Novo Arcebispo de Olinda e Recife

O báculo de Dom Vital
Dom Fernando Saburido ergue o báculo de Dom Vital

Ontem foi a cerimônia de posse de S.E.R. Dom Fernando Saburido, novo Arcebispo de Olinda e Recife, que teve lugar na Igreja da Madre de Deus, no Recife Antigo. Após a cerimônia, Sua Excelência celebrou, na praça do Marco Zero, a sua primeira missa.

Fui a ambas as cerimônias. Na Igreja da Madre de Deus eu teoricamente não poderia entrar, porque estava reservada para o clero, os convidados pessoais do novo Arcebispo e… a imprensa. Mas com a recente decisão do STF de acabar com a exigibilidade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, bom, eu sou imprensa… Entrei com o Gustavo Souza – que já escreveu no seu blog sobre as cerimônias de ontem, leiam – e me pus a observar.

A igreja é bonita, foi restaurada recentemente. Não chega a ser uma basílica, mas tampouco é uma capela: no entanto, ficou lotada ontem. Todo o clero recifense – o que deveria estar lá e o que, teoricamente, também não deveria, mas enfim… -, membros do clero de Sobral (antiga diocese de Dom Fernando), bispos de vários lugares do país. O colégio dos consultores da Arquidiocese esperava à porta. Chegou Dom José Cardoso, chegou Dom Lorenzo Baldisseri, Núncio Apostólico e, por fim, chegou Dom Fernando Saburido, e o cortejo entrou na igreja.

A cerimônia seguiu normalmente: os epíscopos ajoelharam-se diante do altar-mor da igreja, Dom José pronunciou as suas palavras de despedida, foi feita a leitura da bula de nomeação (em latim e depois em português), Dom Lorenzo fez o seu pronunciamento; então, o Núncio e o Arcebispo Emérito entregaram o báculo ao novo Arcebispo. O báculo de Dom Vital, honra e glória da igreja de Olinda, Servo de Deus, cujo processo de canonização tramita no Vaticano: que o jovem frei possa interceder pelo seu sucessor na Sé de Olinda. Dom Fernando foi então conduzido à cátedra pelo Núncio, enquanto a igreja inteira entoava o Veni Creator Spiritus: Domine, exaudi nos.

Eu estava quase em cima do presbitério a esta altura, ansioso por não perder nada da cerimônia; foi quando os bispos da Regional Nordeste II formaram um cortejo para saudar o novo Arcebispo. Fui bater uma foto (o lado esquerdo da igreja, onde eu estava, era reservado às autoridades civis e militares; o outro lado, o direito, aos bispos), mas terminei por ficar na frente do excelentíssimo governador do Estado, Eduardo Campos. Um dos responsáveis pela organização veio reclamar que eu estava na frente do governador; tive vontade de retrucar que eu era tão filho de Deus quanto ele (e, ainda, nunca tinha apoiado a destruição de embriões humanos em pesquisas científicas, mas cala-te boca…) e estava obviamente muito mais interessado na cerimônia do que o excelentíssimo. Mas achei melhor ficar calado. “Quem é esse, o que está fazendo aqui?”, ouvi perguntarem; “sei não, manda sair”, ouvi responderem. Saí da frente do governador do Estado, mas não de próximo ao altar onde eu estava. Ainda havia coisas que eu queria acompanhar.

Como o discurso (cliquem para baixar) do reverendíssimo Monsenhor Edvaldo da Silva, até a nomeação de Dom Fernando Saburido Vigário-Geral desta arquidiocese, que falou em nome do clero arquidiocesano. Também falaram o presidente da Regional Nordeste II, o secretário da CNBB, o Arcebispo de Fortaleza, o Governador do Ceará, o Governador de Pernambuco (em cuja frente eu fiquei), etc. Neste momento, sinto um cheiro de enxofre vindo da porta da igreja. Julgando que já tinha acompanhado o que era importante acompanhar, saí da Madre de Deus para ver o que acontecia do lado de fora.

