Corrão para as montanhas!

* O título deste post não está “errado”, e sim em português arcaico: veja-se, p.ex., Camões n’Os Lusíadas ou estes versos de Nicolau Tolentino de Almeida: «Cuja alma não conhece vís mudanças, / Ou corrão tempestades, ou bonanças».

Todo mundo sabe que o fim do mundo está marcado para este mês e, portanto, qualquer coisa relativamente fora do comum que acontece é apresentada como um dos muitos indícios de que o mundo está acabando mesmo e só não vê quem não quer. Naturalmente, os melhores indícios do Fim são os apresentados em caráter lúdico. A nós, católicos, não interessa a hora exata em que o mundo vai acabar porque todos nós sabemos que podemos morrer a qualquer momento e, portanto, para cada um de nós o Juízo sempre pode ser nos próximos minutos. Mas isto não nos impede de saborear os memes.

Ontem morreu o Oscar Niemeyer, e a já proverbial longevidade do arquiteto carioca era uma piada pronta. Não pude evitar pensar que isto era mais um sinal de que estamos mesmo na iminência do fim do mundo, mas o pior ainda estava por vir. O verdadeiro sinal de que o Armageddon já começou e não nos avisaram é a celebração de uma Missa de corpo presente para o recém-falecido arquiteto ateu!

Ateu! Não estamos falando simplesmente de um “católico não-praticante” ao qual o repentino interesse pelas coisas divinas no ocaso da vida provoca nos céticos uma suspeição de hipocrisia. Muito diferente disso, aqui se trata de um ateu público e convicto! Qual o sentido de que se lhe celebrem exéquias católicas?

Não se trata, absolutamente, de sentenciar o pobre arquiteto a cruzar aquela Porta Terrível que, na Comédia de Dante, manda a todos os que por ela entram deixar fora toda a esperança. É claro que somente Deus é Juiz de todos e, portanto, qualquer pessoa, até mesmo um ateu de carteirinha, pode em princípio ter-se aberto à graça de Deus na hora da morte e partido deste mundo na amizade com Ele. É claro que devemos rezar pela salvação de todos os homens, não-católicos inclusive, cujo destino eterno não conheceremos até o Dia do Juízo Final. É claro que os familiares e amigos – aliás, qualquer pessoa que o deseje – podem rezar a Deus pela alma do Niemeyer: que o Todo Poderoso tenha dele misericórdia.

Acontece que as exéquias católicas são para os católicos, pois assim prescreve o Direito e isto tem uma razão de ser. Com efeito, lemos no Direito Canônico:

Cân. 1184 — § 1. Devem ser privados de exéquias eclesiásticas, a não ser que antes da morte tenham dado algum sinal de arrependimento:

1.° os apóstatas notórios, os hereges e os cismáticos;
2.° os que escolheram a cremação do corpo próprio, por razões contrárias à fé cristã;
3.° os outros pecadores manifestos, aos quais não se possam conceder exéquias eclesiásticas sem escândalo público dos fiéis.

Todo auto-declarado ateu é, por definição, um “apóstata notório”. Quando o ateu, além disso, é uma figura pública que sempre deu claras e ostensivas mostras do seu ateísmo, torna-se um “pecador manifesto” para o qual a celebração de uma Missa de Requiem provoca perplexidade e “escândalo público dos fiéis” – portanto, tal Missa não deveria ser celebrada. A questão aqui não é privar a alma do falecido da – necessária! – misericórdia divina, mas sim demarcar clara e publicamente o abismo que separa a Fé da Incredulidade. Afinal, se o culto público da Igreja de Deus não se destina aos Seus fiéis… o que ele é, então? Se celebram-se missas igualmente por católicos fervorosos e por ateus convictos, como convencer as pessoas de que não se trata de um “evento social” filantrópico qualquer que se realiza para qualquer um e por qualquer motivo? Se um ateu tem direito a uma Missa Pro Defunctis, como evitar que as pessoas percam de vista o significado profundo do Sacrifício Eucarístico?

Houve um tempo em que aos suicidas – mesmo os católicos! – era negada sepultura eclesiástica. E isto nunca teve nada a ver com afirmar a impossibilidade do arrependimento final “entre a ponte e o rio”: Deus sempre foi o único Juiz dos homens! Mas a sepultura da encruzilhada, embora não determine a sorte eterna do que lá jaz, tem um profundo valor catequético para os que cá ficam. Trata-se – como expôs brilhantemente Chesterton – de reconhecer no suicida «um homem que se preocupa tão pouco com tudo o que está fora dele que ele quer ver o fim de tudo». Trata-se simplesmente de testemunhar aos homens como se deve viver. E a morte, ainda que seja uma tragédia, não autoriza ninguém a mitigar a necessária força deste testemunho.

Enfim, está morto Niemeyer: que lhe possa ter valido a Virgem Soberana no instante derradeiro. Mas não nos é lícito pressupô-lo tão ligeira e levianamente, conferindo funerais católicos a quem viveu longamente como inimigo da Igreja. Em suma, que o Altíssimo não nos negue a ninguém a Sua Infinita Misericórdia da qual somos, todos, absolutamente necessitados. Supliquemo-Lha! Mas que isto não se faça às custas de semear o indiferentismo e disseminar ainda mais a confusão entre os homens do nosso tempo, que já vivem suficientemente longe da Igreja de Deus e para a Qual precisam voltar-se muito antes da sua Missa de corpo presente.

Os homens querem ouvir falar de Deus

Aos que “profetizam” o fim iminente da Igreja Católica por conta da sua recusa obstinada em “abrir-se” às novas exigências (i)morais do mundo moderno, eu recomendo a leitura destes dados recentes sobre a Comunhão Anglicana, do qual traduzo apenas o trecho mais ilustrativo:

Os episcopais já aprovaram tudo o que os “progres” exigem e ainda mais. Repassamos:

– No século XVI, o anglicanismo aceitou o clero casado.
– Em 1930, aceitaram a contracepção. A causa: o clero casado. Davam mal exemplo, tinham poucos filhos (é o que explica um historiador luterano).
– Em 1976, os episcopais aprovaram o “sacerdócio” feminino.
– Em 1989, ordenou-se a primeira bispa episcopal.
– Em 1994, proibiu-se toda terapia para deixar o homossexualismo.
– Em 2000, aceitou-se como correto o sexo fora do Matrimônio.
– Em 2003, ordenaram como bispo Gene Robinson, um senhor divorciado de sua esposa, com dois filhos, que vivia «maritalmente» com outro homem (em 2011 ele deixou o cargo, embora continue sendo “lobbista” no clero anglicano. Foi o primeiro bispo homossexual praticante [el primer obispo homosexual activo].
– Em 2006, os episcopais admitiam o matrimônio homossexual.
– Em 2010, presumia-se ordenar em Los Angeles a uma bispa lésbica praticante.
– Em 1 de janeiro de 2011, um bispo episcopal casava (com estardalhaço da mídia) duas sacerdotisas lésbicas, uma das quais a famosa militante abortista Katherine Ragsdale.

