Dois textos sobre o MPF e o “Deus seja louvado” das cédulas brasileiras

Hoje foram publicados mais dois excelentes textos sobre a burlesca cruzada irreligiosa do MPF contra o “Deus seja louvado” das cédulas de Real:

A Procuradoria da República e seu ócio criativo, por Pedro Jácome no Acerto de Contas: «Além disso, se os símbolos cristãos ofendem os “não-cristãos”, há de se admitir que os símbolos “não cristãos”, a contrario sensu, ofendem os cristãos…. então, se tirarmos a referência a Deus das notas de Real, também teríamos que substituir Marianne por um símbolo que não remeta à maçonaria (e, aproveitando o ensejo, talvez um menos afrancesado….quem sabe Carmen Miranda ou Dercy Gonçalves?). Do mesmo modo, se quisermos tirar a Cruz do pleno do STF, teremos que realocar também a Têmis que adorna a entrada do Pretório Excelso».

Fanatismo ateu, por Carlos Ramalhete na Gazeta do Povo: «Um Estado ateu, como o finado Estado soviético, não é capaz de tolerar religiões concorrentes. Sente-se ofendido por sua presença pública. Não percebe que sem amor a Deus não haveria sequer ordem social, que dirá Estado. Não é a existência da polícia – que não é onipresente – que faz que a imensa maioria da população não roube nem mate, mas o respeito aos mandamentos, a percepção de haver uma ordem moral maior».

“A luz do baile” – Monteiro Lobato

Neste aniversário do Golpe Militar de 1889, publico um trecho deveras interessante de Monteiro Lobato sobre o Imperador D. Pedro II. E, pegando gancho no que li em outro lugar onde este mesmo texto era reproduzido, cito de segunda mão Stendhal: «não se ama em República do mesmo modo que sob o Império»… Idílico louvor! Que no dia de hoje conheçamos um pouco mais da nossa história, entendamos um pouco melhor os percalços que nos conduziram até aqui.

* * *

A luz do baile

Monteiro Lobato

[…]

O fato de existir na cúspide da sociedade um símbolo vivo e ativo da Honestidade, do Equilíbrio, da Moderação, da Honra e do Dever, bastava para inocular no país em formação o vírus das melhores virtudes cívicas.

O juiz era honesto, senão por injunções da própria consciência, pela presença da Honestidade no trono. O político visava o bem público, se não por determinismo de virtudes pessoais, pela influencia catalítica da virtude imperial. As minorias respiravam, a oposição possibilizava-se: o chefe permanente das oposições estava no trono. A justiça era um fato: havia no trono um juiz supremo e incorruptível.

O peculatário, o defraldador, o político negocista, o juiz venal, o soldado covarde, o funcionário relapso, o mau cidadão enfim, e mau por força de pendores congeniais, passava, muitas vezes, a vida inteira sem incidir num só deslize. A natureza o propelia ao crime, ao abuso, à extorsão, à violência, à iniquidade – mas sofreava as rédeas aos maus instintos a simples presença da Equidade e da Justiça no trono. Ignorávamos isso na Monarquia.

Foi preciso que viesse a República, e que alijasse do trono a força catalítica, para patentear-se bem claro o curioso fenômeno. A mesma gente, o mesmo juiz, o mesmo político, o mesmo soldado, o mesmo funcionário até 15 de novembro honesto, bem intencionado, bravo e cumpridor dos deveres, percebendo, na ausência do imperial freio, ordem de soltura, desaçamaram a alcatéia dos maus instintos mantidos em quarentena. Daí, o contraste dia a dia mais frisante entre a vida nacional sob Pedro II e a vida nacional sob qualquer das boas intenções quadrienais, que se revezam na curul republicana.

Pedro II era a luz do baile. Muita harmonia, respeito às damas, polidez de maneiras, jóias de arte sobre os consolos, dando ao conjunto uma impressão genérica de apuradíssima cultura social. Extingue-se a luz. As senhoras sentem-se logo apalpadas, trocam-se tabefes, ouvem-se palavreados de tarimba, desaparecem as jóias…

Como, se era a mesma gente! Sim, era a mesma gente. Mas gente em formação, com virtudes cívicas e morais em início de cristalização. Mais um século de luz acesa, mais um século de catálise imperial, e o processo cristalisatório se operaria completo. O animal, domesticado de vez, dispensaria o açamo. Consolidar-se-iam os costumes; enfibrar-se-ia o caráter. E do mau material humano com que nos formamos sairia, pela criação de uma segunda natureza, um povo capaz de ombrear-se com os mais apurados em cultura. Para esta obra moderadora, organizadora, cristalizadora, ninguém mais capaz do que Pedro II; nenhuma forma de governo melhor do que sua monarquia.