Um enorme “boneco de Olinda” – aqueles bonecos gigantes, típicos do carnaval – de Dom Hélder Câmara, e o povo gritando algumas coisas que não consegui identificar. Lembrei-me imediatamente das igrejas medievais; quando estive na Europa, um sacerdote explicou-nos que as gárgulas que ornam as paredes externas das catedrais são demônios, e o significado é que os demônios ficam fora da igreja – dentro dela, só há imagens de santos. Ontem, os demônios guincharam, mas ficaram fora da igreja da Madre de Deus. No meio da multidão ensandecida, alguns cartazes ofensivos e/ou toscos que eu já havia visto antes: “Dom Fernando, voz dos negros, pobres e oprimidos”. “Dom Fernando, o dom do amor pelos humildes. Dom José, o dom da perseguição, graças a Deus esse dia chegou…”. “Vamos reconstruir a unidade anunciando o Reino – confiamos neste anúncio. Grupo de leigos católicos Igreja Nova”. “A esperança do povo voltou”. Tenho as fotos. Mas havia também os cartazes de apoio a Dom José Cardoso Sobrinho: o povo [verdadeiramente] católico desta Arquidiocese vai ter trabalho. E dom Fernando Saburido vai ter muito trabalho. Que seja em seu favor a Virgem Soberana.

Ao final, houve ainda a missa campal, o Marco Zero repleto de gente, na festa da assunção da Virgem Santíssima e na posse do novo Arcebispo de Olinda e Recife. A primeira homilia de Dom Fernando Saburido; só comentando en passant, eu bem que gostaria de ter ouvido o que ouvi em uma outra primeira homilia de um outro Fernando, mas o mundo não é sempre como a gente gostaria que fosse. Rezemos, rezemos, rezemos sem cessar, por Olinda e Recife, por esta Sé “caríssima” ao Santo Padre – como ele disse na bula de nomeação -, a fim de que, aqui, Nosso Senhor seja sempre glorificado. Que Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Recife, olhe com particular cuidado por nós. Abaixo, algumas fotos das cerimônias.

Posse de S.E.R. Dom Fernando Saburido

Salvum fac servum tuum!
Salvum fac servum tuum!

Hoje é a posse de Sua Excelência Reverendíssima Dom Fernando Saburido, novo Arcebispo de Olinda e Recife. Que a Virgem Santíssima, Onipotência Suplicante, cuja Assunção nós hoje comemoramos, possa transformar o seu episcopado em um milagre. O Jornal do Commercio prenuncia uma era de mudanças em Olinda e Recife; eu rogo à Virgem Mãe de Deus que Se digne exaltar a Igreja de Nosso Senhor, para a maior glória de Deus.

Vou às cerimônias. Mais tarde, comento.

℣. Oremus pro antistite nostro Ferdinando.
℟. Stet et pascat, in fortitudine tua, Domine, in sublimitate nominis tui.
℣. Salvum fac servum tuum.
℟. Deus meus sperantem in te.

A viúva e a Virgem

Quia hodie nomen tuum ita magnificavit, ut non recedat laus tua de ore hominum, qui memores fuerint virtutis Domini in aeternum (Jd 13, 25a).

Hoje a Igreja celebra a festa da Assunção, em Corpo e Alma, da Virgem Santíssima ao Céu. As palavras em epígrafe, retiradas da epístola da missa (tridentina) de hoje, foram dirigidas a Judite muitos anos antes do nascimento de Cristo. Mas elas são, no entanto, o eco vetero-testamentário de outras palavras que – estas, sim! – nós conhecemos muito bem: ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes (Lc I, 48b). Judite é – nas palavras do Papa Leão XIII – a “ilustre heroína em quem era figurada a Virgem Maria” (Encíclica Superiore Anno, 3).

Fazendo este paralelo entre a notável filha da Sinagoga e a gloriosa Mãe da Igreja, diz-nos ainda Leão XIII uma outra coisa muito interessante: Judite é aquela “que conteve a impaciência dos judeus, os quais, na sua estultícia, queriam a seu arbítrio fixar a Deus o tempo para socorrer a cidade” (id. ibid). A história é interessante: os assírios estavam em guerra contra os judeus, e Holofernes, general dos exércitos dos assírios, estava cercando Betúlia, cidade judia. Após o cerco ter se apertado, quando os judeus não tinham mais água, cogitaram se entregar e levaram as suas lamúrias a Ozias, chefe da cidade, ao que ele respondeu: “[t]ende bom ânimo, irmãos, e por estes cinco dias esperemos a misericórdia do Senhor. Talvez se aplaque a sua ira e dê glória ao seu nome. Mas se, passados estes cinco dias, não nos vier socorro, faremos o que vós dissestes” (Jd 7, 23b-25).