Nada disso atraiu pessoas a esta igreja. Perderam um terço de seus fiéis no século XXI: tinham 3,4 milhões em 2001, e só 1,9 em 2012.

A História dá mostras suficientes de que esta religião do bom-mocismo e da última moda não tem condições de atrair os homens que foram criados para Deus. Elas podem até crescer num momento de frenesi inicial, mas é somente isto: pirotecnia vazia, fogo de palha incapaz de perdurar ao longo de uma geração sequer. Os homens não querem ouvir a agenda ideológica do dia nas suas igrejas: se eles quisessem isso, bastar-lhes-ia ligar a televisão – que é mais prática, mais barata e mais interessante. Os homens querem ouvir falar de Deus. E um deus que dissesse uma coisa agora e daqui a pouco dissesse o seu contrário não poderia ser Deus.

Os homens querem nobreza, e não subserviência vil a todas as imoralidades que surgem a cada dia. Ortega y Gasset, n’A Rebelião das Massas, lembra que nobreza implica em deveres: noblesse oblige. Os homens querem um objetivo mais alto para as suas vidas, querem um ideal pelo qual valha a pena lutar, um esforço que lhes permita impôr a marca do seu caráter à sua existência: não querem viver “ao Deus-dará”, como se fossem animais guiados unicamente por instintos e cujo propósito maior é fazer o que lhes é prazeroso e fugir do que lhes aborrece. Não há nobreza em ser guiado pelo amor ao baixo-ventre; e que exemplo melhor da coroação deste ignóbil apetite do que a “religião” que vive de fazer concessões às exigências do mundo?

Alguém citou aqui no blog recentemente umas projeções de que o Brasil poderia se tornar um país com maioria protestante dentro de uns vinte anos. Com a devida vênia, eu discordo dessas previsões: julgo-as, aliás, tão completamente distantes da realidade que só poderiam sair da pena de quem não tem noção nenhuma de religião. O protestantismo no Brasil é somente vácuo do catolicismo. Ao contrário de nações tradicionalmente protestantes, no Brasil só se tem oba-oba: oscilando entre fideísmos grosseiros (neo)pentecostais e progressismos teológicos natimortos, não há raízes no protestantismo tupiniquim.

Parece-me, ao contrário, que o catolicismo voltará a crescer, após uma ou duas gerações perdidas. Colhendo ao acaso as notícias de hoje, recentemente se divulgou a conversão da Leah Libresco, blogueira (ex-)atéia americana que mantêm o Unequally Yoked; e o Twitter do Papa Bento XVI anunciado hoje pela manhã (@Pontifex) já conta agora com mais de 144.000 seguidores. E coisas assim acontecem todos os dias, mesmo na internet! E quanto à graça de Deus que opera longe dos holofotes virtuais? E quanto ao território duramente conquistado passo a passo na vida quotidiana de tantos católicos (padres principalmente, mas também leigos) que não entra na rede mundial de computadores?

Próximo sábado é dia da Imaculada Conceição e, neste dia, centenas de pessoas Brasil afora irão fazer ou renovar a sua Consagração Total à Santíssima Virgem. Ela, que prometeu em Fátima que o Seu Imaculado Coração triunfaria: estamos aguardando o cumprimento desta promessa, o Reino da Virgem cujo advento é tão certo quanto a aurora. Porque não é de “novidades” que nós precisamos, mas muito pelo contrário: temos sede da Palavra de Deus que é Eterna, que Se encarnou um dia para nos salvar e que, ainda hoje, continua viva e eficaz no seio da Santa Igreja cuja missão é levar a salvação de Deus a toda criatura humana. E cada vez mais as pessoas estão percebendo estas verdades. No meio de tantas confusões, as pessoas estão (re)aprendendo a se voltar para a Igreja, Farol imóvel e seguro a guiar os navegantes pelos mares atribulados desta vida.

Outros apontamentos sobre o “Deus seja louvado” das cédulas de Real

– Como eu já falei aqui no blog, não acho que a investida do MPF contra a menção a Deus nas cédulas da moeda brasileira tenha sido por “falta do que fazer” do excelentíssimo Procurador da República. Ao contrário, é mais um passo duma série de movimentos friamente calculados no sentido de seguir – à risca – uma agenda ideológica laicista que intenta banir todas as referências a Deus das coisas públicas. Todos os que defendem semelhante atitude do Ministério Público são unânimes em afirmar que se trata exatamente disto, mesmo quando incoerentemente o negam.

– Como eu também já expliquei em outras ocasiões, a “Parede Vazia” é atéia e, por extensão, também é atéia a cédula alijada de sua menção a Deus. Aqui importa analisar não somente o “espaço vazio” em si mesmo como se ele houvesse aparecido ali “do nada”, mas sim as motivações ideológicas que o produziram. Isto me parece bastante evidente.

– Pouco importa que a sua introdução na moeda brasileira seja relativamente recente (tem pouco mais de vinte anos), exatamente porque a legitimidade das coisas é inerente a elas próprias, independendo de há quanto tempo elas existam. Uma coisa pode se arrastar por séculos e ser ilegítima, como igualmente pode ter surgido ontem e ser plenamente aceitável e justa. Os fanáticos ateístas que dizem “ah, isto não faz parte da cultura brasileira, foi Sarney que colocou” estão somente jogando para o público e cuspindo sofismas grosseiros nos quais nem eles próprios acreditam: por acaso faria diferença para eles se a inscrição viesse de D. João VI?

– É legítima a existência de uma menção a Deus no dinheiro de um país exatamente porque (ao contrário do que uivam os laicínicos) é perfeitamente legítimo um país, nos seus símbolos, aludir a elementos constitutivos da sua cultura. Aliás, não só é legítimo como não é possível ser diferente. E o Cristianismo é parte integrante da história e cultura do Brasil: esta verdade factual que tanto incomoda os fanáticos irreligiosos simplesmente não pode ser apagada. Isto é uma verdade tão óbvia que, p.ex., o nosso Brasão de Armas – um dos quatro símbolos oficiais da República Federativa do Brasil, segundo o art. 13 § 1º da Constituição Federal – ostenta no centro um enorme Cruzeiro do Sul! Não faz nenhuma diferença que as Armas Nacionais sejam mais antigas que a inscrição “Deus seja louvado” das cédulas de Real. Nem uma nem outra ofendem a (verdadeira) laicidade do Estado (que aliás não foi inventada em 1988, existe no Brasil pelo menos desde a Constituição de 1891!). Estas coisas só incomodam, repitamos, os fanáticos neo-ateístas intolerantes.

