Sobre imagens e símbolos, no funeral de D. Eugenio Sales

A foto abaixo foi compartilhada à exaustão ontem tanto no Facebook quanto na blogosfera católica. Pesquisando um pouco, cheguei à sua [mais provável] fonte original que é esta galeria de imagens da UOL, na qual podem inclusive ser vistas outras imagens da alva guardiã do féretro do Eminentíssimo cardeal brasileiro recém-falecido. Ontem, um jornal da Globo também falou sobre ela.

Como sempre, houve entre os críticos da religião quem se incomodasse com o fato de uma pomba branca ter passado tanto tempo ao lado do ataúde cardinalício. Depois das primeiras levianas acusações de montagem terem sido desmentidas pela profusão das fontes testemunhas primárias, passou-se rapidamente às buscas de causas naturais para o fenômeno, não raro chegando a acusações (igualmente levianas) de fraude deliberada. Isto como se nós, os religiosos, tivéssemos em algum momento insinuado que a pomba branca era uma demonstração cabal da existência de Deus ou coisa parecida, ou como se os inimigos de Deus tivessem perdido as aulas básicas de lógica elementar e acreditassem sinceramente, por algum irracional e nonsense ato de fé, que refutar uma demonstração é equivalente a demonstrar a falsidade da tese em análise.

E não é a primeira vez que isso acontece. Coisa idêntica foi feita diante, p.ex., da cruz em pé no meio dos escombros aos quais foi reduzida uma igreja no Haiti quando houve um terremoto, ou diante da pequena imagem de Nossa Senhora das Graças deixada em pé após as enchentes de Petrópolis no início do ano passado. Ou quando foi divulgada uma imagem de um batismo na Espanha na qual a água derramada pelo padre formava uma cruz. Eu aproveito a oportunidade da – belíssima! – imagem dos funerais de D. Eugenio Sales para repetir o que eu já falei algures sobre o assunto.

Em uma palavra, os (auto-intitulados) livres-pensadores têm uma absurda dificuldade em entender um símbolo (ou uma extraordinária má-vontade em aplicar este conceito a assuntos religiosos). É como se a única forma de uma imagem ser verdadeira seria se ela correspondesse perfeitamente à realidade empírica, e – pior! – contendo em si mesma todas as informações necessárias para explicitar sem margem de dúvida razoável a cadeia completa de causas materiais que a produziram. Pior ainda é quando atribuem uma falsa intenção a quem divulga a imagem e, não encontrando nela elementos suficientes para demonstrar aquela alegada intenção, classificam a imagem como falsa e quem a divulga como um enganador.

Por exemplo, a presente imagem da pomba acompanhando o esquife do cardeal. Foi dito – de maneira até inexplicavelmente agressiva – que é perfeitamente possível fazer uma pomba ficar num caixão sem que isto prove a existência de Deus. Oras, mas é claro que é possível, e de incontáveis maneiras: a pomba podia ser treinada, podia ser uma pomba de estimação do cardeal, podia haver algum vestígio de substância (p.ex., farelo de pão) sobre o caixão que a tivesse atraído, ou simplesmente a pomba pode ter ficado lá porque ela precisava ficar em algum lugar e calhou de ser em cima do caixão, etc. Na verdade, isto importa bem pouco, porque o ponto aqui é outro: é a força da imagem de uma pomba branca velando o corpo de um cardeal da Santa Igreja, e a mensagem aqui transmitida não perde o seu vigor dependendo da forma como a cena foi produzida.

Não existem somente as (na falta de expressão melhor) “verdades factuais”. Por exemplo – e este os ateus hão de entender -, quando alguém vê um conjunto de bolinhas e de linhas curvas em certa disposição, sabe que aquilo é um átomo. Pouco importa se o átomo “de verdade” não é exatamente assim (e as “bolinhas”, longe de serem indivisíveis, são formadas por diversas outras partículas sub-atômicas, e os elétrons não descrevem bem movimentos elípticos e são melhor representados por funções de probabilidade, etc.), aquilo é um átomo. Ainda por exemplo (os ateus façam uma forcinha para entenderem esta), aquele quadro que tem na igreja do Senhor do Bonfim em Salvador e que retrata a morte do ímpio não significa que os demoniozinhos são bípedes com caras de monstros e que ficam fisicamente puxando o moribundo para impedi-lo de [até mesmo involuntariamente] estender os braços em direção à cruz que lhe é oferecida. Um sujeito que dissesse que este quadro é “falso” ou “mentiroso” por conta disso não entendeu, absolutamente, qual é o propósito do quadro, e está preso em uma visão tosca de um emaranhado de elementos sensíveis com relação aos quais não tem, absolutamente, a menor visão de conjunto.