Judite, viúva, que “tinha muito temor de Deus e não havia ninguém que dissesse dela uma palavra em desfavor” (Jd 8, 8b), indigna-se com este proceder e censura os anciãos da cidade: “[q]ue palavra é esta, com a qual concordou Ozias, de entregar a cidade aos assírios, se dentro de cinco dias vos não viesse socorro? E quem sois vós, que tentais o Senhor? (…) Vós fixastes um prazo à misericórdia do Senhor e ao vosso arbítrio lhe assinastes o dia” (Jd 8, 10b-11. 13). O resto da história é bem conhecido: a valente viúva sai da cidade sitiada, vai ao encontro do acampamento inimigo, engana os assírios e, quando tem oportunidade, corta a cabeça de Holofernes e a leva de volta a Betúlia, inflamando assim o ânimo dos judeus ao mesmo tempo em que espalha o terror sobre as tropas assírias, que fogem quando os soldados de Israel precipitam-se sobre elas.

Mas meditemos um pouco sobre a “impaciência dos judeus” e que é, em última instância, a impaciência de toda a raça humana. A tentação de que o socorro nos venha quando e como queremos espreita-nos dia e noite, e é preciso ter cuidado para não sucumbirmos diante dela – para não fazermos as coisas do nosso jeito. Árduo trabalho o de encontrar a vontade de Deus nas coisas das nossas vidas! Não fosse por Judite, como saber se não era da vontade do Altíssimo que Betúlia se entregasse? O que mais angustia na história é ver que o clamor do povo judeu diante de Ozias parece-nos mais sensatez do que estultícia. Tinham resistido. Tinham sido fiéis. No entanto, estavam à míngua. Por que não mudar as disposições iniciais, que tinham falhado tão miseravelmente…?

Resposta difícil! E eu arriscaria dizer até mais: humanamente impossível. Na verdade, precisamos – tal como os judeus daquela época – de alguém que contenha a nossa impaciência e faça, por nós, o que nós próprios não podemos fazer. Que nos dê a vitória quando tudo pareça estar perdido. Que não nos permita agir por conta própria, por mais que a situação se nos apresente sem saída. Precisamos de uma Judite. E Deus, em Sua infinita misericórdia, deu-nos Alguém que é muito maior do que Judite, Alguém junto a qual a ilustre viúva é menos que sombra. Deu-nos o Altíssimo a Sua própria Mãe.

Deu-nos a Virgem Santíssima, Aquela que esteve de pé diante da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, que soube esperar os três dias nos quais o Seu Divino Filho esteve no sepulcro, sem jamais desesperar. Diante do drama da Paixão de Cristo, as guerras judaicas parecem insignificantes: o que é uma cidade sitiada cujo povo passa sede, perto do filho de Deus morto no túmulo frio? Dir-se-ia o mundo inteiro sitiado pelas hostes do inferno, e as almas sedentas da Graça de Deus sem terem onde A encontrar. Mas a Virgem Santíssima não desesperou. Acheguemo-nos a esta Mulher admirável e, aos Seus pés, despejemos as nossas inquietudes e impaciências: se uma viúva salvou o povo judeu dos assírios, temos aqui conosco uma Virgem que é maior do que Judite; não poderá Ela nos salvar? O que são os problemas de hoje diante do corpo sem vida de Deus pendente de uma Cruz? Aquela que pôde sustentar a Igreja nascente enquanto Nosso Senhor descia aos infernos, acaso não poderá sustentar a Igreja de hoje na crise que Ela atravessa?