– Esta patética cruzada dos Fanáticos Descrentes é vista com maus olhos até mesmo pelos que discordam da referida frase nas cédulas brasileiras. Por exemplo, em um recente artigo no “Pensar Não Dói”, o blogueiro escreveu:

Você percebe o que acaba de acontecer? Uma nova onda de recrudescimento do fanatismo religioso acaba de ser deflagrada porque meia dúzia de imbecis “politicamente corretos” impetrou uma ação irrelevante para infligir uma derrota irrelevante contra um símbolo irrelevante.

[…]

E o Brasil vai gerar uma onda de intolerância religiosa e gastar milhões de horas e de Reais na discussão de uma porcaria de uma frase irrelevante nas notas de Real “em nome dos princípios do Estado brasileiro”.

– Uma das vantagens da boa lógica é que ela permite a pronta identificação de incoerências num discurso com a clareza que só o raciocínio bem estruturado é capaz de proporcionar. Se alguém solta o relincho de que “a predileção do Estado por X implica na discriminação de quem é não-X” (o que, como foi mostrado, é o “argumento” do sr. Jefferson Dias para pedir a retirada da inscrição religiosa das cédulas de Real), isto precisa valer para qualquer X. Em particular, a representação da efígie da República como uma mulher branca “implicaria” na discriminação de quem é negro, a inscrição positivista da flâmula nacional “implicaria” na discriminação de quem não é positivista, et cetera. O que é claramente uma enorme besteira: o Estado pode perfeitamente ostentar predileção por algo, contanto que isto não embarace as crenças e práticas filosóficas, políticas ou religiosas de quem não comunga deste algo. Esta é a essência da “liberdade de consciência e de crença” consignada no artigo 5º da Carta Magna brasileira! O resto é tagarelice vazia dos fundamentalistas ateus, que são intolerantes incapazes de conviver pacificamente em sociedade.

– Portanto, como i) nem a introdução da expressão “Deus seja louvado” nas cédulas da moeda brasileira atenta contra a laicidade do Estado e ii) nem a sua existência configura “discriminação” contra os que não crêem, cabe aos arautos da Irreligião Ateísta procurarem outros argumentos (de preferência válidos desta vez) para defender as suas posições, ao invés de – como sói acontecer… – insistirem em falácias grosseiras já incontáveis vezes desmontadas. Porque enquanto houver bom senso neste país as pessoas irão se levantar em defesa da ordem constituída – e contra a truculência dos bárbaros inimigos da civilização, de onde quer que eles venham.

Cruzada fundamentalista atéia contra expressão “Deus seja louvado” nas notas de Real (ou: racismo na moeda brasileira! A efígie da República é uma mulher branca!)

A estupidez da semana é o Ministério Público Federal ter entrado com uma ação em que exige a retirada da frase “Deus seja louvado” das notas de Real. A presepada já contou com muita repercussão nos blogs e redes sociais; gosto particularmente de uma campanha que alguém jogou no Facebook e que diz, muito singelamente, o seguinte (cito de memória):

Se retirarem a expressão “Deus seja louvado” das cédulas de Real, eu faço questão de escrevê-la a caneta, com letras garrafais, em toda cédula que me cair às mãos.

De todas as opiniões que vi sobre o assunto, a mais acertada me pareceu ser a do Percival Puggina compartilhada via Facebook: não se trata, absolutamente, de “falta do que fazer” do egrégio Procurador do MPF, mas sim de um projeto ideológico posto pacientemente em prática gota a gota. Trata-se de erigir lentamente, tijolo por tijolo, um modelo de sociedade onde não se faça referência alguma a Deus; a proposital lentidão do processo, com a deliberada opção por atacar temas de pouca monta, tem o objetivo consciente de ocultar o processo revolucionário sob o manto da sua diluição. E então, quando nos dermos conta, a iníqua Civitas Terrena estará já estabelecida sem que saibamos como ela pôde crescer tanto sem ser notada.

Mas vamos ao mérito desta infâmia. Em primeiríssimo lugar, é mister deixar claro e com todas as letras que os virtualmente únicos incomodados com a menção a Deus nas notas da moeda brasileira são os fanáticos ateus. A expressão – ao contrário do que procura fazer parecer o Procurador do Ministério Público Federal – não provoca, absolutamente, incômodo algum nos adeptos de Shiva, Oxossi ou Lord Ganesha – ou ao menos ninguém jamais se lembrou de vir a público reclamar sobre esta “opressão” que o Banco Central vem sistematicamente realizando aos que não são monoteístas.

Em segundo lugar, como já dito à exaustão, “Estado Laico” não se confunde com Estado Ateu. A única coisa que “Estado Laico” significa é que não existem atos estatais religiosos (p.ex., a posse do Presidente da República não se dá com Missa Solene onde o Cardeal Primaz do Brasil impõe a faixa presidencial sobre os ombros do governante eleito, após o que este presta o juramento de defender e guardar a Fé Católica e Apostólica). Nem a liberdade religiosa tem algo a ver com a laicidade do Estado, uma vez que é perfeitamente possível um Estado que simultaneamente seja Confessional e garanta a liberdade dos adeptos de outros cultos de praticarem as suas religiões.

Como já explicado e re-explicado, a Parede Vazia é um símbolo do Ateísmo pela simples razão de que ela não é um elemento natural da sociedade: ao contrário, faz permanente referência a algo que estava ali até há pouco tempo e hoje não está mais. No dia em que os ateus construírem a sua civilização, poderão exigir o direito de ostentar as suas Paredes Vazias, os seus Átomos, suas efígies de Dawkins, suas Bolas de Golfe Perdidas ou o que seja. Enquanto este dia não chega e enquanto esta civilização que existe foi forjada sob a égide da Cruz de Cristo, todas as tentativas de remover elementos religiosos da vida pública constituem insofismáveis ataques da Irreligião contra a Fé – exatamente o tipo de coisa que o Estado Laico tem a obrigação de impedir, e jamais promover.

Em terceiro lugar, a argumentação utilizada pelo MPF é simplesmente estapafúrdia e falaciosa. A Ação Civil Pública em questão está aqui. Como cerne do arrazoado nela expresso, temos a seguinte pérola:

[Q]uando o Estado ostenta um símbolo religioso ou adota uma expressão verbal em sua moeda, declara sua predileção pela religião que o símbolo ou a frase representam, o que resulta na discriminação das demais religiões professadas no Brasil.

