E o número de fiéis católicos continua caindo… o que fazer?

Esta notícia é bem antiga (é de 2009, referente ao censo do IBGE 2000), mas os dados do Censo 2010 (as tabelas com dados sobre religião estão aqui) não parecem fornecer nenhuma mudança significativa a este quadro – aliás muito pelo contário. Falando sobre o êxodo de fiéis católicos para as seitas protestantes na capital do país, a pesquisa (do ano 2000) mostrava que a “migração de fiéis da Igreja Católica para a evangélica avança[va] [principalmente] nas áreas mais pobres”. O fenômeno vem ao encontro da minha experiência particular; entre as camadas mais pobres da população brasileira, a mudança de religião dá-se (muito!) mais por afinidades sociológicas do que por convicções teológicas. Citando a matéria do Correio Braziliense:

Existem cerca de 4,7 mil templos da igreja evangélica na capital do Brasil, a maioria em comunidades com menos de duas décadas de existência. E 123 da Igreja Católica. A distância faz com que ocorra quase naturalmente a migração de católicos para cultos evangélicos. É comum nessas regiões a presença de pessoas com histórico familiar baseado no catolicismo participando da pregação protestante. Como se a porta aberta facilitasse a mudança de credo

Isto que é citado na reportagem é exatamente a mesma coisa que eu tenho presenciado nos últimos anos em cidades do interior de Pernambuco. A história é assustadoramente a mesma: uma cidadezinha, por razões quaisquer, fica desprovida da assistência espiritual de um sacerdote católico. Há somente uma igreja matriz e algumas capelas, todas servidas por um único sacerdote; quando este, digamos, é transferido, passa-se um tempo (mais ou menos longo – lembro-me de um caso em que tal interstício durou mais de dois anos) até que outro pároco seja nomeado e, durante este tempo, o padre de uma cidade vizinha “acumula” a responsabilidade sobre este povo. Celebra-se Missa (quando muito!) semanalmente; às vezes, ela só ocorre em um domingo por mês. Casamentos e batizados, só no fim do ano. Confissões, sabe lá Deus quando… O povo tenta organizar-se “por conta própria” (digamos, com a recitação semanal do Santo Rosário), mas muitos desanimam neste processo. Ao mesmo tempo, quais cogumelos venenosos em madeira podre, proliferam seitas evangélicas a perder de vista: muitas a cada bairro, quase uma em cada esquina, às vezes duas lado a lado. Sedentos espiritualmente e sem a assistência de um sacerdote católico, o povo acaba indo na “igreja” que fica mais perto. No início ainda são católicos; pouco a pouco, entretanto, envenenados pelo discurso do falso “pastor”, não poucos acabam infelizmente perdendo a Fé. E, quando a situação católica normaliza-se, quando um padre retorna e o culto verdadeiro a Deus é restabelecido, muitos já estão tão afastados do rebanho que a volta é difícil. Muitos, para tristeza de Deus e vergonha desta Terra de Santa Cruz, já estão definitivamente perdidos para Satanás.

A sangria de católicos existe. Infelizmente, muitos dos diagnósticos que nos fazem deste problema só o fazem agravar ainda mais. Não raro nós encontramos quem pretenda descobrir a causa do abandono do catolicismo na “falta de modernização” da Igreja. Sinto dizê-lo, mas é exatamente o contrário. Lembro-me do então Card. Ratzinger (no “A Fé em Crise?” ou no “O Sal da Terra”, agora não me recordo exatamente) falando com todas as letras que o problema não estava na intransigência da Igreja à modernidade, uma vez que a maior parte das seitas protestantes na Europa já havia abraçado alegremente todas as reivindicações imorais do mundo moderno – do aborto ao divórcio, do casamento gay à ordenação de mulheres, da contracepção ao sexo livre, etc. – sem ter contudo logrado estancar a sua perda de fiéis. Por aqui, guardadas as devidas proporções, seguiu-se pelo mesmo caminho; basta ler (p.ex.) este desabafo do pe. David Francisquini sobre as mudanças operadas no cenário católico brasileiro da segunda metade do século passado para cá. Se – graças a Deus! – não se chegou a abraçar institucionalmente a imoralidade escancarada, a vida católica foi tão aviltantemente despojada de todos os seus adornos que passou a ser difícil reconhecer a Esposa de Cristo olhando para a sua face desnuda, vendo-a renunciar aos seus paramentos e trajes reais. A Rainha despojou-se de suas vestes e isto confundiu o povo simples, que passou a ter dificuldades em distingui-La das falsas pretendentes ao Reino de Deus. É preciso reconhecer com tristeza e com clareza esta realidade, para que possamos agir de maneira eficaz na (re)evangelização do nosso povo.