A majestosa ave ebúrnea posta como atalaia do corpo do eminentíssimo cardeal Eugenio Sales ao longo de todo o cortejo fúnebre não tem verdades metafísicas a comunicar com a autoridade de um emissário dos Céus. Aliás, até mesmo para os católicos, a sua presença não deve ser tomada como um sinal inequívoco de que o egrégio purpurado encontra-se já na Glória de Deus. Mas ela serve, sim, como um sinal de esperança na misericórdia divina; como uma homenagem – justíssima, por certo, independente de quem a tenha preparado – ao general que parte (sobre homenagens, aliás, vale ler o frei Rojão), convidando-nos a continuar aqui na terra o seu trabalho e a oferecer-lhe, como gratidão pelo bem realizado, o sufrágio de nossas orações. Que o Senhor lhe dê o descanso eterno, e a luz perpétua brilhe sobre ele. Descanse em paz, Dom Eugenio Sales.

A religiosidade e a hipocrisia

A moda agora parece ser publicar imagens de pessoas que passam sua vida destratando as demais e, depois, vão à igreja como se tudo estivesse muito bem. Em uma palavra, de pessoas hipócritas. Eu não sei se o objetivo é promover uma generalização estúpida e obviamente falsa ou se, ao contrário, o objetivo é pôr em dúvida a capacidade da religião de tornar as pessoas melhores. Somente hoje vi dois quadrinhos diferentes. O que segue abaixo foi tirado daqui (só depois notei a malícia gayzista do quarto quadrinho; vou ignorar por completo esta alusão descabida à homossexualidade e me focar no binômio “pecado” x “religião”).

Eu nem vou falar sobre o risco (ou – pior ainda – o intento) de generalização, uma vez que considero a falsidade desta associação entre fervor religioso e descaso com o próximo evidente para qualquer pessoa que tenha contato real com o mundo. Dita de maneira geral, seria tão-somente uma calúnia grosseira, desmentida à exaustão pela infinitude de pessoas que se esforçam sinceramente por espalhar no mundo o Doce Odor de Cristo, e que se deixaram de tal maneira moldar pela Caridade que a sua vida é, para todos os que com elas convivem, uma doce leitura das mais suaves páginas do Evangelho. Não vou me deter na generalização caluniosa. Ao contrário, acho que vale a pena falar sobre a religião e a sua capacidade de tornar melhores as pessoas.

Há uma história clássica de um navio governado por um capitão cruel que tratava muito mal os seus subordinados. Gritava com eles, humilhava-os, chicoteava-os, era grosseiro e exigente em demasia, sempre disposto a castigar com a máxima severidade as menores faltas dos seus homens. Não obstante, era católico praticante e todos os dias, no navio, mandava celebrar Missa. E todos os dias comungava devotamente. Certa feita, um dos seus subordinados comentou que era um absurdo um homem cruel assim comungar todos os dias, o que foi ouvido pelo capitão. E este comentou: “se eu sou cruel assim comungando todos os dias, imagine como eu não seria se não comungasse!”.

A anedota, claro, é exagerada, uma vez que tal excesso de maus tratos – e de cores tão tetricamente carregadas! – configuraria muito provavelmente um pecado mortal e, portanto, impediria a comunhão eucarística ao nosso mal-amado capitão. No entanto, serve para ilustrar os princípios gerais, que podem ser resumidos no seguinte: se alguém é uma má pessoa tendo uma vida religiosa, provavelmente seria muito pior se não a tivesse. À exceção de algum distúrbio patológico profundamente afim com a psicopatia, o fato é que um religioso hipócrita seria ainda pior se os seus vícios não tivessem nem ao menos que se preocupar em prestar essa “homenagem à virtude” que é a essência de toda hipocrisia. Naturalmente, do ponto de vista subjetivo, esconder a iniqüidade sob um verniz de virtude provavelmente fará com que quem assim procede tenha contas mais graves a acertar com o Justo Juiz n’Aquele Dia; do ponto de vista do mal causado, no entanto, e abstraindo-se do mau exemplo e do escândalo, é fato que a energia gasta em esconder o mal causado poderia perfeitamente ser empregada em causar ainda mais mal, se não houvesse nem ao menos a preocupação de escondê-lo. Para ilustrar, em se tratando da tirinha acima, o último quadrinho poderia perfeitamente conter outra má ação igual a todos os demais se não houvesse uma necessidade (“hipócrita”) de parecer uma boa pessoa.

Isto fica ainda mais claro quando se percebe que a maior parte das pessoas não é “exclusivamente hipócrita”; digo, não utiliza a hipocrisia como um ideal de vida a ser mantido. Para a maior parte das pessoas, a vida é feita de quedas e soerguimentos, de pecado e de conversão: a menina da tirinha (volto a ela!) pode perfeitamente – e, aliás, para ela ser verossímil, é exatamente assim que ela vai agir – lembrar-se, na igreja, de todas as suas más atitudes e começar a ter o desejo de abandoná-las ou, ao menos, praticá-las com menor freqüência. Assim, poderia reclamar menos com a empregada no dia seguinte, e na semana seguinte dar alguma esmola para o mendigo; no mês seguinte ela estaria falando menos mal das outras pessoas, até que um dia ela teria progredido tanto que seria necessário desenhar uma outra tirinha com outras falhas de caráter se ainda se quisesse ridicularizá-la. Mais importante até: se ela não fizesse tal progresso moral, seria por falta de religiosidade e não por excesso dela. A religião, como todo mundo sabe (ou ao menos tinha o dever moral de saber), conclama as pessoas a serem melhores. Não existe uma única prática religiosa que funcione – como a tirinha induz a pensar – na base da teoria machadiana do abre-e-fecha de janelas para arejar a consciência, do “tudo bem” fazer o mal aqui se a gente fizer o bem ali para “compensar”.