E esta estupidez é um grosseiríssimo non sequitur. Ora, a escolha de um símbolo religioso para compôr a moeda de um país não implica, sob nenhuma lógica, “na discriminação das demais religiões professadas no Brasil”. Não existe um único direito dos crentes de outras religiões (do Xintoísmo ao Ateísmo) que é violado por conta do “Deus seja louvado” das notas de Real; eles continuam com plena liberdade de abraçar a religião que queiram, de mudar de religião quando bem entenderem, de praticá-la sós ou reunidos, et cetera, et cetera. É bastante óbvio que esta frase da moeda brasileira não cria aos cidadãos brasileiros nenhuma obrigação ou impedimento de adotarem nenhuma religião, não lhes atrapalha o culto, não lhes dificulta a vida espiritual nem nada do tipo. Onde, então, a “discriminação” alegada pelo Ministério Público Federal?

E, para ilustrar o quanto este discurso é completamente nonsense, apliquemos esta mesma “lógica” a um outro elemento da mesmíssima moeda brasileira. A cédula de Real, que todos conhecemos, é esta aqui:

Consideremos o rosto humano que ocupa grande parte da cédula, e que todos nós conhecemos muito bem. Trata-se, como sabemos, da efígie da República. Não vou chamar a atenção para o fato de ser um símbolo revolucionário, maçônico e nem nada do tipo. Vou me ater a algo muito mais simples e escandaloso: senhoras e senhores, a mulher estampada em todas as cédulas que circulam no nosso país é uma mulher branca!

Branca! Em um país formado de tantos negros, índios e mestiços, é – na “lógica” do sr. Jefferson Aparecido Dias, Procurador da República – um absurdo racista injustificável que o Estado tenha escolhido precisamente uma elitista figura feminina europeizada para ilustrar a sua moeda. Tal ostentação revela um evidente preconceito contra os negros. Tal predileção é uma clara discriminação das outras raças existentes no país. É, portanto, urgente aboli-la.

Ora, eis o discurso que o Procurador da República deveria proferir se tivesse um mínimo de coerência! Mas ele não o vai fazer, porque o seu compromisso não é com a lógica ou a coerência, e sim com uma estúpida cruzada fundamentalista atéia empenhada em banir toda menção a Deus da vida pública do Brasil. O sr. Jefferson Dias sabe perfeitamente que a representação clássica da República como uma mulher branca não resulta na discriminação dos negros – e, portanto, que a expressão “Deus seja louvado” nas cédulas de Real não implica na discriminação das outras religiões. Mas o compromisso dele não é com a justiça e a sua preocupação não são as discriminações religiosas: tudo isto é só pretexto. O que ele quer, do alto do seu fanatismo religioso, é impôr a sua descrença sobre a população brasileira. E, nesta “nobre” luta, ele demonstra estar convencido de que vale tudo.

A Fé decorre da própria inteligência humana, e não de suas limitações

Muito bonito este artigo de D. Odilo publicado sábado no Estadão, que vale a leitura na íntegra e do qual destaco:

Nossa inteligência é “capaz de Deus” e não está fechada para Ele. Crer é um ato humano livre por excelência, mediante o qual nos abrimos ao supremo Tu, ao Deus pessoal, e podemos alcançar uma certeza interior não menos importante do que aquela que nos vem das ciências exatas ou naturais. Reduzir nossa capacidade racional às certezas verificáveis seria diminuir essa mesma capacidade.

E isto vem ao encontro de várias coisas que costumamos falar aqui no Deus lo Vult! a respeito da capacidade humana de crer e da arbitrariedade irracional da resposta atéia ao problema de Deus. Para além de quaisquer limitações da moderna ciência paira o Onipotente, e reconhecê-Lo é um dever imperioso da consciência sincera, é decorrência da própria capacidade humana de questionar o Universo.

Sim, crer ainda faz sentido, porque este ato decorre da própria essência do ser humano, e não – como os paladinos do ateísmo gostam de fazer acreditar – de limitações intelectuais contingentes próprias de determinadas épocas históricas.

O sentido da vida e o pecado contra o Espírito Santo

Albert Camus afirmou uma vez: “Há um só problema verdadeiramente sério e é … estabelecer se vale ou não a pena viver…”. O grande problema, o grande causador das neuroses e depressões, é o vazio existencial.

Dom Fernando Rifan, “O sentido da vida”.

Eu já cansei de citar Santo Agostinho com o seu “Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Vós”. Feciste nos ad Te, Domine, et inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te. A sentença é d’As Confissões, obra que li há uns dez anos. Sempre conservei na memória, contudo, algumas passagens para mim assustadoramente marcantes dessa grande obra do Santo de Hipona.

Uma delas é essa frase a respeito do “vazio existencial” que existe no homem. Santo Agostinho escreveu-a em sua forma lapidar: Deus nos criou para Ele e, portanto, a nossa existência não está ainda tranqüila enquanto não Lhe estamos devotados integralmente. Falta-nos algo; ou melhor dizendo, falta-nos Alguém. Nos círculos da Renovação Carismática falava-se exatamente a mesma coisa, só que com outras palavras: no nosso coração existe um buraco infinito que só Deus, Infinito, é capaz de preencher. Enquanto Ele não o faz – ou, melhor dizendo, enquanto nós não O deixamos fazer -, a sensação de vazio interior é inevitável.

A menos, claro, que alguém tente enganar-se a si mesmo; esta, no meu entender, é a principal razão do crescimento do proselitismo ateu nos dias de hoje. A fanática sanha “apologética” dos Arautos da Irreligião sempre se me afigurou como uma tentativa desesperada de auto-negação, um mecanismo psicológico que leva os descrentes a tentarem sufocar a voz da própria consciência por meio da repetição frenética e desesperada, quase que em caricata oração, de um único versículo bíblico com a exclusão de todos os outros: non est Deus.

E volto às Confissões, com uma segunda passagem que eu nunca esqueci mesmo após todos esses anos: “Senti e experimentei não ser para saber que o pão, amável ao paladar sadio, é repugnante ao doente, e a luz, adorável aos olhos sãos, é odiosa aos [olhos] enfermos”. Perdoem-me qualquer imprecisão, pois cito tudo de memória. Mas se aplica perfeitamente: os que não querem que Deus exista (não lembro agora quem foi que disse que ninguém jamais falou “Deus não existe” sem ter antes desejado secretamente que Ele não existisse…) assustam-se com a mera possibilidade de dúvida acerca da Sua existência, fogem das evidências que apontam para Ele com a mesma devotada repugnância com que um estômago doente põe para fora o alimento que lhe seria salutar.