Que seja em nosso favor Aquela que trouxe ao mundo o Salvador do mundo, que trouxe em Seu seio Aquele que nem mesmo os Céus puderam conter, que venceu sozinha todas as heresias do mundo inteiro, que o próprio Deus coroou como Rainha dos Céus e da Terra. Que seja em nosso favor Aquela que, sob o júbilo de todas as cortes celestes, foi assunta aos Céus em corpo e alma. Que seja em nosso favor a Bem-Aventurada e Gloriosa Sempre Virgem Maria, pois sem Ela pereceremos sem dúvida alguma e, com Ela, nada nos poderá abalar. Assumpta est Maria in Caelum, alleluia – o Regina in Caelum assumpta, ora pro nobis.

Menos duas

Operação Anjo: menos duas clínicas de aborto. “A polícia do Rio de Janeiro estourou, hoje [13 de agosto] de manhã, duas clínicas de aborto que funcionavam em Botafogo, na zona sul da cidade”. Excelente a idéia dos policiais: “Operação Anjo”.

Até quando a sociedade ficará indiferente ao holocausto silencioso? Quantos “anjos” precisarão ter suas vidas ceifadas até que o mundo acorde? Não sei quantas clínicas clandestinas de aborto existem no Brasil ou mesmo no Rio de Janeiro, mas sei que há menos duas. É pouco, mas é alguma coisa. Graças a Deus.

O que mais chamou a atenção, segundo a notícia, foram um “triturador encontrado em uma das clínicas, e as passagens secretas da outra, que permitiam fugas rápidas em caso da chegada da polícia”. Abortistas são mesmo pessoas que dão asco. Um triturador! Ele me perturba muito mais do que as passagens secretas. Afinal, fugir é até instintivo. Triturar exige uma deliberação fria.

Assuntos Ligeiros

–  Questão do Enem promove o ateísmo, no Mídia Sem Máscara. A questão pode ser encontrada aqui (é a oitava). Apresentam-se duas posições distintas, de Dom Odilo Scherer e do ateu americano Daniel Dennet. Todas as alternativas são toscas, mas a resposta correta – segundo o gabarito – diz o seguinte: “o arcebispo usa uma lacuna da ciência para defender a existência de Deus, enquanto o filósofo faz uma ironia, sugerindo que qualquer coisa inventada poderia preencher essa lacuna”. Maravilha de educação, não?

– Um texto anti-comunista no site da CNBB – Deo Gratias! Dom Aldo Di Cillo Pagotto reproduziu o Decálogo de Stalin. Verdade seja dita, não consta que Stalin o tenha realmente escrito, mas tais diretrizes deduzem-se, sim, da praxis histórica dos comunistas. Procurando a fonte dele na internet, deparei-me com o seguinte comentário de encantadora lucidez: “esse decálogo está sendo seguido à risca por Lula e sua petralhada”…

– Triste notícia número 1: padre colombiano diz que Igreja é o armário dos gays. “Segundo o padre, 30% dos 120 sacerdotes de Cali são gays”. Rezemos pelo clero.

– Triste notícia número 2: La “triple vida” de Marcial Maciel. No Fratres in Unum: novos filhos buscam direitos hereditários nos bens da Legião de Cristo. “[T]rês filhos de Marcial Maciel nascidos no México disputarão com os Legionários de Cristo para que se reconheça sua existência, assim como seus direitos hereditários sobre os bens do fundador da ordem religiosa”. Rezemos, rezemos mais, pelo clero.

– Manifesto da Associação Causa Imperial: A República cai de podre. “Hoje, a política brasileira é indissociável do desvio de dinheiro público, da sonegação fiscal e do uso da má-fé. Praticamente ninguém acredita que seja possível ocupar um cargo eletivo sem recorrer a meios espúrios, antes mesmo das eleições, dentro dos nossos asquerosos partidos políticos, verdadeiras quadrilhas nos quais o saque e a pilhagem são a única lei”. O desabafo da nobreza! Nossa Senhora Aparecida tenha compaixão do Brasil.

A Eucaristia, a Igreja e eu

O reverendíssimo Dr. Pe. João Carlos Almeida, scj, em seu blog, tem-se esforçado por tentar provar a sua tese sobre a “constituição eucarística da Igreja e de cada batizado”, utilizando-se para isso de documentos da Santa Igreja Católica. Julga o reverendo sacerdote ter encerrado a polêmica ao citar a Sacramentum Caritatis, de SS Bento XVI, onde é dito: “Assim, «tornamo-nos não apenas cristãos, mas o próprio Cristo»” (Sacramentum Caritatis, 36).