Muito pelo contrário, aliás. É completamente impossível – de novo, salvo casos patológicos raros – manter por muito tempo uma prática religiosa que contradiga o estilo de vida que se leva. Mais cedo ou mais tarde, ou se vai abandonar a prática religiosa ou se vai mudar de estilo de vida. Exemplos disso existem aos borbotões no dia-a-dia mesmo dos nossos círculos de amizades. No caso então da garota hipócrita da supracitada tirinha caluniosa, deixem-na ir à igreja ou, melhor ainda, incentivem-na a ir ainda mais à igreja! Mais cedo ou mais tarde alguma coisa vai acontecer e alguma das duas coisas contraditórias ela vai ter que abandonar. E é melhor contribuir para que ela largue a má vida do que para torná-la mais assídua às más ações censuráveis dos primeiros quadrinhos.

A Igreja, a ciência e o direito – resposta ao ateísmo fundamentalista

[Eu já tinha lido, mas saiu hoje em ZENIT este texto do Ives Gandra Martins sobre o fundamentalismo ateu. Vale um passar de olhos para quem ainda não leu. E, para quem já o conhece, vale reler ao menos a grande tirada do jurista brasileiro, quando sofria bullying institucionalizado no STF pelo fato de ser católico e defender a inconstitucionalidade de se destruírem embriões humanos em pesquisas científicas. Reproduzo abaixo; para o texto na íntegra, cliquem no link acima.]

Quando fui sustentar, pela CNBB, perante a Suprema Corte, a inconstitucionalidade da destruição de embriões para fins de pesquisa científica – pois são seres humanos, já que a vida começa na concepção -, antes da sustentação fui hostilizado, a pretexto de que a Igreja Católica seria contrária a Ciência e que iria falar de religião e não de Ciência e de Direito. Fui obrigado a começar a sustentação informando que a Academia de Ciências do Vaticano tinha, na ocasião, 29 Prêmios Nobel, enquanto o Brasil até hoje não tem nenhum, razão pela qual só falaria de Ciência e de Direito.

As quatro paredes do materialismo são as quatro paredes de uma prisão

[Tolkien e Lewis conversando sobre o mito. A passagem é clássica; recentemente, encontrei-a dramatizada neste vídeo do youtube. Vale acompanhar. Cliquem no botão de “Closed Caption” (CC, embaixo da barra de progresso, à direita) para ativar a legenda em português, caso ela já não apareça.]

TOLKIEN: – [A estória do Cristianismo] tem tudo o que o coração humano deseja, porque tem sido contada por Aquele que é a satisfação do próprio desejo. É uma estória que começa e termina com a alegria.

LEWIS: – Mas só porque uma estória traz alegria, isso não significa necessariamente que é verdadeira. Há muitos mitos alegres e eles não me parecem verdadeiros, me parecem falsos.

TOLKIEN: – E ainda ESSA estória tem a inconsistência da realidade. Não há nenhum outro conto jamais contado que os homens consideraram que era verdade, e nenhum que tantos céticos vieram a aceitar como verdade.

LEWIS: – Talvez seja apenas um artifício muito bem contado…

TOLKIEN: – Essa história tem o supremo convincente tom de arte primária, não ficção! Mas de Criação. E rejeitar isso leva a escuridão ou a ira. De fato, na minha própria vida ela me levou da escuridão para a luz.

LEWIS: – Surpreendente. Tollers, você me surpreendeu. Você absolutamente me surpreendeu.

Carta de São Carlos

[Publico como recebi por email; merece nosso total apoio a iniciativa do pessoa de São Carlos. Há muitas coisas na nossa sociedade atual que devem ser rejeitadas, tantas que às vezes nós até perdemos a visão do conjunto: mas, no fim das contas, trata-se do velho processo revolucionário em curso, da luta da barbárie contra a civilização e que é, no fim das contas, a revolta do homem contra Deus. Lutar contra muitas das coisas que nos são impostas atualmente é sem dúvidas dever de todos os homens de bem, independente do credo; no entanto, lutar especificamente contra a imposição do credo ateísta é um dever principalmente dos que guardam a Fé dos Apóstolos, ao qual nós não podemos nos furtar. ]

Carta de São Carlos

Nós, líderes de movimentos universitários e de profissionais liberais católicos, reunidos na sede da Comunidade Católica Totus Mariae, na cidade de São Carlos, em São Paulo, Brasil, no dia 10 de dezembro de 2011, no evento “O cristão na vida pública” emitimos a seguinte carta pública:

Diante de uma série de problemas que angustiam o homem e a sociedade contemporânea, dos quais é possível citar: o relativismo moral, a corrupção, a negação da verdade, o secularismo absolutista, que tentam negar o direito ao culto religioso e a participação dos fiéis na vida pública, e a alienação reinante nos meios de comunicação, declaramos:

1.                      A universidade, demais centros de formação superior, assim como o universo do trabalho, devem estar abertos para todas as ideias e discussões, inclusive as discussões fundamentadas em ideologias ateístas e seculares. No entanto, repudia-se o processo de exclusão que a religião, especialmente o Evangelho de Cristo, sofre dentro desses ambientes. Trata-se de ambientes plurais que, em tese, devem estar abertos a todas as ideias, inclusive ao Evangelho.