[…]

Cruzada fundamentalista atéia contra expressão “Deus seja louvado” nas notas de Real (ou: racismo na moeda brasileira! A efígie da República é uma mulher branca!)

A estupidez da semana é o Ministério Público Federal ter entrado com uma ação em que exige a retirada da frase “Deus seja louvado” das notas de Real. A presepada já contou com muita repercussão nos blogs e redes sociais; gosto particularmente de uma campanha que alguém jogou no Facebook e que diz, muito singelamente, o seguinte (cito de memória):

Se retirarem a expressão “Deus seja louvado” das cédulas de Real, eu faço questão de escrevê-la a caneta, com letras garrafais, em toda cédula que me cair às mãos.

De todas as opiniões que vi sobre o assunto, a mais acertada me pareceu ser a do Percival Puggina compartilhada via Facebook: não se trata, absolutamente, de “falta do que fazer” do egrégio Procurador do MPF, mas sim de um projeto ideológico posto pacientemente em prática gota a gota. Trata-se de erigir lentamente, tijolo por tijolo, um modelo de sociedade onde não se faça referência alguma a Deus; a proposital lentidão do processo, com a deliberada opção por atacar temas de pouca monta, tem o objetivo consciente de ocultar o processo revolucionário sob o manto da sua diluição. E então, quando nos dermos conta, a iníqua Civitas Terrena estará já estabelecida sem que saibamos como ela pôde crescer tanto sem ser notada.

Mas vamos ao mérito desta infâmia. Em primeiríssimo lugar, é mister deixar claro e com todas as letras que os virtualmente únicos incomodados com a menção a Deus nas notas da moeda brasileira são os fanáticos ateus. A expressão – ao contrário do que procura fazer parecer o Procurador do Ministério Público Federal – não provoca, absolutamente, incômodo algum nos adeptos de Shiva, Oxossi ou Lord Ganesha – ou ao menos ninguém jamais se lembrou de vir a público reclamar sobre esta “opressão” que o Banco Central vem sistematicamente realizando aos que não são monoteístas.

Em segundo lugar, como já dito à exaustão, “Estado Laico” não se confunde com Estado Ateu. A única coisa que “Estado Laico” significa é que não existem atos estatais religiosos (p.ex., a posse do Presidente da República não se dá com Missa Solene onde o Cardeal Primaz do Brasil impõe a faixa presidencial sobre os ombros do governante eleito, após o que este presta o juramento de defender e guardar a Fé Católica e Apostólica). Nem a liberdade religiosa tem algo a ver com a laicidade do Estado, uma vez que é perfeitamente possível um Estado que simultaneamente seja Confessional e garanta a liberdade dos adeptos de outros cultos de praticarem as suas religiões.

Como já explicado e re-explicado, a Parede Vazia é um símbolo do Ateísmo pela simples razão de que ela não é um elemento natural da sociedade: ao contrário, faz permanente referência a algo que estava ali até há pouco tempo e hoje não está mais. No dia em que os ateus construírem a sua civilização, poderão exigir o direito de ostentar as suas Paredes Vazias, os seus Átomos, suas efígies de Dawkins, suas Bolas de Golfe Perdidas ou o que seja. Enquanto este dia não chega e enquanto esta civilização que existe foi forjada sob a égide da Cruz de Cristo, todas as tentativas de remover elementos religiosos da vida pública constituem insofismáveis ataques da Irreligião contra a Fé – exatamente o tipo de coisa que o Estado Laico tem a obrigação de impedir, e jamais promover.

Em terceiro lugar, a argumentação utilizada pelo MPF é simplesmente estapafúrdia e falaciosa. A Ação Civil Pública em questão está aqui. Como cerne do arrazoado nela expresso, temos a seguinte pérola:

[Q]uando o Estado ostenta um símbolo religioso ou adota uma expressão verbal em sua moeda, declara sua predileção pela religião que o símbolo ou a frase representam, o que resulta na discriminação das demais religiões professadas no Brasil.

E esta estupidez é um grosseiríssimo non sequitur. Ora, a escolha de um símbolo religioso para compôr a moeda de um país não implica, sob nenhuma lógica, “na discriminação das demais religiões professadas no Brasil”. Não existe um único direito dos crentes de outras religiões (do Xintoísmo ao Ateísmo) que é violado por conta do “Deus seja louvado” das notas de Real; eles continuam com plena liberdade de abraçar a religião que queiram, de mudar de religião quando bem entenderem, de praticá-la sós ou reunidos, et cetera, et cetera. É bastante óbvio que esta frase da moeda brasileira não cria aos cidadãos brasileiros nenhuma obrigação ou impedimento de adotarem nenhuma religião, não lhes atrapalha o culto, não lhes dificulta a vida espiritual nem nada do tipo. Onde, então, a “discriminação” alegada pelo Ministério Público Federal?