Não tenho certeza de que o pe. João Carlos compreenda realmente o que está falando. Em um post do seu blog no qual ele pergunta se [s]erá heresia afirmar que a constituição da Igreja é essencialmente Eucarística, ele afirma corretamente: “a antiguidade cristã designava com as mesmas palavras — corpus Christi — o corpo nascido da Virgem Maria, o corpo eucarístico e o corpo eclesial de Cristo”. Perfeitamente; no entanto, dizer somente isso é amputar a Doutrina Católica e propiciar o surgimento de erros crassos na compreensão do dogma.

É impressionante: parecem aquelas piadas de “lógica” que circulam pela internet. “Eu não sou ninguém, ninguém é perfeito, logo eu sou perfeito. Mas só Deus é perfeito, logo eu sou Deus. Deus é amor, o amor é cego, logo Deus é cego. Mas eu sou Deus… meu Deus, eu sou cego!”. A argumentação do reverendíssimo pe. João Carlos, data maxima venia, urge dizer, é estritamente análoga: “a Eucaristia é o Corpo de Cristo, a Igreja é o Corpo de Cristo, logo a Igreja é a Eucaristia. Eu sou a Igreja, a Igreja é a Eucaristia, logo eu sou eucarístico”. As conclusões repugnam o bom senso tanto quanto aquelas às quais chegou o sujeito da piada que se descobriu cego por meio do exercício especulativo. São absurdas e é muitíssimo fácil demonstrar: se eu sou a Eucaristia e a Eucaristia é digna de adoração, logo eu sou digno de adoração. A menos que eu seja Deus – e não me consta que eu seja -, isso é idolatria. Logo, por reductio ad absurdum, resta claríssimo, sem a menor sombra de dúvidas, que nem a Igreja é – e nem muito menos eu sou – a mesma coisa que a Eucaristia.

O problema aqui é terminológico, e é o mesmíssimo da aplicação indiscriminada da palavra “presença”, confundindo a presença eucarística com a presença nos cristãos reunidos ou nas Escrituras Sagradas. As palavras não têm um único sentido. A aplicação indiscriminada de palavras que significam coisas distintas em contextos distintos, sem que isso seja deixado claro, confunde os fiéis. E, na minha opinião, todo problema de terminologia é sintoma de um problema cognitivo: o sujeito que não consegue explicar algo direito, é porque provavelmente não o compreende direito. Por isso que eu disse acima não ter certeza de que o reverendíssimo pe. João Carlos compreenda o seu discurso.

A Igreja é sem dúvidas o Corpo de Cristo, mas é o Corpo Místico de Cristo. E Santo Tomás de Aquino ensina que se chama a Igreja inteira Corpo Místico por analogia com o corpo natural do homem (Summa, IIIa, q.8, a.1, responsio). A Eucaristia, por sua vez, é real e substancialmente o Corpo de Cristo, sem o ser – como a Igreja – de maneira análoga. E isso faz toda a diferença.

Santo Tomás faz tanta questão de não confundir as duas realidades que, falando sobre a Eucaristia, distingue n’Ela uma coisa, “significada e contida no Sacramento, que é o mesmo Cristo, e outra, significada e não contida, que é o corpo místico de Cristo”, a sociedade dos santos (Summa, IIIa, q.80, a4, responsio). A primeira é res et sacramentum e, a outra, res tantum: não dá para confundir as realidades como se fossem uma só e a mesma realidade (cf. também Summa, IIIa, q.73; em especial a.6, responsio). Receber o Corpo de Cristo é, sim, unir-se (mais) ao Corpo [Místico] de Cristo, mas as palavras significam coisas distintas: a primeira é o Sacramento em si e, a segunda, o efeito do Sacramento. “Tornar-se o próprio Cristo” [i.e., ser parte constituinte do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja] não tem nada a ver com “tornar-se a Eucaristia”. Os sentidos são múltiplos, e é importante não confundi-los.