Há pecados que não têm perdão, os famosos “pecados contra o Espírito Santo” que a tradição católica enumerou e explicitou. Explica a Igreja que eles não são propriamente pecados imperdoáveis, mas sim aqueles pecados que, por sua própria natureza, repelem o perdão divino. Um deles é exatamente a negação da Verdade conhecida como tal: trata-se, p.ex., exatamente do orgulho de recusar-se a enxergar que Deus existe ou a achegar-se-Lhe suplicando a misericórdia da qual o homem tem a mais absoluta necessidade. O perdão de Deus é graça gratuita, claro está, mas não é exatamente um dom “incondicional”. Como tudo que está sob o império da economia da salvação, o perdão divino está condicionado ao livre-arbítrio humano, que precisa desejá-lo como conditio sine qua non para o receber.

Mas o orgulho é próprio da natureza humana decaída, e este vício – mormente o intelectual – é difícil de ser arrancado uma vez que finca as suas raízes no coração. Se o paladar enfermo rejeita o remédio, o que se pode fazer? Se a Anti-Fé atéia postula como o mais inquestionável dos dogmas que não há Deus, como aqueles que tiveram a infelicidade de abraçá-la um dia poderão se libertar de suas garras se não podem sequer suplicar ao Deus no Qual não crêem que Se digne conceder-lhes o dom da Fé?

A situação é sem dúvidas terrível, e é justamente por isso que ela mereceu ser chamada de “Pecado contra o Espírito Santo”, aquele que não será perdoado nem neste século e nem no vindouro: não, repitamos, porque não possa absolutamente ser perdoado, mas porque – na expressão do Catecismo Romano que cito também de memória – “só a muito custo se lhe obtém o perdão”, uma vez que este pecado específico (ao contrário de outros) fecha deliberadamente as portas do coração humano à ação santificante de Deus.

Convém, contudo, que não nos desesperemos. Na nossa recitação diária do Santo Rosário, nós acrescentamos a jaculatória de Fátima e pedimos que o bom Jesus possa socorrer “principalmente aqueles que mais precisarem”. “Da Vossa misericórdia”, em alguns lugares se costuma acrescentar. E a força de tantas orações pode aproveitar aos nossos queridos irmãos que não têm Fé; não nos esqueçamos de que Deus concede a todos os homens graças suficientes para que se salvem, e os misteriosos caminhos da liberdade humana são tais que, em princípio, até o último suspiro um homem pode decidir voltar-se para Deus. Rezemos, portanto, por aqueles que não querem ou não podem rezar por si próprios! Ó Deus, pedimo-Vos “por aqueles que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam”. Orações são umas das pouquíssimas coisas (senão as únicas) das quais se pode com a mais absoluta certeza dizer que não são em vão.

Porque a apologética é sem dúvidas necessária, mas muito mais necessária é a oração, esta que é a alma de todo apostolado. A decisão de crer é uma decisão pessoal e interior, que pode perfeitamente (permita-o Deus!) ser ensejada à força de nossos arrazoados, mas que ninguém é capaz de produzir em si ou em outrem por virtude própria. São importantíssimas as discussões sobre Deus, sem dúvidas, mas o acumulado de todas elas levadas a cabo ao longo dos séculos pelas mais brilhantes mentes que já passaram pela Terra não é capaz, por si mesmo, de produzir a virtude da Fé em uma única alma. Mais do que ser convencido acerca de Deus, o homem precisa crer. E termino com uma terceira lembrança d’As Confissões que sempre me acompanhou ao longo dos anos, e que resume perfeitamente isto que estou querendo dizer, de um modo até muito melhor do que eu próprio consigo: “prefira [o homem] encontrar a Deus sem O conhecer a, conhecendo-O, não O encontrar”. Que Santo Agostinho possa rogar por todos nós.

As questões espirituais estão para muito além do alcance da ciência

Eu sempre fiquei impressionado com a capacidade que os cientistas alegam possuir de fazer inferências comportamentais complexas a partir de vestígios arqueológicos ínfimos. Já comentei aqui outro dia sobre o gay pré-histórico, mas este é apenas o exemplo mais extremado. Coisas mais simples, como a habilidade de construir ferramentas ou a prática de um “estilo de vida parcialmente arbóreo” dos nossos antepassados são divulgadas quase todos os dias por nossos meios de comunicação. Não raro, eles pensam fazer com isto um importante trabalho de “desmistificação” da realidade, às vezes com ataques mais ou menos velados aos que insistem em se afirmar religiosos a despeito de todo este avanço científico acumulado pela humanidade.

Naturalmente, eu não tenho muita coisa contra estes exercícios adivinhatórios que, vá lá, na maior parte dos casos são bem razoáveis mesmo e se apresentam à razão humana quase que como uma decorrência necessária do que se tem diante dos olhos, sem a necessidade de nenhum Sherlock Holmes para fazer a dedução oculta e dizer “elementar”. Por exemplo, digamos, encontrar uma tigela muito antiga com vestígios de comida do lado de dentro e de carvão do lado de fora nos autoriza, sim, a deduzir com bastante segurança que estamos diante de uma panela rudimentar e que, se alguém um dia a utilizou, certamente foi para algum exercício primitivo da milenar arte da culinária. É igualmente aceitável dizer que isto revela uma certa sensibilidade gastronômica dos homens primitivos, uma vez que eles provavelmente faziam um cozido para tornar a carne da caça mais saborosa, e não por razões de ordem profilática então pouco ou nada conhecidas. O que extrapolaria os limites arqueológicos seria, por exemplo, encontrar uma tigela dessas que fosse muito grande e, com base nisso, passar a fazer ilações sobre a gula pré-histórica, demonstrando por a + b que os homens da tribo tal não tinham questões morais sobre a necessária temperança à mesa – supondo que mesas houvesse à época.

A rigor, nem mesmo a existência de indícios fortes sobre a disseminação de uma certa prática num determinado povo (indícios, aliás, cuja existência é inversamente proporcional à distância temporal que nos separa de tal povo, por conta do decurso dos séculos que costuma ser bem eficiente em produzir escassez de vestígios) nos autoriza a fazer qualquer afirmação sobre o juízo moral que este povo fazia de tal prática. Por exemplo, algum arqueólogo que, estudando os hábitos dos judeus da época do Reino de Israel com base em vestígios não-escritos, chegasse à conclusão (correta) que a idolatria era comum àquele povo, enganar-se-ia redondamente se extrapolasse a sua “descoberta” para sentenciar que os filhos de Abraão não tinham nenhum interdito moral ao politeísmo. Um hábito é somente um hábito, e a sua classificação como virtuoso ou vicioso para quem o pratica não se pode depreender da mera constatação de que ele se realiza. Isto é bastante óbvio, mas por alguma estranha razão as coisas óbvias às vezes fogem à percepção de quem se deslumbra com a idéia de ser um Dr. Holmes a desvendar os mistérios de civilizações perdidas no tempo – cujos membros não estão mais aqui para se defender das barbaridades que falam sobre eles. Em uma palavra: as questões morais – que perfazem a fronteira mais indevidamente atravessada pelos fanáticos irreligiosos que se dizem cientistas – estão, tanto por princípio quanto por limitação de método, para muito além do alcance da ciência. Como é possível que haja verdadeira oposição entre ela e a Fé?

