornada Mundial da Juventude e para a Copa do Mundo de 2014.

A Companhia de Engenharia de Tráfego do Município do Rio de Janeiro – CET RIO pretende consolidar a operação de tráfego na cidade com reforço nas áreas identificadas como mais críticas, além do atendimento dos megaeventos “Copa das Confederações”, “Jornada Mundial da Juventude” e “Rock in Rio – 2013”.

Ou seja:

Este dinheiro é para financiar a passagem de católicos que virão do mundo todo para o Rio de Janeiro? Não, é para melhorar a infra-estrutura da cidade de modo que ela possa comportar os fiéis que virão por conta própria.

Este dinheiro é pra pagar espórtulas às centenas de sacerdotes que, ao longo desses dias, estarão ministrando os Sacramentos católicos? Não, é para elaborar planos de transporte público que permitam aos leigos e sacerdotes católicos se locomoverem pelo Rio de Janeiro ao longo dos dias do evento.

Este dinheiro será enviado à Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, à Sé Primacial do Brasil ou ao Vaticano? Não, será voltado para melhorias da própria cidade do Rio de Janeiro.

Sob que lógica, portanto, é possível dizer que se está usando dinheiro público para fins privados? Nenhuma. É pura implicância da mídia anti-clerical.

Ainda: dizer que, por isonomia, o Estado deveria conceder valor equivalente às outras denominações religiosas brasileiras é rigorosamente o mesmo que criticar o dinheiro gasto na Copa das Confederações e sustentar que a Prefeitura deveria destinar o mesmíssimo valor a competições de basquete, vôlei de praia, turfe e ping-pong, entre dezenas de outros esportes existentes no Brasil.

Dizer que, por conta da JMJ, o Estado deveria oferecer recursos públicos às outras denominações religiosas brasileiras é equivalente a condenar o Rock in Rio e dizer que, para destinar-lhe dinheiro público, a Prefeitura tinha a obrigação moral de financiar igualmente, entre muitos outros, o “Jazz in Rio”, o “Funk in Rio” e (neste tempo de minorias, por que não?) o “Fado in Rio” e o “Can-Can in Rio”.

Por fim, afirmar que só seria possível à Prefeitura do Rio de Janeiro (e, por extensão, a qualquer órgão da Administração Pública) reservar uma parte do seu orçamento para um projeto católico caso reservasse igualmente a mesma quantia para projetos de (todas as) outras denominações religiosas é inviabilizar completamente qualquer gestão municipal (ou estadual ou federal), porque aí ninguém ia poder destinar dinheiro para asfaltar uma rua sem simultaneamente destinar o mesmo para asfaltar todas as outras ruas da cidade, ninguém poderia reformar uma escola ou equipar um hospital sem ao mesmo tempo oferecer a mesma quantia para reformar todas as outras escolas e todos os outros hospitais do município, et cetera – o que é um patente absurdo.

Na verdade, a destinação de recursos públicos para projetos de fomento à cultura, ao turismo, ao lazer e congêneres segue políticas públicas específicas, com normas próprias emanadas pelas autoridades competentes. Obviamente não é necessário (e nem sequer é possível) que todos os projetos do mundo recebam sempre igual financiamento para garantir a isonomia do processo de concessão de verba pública; basta que todos eles possam se candidatar e concorrer em igualdade de condições. É somente esta última proposição que se refere aos princípios (nos quais não pode haver privilégios injustificados), porque a destinação concreta de um orçamento concreto, por definição, não é mais um princípio e sim um caso concreto. E é bastante óbvio que os casos concretos não precisam conter em si todas as aplicações possíveis dos princípios (o que aliás é uma impossibilidade lógica): basta que não os contradigam. Como este caso da JMJ não os contradiz.

Por fim, somente como parêntese, eu particularmente considero que em certas áreas não é papel do Estado atuar, como por exemplo (o que aparentemente não é o caso aqui, mas poderia ser) em projetos de “cultura”. Ao contrário, penso que cultura é iniciativa “de baixo pra cima” que, simplesmente, não pode ser produzida à força de investimentos. Melhor seria se o Estado nos aliviasse um pouco a carga tributária e nos deixasse mais folgados para exercitarmos nossa produção cultural por conta própria. No entanto, havendo (como há) políticas públicas para incentivar a cultura, aí não pode haver nenhum tipo de discriminação entre os projetos que podem receber estas verbas: em particular, pouco importa se a iniciativa é católica, protestante, budista, ateísta, seicho-no-ie, umbandista ou o que seja. E, até onde eu saiba, é assim que as coisas funcionam  por aqui: ao menos na questão dos princípios, não há incoerência que precise ser justificada.