Toda esta confusão poderia ser evitada se os ministros do Deus Altíssimo tivessem um maior cuidado com os seus discursos, preocupando-se mais em transmitir a Doutrina Católica do que em fazer rebusques de retórica que, dependendo do público ouvinte [ou leitor], podem provocar muito mais mal do que bem. Causa finita, sim, mas somente quando se compreende exatamente o quê Roma locuta. O exercício do munus docendi não é simplesmente citar trechos pinçados de documentos pontifícios sem os explicar. Pra fazer isso, aliás, ninguém precisa de doutorado em Roma.

O fim de quem abraça o estado eclesiástico

Quem digita “padre Fábio de Melo” no Google recebe como primeiro resultado um link para “Fábio de Melo – novo site”. Na descrição, lê-se: “Site oficial do compositor, escritor e cantor Padre Fábio de Melo”.

Compositor. Escritor. Cantor. Só depois, ao final, padre. Já há diversas polêmicas internet afora envolvendo o reverendíssimo sacerdote e os mais díspares críticos, de modo que as minhas palavras sobre o assunto seriam, no máximo, redundantes. Quero apenas fazer um breve comentário sobre o que enxergo ser o cerne da problemática.

Tem razão – por exemplo – a Montfort em dizer que “Padre Fábio de Melo é um herege completo”? Decerto que não. Primeiro, que um católico vere et proprie herege, nos dias de hoje principalmente, é uma coisa relativamente rara (aliás, o que vem a ser um “herege completo”? O que seria um “herege pela metade”?). Segundo, que, dentre os diversos graus de censura teológica existentes, é muito pouco provável que os textos do padre Fábio fossem classificados como “heréticos”. Terceiro, que não se chama um sacerdote do Deus Altíssimo de “herege completo” em público antes que os seus superiores o façam.

Tem razão, então, o padre Fábio de Melo em escrever e falar as barbaridades que escreve e fala? Tampouco. O problema, no meu entender, está expresso de forma lapidar no site oficial do padre: é o reverendíssimo sacerdote comportar-se como compositor, depois como cantor, depois como escritor, e só depois como padre católico.

“O fim de quem abraça o estado eclesiástico”, escrevia São Pio X, “deve ser unicamente a glória de Deus e a salvação das almas” (Catecismo de São Pio X, q. 820, grifos meus). E para as almas serem salvas é necessário que elas possuam a Fé Católica e Apostólica, sem a qual ninguém pode agradar a Deus e se salvar. Um sacerdote do Deus Altíssimo, então, que deve ter como único fim a glória de Deus e a salvação das almas, precisa empenhar-se com todo o seu ser na propagação da Fé. Precisa torná-la compreensível aos seus fiéis. Por isso, como é doloroso ver o Padre Fábio de Melo compôr, depois cantar, depois escrever, e só depois anunciar a Fé!

O resultado é que a Doutrina vem expressa de maneira sofrível, e é necessário um bocado de boa vontade para interpretar as declarações do reverendíssimo sacerdote em um sentido católico. Isso é muito triste, porque enseja reações [às vezes mais duras do que seria devido, de modo que restam improfícuas por falta de prudência] dos católicos indignados com o digníssimo desleixo sacerdotal; e isso sem falar na multidão incomensurável dos católicos que precisam da Doutrina Católica para se salvar e, no entanto, são forçados a hercúleos esforços para encontrá-La sob o manancial de futilidades e digressões complicadas que jorra em profusão dos discursos do reverendíssimo padre Fábio de Melo! Acaso todos eles são capazes de semelhante empreitada…?

Consegue o padre – entre trancos e barrancos – fugir da heresia, mas o objetivo do sacerdote não é simplesmente fugir da heresia, e sim fazer a Doutrina conhecida, para que Deus seja glorificado e as almas sejam salvas, como ensinou São Pio X! O discurso dos sacerdotes [de todos os católicos aliás, mas dos sacerdotes de uma maneira particularíssima] deve almejar ser o mais fiel possível à Doutrina Católica, e não simplesmente possuir o mínimo indispensável para não ser classificado como heteroxo. Fazer desta segunda concepção a norma da própria vida é, infelizmente, não compreender qual é realmente o fim de quem abraça o estado eclesiástico, ou os meios necessários para alcançá-lo.