É preciso reconhecer que a mudança do tom do discurso católico provocou uma gravíssima deficiência catequética dos nossos fiéis e, portanto, é urgente resgatar a catequese e a apologética. É preciso reconhecer que é difícil rezar nas nossas missas, de modo que é imperativo o resgate do Eterno na Sagrada Liturgia. É preciso reconhecer que a cupidez de coisas novas que acomete os espíritos modernos, longe de ser uma exigência legítima que se deva satisfazer, tem sido causa de enormes males espirituais para os homens de nosso tempo; e é preciso ter em conta que ela, por forte que pareça, não consegue – sobretudo nos mais simples! – apagar a sede do Infinito que o próprio Deus inscreveu nos corações dos homens. É preciso rezar, e rezar muito, rezar incessantemente, para que Deus tenha piedade de nós, ilumine-nos e nos salve. E, acima de tudo, é preciso não desesperar. Se a solução parece ser humanamente impossível, então é aí que Deus fará resplandecer a Sua força. Afinal, Ele sabe fazer maravilhas naqueles momentos em que tudo parece estar perdido. A obra é d’Ele; e Ele, sem dúvidas, levantar-Se-á para defendê-la. Por mais que a situação atual pareça irreversível, Ele cumprirá a Sua promessa. Non praevalebunt, é a nossa certeza. O Todo-Poderoso não nos abandonará.

Illum oportet crescere

Hoje é a festa de Exaltação da Santa Cruz e, no dia de hoje, nada mais eloqüente do que divulgar esta foto do revmo. pe. Demétrio Gomes celebrando a Santa Missa, que o próprio sacerdote compartilhou recentemente em seu álbum do Facebook.

A fotografia ficou simplesmente perfeita: a Hóstia Consagrada ao centro e em foco, o sacerdote elevando-a piedosamente e – mais importante! – o rosto do sacerdote, erguido em direção a Cristo Crucificado que ele segura em suas mãos, oculto pelo grande crucifixo que se encontra sobre o altar.

Muita coisa já foi dita sobre a conveniência de se manter sobre o altar esta cruz que esconde a figura do padre; a quem se interessar pelo assunto, recomendo esta conferência do Mons. Guido Marini, bem como estes excertos de livros do Card. Ratzinger falando sobre a Cruz no centro do altar. De minha parte, quero apenas comentar o quão adequada me parece a frase do Evangelho de São João que dá título a este artigo: illum oportet crescere, i.e., “importa que Ele cresça”: é São João Batista falando de Nosso Senhor.

Eu conheci esta frase muito antes de conhecer qualquer outra coisa de latim, porque ela está gravada em grandes letras douradas no altar da Matriz de Nossa Senhora do Rosário, onde – criança ainda – comecei a participar da Santa Missa e para onde, depois de adulto, voltei para me crismar e para trabalhar na catequese. Embora a paróquia da Torre seja antiga, eu desde criança sempre vi este altar exatamente deste jeito e, portanto, não sei dizer se ele é o altar original que foi separado da parede após a Reforma Litúrgica ou se, ao contrário, foi feito especificamente para as novas disposições arquitetônicas dos anos 70. Sei que, de um modo ou de outro, ele se presta a traduzir de modo excelente uma das razões pelas quais, antigamente, o padre celebrava o Santo Sacrifício “de costas para o povo” e, hoje, é conveniente colocar um Crucifixo no meio do altar: importa que Ele cresça, isto é, o que se deve buscar na celebração da Santa Missa – e, p.ext., na nossa vida cristã – é que Cristo apareça diante de todos, é que Ele refulja e seja o centro de todas as atenções.