Eu pensava sobre isto ao ler Chesterton que, genial como sempre, criticava em um artigo a idéia de que descobertas científicas pudessem abalar as crenças de alguém. Ora, as ciências físicas e as realidades espirituais pertencem a ordens distintas de conhecimentos. Do mesmo modo que é absurdo defender, p.ex., que a Lei da Gravitação Universal possa ser modificada à força de novas investigações teológicas sobre as relações entre a Graça e o Livre-Arbítrio, é igualmente nonsense pretender que a soteriologia católica tenha se tornado menos verdadeira depois que Einstein propôs a Teoria da Relatividade Especial. O avanço científico não restringe os horizontes da Fé, e isto independe completamente de quaisquer limitações contingentes do acúmulo do conhecimento humano em um determinado momento histórico. Nas eloqüentes palavras do polemista inglês:

Um homem pode ser um cristão até o fim do mundo, pelo mesmo motivo de que um homem poderia ter sido um ateu desde o começo do mundo. O materialismo das coisas está na cara das coisas; não requer nenhuma ciência para encontrar. Um homem que viveu e amou cai morto e as minhocas o comem. Isso é Materialismo, se você preferir. Isso é Ateísmo, se você preferir. Se a humanidade apesar disso tem crido, ela pode crer apesar de todas as coisas. Mas por que nossa sina humana se torna mais desesperada porque nós sabemos os nomes de todas as minhocas que comem ele, ou o nome de todas as partes dele que são comidas, é para uma mente pensativa algo difícil de descobrir.

Esta é a resposta definitiva aos que vaticinam o fim iminente da Religião sob o império da Ciência, estas são as noções que precisam ficar bem claras para quem se propõe a fazer filosofia natural ou teologia. O resto são falácias grosseiras de pseudo-cientistas ou histerias descabidas de falsos crentes.

A laicidade do Estado versus o fanatismo dos ateus

A quinta-feira seguinte chegou e, com ela, a resposta da Gazeta do Povo à mobilização de milhares de internautas que, desde a última semana, haviam se polarizado entre o ataque estúpido e a defesa solidária ao professor Carlos Ramalhete por conta da sua última coluna publicada naquele jornal. Com relação ao desfecho deste affair (aguardado com expectativa pelos dois lados da polêmica!), os nossos mais sinceros agradecimentos à Gazeta do Povo porque, nela, o bom senso venceu o obscurantismo intolerante dos fanáticos que babando exigiam o fim da coluna do Ramalhete. O articulista segue escrevendo nas quintas-feiras. Parabéns ao jornal de Curitiba por não ceder à pressão dos neofascistas! Não nos esqueçamos de nos manifestar junto ao jornal apoiando esta sua louvável atitude.

Em uma excelente resposta à talvez mais tosca das acusações que ele sofreu ao longo desta semana – a de que as suas opiniões a respeito da adoção de crianças por duplas de homossexuais eram um atentado à laicidade do Estado -, o Ramalhete publicou hoje um texto chamado “Uma religião para todos?”, onde aborda o problema com a clareza de raciocínio que lhe é peculiar. Leiam-na. Cito apenas um trecho, do comecinho, para dar água na boca.

Religião, afinal, é isso: é a ligação, ou busca de ligação, do homem com a ordem de todas as coisas. Nossa sociedade, vendo-se como autora da ordem do mundo, criou esta forma religiosa: uma religião ateia, em que o homem é seu próprio deus.

Isso que o Carlos aborda vem ao encontro de várias coisas que eu já escrevi aqui no Deus lo Vult! sobre o assunto (p.ex., aqui e aqui, entre tantas outras). Ora, se o ateísmo é ou se propõe a ser uma resposta ao problema de Deus, então é lógico que ele é um fenômeno localizado no mesmo patamar das diversas expressões religiosas existentes mundo agora. Quando a pergunta “quem é Deus?” se coloca diante do homem, dizer “não há Deus” é uma resposta no máximo tão válida quanto qualquer outra que afirme “Deus é este” ou “Deus é aquele”. E o que vale para estas últimas deve também, por força de coerência, valer para aquela. A alegada laicidade do Estado, portanto, antes de oferecer suporte às pretensões totalitárias dos anti-católicos, na verdade serve para lhes dar um “cala-a-boca” e os reconduzir ao seu lugar. Evocar o Estado Laico na promoção de uma cultura atéia é simplesmente uma contradição boba, é uma usurpação indevida e perigosa do conceito de laicidade, é uma ameaça concreta à liberdade religiosa. No Brasil de hoje, os maiores inimigos do Estado Laico não são os cristãos e nem nenhuma outra religião tradicional: são os sacerdotes do ateísmo, porque estes contam com o apoio intelectual dos formadores de opiniões e com a amizade dos que detêm o poder.

Ainda esta semana, nas discussões sobre o artigo do Carlos Ramalhete, eu comentei no Facebook com uma garota que os ateus têm todas as características que gostam de execrar nos religiosos. Eles acreditam em coisas que não podem ser demonstradas (= que Deus não existe, que o ateísmo é a melhor resposta ao problema de Deus, etc.), agem com proselitismo na expansão de suas crenças (o que se expressa nos seus constantes ataques à religião), julgam-se detentores da verdade absoluta (no máximo tratando com uma pseudo-caridosa condescendência os religiosos tradicionais, que julgam possuir uma inteligência inferior), estão convencidos de que as suas concepções religiosas são as mais corretas e as melhores para o mundo e quando não conseguem vencer os seus oponentes nos argumentos apelam para o braço secular exigindo que o Estado venha em seu socorro e cale o dissidente. Ora, qual é sinceramente a diferença entre isto e a mais grotesca caricatura que os próprios ateus pintam de um fanático religioso queimando bruxas nas profundezas da Idade das Trevas? É espantoso que esta nova modalidade religiosa seja assim tão exaltada nos dias de hoje! Espantoso e aliás perigoso. Poucos fanatismos religiosos são mais daninhos à sociedade do que este fanatismo ateu típico dos nossos tempos.