O poder da tentação

[Esta interessante pesquisa indica algo que a Igreja desde sempre ensinou, sobre a importância de se fugir das ocasiões de pecado: as pessoas têm freqüentemente a mania de superestimar sua capacidade de resistir às tentações. O escopo do estudo é sobre comportamentos sexuais de risco, obesidade, dependência à nicotina, etc.; mas as conclusões são perfeitamente aplicáveis à vida espiritual.

Original: Kellogg School of Management.]

O poder da tentação

O professor Loran Nordgren descobriu que as pessoas acreditam terem mais resistência do que de fato possuem.

Como se pode ver [Whether it’s highlighted] quer nas principais manchetes sobre assuntos argentinos e Ponzi schemes, quer nas lutas pessoais contra obesidade ou uso de drogas, as pessoas geralmente sucumbem à ganância, luxúria e comportamentos auto-destrutivos. A nova pesquisa da Kellogg School of Management investiga por que este é o caso, e demonstra que as pessoas acreditam possuir mais resistência do que de fato possuem – o que as leva, em última análise, a tomar más decisões [poor decision-making].

O estudo, conduzido por Loran Nordgren, professor-assistente de Gestão e Organizações na Kellogg School, investigou como a crença de um indivíduo em sua habilidade de controlar impulsos como ganância, desejo por drogas e excitação sexual influencia sua resposta à tentação. A pesquisa descobriu que as pessoas, em média, possuem um “viés resistivo” [restraint bias], fazendo com que elas calculem mal quanta tentação podem verdadeiramente controlar, o que as leva por sua vez a uma maior probabilidade de serem indulgentes com comportamentos impulsivos ou viciantes.

“Pessoas não são boas em antecipar o poder de seus impulsos [urges], e aquelas que são mais confiantes em seu auto-controle são as que mais freqüentemente caem em tentação”, disse Nordgren. “O ponto chave é simplesmente evitar quaisquer situações onde vícios e outras fraquezas possam se desenvolver e, mais importante, que as pessoas mantenham uma visão humilde de sua própria força de vontade”.

Ao desenvolver seu estudo, os autores citaram pesquisas anteriores que demonstravam que as pessoas freqüentemente têm dificuldade em mensurar [appreciating] a força dos estados impulsivos. Pessoas em um “estado frio” [cold state] (sem experimentar fome, raiva, impulso sexual, etc.) tendem a subestimar como um estado “quente” [hot], impulsivo, irá influenciar seu comportamento. Para embasar estas conclusões, os autores do estudo decidira testar se

  • pessoas em um estado frio e não-impulso iriam superestimar sua capacidade de controlar impulsos;
  • pessoas em um estado quente e impulsivo teriam uma visão mais realista de sua capacidade de controlar seus impulsos;
  • pessoas que percebem terem uma grande capacidade de controlar seus impulsos iriam se expôr a mais tentação e – em última análise – exibir um comportamento mais impulsivo.

Para testar as suas hipóteses, os pesquisadores conduziram quatro experimentos, focados em fome, dependência e fadiga mental. Cada experimento resultou em um significante “viés resistivo”.

Por exemplo, um experimento focado em dependência de cigarros descobriu que aqueles que superestimaram sua capacidade de auto-controle foram muito mais propensos a fumar um cigarro após simplesmente assistir um filme sobre fumar. Outro experimento [foi] centrado em fome. Os resultados concluíram que um grupo satisfeito é significativamente menos propenso a voltar a lanchar do que um grupo faminto que limitou a sua tentação à escolha de lanches menos apetitosos.

“Um sistema que assuma que as pessoas vão se controlar está fadado a cair presa deste viés resistivo; nós nos expomos a mais tentação do que é prudente e, conseqüentemente, temos milhões de pessoas sofrendo com obesidade, dependência e outros estilos de vida pouco saudáveis”, disse Nordgren. “E, enquanto nosso estudo esteve focado em comportamentos pessoais como fumar e comer, é fácil aplicar as nossas conclusões a um contexto mais amplo. Entendendo o poder da tentação, você pode também questionar sobre a medida em que precisamos de supervisão ou mecanismos regulatórios para os líderes de negócios e políticos”.