O centro da Santa Missa não é o sacerdote. Na Santa Missa, o essencial (fazendo uma paráfrase involuntária de Saint-Exupéry) é invisível aos olhos: é Cristo, Sacerdote e Vítima, que Se oferece à Trindade Santa em expiação pelos nossos pecados. É o Sacrifício da Cruz que Se faz presente de maneira incruenta. E a melhor maneira de chamar a atenção para o que é permanente e invisível é tirar a atenção daquilo que é mutável e visível: é esconder o sacerdote. A melhor maneira de fazer Cristo crescer é exatamente aquela que se encontra na seqüência da frase de São João Batista: me autem minui, “que eu diminua”. Esconda-se, portanto, o sacerdote durante a Consagração, para que somente Cristo Eucarístico apareça: esconda-se o sacerdote com a casula romana nas suas costas enquanto ele se inclina versus Deum para consagrar, ou se o esconda por detrás do Crucifixo no centro do altar quando ele celebra de frente para o povo, o que seja, mas que ele seja escondido para que Cristo cresça! É este o verdadeiro espírito da Liturgia que urge ser resgatado.

E nesta Festa de Exaltação da Santa Cruz – mesmo dia, aliás, em que se comemora o 5º ano de entrada em vigor do motu proprio Summorum Pontificum, que autoriza a celebração da Santa Missa na forma antiga – é uma alegria poder compartilhar o testemunho de sacerdotes zelosos pelas coisas do alto. Sacerdotes comprometidos com o resgate da sacralidade litúrgica na Igreja de Deus. Sacerdotes que, à semelhança de São João Batista, perceberam que é importante Cristo crescer, e que isto só é possível se eles próprios estiverem dispostos a diminuir.

Forma Extraordinária do Rito Romano na Canção Nova

Como alguns devem saber, foi celebrada no último domingo (15 de julho de 2012) uma Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano na Canção Nova. Quem a celebrou foi o revmo. padre Demétrio Gomes, já conhecido tanto dos que participam da comunidade quanto dos leitores deste blog. Este (inusitado) fato não significa o fim da batalha pela restauração da Liturgia, mas é um começo: um belíssimo começo, um bálsamo consolador dos Céus, um sinal de esperança de que a nossa luta não é em vão e pode dar frutos. E vai dar frutos, porque é um combate ad majorem Dei gloriam. Aspirando à maior glória de Deus.

Quanto às celeumas em torno desta celebração e da própria Canção Nova, remeto às lúcidas palavras do Pedro Ravazzano sobre o assunto. Em uma palavra, nós não estamos em condições de ficar exigindo perfeição total e absoluta de todos aqueles que nos dão indícios de estarem interessados em anunciar as riquezas da Igreja de Cristo. Mais especificamente: não havendo evidências de má-fé (como de fato não há), não faz sentido rejeitar em bloco todas as contribuições que a Canção Nova quer e pode dar à Igreja Católica no Brasil por conta dos problemas que (infelizmente) ainda existem na emissora. Uma coisa de cada vez. Trabalhar pela divulgação da solenidade da Liturgia significa simplesmente trabalhar pela divulgação da solenidade da Liturgia: isto não é (de modo algum) um apoio – explícito ou tácito – a todas as coisas divulgadas pela conhecida emissora carismática, da mesma forma que batalhar pela publicação de um artigo conservador, digamos, no Jornal do Commercio (íntegra aqui) não significa um apoio irrestrito a tudo o que o jornal publica. Isto precisa ficar bem claro.