Morre Neil Armstrong – R.I.P.

Morreu no último sábado (25 de agosto), aos 82 anos, o astronauta Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua. Considerado um verdadeiro herói pelos de sua geração e também pelos das que se lhe seguiram, Armstrong nunca gostou muito deste tipo de fama e era, na verdade, uma pessoa bastante reservada. A notícia reproduzida por G1 fala um pouco desta característica do viajante do espaço: «Armstrong viveu uma vida de reclusão após a Apollo 11. Convidado frequentemente por partidos americanos, ele se recusou a concorrer a um cargo político. Armstrong também raramente era visto em público e quase nunca dava entrevistas, além de não costumar tirar fotos ou dar autógrafos, porque não gostava que eles eram vendidos por valores que ele considerava “absurdos”. Sua única biografia autorizada foi publicada em 2005. Ele também costumava processar empresas que usavam sua imagem sem autorização e doar as indenizações recebidas à faculdade em que se formou».

Dentre os seus muitos feitos dignos de admiração, merece destaque um que li hoje pela manhã no Meio Bit. Era 1966; a viagem à Lua não se concretizara ainda. Armstrong estava em uma missão espacial tripulada com outro astronauta, o David Scott, e testava um procedimento de acoplamento espacial entre duas naves, a pilotada pelos cosmonautas e uma não-tripulada. O acoplamento foi um sucesso; mas, durante o reposicionamento, ocorreu um problema com os foguetes de rotação e a nave não parava de girar. No vácuo, onde não existe ar para oferecer resistência, o resultado foi que o módulo passou a girar cada vez mais rápido, colocando em risco a vida dos astronautas e, muito provavelmente, de todo o programa espacial americano:

Após a conexão, o computador da Agena [nave não-tripulada] iniciou um comando para girar o conjunto das duas naves em 90 graus. O giro foi efetuado, mas não parou. Neil comandou os jatos de manobra e cessou o giro, mas assim que ele parou, o giro voltou. Imediatamente desligaram o Agena, mas alguns minutos depois o giro reapareceu.

Consultando os instrumentos, descobriram que só tinham 30% de combustível nos jatos de manobra da Gemini [nave dos astronautas], e o giro aumentava. O consenso era que havia algo de errado com a Agena. Ejetaram a nave automática, Houston a comandou pra se afastar, nas o giro só aumentou. Sem a massa extra, logo a Gemini girava a 60 rotações por minuto.

[…]

Era evidente que o problema estava na Gemini. A nave se aproximava do limite de integridade estrutural, os astronautas já apresentavam visão de túnel e logo perderiam a consciência. Só havia uma coisa a fazer:

Usando de seu treinamento Neil Armstrong desligou os jatos de manobra, passando para controle manual os jatos de controle de reentrada, um sistema independente que controlaria a posição da nave quando retornasse para a Terra.

Tendo aprendido a pilotar antes de aprender a dirigir, com 78 missões na Coréia e experiência de piloto de testes do X15, Neil Armstrong conseguiu identificar, reverter e anular o giro, revertendo um pesadelo de desorientação espacial, evitando um desastre certo.

Com semelhantes feitos no currículo, não é de se espantar que o astronauta provoque a admiração de milhões de pessoas no mundo afora. Isto é perfeitamente justo: afinal de contas, o que é admirável merece receber admiração, e a impressionante habilidade do primeiro homem a pisar na Lua é um fato incontestável, atestado pelos diversos episódios de sua carreira de astronauta (dos quais o exemplo acima é bem representativo).

O que não é justo é utilizar a ida do homem à Lua para se fazer um idiota proselitismo anti-religioso. E não é justo por uma razão bem simples: historicamente, a corrida espacial não foi utilizada com esta conotação, e transformá-la em um baluarte contra o obscurantismo religioso é falsificar a história e trair o pensamento dos seus protagonistas. O fato é que Armstrong não quis jamais emancipar o homem de Deus e provar que “o homem pode fazer coisas maravilhosas sem ajudas sobrenaturais”. Ao contrário de alguns dos seus fãs, Armstrong não era ateu militante. Ao que consta, aliás, não era nem mesmo ateu ou agnóstico: muito pelo contrário.

O Free Republic nos traz um fato interessante sobre a vida do astronauta, que me permito traduzir:

O astronauta americano foi [certa vez] levado para um passeio na cidade antiga de Jeruslalém, na companhia do arqueólogo israelita Meir Ben-Dov. Quando eles chegaram ao “Hulda Gate”, que fica no topo das escadas que levam ao Monte do Templo, Armstrong perguntou a Ben-Dov se Jesus havia pisado em algum lugar por ali.

“Estes são os degraus que levam ao Templo”, Ben-Dov lhe disse, “então Ele deve ter caminhado por aqui muitas vezes”.

Armstrong perguntou se aqueles eram os degraus originais, e Ben-Dov confirmou que sem dúvidas eram.

“Então Jesus pisou bem aqui”, Armstrong perguntou”. “Exatamente”, respondeu Ben-Dov”.

Ao que Armstrong, o cristão devoto, respondeu: “Eu tenho que lhe dizer, eu estou mais excitando pisando nestas pedras do que quando eu estava pisando na Lua”.

O mundo secular lembra de Armstrong como, entre outras coisas, um engenheiro espacial, um professor de universidade, um piloto de guerra e, naturalmente, como o primeiro homem na história a voltar para a Terra após estar na superfície da Lua.

Mas aqueles que eram mais próximos do famoso astronauta – sua viúva, Carol, seus dois filhos, Erik e Mark (de um casamento anterior), seu irmão e sua irmã, e outros sobreviventes – lembram de Neil Armstrong como um homem de fé.

A Wikipedia anglófona também se refere ao fato, apenas alterando ligeiramente a frase do astronauta: ele teria dito que estava tão excitado naquelas pedras quanto estava quando pisou na Lua [he was just as thrilled to stand on this staircase as he had been when he took his first steps on the moon]. Mas tanto uma forma quanto a outra serve para desmascarar a farsa anti-religiosa. O primeiro homem a pisar na Lua realizou o seu “grande passo para a humanidade” rendendo graças a Deus, e não na atitude de desprezo a Ele que alguns dos seus fãs gostam de adotar. É importante o registro histórico, para respeitar a memória do herói recém-falecido.

A Armstrong, nossas homenagens e nossas orações. Que ele inspire as pessoas a perceberem que progresso científico e religiosidade sincera podem perfeitamente coexistir em uma única pessoa. Que a família e os amigos sejam confortados na dor da perda. Que o primeiro homem a pisar na Lua descanse em paz.