E, para ilustrar o quanto este discurso é completamente nonsense, apliquemos esta mesma “lógica” a um outro elemento da mesmíssima moeda brasileira. A cédula de Real, que todos conhecemos, é esta aqui:

Consideremos o rosto humano que ocupa grande parte da cédula, e que todos nós conhecemos muito bem. Trata-se, como sabemos, da efígie da República. Não vou chamar a atenção para o fato de ser um símbolo revolucionário, maçônico e nem nada do tipo. Vou me ater a algo muito mais simples e escandaloso: senhoras e senhores, a mulher estampada em todas as cédulas que circulam no nosso país é uma mulher branca!

Branca! Em um país formado de tantos negros, índios e mestiços, é – na “lógica” do sr. Jefferson Aparecido Dias, Procurador da República – um absurdo racista injustificável que o Estado tenha escolhido precisamente uma elitista figura feminina europeizada para ilustrar a sua moeda. Tal ostentação revela um evidente preconceito contra os negros. Tal predileção é uma clara discriminação das outras raças existentes no país. É, portanto, urgente aboli-la.

Ora, eis o discurso que o Procurador da República deveria proferir se tivesse um mínimo de coerência! Mas ele não o vai fazer, porque o seu compromisso não é com a lógica ou a coerência, e sim com uma estúpida cruzada fundamentalista atéia empenhada em banir toda menção a Deus da vida pública do Brasil. O sr. Jefferson Dias sabe perfeitamente que a representação clássica da República como uma mulher branca não resulta na discriminação dos negros – e, portanto, que a expressão “Deus seja louvado” nas cédulas de Real não implica na discriminação das outras religiões. Mas o compromisso dele não é com a justiça e a sua preocupação não são as discriminações religiosas: tudo isto é só pretexto. O que ele quer, do alto do seu fanatismo religioso, é impôr a sua descrença sobre a população brasileira. E, nesta “nobre” luta, ele demonstra estar convencido de que vale tudo.

Um perfeito exemplo de retórica vazia: Veja, Contraditorium e Gays

A respeito deste texto recente do Cardoso, eu só gostaria de fazer três ligeiros comentários (mesmo sem ter lido o texto da Veja que ele critica, cuja defesa não me interessa fazer aqui).

Primeiro, para mim é novidade esta história de «faz MUITO tempo que não existe mais “grupo de risco”». Se não houver mais (coisa de que eu sinceramente duvido, mas vá lá), é de quatro anos para cá e eles sumiram sem fazer alarde, porque eu me lembro desta discussão. Nos princípios do Deus lo Vult! (aqui e aqui) eu publiquei alguns artigos sobre o tema; para ficar só na referência da grande mídia nacional, a manchete d’O Globo Ciência ostentava então em letras garrafais que risco de contrair HIV ainda é mais alto em gays. Ainda está no ar, cliquem e vejam.

Segundo, não vale confundir uma histeria moderna (*) com um princípio sempre válido. Se não é permitido no Brasil fazer uma festa particular dizendo que “crioulo não entra”, isto é por conta de certos desdobramentos históricos e sociais específicos; jamais porque – como insinua o Cardoso – é sempre injustamente discriminatória a proibição de algo que não seja um direito constitucional. Ora bolas, do lado da minha casa aqui em Recife havia uma academia “só para mulheres”, e eu me lembro de que em certos bares da Boulevard St. Michel em Paris não era permitida a entrada de homens; e nada disso é misandria.

Terceiro, o ad hominem do final do texto (e a quem lhe é devido o título) é descabido. Do fato (por ridículo e irresponsável que seja) dos caras não terem checado no Google a história do Teflon e do Projeto Apollo, não segue que eles estejam rotundamente errados quando falam «sobre estilo de vida, orientação sexual, convenções sociais e discriminação em geral». Um comentário en passant desses pode até ser tolerado como uma figura de estilo a coroar com um aspecto retórico e lúdico um texto bem escrito e bem argumentado (o que claramente não é o caso), mas não pode ser adotado como coluna vertebral de um artigo a ponto de lhe dar o título, é óbvio. A despeito do seu estilo debochado e superior, o texto do Contraditorium é um perfeito exemplo de retórica vazia.

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(*) Exemplo da histeria moderna à qual me referi acima: a versão original de Piston de Gafieira canta, muito tranqüilamente, que «o Doca, um crioulo comportado / ficou tarado quando viu a Dagmar». A música foi regravada depois pelo Zeca Pagodinho e eis porém que, de repente, o crioulo desaparece e o pobre do Doca vira um genérico e politicamente correto «sujeito comportado». Ora, isto não é respeito a direitos humanos nem combate ao racismo nem nada. É simplesmente uma babaquice estúpida que não se transmuta em sensatez a despeito da sua assustadora proliferação na sociedade brasileira contemporânea.