Sem dúvidas é importante defender a Doutrina da Igreja e Sua praxis tradicional, mas é também urgente divulgar – positivamente, sem confrontos, sem embates – as riquezas da Sua Sagrada Liturgia. Este apostolado também é profícuo, também é importante; e não parece existir razão pela qual ele, podendo existir e havendo quem queira realizá-lo, devesse ser censurado.

“O cristão na casa de Deus” – como se comportar na Santa Missa

[Utilidade pública. Vi no Facebook; serve, naturalmente, não apenas para os fiéis que assistem à Santa Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano como também para todos os que entram em um Templo Católico, na Casa de Deus, independente da celebração específica que estejam assistindo. Afinal, a Missa é a Cruz. Há um só Calvário, há uma só Missa, e toda Missa deve ser tratada com o respeito que é devido ao Sacrifício Propiciatório de Cristo-Deus em favor de nós.]

O CRISTÃO NA “CASA DE DEUS”

1 – Bem sabe o cristão que nossos templos são lugares sagrados. Igualmente sabe que nas Igrejas católicas mora o Deus eterno e omnipotente, real e verdadeiro, embora se oculte aos nossos olhos materiais sob os véus eucarísticos.

Na Igreja, portanto, deve haver todo respeito, o maior silêncio e devoção.

[…]

3 – Quando o cristão entra na Igreja, vai logo fazer uma devota genuflexão diante do altar do Santíssimo, que é fácil reconhecer, pois diante dele arde continuamente uma lâmpada, e aí adora o seu Deus na Eucaristia. Para Jesus Sacramentado deve estar polarizada a atenção, a fé, o amor dos fiéis.

[…]

6 – As senhoras devem estar na Igreja com a cabeça coberta, principalmente na recepção dos sacramentos. Os vestidos devem ser discretos e modesto. Nada de decotes exagerados e vestidos sem mangas.

[…]

8 – Ninguém deve sair da Igreja durante o sermão. Isto incomoda o auditório e o pregador e constitui grande falta de educação.

9 – Não se pode ficar sentado nem sair da Igreja durante a bênção do Santíssimo, que aliás dura poucos minutos.

[…]

11 – Eis algumas faltas de educação que ainda devemos evitar na Igreja: Conversar, cochicar, rir – olhar para os que entram ou saem – fixar curiosamente as pessoas – perturbar, como quer que seja, as pessoas que rezam – cuspir no chão – assoar-se com estrondo – fazer ruído com os bancos ou cadeiras – ajoelhar ou assentar-se desajeitadamente – cruzar as pernas – estar de mãos nos bolso – cumprimentar ostensivamente os amigos (basta um aceno de cabeça) – não tomar parte nas práticas e orações em comum – gritar ou arrastar a voz nas orações ou cânticos – não guardar silêncio e respeito durante os casamentos, baptizados e exéquias – fazer algazarra na porta ou nas proximidades – enfim tomar atitudes que revelem falta de fé ou de educação.

Extraído de Compêndio de Civilidade:
para uso das famílias e dos colégios.
11ª edição.

A primeira Missa do Brasil

E faz hoje 512 anos que foi celebrada a primeira missa no Brasil recém-descoberto. O primeiro ato público realizado nesta Terra de Santa Cruz; a esquadra de Cabral aqui aportou no dia 22 de abril e, no dia 26, o frei Henrique de Coimbra subia ao altar do Deus que é a alegria da sua juventude para oferecer à Trindade Santa o sacrifício do Corpo e do Sangue de Cristo.