2.                      Rejeita-se o marxismo cultural que tenta, por meio da infiltração dentro das universidades, da mídia e de outros espaços públicos, construir uma sociedade sem Deus, sem fé e sem a presença da Igreja. A sociedade que essa versão do marxismo quer construir é uma sociedade autoritária e fechada, onde não há espaço para a livre reflexão e muito menos para a expressão dos valores e sentimentos religiosos. Vale ressaltar que esses valores fundamentam as bases de qualquer modelo civilizatório.

3.                      Rejeitamos a cultura de morte. Uma cultura que se apresenta de diversas formas, como, por exemplo, o aborto, a união homossexual, a eutanásia, o suicídio assistido, a contracepção artificial, a destruição e o comércio de embriões humanos, a escravidão, a legalização das drogas, etc. Infelizmente trata-se de uma cultura que, juntamente com o marxismo cultural, é muito difundida nos ambientes universitários e dos profissionais liberais. Uma sociedade justa, ética e alicerçada pelo Evangelho não pode ser orientada pela cultura de morte. Pelo contrario, tem que ser orientada pela cultura da vida e “vida em abundância” (Jo 10, 10), que promove o aperfeiçoamento de todas as dimensões da vida e da dignidade da pessoa humana.

4.                      Rejeitamos o secularismo absolutista e autoritário que, ao se apropriar de palavras, como, por exemplo, “razão”, “liberdade” e “revolução”, que, muitas vezes, são utilizadas fora de seu real sentido, desejam banir e até mesmo proibir qualquer ato de manifestação de fé em espaço público. A fé é um direito fundamental do ser humano. Por isso, nenhuma ideologia, grupo empresarial, partido político ou organização social de qualquer natureza tem o direito de limitar sua livre expressão.

5.                      Por fim, conclamamos a todos os universitários, profissionais liberais e homens e mulheres de boa fé a lutarem para que sejam garantidos os direitos religiosos, para que, em nome de um secularismo autoritário, a livre expressão da fé não seja, por diversos meios, proibida. Para que isso aconteça é preciso que os cristãos se façam presentes, cada vez mais, na vida pública. Essa presença deve ser materializada, por exemplo, na vida política partidária, dentro das mídias (rádio, jornal, blog, site, etc), na vida cultural (cinema, teatro, etc), dentro das universidades e demais centros de formação superior, e de qualquer outro espaço público que seja permitido, dentro dos limites da Lei, a livre expressão do pensamento.

São Carlos, SP, Brasil, 10 de dezembro de 2011.

Assinam essa carta:

Marcos Gregório Borges – Coordenador da Missão Universitária de Guarulhos
Prof. Dr. Marcelo Melo Barroso – Comunidade Católica Totus Mariae
Profa. Ms. Julianita Maria Scaranello Simões – Comunidade Católica Totus Mariae
Ms. Idalíria de Moraes Dias – Co-fundadora da Comunidade Católica Totus Mariae
Wilson José Dino dos Anjos – Fundador da Comunidade Católica Totus Mariae
Profa. Ms. Vanessa Burque Ricci – Comunidade Católica Totus Mariae
Michelle Stephânia Pacheco Moraes – Comunidade Católica Totus Mariae
Daniela Inocêncio de Oliveira – Militante do Ministério Universidades Renovadas
Yanina Mara Rocha Nascimento – Militante do Ministério Universidades Renovadas
Prof. Ms. Marcos Vinicius de Freitas Reis – Renovação Carismática Católica
Marcelo Pastre – Apostolado Teologia do Corpo
Viviane G. C. Pastre – Apostolado Teologia do Corpo
Luis Enrique Paulino Carmelo – Coordenador do grupo de Jovens Hesed (ministério Jovem RCC) e do Grupo Universitário Obra Nova
Thais Zaninetti Macedo – Coordenadora do Grupo de Jovens Hesed (ministério Jovem RCC)
Luis Gustavo Paulino Carmelo – Coordenador do Grupo de Jovens Hesed (ministério Jovem RCC)
Joice Basílio Machado – mestranda em Ciência da Computação pela USP
Ms. Maria Alice Soares de Castro – Comunidade Católica Totus Mariae

Deus – uma hipótese desnecessária? – John C. Lennox

Deus – Uma Hipótese Desnecessária?