A Fé decorre da própria inteligência humana, e não de suas limitações

Muito bonito este artigo de D. Odilo publicado sábado no Estadão, que vale a leitura na íntegra e do qual destaco:

Nossa inteligência é “capaz de Deus” e não está fechada para Ele. Crer é um ato humano livre por excelência, mediante o qual nos abrimos ao supremo Tu, ao Deus pessoal, e podemos alcançar uma certeza interior não menos importante do que aquela que nos vem das ciências exatas ou naturais. Reduzir nossa capacidade racional às certezas verificáveis seria diminuir essa mesma capacidade.

E isto vem ao encontro de várias coisas que costumamos falar aqui no Deus lo Vult! a respeito da capacidade humana de crer e da arbitrariedade irracional da resposta atéia ao problema de Deus. Para além de quaisquer limitações da moderna ciência paira o Onipotente, e reconhecê-Lo é um dever imperioso da consciência sincera, é decorrência da própria capacidade humana de questionar o Universo.

Sim, crer ainda faz sentido, porque este ato decorre da própria essência do ser humano, e não – como os paladinos do ateísmo gostam de fazer acreditar – de limitações intelectuais contingentes próprias de determinadas épocas históricas.

Último dia de votação: Deus lo Vult! e Prêmio Topblog 2012

Atenção! Estamos nas últimas horas da votação do prêmio Topblog 2012, ao qual este blog está concorrendo. Diferentemente do ano passado, desta vez não houve divulgação parcial dos blogs mais votados na segunda fase; portanto, estamos no escuro. Não sabemos se estamos perto ou longe do podium, mas de uma coisa temos certeza: estamos no páreo e precisamos do seu voto!

Clique no selo ao lado direito do blog ou no link encurtado abaixo para votar:

bit.ly/votedeuslovult

Os votos foram zerados no início da segunda fase (que começou no último dia 10 de outubro) e, portanto, quem votou antes disso precisa votar novamente. É permitido um voto por email válido, por perfil do Facebook e por conta do Twitter. Quem tiver os três, pode votar com todos os três – todos estes votos contam e são importantes.

De acordo com o regulamento, o período de votação se «encerra dia 10/11/2012, às 14h – horário de Brasília» – i.e., amanhã. Faltam menos de 24 horas. Peço a todos os meus leitores (e a todos os que acharem que o trabalho aqui realizado merece este reconhecimento) uma força-tarefa especial nestes últimos instantes: votem e divulguem! E não deixem para amanhã porque amanhã já acaba a eleição.

Há outros excelentes blogs concorrendo, que eu recomendo enfaticamente e para os quais eu também peço votos: pode-se votar em todos eles, não sendo necessário escolher um em detrimento do outro. São eles:

  1. O Tubo de Ensaio é veterano na competição, tendo vencido já duas edições do prêmio: 2010 e 2011. Este ano tenta o tricampeonato. Para votar nele, cliquem aqui.
  2. O Dominus Vobiscum foi finalista do ano passado junto com este blog, e este ano está concorrendo novamente. Para votar nele, cliquem aqui.
  3. O Sou conservador sim e daí? foi campeão no ano passado na categoria “Política”, e também está concorrendo de novo ao prêmio deste ano. Para voltar nele, cliquem aqui.
  4. A novidade deste ano e forte candidato ao pódio é o excelente Salvem a Liturgia!, que dispensa apresentações. Para votar nele, cliquem aqui.

Avante! O resultado deste prêmio depende diretamente do reconhecimento dos leitores do blog. Vocês podem fazer a diferença. A todos, desde já o meu muito obrigado.

O sentido da vida e o pecado contra o Espírito Santo

Albert Camus afirmou uma vez: “Há um só problema verdadeiramente sério e é … estabelecer se vale ou não a pena viver…”. O grande problema, o grande causador das neuroses e depressões, é o vazio existencial.

Dom Fernando Rifan, “O sentido da vida”.

Eu já cansei de citar Santo Agostinho com o seu “Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Vós”. Feciste nos ad Te, Domine, et inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te. A sentença é d’As Confissões, obra que li há uns dez anos. Sempre conservei na memória, contudo, algumas passagens para mim assustadoramente marcantes dessa grande obra do Santo de Hipona.

Uma delas é essa frase a respeito do “vazio existencial” que existe no homem. Santo Agostinho escreveu-a em sua forma lapidar: Deus nos criou para Ele e, portanto, a nossa existência não está ainda tranqüila enquanto não Lhe estamos devotados integralmente. Falta-nos algo; ou melhor dizendo, falta-nos Alguém. Nos círculos da Renovação Carismática falava-se exatamente a mesma coisa, só que com outras palavras: no nosso coração existe um buraco infinito que só Deus, Infinito, é capaz de preencher. Enquanto Ele não o faz – ou, melhor dizendo, enquanto nós não O deixamos fazer -, a sensação de vazio interior é inevitável.