Niterói: padre indiciado por “abusar sexualmente de criança”

Desde o início da manhã de hoje eu vinha percebendo uma insistente e anormal audiência para um post do Deus lo Vult! (de mais de quatro anos atrás) sobre a excomunhão de um sacerdote de Niterói que havia abandonado a Igreja para se juntar à ICAB. Agora, na hora do almoço, eu descobri com pesar o porquê desse súbito interesse dos internautas pelo clero da cidade à qual se chega pela Baía de Guanabara.

O Pe. Emilson Soares Corrêa, da Arquidiocese de Niterói, foi indiciado por abusar de uma criança no Rio de Janeiro. A notícia foi publicada hoje, e sua manchete se justifica basicamente por uma denúncia: a suposta vítima relatou que «o sacerdote havia tocado suas partes íntimas». Ela tinha sete anos à época.

A acusação de pedofilia é isso e mais nada. Há, no entanto, outras coisas bem tristes nessa história toda. O padre mantinha um relacionamento com a irmã dessa criança – isso é certo, o próprio sacerdote confessou. Desde quando, é impossível saber da matéria, que começa dizendo ser «desde quando ela tinha 13 anos» para, na frase seguinte, dizer que «[a] jovem» – hoje com dezenove anos – «contou à família que mantinha relações sexuais com o padre há três anos». O advogado do padre, por sua vez, diz que ele «admite ter tido um relacionamento com a jovem de 19 anos, somente em 2012, quando ela já era maior».

Se a menina tinha dezesseis ou dezoito anos é aqui totalmente irrelevante. Do ponto de vista da legislação brasileira, em qualquer um dos casos não há crime; do ponto de vista das leis da Igreja, em qualquer um dos casos é uma violação do sagrado celibato que o padre jurou guardar. E, infelizmente, o pe. Emilson está descobrindo da pior maneira possível que os pecados têm conseqüências, e algumas delas são bem incômodas já nesta vida.

A história escabrosa é a seguinte: a jovem (quando já tinha 19 anos, pelo que entendi) contou à família que tinha (ou teve) relações sexuais com o padre. O pai da jovem, ao invés de dizer-lhe que se afastasse, mandou que ela gravasse um vídeo dessas relações (!). Aí a jovem, para armar contra o padre, chamou outra menina de quinze anos (!!), que eu não consegui entender se filmou uma relação sexual do padre com a primeira ou se ela própria teve relações sexuais com o padre, deixando-se filmar: só sei que existe um vídeo, bastante comprometedor, do padre tendo relações sexuais na casa paroquial. O padre afirma que, de posse desse vídeo, o pai da menina tentou chantageá-lo. O padre não cedeu à chantagem, a história foi à mídia, a acusação de pedofilia (que não tem nada a ver com o vídeo ou com as meninas que o fizeram, diga-se de passagem) veio à tona. O vídeo não foi entregue à polícia. A delegacia está investigando tudo: o estupro de vulnerável, a exploração sexual, a extorsão.

Só faço dois ligeiros comentários. Primeiro: independente do resultado do inquérito, é de se lamentar que o sacerdote tenha violado os seus votos. Isso é motivo de vergonha para os católicos, é injustificável e exige reparação. Foi este o estopim do tudo: se o padre não tivesse se deixado seduzir por um rabo-de-saia, não haveria desonra para o pai da menina, não haveria vídeo registrando o sacrilégio, não haveria tentativa de chantagem, não haveria nada. Sabemos que chantagear é bastante errado, sem dúvidas, mas também é vergonhoso possuir motivos para ser chantageado. Conforme Nota oficial da Mitra de Niterói, o padre já foi afastado de suas funções.

Segundo: como apontou um amigo por email, o problema com esse tipo imoral de jornalismo é que qualquer acusação de abuso sexual contra crianças ganha as primeiras páginas dos jornais e o horário nobre da televisão; mas, se o sacerdote é inocentado, isso não sai sequer no jornal da Arquidiocese. Ainda que a acusação de pedofilia se revele falsa (como, convenhamos, parece ser), a imagem do pe. Emilson provavelmente nunca mais será recuperada. Como este assunto historicamente já provocou injustiças, seria de se esperar que a imprensa tivesse se tornado mais responsável com os erros cometidos; mas não, infelizmente, parece que, para bater na Igreja, qualquer pau sempre serve.