A ciência tem alcançado êxito impressionante na investigação do Universo físico e na elucidação de como ele funciona. A pesquisa científica também levou à erradicação de muitas doenças horríveis e nos deu esperanças de eliminar muitas outras. E a investigação científica alcançou outro efeito numa direção completamente diferente: ela serviu para libertar muita gente de medos supersticiosos. Por exemplo, ninguém precisa mais pensar que um eclipse da Lua é causado por algum demônio assustador, que necessita ser apaziguado. Por tudo isso e por inúmeras outras coisas devemos ser muito gratos.

Porém, em algumas áreas, o próprio sucesso da ciência tem também conduzido à ideia de que, por conseguirmos entender os mecanismos do Universo sem apelar para Deus, podemos concluir com segurança que nunca houve nenhum Deus que projetou e criou este Universo. Todavia, esse raciocínio segue uma falácia lógica comum, que podemos ilustrar como segue.

Tomemos um carro motorizado Ford. É concebível que alguém de uma parte remota do mundo que o visse pela primeira vez e nada soubesse sobre a engenharia moderna pudesse imaginar que existe um deus (o sr. Ford) dentro da máquina, fazendo-a funcionar. Essa pessoa também poderia imaginar que quando o motor funcionava suavemente o sr. Ford gostava dela, e quando ele se recusava a funcionar era porque o sr. Ford não gostava dela. É óbvio que, se em seguida a pessoa passasse a estudar engenharia e desmontasse o motor, ela descobriria que não existe nenhum sr. Ford dentro dele. Tampouco se exigiria muita inteligência da parte dela para ver que não é necessário introduzir o sr. Ford na explicação de funcionamento do motor. Sua compreensão dos princípios impessoais da combustão interna seria mais que suficiente para explicar como o motor funciona. Até aqui, tudo bem. Mas se a pessoa então decidisse que seu entendimento dos princípios do funcionamento do motor tornavam impossível sua crença na existência de um sr. Ford, que foi quem de fato projetou a máquina, isso seria evidentemente falso – na terminologia filosófica ela estaria cometendo um erro de categoria. Se nunca houvesse existido um sr. Ford para projetar os mecanismos, nenhum mecanismo existiria para que a pessoa entendesse.

John C. Lennox,
Por que a ciência não consegue enterrar Deus?
in Folha de São Paulo

Sobre as “provas” (!) da inexistência de Deus

A existência de Deus, como ensina a Doutrina Católica, é alcançável pela razão humana: «Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas» (Concílio Vaticano I, Seção III, Cap. II). Assim, os que dizem que Deus não existe são, nas Escrituras Sagradas, chamados de estultos, i.e., insensatos, tolos, ignorantes. A expressão na Vulgata Latina é ainda mais clara: dixit insipiens in corde suo non est Deus (Ps. XIII, 1). “Insipiente” (descobri-o agora) é inclusive dicionarizado em português (ao menos em Portugal): aquele “que nada sabe”, em oposição a “sapiente”.

Neste sentido, gostaria de tecer alguns comentários sobre este texto que se propõe a provar a inexistência de Deus (!). Ele foi apresentado aqui. As tais absurdas “provas” podem ser sistematizadas no seguinte:

1. «Há uma óbvia contradição entre ser “onisciente, onipotente, onipresente” e “imaterial, atemporal” simultaneamente».

Só na cabeça do estulto arrogante. A justificativa apresentada, de um materialismo tão absurdamente grosseiro, chega a ser pueril: «Conquanto informação no universo é, necessariamente, energia, particularmente energia eletromagnética, qualquer entidade que se supõe onisciente deve, imperiosamente, ser capaz de ler as informações que são transmitidas por estas ondas energéticas. Tem de haver pelo menos um receptor sensível, vale dizer material, para todas as informações, capaz de detectá-las e permitir o efeito da onisciência. (…) Seriam necessários infinitos receptores para que o atributo da onisciência fosse verdadeiro, o que implica que em todos os lugares do universo haveria receptores presentes – a onipresença material».

O que dizer? Nego, óbvia e simplesmente, a necessidade (imperativa, segundo o filósofo!) de um “receptor sensível” (!) para “ler” a “informação” do Universo. O insipiente autor destas alegadas provas está, na verdade, aplicando um reducionismo grosseiro ao problema – no caso, reduzindo a existência à matéria e pressupondo a necessidade de um sensor material para se conhecer a matéria. Isto não é, absolutamente, uma prova, e sim uma petição de princípio: que não exista uma Inteligência imaterial está já contido na premissa adoptada pelo estulto de que é necessário haver receptores sensíveis para que haja possibilidade de conhecimento do Universo. Naturalmente, os crentes negam esta premissa estapafúrdia.

É talvez com relação à Onipresença que o argumento pode impressionar um pouco, mas ele padece do mesmo vício acima apontado. Diz o ignorante: «Nenhuma presença que não pode ser traduzida, experimentada, efetivada em algum tipo de matéria, que não assuma uma corporalidade material, que não ocupe algum lugar no espaço – ainda mais supostamente presente em todo o espaço – pode ser detectada e interagir neste universo».