A menos, claro, que alguém tente enganar-se a si mesmo; esta, no meu entender, é a principal razão do crescimento do proselitismo ateu nos dias de hoje. A fanática sanha “apologética” dos Arautos da Irreligião sempre se me afigurou como uma tentativa desesperada de auto-negação, um mecanismo psicológico que leva os descrentes a tentarem sufocar a voz da própria consciência por meio da repetição frenética e desesperada, quase que em caricata oração, de um único versículo bíblico com a exclusão de todos os outros: non est Deus.

E volto às Confissões, com uma segunda passagem que eu nunca esqueci mesmo após todos esses anos: “Senti e experimentei não ser para saber que o pão, amável ao paladar sadio, é repugnante ao doente, e a luz, adorável aos olhos sãos, é odiosa aos [olhos] enfermos”. Perdoem-me qualquer imprecisão, pois cito tudo de memória. Mas se aplica perfeitamente: os que não querem que Deus exista (não lembro agora quem foi que disse que ninguém jamais falou “Deus não existe” sem ter antes desejado secretamente que Ele não existisse…) assustam-se com a mera possibilidade de dúvida acerca da Sua existência, fogem das evidências que apontam para Ele com a mesma devotada repugnância com que um estômago doente põe para fora o alimento que lhe seria salutar.

Há pecados que não têm perdão, os famosos “pecados contra o Espírito Santo” que a tradição católica enumerou e explicitou. Explica a Igreja que eles não são propriamente pecados imperdoáveis, mas sim aqueles pecados que, por sua própria natureza, repelem o perdão divino. Um deles é exatamente a negação da Verdade conhecida como tal: trata-se, p.ex., exatamente do orgulho de recusar-se a enxergar que Deus existe ou a achegar-se-Lhe suplicando a misericórdia da qual o homem tem a mais absoluta necessidade. O perdão de Deus é graça gratuita, claro está, mas não é exatamente um dom “incondicional”. Como tudo que está sob o império da economia da salvação, o perdão divino está condicionado ao livre-arbítrio humano, que precisa desejá-lo como conditio sine qua non para o receber.

Mas o orgulho é próprio da natureza humana decaída, e este vício – mormente o intelectual – é difícil de ser arrancado uma vez que finca as suas raízes no coração. Se o paladar enfermo rejeita o remédio, o que se pode fazer? Se a Anti-Fé atéia postula como o mais inquestionável dos dogmas que não há Deus, como aqueles que tiveram a infelicidade de abraçá-la um dia poderão se libertar de suas garras se não podem sequer suplicar ao Deus no Qual não crêem que Se digne conceder-lhes o dom da Fé?

A situação é sem dúvidas terrível, e é justamente por isso que ela mereceu ser chamada de “Pecado contra o Espírito Santo”, aquele que não será perdoado nem neste século e nem no vindouro: não, repitamos, porque não possa absolutamente ser perdoado, mas porque – na expressão do Catecismo Romano que cito também de memória – “só a muito custo se lhe obtém o perdão”, uma vez que este pecado específico (ao contrário de outros) fecha deliberadamente as portas do coração humano à ação santificante de Deus.

Convém, contudo, que não nos desesperemos. Na nossa recitação diária do Santo Rosário, nós acrescentamos a jaculatória de Fátima e pedimos que o bom Jesus possa socorrer “principalmente aqueles que mais precisarem”. “Da Vossa misericórdia”, em alguns lugares se costuma acrescentar. E a força de tantas orações pode aproveitar aos nossos queridos irmãos que não têm Fé; não nos esqueçamos de que Deus concede a todos os homens graças suficientes para que se salvem, e os misteriosos caminhos da liberdade humana são tais que, em princípio, até o último suspiro um homem pode decidir voltar-se para Deus. Rezemos, portanto, por aqueles que não querem ou não podem rezar por si próprios! Ó Deus, pedimo-Vos “por aqueles que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam”. Orações são umas das pouquíssimas coisas (senão as únicas) das quais se pode com a mais absoluta certeza dizer que não são em vão.

Porque a apologética é sem dúvidas necessária, mas muito mais necessária é a oração, esta que é a alma de todo apostolado. A decisão de crer é uma decisão pessoal e interior, que pode perfeitamente (permita-o Deus!) ser ensejada à força de nossos arrazoados, mas que ninguém é capaz de produzir em si ou em outrem por virtude própria. São importantíssimas as discussões sobre Deus, sem dúvidas, mas o acumulado de todas elas levadas a cabo ao longo dos séculos pelas mais brilhantes mentes que já passaram pela Terra não é capaz, por si mesmo, de produzir a virtude da Fé em uma única alma. Mais do que ser convencido acerca de Deus, o homem precisa crer. E termino com uma terceira lembrança d’As Confissões que sempre me acompanhou ao longo dos anos, e que resume perfeitamente isto que estou querendo dizer, de um modo até muito melhor do que eu próprio consigo: “prefira [o homem] encontrar a Deus sem O conhecer a, conhecendo-O, não O encontrar”. Que Santo Agostinho possa rogar por todos nós.