A conhecida pintura – como nos diz o Salvem a Liturgia! – retrata a missa do dia primeiro de Maio, sexta-feira, a primeira em terras continentais. A missa do dia 26 – então Domingo in Albis, da Oitava de Páscoa – foi celebrada em uma pequena ilhota hoje inexistente. Feito o pequeno reparo histórico, o fato é que hoje nós celebramos as primícias da vocação do Brasil, o desabrochar da história desta terra chamada a glorificar a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na efeméride talvez valha a pena a leitura de dois textos sobre o assunto. Um do Orlando Fedeli e, outro, do Plínio Corrêa de Oliveira. Deste último, destaco esta exortação aos poderes públicos:

“Na harmonia desta mesma obra está a predestinação de uma íntima cooperação entre dois poderes.

“Deus jamais é tão bem servido como quando César se porta como seu filho.

“Senhores, em nome dos católicos do Brasil, eu vo-lo afianço: César jamais é tão grande como quando é filho de Deus.

“Nessa colaboração está o segredo de nosso progresso, e nela vossa parte é verdadeiramente magnífica.

“Trabalhai, senhores, trabalhai neste sentido.

“Tereis a cooperação entusiástica de todos os nossos recursos, de todos os nossos corações, de todo o nosso fervor.

“E quando algum dia Deus vos chamar à vida eterna, tereis a suprema ventura de contemplar um Brasil imensamente grande e profundamente cristão, sobre o qual o Cristo do Corcovado, com seus braços abertos, poderá dizer aquilo que é o supremo título de glória de um povo cristão.

Que distância vai entre estes arroubos de entusiasmo patriótico e a triste situação do Brasil atual, que jaz sob o peso dos adversários da civilização e agoniza subjugado pelos inimigos da Cruz de Cristo – Cruz que primeiro deu nome a esta Terra! Mas há ainda esperança, se levantarmos os olhos para o Céu e, de lá, esperarmos o nosso socorro. Se nos esforçarmos por fazer valer a lembrança do dia de hoje: da primeira vez em que Cristo foi exaltado no Brasil. Se correspondermos às graças que o Todo-Poderoso tem reservadas para a nossa Pátria Amada.

Que a Virgem Santíssima, Rainha e Padroeira do Brasil, possa conduzir a nossa Pátria às grandezas às quais ela está destinada. Que Ela nos possa valer e o Brasil, liberto do lamaçal pútrido onde hoje se encontra, possa erguer-se ao sol do Deus da Justiça qual impávido e imponente colosso. Que a Virgem Aparecida salve o Brasil.

O Silêncio do Cânon

Certa vez, não me recordo agora em que circunstâncias, eu disse para alguém que gostava mais da Missa [Tridentina] rezada do que da cantada. A afirmação pode parecer absurda, uma vez que a Missa cantada é objetivamente mais bonita do que a rezada até por definição: é mais solene, mais rica em símbolos, mais completa [nos acidentes, lógico], mais imponente; mais bonita, em suma. Eu o sei. Mas eu pensava n’alguma coisa de muito particular quando disse gostar mais da rezada: eu pensava naquele santo e sagrado silêncio que chega a ressoar nos ouvidos de quem está acostumado com as missas [mais ou menos] “bagunçadas” das nossas paróquias normais.

O silêncio! Lembro-me, inclusive, que eu pensava em um silêncio específico: no Grande Silêncio do Cânon, na Iconostase Ocidental, naquele silêncio de eloqüência maior impossível. Lembro-me ainda da frase que então empreguei: “a gente se ajoelha pecador [após o Sanctus] e se levanta [após a Doxologia Final] filho de Deus”. É um silêncio sublime e terrível que pesa sobre nós, disposição tão propícia para aquele momento terrível que outra mais adequada não consigo sequer imaginar.