Percebam o salto lógico: de “não pode ser detectada” (coisa com a qual naturalmente concordamos, se “detectada” estiver no sentido de “detectada por meio de instrumentos de medição”), o ateu passa imediatamente para “não existe”! Isto, sim, é um primor de lógica. De novo a petição de princípio: prove primeiro o estulto ateu que não existe o que não pode ser detectado, para só depois vir falar em “provas” sobre o que quer que seja.

Na verdade, Deus é Onipresente não de presença material (óbvio, posto que senão cairíamos no panteísmo), mas de presença enquanto causa do ser das coisas que existem, “como o agente está presente no que faz” (Summa Ia, q. 8 – o ignorante ateu faria bem em ler ao menos esta questão da Summa antes de vir falar em onipresença “física”!). Deus não apenas cria o Universo como também o mantém na existência – e é neste sentido que Deus é Onipresente. Aliás, com um materialismo destes, espanta (positivamente!) que o autor do texto em análise não tenha “refutado” a Onipotência Divina com o exemplo do terrível embate entre as meias Vivarina e as facas Ginsu

2. «Porque (sic) um deus “onisciente, onipotente, onipresente, transcendental, imaterial, atemporal, pessoal e necessário” não é, afinal, auto-evidente?»

O que o ateu entende por “auto-evidente”? Parece ser “aquilo sobre o qual ninguém discorda”, o que é uma definição evidentemente errônea, visto que (principalmente nos dias de hoje!) não existe rigorosamente nada com o qual todo o mundo concorde.

Ademais, o Doutor Angélico também explica por que é que a existência de Deus não é evidente por si mesma (Summa Ia, q.2). E a resposta é, simplesmente, porque nós não conhecemos Deus – “não sabemos em quê consiste Deus [e portanto] para nós [a Sua existência] não é evidente”. É por isso que nós precisamos ensiná-la e demonstrá-la; uma vez que entendamos que Deus é o Ser Necessário e que o Ser Necessário existe necessariamente, a existência de Deus passará a ser evidente também para nós.

Note-se ainda que a queixa do estulto ateu é totalmente descabida. Não existe nada que «[t]odas as crianças do mundo, no nascimento ou quando se auto-descobrissem, sem qualquer outra influência» descubram por si sós. Até mesmo os princípios básicos como “o todo é maior do que as partes” precisam ser ensinados antes que sejam reconhecidos como evidentes, uma vez que as pessoas não nascem sabendo o que seja “todo” e o que seja “parte”. Por qual motivo, então, Deus não deveria ser ensinado?

3. «Ninguém seria insano de negar a existência do que necessita para viver».

Mas é óbvio que seria, uma vez que o número dos estultos é infinito – stultorum infinitus est numerus (Ecclesiastes I, 15): aí estão os ateus para o demonstrar! Por que não? Do fato de Deus – como explicado acima – ser a causa da existência dos seres não segue que todos os seres reconheçam imediatamente esta necessidade causal. Do fato de haver «muitos humanos que simplesmente continuam a viver sem saber sequer da existência deste debate, quanto mais deste deus» não segue que estes seres humanos vivam sem que Deus os mantenha na existência. Desde quando “saber” a respeito de alguma coisa é necessário para que esta coisa exista?

Para usar uma analogia bem rudimentar e materialista (como parece ser necessário para alguns adeptos radicais do materialismo cego), durante muito tempo as pessoas não souberam da existência das bactérias que vivem no intestino humano e regulam o equilíbrio do organismo. E a flora intestinal continuou existindo, a despeito de haver muitos humanos que simplesmente continuavam a viver sem saber sequer da existência de uma coisa chamada “bactéria”. No quê isto é minimamente um argumento contra a existência da flora intestinal? No quê a ignorância dos ateus é um argumento contra a existência de Deus?

É esta, enfim, a miséria intelectual de quem pretende “provar” que Deus não existe. As palavras das Escrituras Sagradas chegam a ser brandas: chamar “insipiente” uma pessoa dessas é até um tratamento honroso que lhe é dispensado. Mas a arrogância dos ignorantes parece não ter limites. Na contramão de qualquer metafísica minimamente séria, o que dizer de um sujeito que tem a coragem de afirmar que «o universo é a prova da não-existência de deus»? O autor de tal texto deveria envergonhar-se dele, se lhe resta ao menos um mínimo de amor-próprio para compensar a falta de entendimento das coisas mais básicas – sobre as quais, não obstante, ele insiste em discorrer. Mas a caravana passa enquanto os cães ladram. E, enquanto isso – diz outro salmo -, “Aquele, porém, que mora nos céus, se ri, o Senhor os reduz ao ridículo” (Sl 2, 4).

“Tudo é absurdo” – Frei Leão José Moreau

Muitas formas, bem diversas, de ceticismo e de pessimismo, se encontram registradas na história do pensamento humano, desde os sofistas e os pirrônicos antigos até os modernos agnósticos, desde Çakya-Muni até Schopenhauer. Foi posta em dúvida a possibilidade do conhecimento objetivo. Com Heráclito talvez, e com Hegel, contestou-se mesmo o valor do princípio fundamental de todo pensamento, sem o qual êste se nega a si mesmo: o princípio de não-contradição. A vida foi declarada radicalmente má e preferido o nada ao ser. A história dos sistemas filosóficos oferece-nos tôdas as espécies de expressões – ao menos verbais – da dúvida e da recusa. Entretanto ter qualquer escola do passado jamais proclamado a absurdidade do ser tão explícita e tão abruptamente como nossos existencialistas ateus?