Barack Obama é reeleito presidente dos Estados Unidos

O presidente Barack Obama foi reeleito nas eleições americanas que o mundo acompanhou ontem. A julgar pela cobertura que a mídia nacional dá ao fato, o sentimento de júbilo é unânime: parece que os Estados Unidos conseguiram uma importante vitória em 2012, capaz de pôr freios às diabólicas tentativas de retrocesso do Partido Republicano e de assegurar a continuidade de um projeto político que está transformando o mundo em um lugar mais justo e mais solidário… enfim, em uma palavra, melhor.

Naturalmente, eu não compartilho desta euforia. Praticamente todas as vezes em que eu escrevi sobre Obama aqui no Deus lo Vult! foi para denunciar algum aspecto bárbaro e desumano da sua política de governo. São bem conhecidas as posições favoráveis do presidente americano à destruição de embriões humanos em pesquisas científicas, ao casamento gay e ao aborto. E, paradoxalmente, estas coisas – que a meu ver constituem a diferença capital entre os programas dos dois candidatos à presidência que se enfrentaram nas urnas ontem – não parecem fazer parte das razões que levam os brasileiros a ter simpatia pelo primeiro presidente negro dos Estados Unidos. O fato de Obama ser o presidente mais radicalmente abortista que já pisou na Casa Branca não parece ser levado em consideração quando se faz uma avaliação positiva ou negativa do seu primeiro mandato presidencial.

Ao contrário, fala-se muito em generalidades de somenos importância, como política militar ou questões ambientais; isto quando não se acredita, explícita ou veladamente, que Obama é o melhor candidato à presidência dos Estados Unidos simplesmente por ser negro, em um racismo às avessas tão sem sentido quanto irresponsável. Mas, na verdade, as questões morais são exatamente aquelas que são inegociáveis. É possível gozar de uma relativa liberdade quando se está tratando de outros assuntos; p.ex., é perfeitamente lícito divergir quanto às políticas concretas de investimento nas Forças Armadas, ou de promoção de mecanismos de desenvolvimento sustentável, ou de determinação da esfera de ação do Estado na economia, ou de programas sociais a nível governamental, ou coisas do tipo. O que não se pode é pôr em discussão os direitos humanos fundamentais, entre os quais se sobressaem a defesa intransigente da vida humana (com o conseqüente veto a toda forma de aborto) e a proteção da Família, célula-mater da sociedade (o que implica na rejeição das políticas revolucionárias de ressignificação de “Família” para que o termo abarque também as duplas de sodomitas ou safistas). Não obstante, a impressão que eu tenho quando vejo as pessoas falarem bem de Obama é a de que elas só olham para aqueles primeiros aspectos do seu programa político, e não para estes últimos. E isto é angustiante.

Eu não sei o que aguarda os Estados Unidos (e o resto do mundo) com a reeleição do Obama; sei que o cenário da luta pró-vida (esta que é, insisto, a única luta verdadeiramente importante no momento em que vivemos, porque é uma batalha da Civilização contra a Barbárie: o resto é mera escaramuça de pouco valor a longo prazo) se apresenta tétrico e sombrio. Hoje não é um dia de alegria, muito pelo contrário: é um dia de luto porque acabamos perdendo uma importante batalha “por tabela” e o povo dos Estados Unidos, por conta de questões marginais, acabou dando mais um voto de confiança a um presidente que sempre conferiu à sua ação pública um tom assustadoramente anti-vida. Dias difíceis se anunciam. Deus salve a América.

A juventude da Missa Antiga

Encontrei esta bonita foto no Fratres in Unum, sobre a singela legenda de «[q]ualquer diferença em relação à sua paróquia, cujas missas são assistidas majoritariamente por senhoras com mais de 50 anos, não é mera coincidência». Trata-se de uma Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano, celebrada no último dia 03 de novembro (sábado passado) pelo Card. Cañizares na Basílica de São Pedro.