O Sacerdote sobe ao Altar para oferecer à Trindade Santa o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo em expiação pelas nossas faltas. E nós, espectadores de tão inefável mistério, outra coisa não podemos fazer senão cair de joelhos e suplicar a misericórdia do Todo-Poderoso: se os próprios Anjos e Arcanjos, Querubins e Serafins tremem na presença do Altíssimo enquanto chamam três-vezes Santo ao Senhor dos Exércitos, como poderíamos nós – reles humanos! – resistir? Caiamos por terra e nada mais digamos, mudos (e imerecidos!) espectadores destes sublimes acontecimentos! Gosto de pensar que os próprios Anjos cobrem o rosto diante de Deus neste Novo Santo dos Santos, e desviam o olhar de Sua Face Terrível; nós, aqui na terra, imitamos os cobertos rostos angélicos por meio do nosso silêncio, e desviamos o nosso olhar quando, de joelhos, abaixamos a nossa fronte diante de Cristo Elevado na Cruz da Missa.

Pesa sobre nós este silêncio terrível propter peccata nostra; afastamo-nos de Deus e não somos dignos de falar diante d’Ele! A nossa atitude é a de um escravo que, surpreendido em delito por seu Senhor, abaixa a cabeça esperando o azorrague descer com violência sobre si. De repente, no entanto, eis que Alguém Se interpõe entre o Senhor e Seu escravo, entre o pecador e a Ira de Deus: eis que Jesus Cristo, Sacerdote e Vítima, vem aplacar a cólera do Onipotente, vem levar sobre os Seus ombros os açoites a nós dirigidos, vem ser fustigado em nosso lugar! Diante de uma situação assim, repito, o que fazer senão calar-se e abaixar a cabeça? E é precisamente diante desta situação que nos encontramos sempre que assistimos a Santa Missa. Que outra coisa podemos fazer?

E o silêncio do Cânon é isto: é sentir o cutelo balançando sobre nossa cabeça e esperar o – merecido! – golpe fatal, tendo contudo a confiança, lá no fundo!, de que Outro vai recebê-lo em nosso lugar. A cada missa eu me ajoelho angustiado pensando que, desta vez, pode muito bem ser que o golpe divino recaia sobre mim: seria mais do que merecido. E, a cada missa, o per omnia saecula saeculorum me faz levantar agradecido e aliviado porque, [para mim] mais uma vez, Cristo ofereceu-Se em meu lugar.

Una Voce Brasil

Já faz algum tempo, mas eu ainda não havia recomendado aqui a Una Voce Brasil, que iniciou recentemente as suas atividades nesta Terra de Santa Cruz. Para quem não conhece a Una Voce, trata-se de “uma associação internacional de grupos que luta pela missa católica na sua forma extraordinária. Presente em mais de 36 países, a Una Voce é reconhecida pelos seus esforços na popularização do rito tridentino e na difusão do vasto patrimônio cultural da Igreja”.

É possível fazer parte da Federação preenchendo este formulário. A filiação implica em concordar com um Termo de Compromisso, que entre outras coisas exige a seguinte declaração:

Reconhecer a validade dos sacramentos administrados na sua forma ordinária, através dos livros litúrgicos reformados, desde que feito conforme o que a Igreja sempre ensinou em matéria sacramental

É uma excelente forma de trabalhar pela Reforma da Reforma em comunhão com toda a Igreja, ajudando a afastar todo espírito sectário que (infelizmente) alguns ainda insistem em enxergar pairando sobre a Santa Missa celebrada na Forma Extraordinária do Rito Romano.

Tempo Comum

Um amigo mostrou-me pela manhã esta pequena mensagem do pessoal do Evangelho Quotidiano. Ontem, segunda-feira após a festa da Epifania, a festa do Batismo do Senhor encerrou o ciclo natalino e a Igreja passou a celebrar o Tempo Comum.

O Batismo do Senhor celebra-se no domingo após a Epifania; como a festa da Epifania (tradicional festa de Reis) é no dia 06 de janeiro, este ano o Domingo subseqüente foi justamente o domingo passado, 08 de janeiro; inclusive o Papa celebrou anteontem a festa do Batismo do Senhor. Como, no entanto, Epifania é festa de preceito e o Batismo do Senhor, não (cf. CIC 1246), no Brasil a Epifania é transferida para o domingo seguinte (e, neste caso, celebra-se o Batismo do Senhor na segunda-feira). Foi o que aconteceu esta semana.