“No existencialista não cristão, a contingência da existência não mais toma o caráter de mistério provocante e sim de irracionabilidade pura e de brutal absurdidade. O homem é um fato nu, cego. Está ali, dêsse modo, sem razão. É isto que Heidegger e Sartre chamarão sua “factividade”. Cada um de nós por seu turno, se encontra ali (Befindlichkeit), ali, agora, porque aqui mais aqui, não se sabe, é idiota. Quando desperta para a consciência e para a vida, está já ali, não o pediu. É como se se o lançasse ali – quem? ninguém; para quê? para nada. Tal é o sentimento de uma situação originária, sentimento supremo para lá do qual nada existe. Acordo em plena viagem numa história de louco… O desvio é absoluto e sem esperança. Êste sentimento é de tal modo ofuscante que Sartre o traduz por uma nuance nova, cuja incidência ontológica é capital: o ente é por demais (de trop). Sua estupidez injustificável estorva como a asneira… Estou como atirado e abandonado por êste nada sem olhar e sem resposta num ponto perdido do universo… Cada segundo renova êste abandono entregando-me indefeso ao mundo estranho: introduz até em mim a estraneidade que me envolve e que me priva inclusive desta cálida intimidade comigo mesmo em que o desespêro encontraria uma promessa familiar” (E. Mounier, Introduction aux existencialismes, ed. Denoel, Paris, 1947, p. 35-36).

Êstes temas do ser que “é uma demasia (de trop) para a eternidade” do homem, “paixão inútil”, do nada, do absurdo, da estraneidade, etc., inspiram tôda uma literatura contemporânea, as obras dum J. P. Sartre, dum Camus e duma Simone De Beauvoir… O século XX, que viu o ateísmo chegar à consagração oficial de doutrina do Estado, viu-o também, no plano intelectual, chegar à inevitável conclusão lógica: tudo é absurdo.

Mas, será que se trata efetivamente duma “conclusão intelectual”?

Trata-se, é certíssimo, de uma atitude literária. Trata-se também – ao menos em certa medida – duma moda. Mas se queremos nos colocar do ponto de vista estritamente filosófico, é de todo impossível considerar êste “absurdismo” como uma conclusão intelectual. Isto por motivo bastante evidente: uma conclusão intelectual deve poder ser pensada. Ora, o absurdismo é – por definição – impensável… O absurdismo consiste em negar o pensamento, em sustentar que o ser é radicalmente incoerente.

Sustentar conscientemente uma proposição absurda, ou afirmar – o que dá no mesmo – a verdade objetiva do absurdo, é contradizer-se a si mesmo, é pôr uma afirmativa e declarar, ao mesmo tempo, que ela é destituída de fundamento: jôgo realmente impossível, que ninguém pretende realizar nas matemáticas, por exemplo, em que a precisão desnudada da expressão não permite artifício algum na linguagem. O que não é possível em matemática é verbalmente possível em filosofia, porque, dada a densidade e a riqueza do objeto desta, ela não pode exprimir-se de maneira tão rigorosamente adequada como aquela. Explica-se assim o dito de Cícero, que não há tolice que não tenha sido afirmada por algum filósofo.

Frei Leão José Moreau, O.P.,
“Ateísmo e Absurdismo”,
in “A ORDEM”, Vol. LIII, FEV/1955

Os caminhos sem Deus d’O Domingo da Paulus

Eu me recordo da primeira vez que ouvi a palavra “retórica”. Eu tinha por volta de quinze anos e estava lendo Dom Casmurro. Em um certo momento do livro, Bentinho vai descrever os “olhos de ressaca” de Capitu (aliás, a expressão evocava-me então olhos inchados e olheiras profundas de quem passou a noite tomando um porre) e faz então a célebre súplica: «Retórica dos namorados! Dai-me uma compreensão exata do que foram para mim aqueles olhos de Capitu!». A despeito das aspas, cito de memória: não fui procurar no livro a citação literal. Mas o vocativo inicial é exatamente este, tenho certeza. E eu não fazia a menor idéia do que era retórica…

Fiz a digressão porque me lembrei hoje da passagem machadiana, na qual fica evidente a reconhecida incapacidade do protagonista de descrever a contento os olhos da mulher amada – razão pela qual ele pede auxílio à “Retórica dos Namorados”, assim mesmo, personificada. E me lembrei da passagem porque li a mais recente coluna d’O Domingo [esta, que vai ao lado] e me senti um pouco como Bentinho: ele, incapaz de descrever os olhos de Capitu e, eu, incapaz de expressar o propósito do artigo do pe. Libanio no semanário católico. E senti um ímpeto de gritar: “Retórica dos excomungados! Dai-me uma compreensão do que foram aquelas palavras do pe. Libanio!”. Porque, se é talvez necessário enamorar-se para entender o fascínio que provocam os olhos de ressaca de Capitu, talvez seja também necessário colocar-se sob a ótica de quem não tem Fé para que façam algum sentido as palavras do jesuíta na coluna de ontem d’O Domingo.