É um belíssimo argumento contra os que chamam as antigas rubricas de “ultrapassadas”, “estéreis”, incapazes de atender aos anseios dos homens modernos, ou qualquer outra bobagem do tipo. Aliás, melhor: trata-se de um fato que faz calar todos os [pseudo-]argumentos dos progressistas que vaticinam o fim da Igreja para “logo mais” caso Ela não abandone as Suas práticas seculares em favor dos últimos modismos modernos. Esta é uma Missa em latim (nesta “língua que ninguém entende”), celebrada versus Deum (“de costas para o povo”) por um cardeal romano com toda a solenidade (toda esta “pompa” que incomoda o povo simples) a que Deus tem direito. Ou seja, é exatamente tudo aquilo a que os modernos têm ojeriza e que afirmam afastar as pessoas da Igreja. Eis, no entanto, a Basílica lotada!

Porque, no meio das coisas voláteis do mundo moderno, o homem é atraído precisamente pelas coisas que não passam. Cansei de explicar para as pessoas que uma doutrina que dissesse hoje uma coisa e amanhã dissesse o seu contrário não teria, absolutamente, nenhum valor enquanto doutrina; tratar-se-ia tão somente de opinião mais ou menos digna de crédito, ou de livre-investigação intelectual condicionada às limitações do saber humano em cada momento histórico concreto. Ora, afora os Fanáticos Irreligiosos (que existem somente para desempenhar no mundo o necessário papel da exceção que confirma a regra), quem seria louco o bastante para confiar nas suas próprias limitações racionais em assuntos de tão grave importância como o são as coisas necessárias à salvação eterna da própria alma?

A Doutrina Verdadeira precisa ser certa e, para ser certa, Ela precisa ser Imutável, porque a Verdade é atemporal e o que é verdadeiro hoje não passa a ser falso amanhã. A Doutrina Verdadeira, para poder existir entre homens intrinsecamente falíveis e limitados, precisa ser uma dádiva concedida aos seres humanos por Alguém que não pode enganar-Se e nem nos enganar, precisa ter sido entregue aos homens por um Deus que é Ele próprio a própria Verdade. A Doutrina Verdadeira, assim, não é algo que os homens constroem, mas sim um dom concedido por Deus que nós recebemos daqueles que nos precederam e que temos a missão de conservar e guardar íntegro. E que melhor maneira de testemunhar ao mundo a nossa adesão integral àquilo que nos foi legado do que rezar publicamente do mesmo modo que rezaram os cristãos ao longo dos séculos? Que forma mais conveniente de expressar a nossa Fé em uma Doutrina que recebemos dos que vieram antes de nós do que conservar também a forma como rezavam estes cristãos que nos precederam neste mundo e a quem devemos o dom da Fé?

É muito estreita a ligação entre a Liturgia e a Doutrina da Igreja! A clássica expressão lex orandi, lex credendi não tem apenas o significado mais óbvio de que os Ritos Católicos expressam a Fé Católica: o mesmo se poderia dizer de qualquer rito que expressasse qualquer crença, bastando para isso que ele fosse determinado em conformidade com o que se acredita e alterado de acordo com as mudanças na própria forma de se acreditar. Ao contrário, a tradicional expressão católica reveste-se de uma eloqüente dimensão pedagógica quando se torna visível a unidade entre as liturgias de todos os tempos e lugares e entre estas e a Liturgia Celeste, Eterna e Imutável de cujo vicejante vigor vive a Igreja de Deus.

E ainda hoje em dia há católicos que percebem este nexo e se encantam com a força deste símbolo. Há católicos – muitos, em todos os lugares, de todas as idades – que encontram na Forma Extraordinária do Rito Romano a maneira mais salutar de viver a Fé Católica, há fiéis – jovens inclusive! – que vêem na espiritualidade tradicional católica a forma mais adequada de viverem sob a égide da Cruz de Cristo no mundo de hoje. Que a sua vida possa servir de poderosa inspiração para os que vagam no desespero do mundo moderno! Que a sua Fé possa contagiar muitas almas sedentas de Deus também no nosso tempo. Que, por intermédio deles, Cristo Nosso Senhor possa ser cada vez mais conhecido e amado neste mundo que d’Ele tem tanta necessidade.

Cientistas à caça da “prova científica” da existência da alma

Recebi hoje por email esta notícia que narra as aventuras de dois pesquisadores na busca da prova científica da existência da alma. São “o médico americano Stuart Hamerroff e o físico britânico Sir Roger Penrose”; segundo a reportagem,

eles explicaram que a alma de uma pessoa está dentro das células cerebrais em um lugar chamado microtúbulo. Os microtúbulos, segundo os livros de biologia, são estruturas proteicas que fazem parte do citoesqueleto das células. Elas ajudam no transporte celular pelo corpo humano.

Bom, em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a alma não “está” em nenhum lugar específico do corpo. Aliás, como explica Santo Tomás na Summa, ao invés de postular que o corpo contém a alma o mais exato é dizer que a alma contém o corpo (Summa, Ia, q.8, a.1, ad.2). E, em outro lugar (id., q.76, a.8, resp.), que se fosse para falar “onde” a alma se encontra no corpo humano, dever-se-ia dizer que ela está totalmente em todo o corpo e em cada uma de suas partes.