Miscelânea de comentários ligeiros

Houve recentemente em Londrina uma caminhada pró-vida, à qual se fizeram presentes alguns jovens levando um cartaz. Nele se podia ler: “SOU CATÓLICO, não voto em partido abortista”. Mensagem mais sucinta e coerente impossível. Era de se esperar que algumas pessoas não gostassem da manifestação, mas o que causou espécie foi saber que um padre condenou o cartaz. Um padre! O comentário do Wagner Moura é bem pertinente:

Fico imaginando esses garotos do banner pró-vida, coitados, se sentindo repreendidos por serem meramente católicos. Se estivessem com um banner enorme do Che Guevara correriam sério risco de serem homenageados, hein?

Mas é o Brasil. É o campo – por cheio de abrolhos que se encontre – que o Senhor nos deu por partilha. É o combate que somos chamados a travar. Ele não nos deixará desamparados.

* * * 

– “A crença no sobrenatural é perigosa”, diz psicólogo. Contraditório, superficial e grosseiro; para ficar num só exemplo: o sujeito escreve que “presenciamos o declínio da crença no sobrenatural” para, duas linhas abaixo, afirmar que hoje “poucos abdicam de crenças sobrenaturais e aceitam a ciência como ferramenta para explicar o universo”. É um disparate que não se presta senão a atacar gratuitamente. Mas merece um pouco de reflexão a última frase do psicólogo:

Se há um Deus, ele me deu um cérebro para pensar. Meu pecado seria usá-lo para raciocinar e buscar explicações? Um ser benevolente não me puniria por utilizar bem as armas que me concedeu.

Ora, há hoje em dia (e aliás sempre houve) incontáveis homens de ciência que nunca julgaram necessário abandonar a sua crença em Deus – ao contrário, repudiaram com energia semelhante idéia. E isso muito tempo depois de que “se acreditou que a Terra viajava pelo cosmo no lombo de um elefante” (!), como diz o psicólogo em uma comparação totalmente anacrônica e sem sentido – a qual aliás dá a entender que, para o psicólogo, o mundo todo achava que estávamos em um safári cósmico sobre o lombo de um mastodonte até a Revolução Industrial. Como é possível que este sujeito acredite sinceramente que isto é “usar bem” (!!) a inteligência que o Todo-Poderoso lhe concedeu?

* * *

A cruz de Cristo, a quem incomoda?, por Frederico Viotti. Fazendo (entre outras coisas) uma elegante e sutil alusão ao célebre artigo de Rui Barbosa (sobre o qual eu já falei aqui) que trata da Justiça moderna à luz dos julgamentos pelos quais passou Cristo, o articulista vai ao ponto fulcral aqui:

Na realidade, o “Estado-juiz”, ao pretender retirar os crucifixos, está demonstrando abraçar outros valores, diversos daqueles que estão representados no Crucifixo.

E é exatamente isto. Não existe “vácuo moral” na gênese da cultura de um povo; a Parede Vazia é um símbolo do ateísmo. A guerra travada contra os símbolos religiosos no Brasil, assim, não é (e nem nunca foi) uma questão de “respeito” aos que não comungam da Fé Católica; trata-se de um ferrenho combate travado contra a cultura ocidental, contra a moral judaico-cristã, contra enfim a própria civilização que nos foi legada por nossos antepassados e à qual devemos todos os bens que nos separam da barbárie.

* * *

– Em tempos onde o nosso Governo planeja pôr em prática políticas de “redução de danos” (como se isto fosse possível…) para aborto ilegal, vale a pena ler esta carta publicada no ano passado na Revista PET Farmácia. As palavras do leitor aplicam-se com maestria à situação que vivemos hoje e bem que poderiam ser dirigidas aos nossos governantes:

A citada “política de redução de danos” (p. 34) é um acréscimo de eufemismo, um modo perverso de justificar a necessidade de se liberar o aborto provocado. Mostrando-o como inevitável, torna injustificável aplicar recursos em educação básica e em melhoria do atendimento médico e curativo. Simplesmente, se é inevitável, então vamos legalizar e apoiar. É um caminho para se destruir a sociedade e corromper os costumes.

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– 10 razões pelas quais o “casamento” homossexual é prejudicial e deve ser combatido, no IPCO. Destaco:

7. O “casamento” homossexual desvirtua a razão pela qual o Estado beneficia o casamento

Uma das principais razões pelas quais o Estado confere inúmeros benefícios ao casamento é que, por sua própria natureza e desígnio, o casamento proporciona as condições normais de uma atmosfera estável, afetuosa, e moral, que é benéfica para a educação dos filhos, frutos do mútuo afeto dos pais. Ele ajuda a perpetuar a nação e fortalecer a sociedade, o que é um evidente interesse do Estado.

O “casamento” homossexual não fornece essas condições. Seu desígnio principal, objetivamente falando, é a gratificação pessoal de duas pessoas, cuja união é estéril por natureza. Não tem direito, portanto, à proteção que o Estado concede ao casamento verdadeiro.

Ou seja: o Estado confere uma série de benefícios à Família não porque seja “bonzinho” ou para “alegrar” os apaixonados nem nada do tipo. Há uma série de direitos tradicionalmente conferidos à família porque ela é a célula-mater da sociedade e, como tal, tem uma série de deveres (em particular, a geração e educação da prole, produzindo cidadãos para o Estado) importantes para a vida em sociedade – que a dupla homossexual, absolutamente, não é capaz de assumir – cujo cumprimento o Estado deve facilitar. É isso. O resto é balela do movimento gay.

* * *

– Vale a pena ler, mesmo que esteja em espanhol, esta história da conversão do filósofo Paul Williams do Budismo para o Catolicismo. Excerto:

Williams explica rapidamente a teoria do karma: alguns males e alguns bens que experimentas são [alegadamente] conseqüência do que fizeste em uma vida passada. Mas em qual sentido se pode dizer que o ditador cruel e maligno que foste em outra vida eras tu? “A idéia de que um bebê sofre uma doença dolorosa por algo que outra pessoa fez, incluindo se o bebê é de alguma maneira un renascimento desta pessoa, não pode ser vista como satisfatória. Não se pode dizer, como alguém já fez, que seja a resposta mais aceitável ao problema do mal. O bebê não é quem fez os atos malvados, da mesma forma que eu não sou uma barata após a minha execução.

Santo Agostinho já ofereceu resposta ao problema do mal. As fábulas reencarnacionistas, além de não explicarem nada, são grosseiras e sem sentido. Diante da vastidão da produção intelectual cristã sobre o assunto, as “explicações” baseadas em karma têm a profundidade teológica de um pires.