Além disso, esta pesquisa sugere que os observadores devem pensar duas vezes antes de julgar aqueles que caem vítimas da tentação, porque a maioria das pessoas superestima sua capacidade de controlar os próprios impulsos, Nordgren concluiu.

Este estudo aparecerá em uma próxima edição da Psychological Science. Nordgren conduziu a pesquisa tendo como co-atuores Joop van der Pligt e Frank van Harreveld da Universidade de Amsterdam.

MAIS INFORMAÇÕES: Para ver o estudo completo, publicado em uma próxima edição da Psychological Sciente, ou para conseguir uma entrevista com o Professor Nordgren, entre em contato com Meg Washburn em m-washburn@kellogg.northwestern.edu.

Para ler sobre esta pesquisa no Kellogg Insight, clique aqui [N.T. Não tenho tempo de traduzir, mas recomendo; traz mais detalhes sobre os experimentos que foram realizados pela equipe do Prof. Nordgren.]

O juiz protestante e os crucifixos das repartições públicas

Excelente o texto do William Douglas, “juiz federal, professor, escritor, mestre em Direito – UGF, Especialista em Políticas Públicas e Governo – EPPG/UFRJ”, publicado pelo Consultor Jurídico: Ação contra crucifixos mostra intolerância. Registre-se, aliás, logo de começo, que ele próprio não é católico. Este texto é um excelente exemplo de que é possível, mesmo sem ser católico, fugir à leviana interpretação da realidade – tão freqüente nos nossos dias! – segundo a qual o Estado não pode defender nada que a Igreja defenda, porque Ele é laico.

O juiz critica esta concepção de mundo nonsense muito melhor do que eu, ao dizer que “a laicidade não se expressa na eliminação dos símbolos religiosos, e sim na tolerância aos mesmos”. E devolve com maestria: “o pensamento deletério e a ser combatido é a intolerância religiosa, que se expressa quando alguém desrespeita ou se incomoda com a opção e o sentimento religioso alheios, o que inclui querer eliminar os símbolos religiosos”. Isto, sim, é uma lufada de bom senso no meio jurídico brasileiro, um lampejo de esperança no meio da fúria laicista.

Registre-se mais uma vez: ele não é católico e, ao contrário, é protestante iconoclasta. Pois chega ao ponto de dizer que o crucifixo, segundo a sua linha religiosa, é… um ídolo! Um ídolo, numa imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo! O absurdo da posição só confere mais valor ao seu parecer. Ele obviamente não está advogando em causa própria (acusação leviana amiúde lançada aos católicos), porque o crucifixo é, para a religião dele, muito mais abominável do que para os anti-clericais. Ofende-lhe muito mais do que aos laicistas mimados. No entanto, ele consegue enxergar com clareza a intolerância dos sem-religião.

E vai mais além, porque vai ao cerne do problema ao identificar o ateísmo com uma crença (como, aliás, já cansei de falar aqui): “A recusa à existência de Deus, a qualquer religião ou forma de culto a uma divindade não é uma opção neutra, mas transformou-se numa nova modalidade religiosa. […] A eliminação dos símbolos religiosos atende aos desejos de uma vertente religiosa perfeitamente identificada, e o Estado não pode optar por uma religião em detrimento de outras”. A clareza da posição me alegra sobremaneira: não é mais um católico fundamentalista que está falando isso para meia dúzia de leitores de seu blog, e sim um juiz federal protestante no Consultor Jurídico.

“Excluir símbolos é fazer o Estado optar por quem não crê. A laicidade aceita todas as religiões ao invés de persegui-las ou tentar reduzi-las a espaços privados, como se o espaço público fosse privilégio ou propriedade de quem se incomoda com a fé alheia”. Oxalá este entendimento estivesse mais disseminado no meio jurídico brasileiro! É lamentável que pensamentos como o do dr. William Douglas sejam minoritários. Enquanto isso, teremos que suportar as aberrações do Estado anti-teísta. Até quando…?