Localizar a alma em alguma parte específica do corpo humano (p.ex., digamos, o cérebro) só seria possível se ela (a alma) estivesse unida ao corpo somente como motor, teoria que o Aquinate demonstra ser insustentável por várias razões na mesma questão da Summa. Ao contrário, Santo Tomás – seguindo Aristóteles – afirma que a alma está unida ao corpo enquanto sua forma substancial, sendo assim o homem uma unidade substancial composta de corpo e alma. À luz desta concepção do ser humano é totalmente sem sentido pretender “encontrar” a alma em alguma parte do corpo humano. Talvez gostem desta teoria os espíritas ou os adeptos da metafísica de Descartes, mas ela não é compatível com a antropologia católica.

Segundo os pesquisadores, os microtúbulos têm energia quântica do universo. Essa energia seria a alma e ajudaria a formar a consciência de uma pessoa durante toda a sua vida. Portanto, quando a pessoa morre, essa energia quântica voltaria ao universo, de onde veio. Isso seria, portanto, a alma.

Eu torço o nariz sempre que leio “energia quântica do universo” aplicada neste sentido que beira o esoterismo. Concedo que, para os leigos, isto decorre da maneira pouco rigorosa que sói se usar para explicar a mecânica quântica fora dos círculos acadêmicos. Por exemplo, lembro-me de que eu passei muito tempo da minha adolescência achando que o Princípio da Incerteza de Heisenberg era um absurdo porque o compreendia como se o elétron fosse um Boo de Super Mario, que parava de se mover e cobria o rosto quando o personagem se virava para ele, voltando a andar somente quando aquele lhe dava as costas. Daí até eu chegar na faculdade e aprender que “observação” pressupõe o “contato físico” [= sensível] com o elétron (não sendo simplesmente “olhar” para ele) e que era desta interação entre a partícula e o instrumento de medida que surgia a perturbação de estado responsável pela incerteza postulada por Heisenberg passou-se um bocado de tempo. E tenho intimamente a convicção de que muita gente acha que a Física Quântica é uma espécie de mágica na qual, de alguma maneira, “cabem” igualmente o natural, o sobrenatural e os absurdos metafísicos.

De todo modo, não sei o teor exato das alegações dos drs. Hamerroff e Penrose, que comento somente à luz da citada matéria da INFO Online. Pode ser que eles tenham uma explicação científica rigorosa relacionando [o que chamam de] “consciência” com a “energia quântica do universo”. Sei, no entanto, que para o leitor médio esta correlação implica quase sempre em erros conceituais graves.

Não é a priori impossível que se detecte alguma perturbação sensível provocada pela alma, o que contudo não autoriza a confundir esta perturbação com a alma em si. Tratar-se-ia, mutatis mutandis, de alguém que olhasse para um eletrocardiograma e dissesse que o coração humano é um feixe de ondas elétricas detectável por aquele equipamento específico que o traduz graficamente. Ora, a atividade elétrica é provocada sim pelo coração humano, mas ela não é o próprio coração humano. Igualmente, parece-me em princípio não haver óbice a que a alma humana unida ao corpo provoque alguma espécie de movimento sensível que seja detectado sob a forma de energia quântica ou de qualquer outra natureza. Daí a igualar os efeitos às causas, contudo, vai um passo enorme que a ciência não está autorizada a dar. Sobre este assunto, vale igualmente tudo o que eu já falei aqui sobre as provas científicas da existência de Deus. Toda prova “científica” a respeito da existência da alma sempre vai ser – e por definição só pode ser – uma prova indireta.

E toda vez que são provocados por um pesquisador, eles respondem com a teoria das pessoas que são ressuscitadas depois de uma parada cardíaca e sempre voltam com uma história do momento da morte.

Para eles, a história nada mais é do que a experiência dessa energia quântica indo embora do corpo e se vendo obrigada a voltar – já que a pessoa conseguiu sobreviver ao acidente cardíaco.

 Já este argumento me parece nonsense por pelo menos duas razões. A primeira é que eu – como cético sobre Experiências de Quase-Morte – questiono a sua natureza, e me pergunto se não é possível explicá-las à luz de argumentos materialistas. A segunda é que… bom, ainda que tais experiências sejam verdadeiramente espirituais, disso não me parece decorrer necessariamente a existência das tais “energias quânticas” a explicá-las. Permanece aberto o abismo entre as ciências empíricas – inclusive as que estudam a energia quântica do universo – e as realidades espirituais; e, como eu já disse por diversas vezes, uma “ciência” auto-mutilada e reduzida àquilo que é mensurável e empiricamente verificável não será nunca capaz de o transpôr.