Convém lembrar que o Tempo Comum não deve ser entendido como um tempo de somenos importância, como se nele o chamado à conversão fosse menos premente ou como se devêssemos descuidar dos cuidados com a nossa alma, dos nossos apostolados e da nossa vida espiritual. Desde a Encarnação do Verbo e a edificação da Igreja nós vivemos tempos extraordinários; os tempos em que o Senhor está conosco e nos quais todos os dias é ofertado à Trindade Santa o Augusto Sacrifício do Corpo e Sangue de Cristo sobre os altares de nossas igrejas. E nisto não há nada de “comum”, ao menos não no sentido corriqueiro da expressão.

Como o Oblatvs publicou há dois anos, o Tempo Comum é tempo de fidelidade: de ser fiel à Eucaristia, de manter uma caminhada constante e progressiva em direção a Cristo, de ser vigilante e de esperar. No Tempo Comum a Liturgia se reveste de verde; não conheço nenhum compêndio com explicações mistagógicas detalhadas sobre as cores do Ano Litúrgico, mas todas elas têm significados bem óbvios. O verde significa claramente esperança, especificamente aquela virtude teologal que tem tanto a ver com a fidelidade quotidiana enquanto esperamos e apressamos Aquele Dia Terrível do qual não sabemos a hora. Penso também na vitalidade à qual somos chamados, uma vez que o verde é a cor das plantas que estão vivas (dos ramos da videira que permanecem unidos à videira), em oposição aos sarmentos secos que, separados de Cristo e de Sua Igreja, não podem jamais dar frutos. E o verde aponta também para o sofrimento que nos acompanha sempre, pois nunca me esqueço das palavras de Cristo durante a Sua Paixão: Porque, se eles fazem isto ao lenho verde, que acontecerá ao seco? (Lc 23, 31).

Vivamos, portanto, este Tempo Comum com a fidelidade quotidiana que o Senhor exige e espera de nós; revestidos de Cristo a fim de darmos frutos, mesmo sabendo das incompreensões e dos sofrimentos que, por conta d’Ele, nos serão infligidos. Vivamos, acima de tudo, alimentando a esperança: a de que Cristo é Senhor do Mundo e virá, no fim, para nos conduzir Àquela Cidade Eterna onde toda a lágrima será enxugada e onde a semeadura que aqui fazemos – com o rosto molhado neste Vale de Lágrimas – resplandecerá enfim como uma colheita de alegria.

Sobre os altares da Sé Primaz do Brasil

Na última quinta-feira, festa da Imaculada Conceição da Virgem Santíssima, foi celebrada em São Salvador uma missa na Forma Extraordinária do Rito Romano. Segundo o Fratres in Unum (que noticiou e publicou algumas fotos), foi a primeira vez que esta Santa Missa foi celebrada na Sé Primaz desta Terra de Santa Cruz depois de mais de quatro décadas.

Missa Tridentina, Comunhão Eucarística, Salvador

Eu não vi esta notícia divulgada em nenhum dos meios de comunicação seculares que, há pouco mais de uma semana, divulgavam mentirosamente uma Missa com acarajés na mesma capital baiana. E, no entanto, a Missa celebrada pelo Pe. Gilson Magno no dia oito de dezembro é que foi histórica. Indiscutivelmente histórica.

Ver Nosso Senhor voltar a ser imolado sobre os altares da Sé Primacial do Brasil segundo o rito que consagrou esta terra e santificou este povo ao longo de mais de quatro séculos e meio é histórico. Quem, ainda há poucos anos, haveria de imaginar algo assim? E, no entanto, ei-Lo que vive e que reina! Ecce Agnus Dei, superando – em muito – as nossas expectativas mais liberais. Louvado seja Deus no Santíssimo Sacramento do Altar.