Porque, sinceramente, o texto me parece mal escrito, sem coesão, sem encadeamento de idéias, sem deixar claro a quê ele se propõe. Começa o jesuíta invocando uma outra “via sem Deus” [?], que “não apela à ciência, mas à mera sabedoria e experiência humanas, feitas à margem de toda tradição religiosa e de fé”. O conceito vem assim mesmo, jogado, sem dizer se isso é uma constatação, um programa a ser buscado, a expressão da própria opinião ou o que seja. Além disso, o conceito é totalmente nonsense simplesmente porque a “sabedoria e experiência humanas” estão necessariamente imbuídas de “tradição religiosa e de fé”, na absoluta totalidade dos povos e das culturas existentes. Simplesmente não existe sabedoria ou experiência humanas que tenham sido construídas “à margem” (!) de “toda” (!!) “tradição religiosa ou de fé”. Por completa impossibilidade de existência do objeto descrito no início do texto, o parágrafo não tem o menor sentido prático.

Também é impossível saber onde se encaixam, nisto, as referências ao Carpe Diem. Não fica claro por qual misterioso motivo a tal “via sem Deus” deveria se preocupar somente com o presente. Aliás, colocando as coisas sob a correta perspectiva católica, o verdadeiro carpe diem encontra-se exatamente no chamado à conversão do Evangelho: é hoje o dia que tu tens para te converteres, é hoje o tempo favorável, e portanto tu deves hoje buscar o Senhor, enquanto Ele está perto. O verdadeiro Carpe Diem se encontra na clássima imagem do santo esmagando um corvo – cras, cras – enquanto ostenta uma cruz na qual está escrito hodie. Acusar o Cristianismo de ser uma religião “do passado” é não fazer a menor idéia do que seja o Cristianismo, é não ter nunca lido uma página sequer do Evangelho, é nunca ter passado cinco minutos observando uma imagem de Santo Expedito.

Seguem-se as loas a um presente vislumbrado de uma maneira hedonista: “então nos resta somente o presente conhecido, no qual escolhemos o que nos traz felicidade”. E, embora esta visão de mundo seja contraposta a um vislumbre de absoluto – “Existem valores que não inventamos. Estão aí diante de nós: amor, beleza, justiça, convivência” -, em momento algum ela é rechaçada com a veemência que deve. Muito pelo contrário. O que o pe. Libânio parece querer fazer é sacramentar esta opção pela vida apenas no tempo presente, é legitimar o “caminho da sabedoria humana sem Deus” (título do artigo). Retórica dos desesperados, dai-me compreender os insondáveis propósitos do velho jesuíta! A conclusão do artigo parece absurda para estar presente em um semanário católico, mas está lá com todas as letras. Transcrevo:

Não se trata de nenhum “presentismo” desregrado, nem de balbúrdia existencial, mas de honestidade humana que nos traz a felicidade. Não faz falta nenhuma transcendência além da história. A civilização ocidental, ao longo do século, está a preparar tal caminho. Cabe-nos trilhá-lo.

E c’est fini. No final, não dá para saber se tal “caminho” foi inventado pelo pe. Libânio ou se ele o está tomando emprestado de outros, e – neste último caso – em momento algum aparece o menor juízo de valor do jesuíta sobre uma filosofia de vida tão estranha à Doutrina Católica. Por completa ausência de aspas indicando citações ou de qualquer exposição textual de refutações às idéias apresentadas ao longo do texto, não resta ao leitor da coluna senão considerar que, para o pe. Libanio, a transcendencia não faz mesmo falta nenhuma, que esta é a marcha inexorável da civilização diante da qual a única atitude que podemos ter é… a de acompanhá-la. Retórica dos “civilizados”, dai-me captar a lógica de certos colunistas “católicos”! Porque certos artigos estão para muito além de minha vã compreensão.

Como pode um jesuíta – logo um jesuíta! – conclamar os católicos a trilharem os caminhos ateus de uma civilização esquecida do Altíssimo? Como pode um filho de Santo Inácio capitular diante dos tolos do mundo moderno que dizem que Deus não existe e – pior ainda! – pretender que esta sua atitude covarde seja a única coisa que resta a ser feita? Como podem idéias desta jaez serem veiculadas impunemente em um folheto de ampla circulação de uma conhecida editora católica?

Parece que a Editora Paulus não está satisfeita. Mas ela não está satisfeita – pasmem! – é com os protestos descontentes dos católicos que, perplexos, ousaram cobrar explicações sobre este artigo ateu d’O Domingo. No Twitter, um amigo meu (o @tht) foi bloqueado pela @EditoraPaulus por conta das denúncias inconvenientes que teve a pachorra de fazer:

A Editora Paulus, responsável pel’O Domingo, carrega o nome do grande Apóstolo São Paulo. Exatamente o Apóstolo dos Gentios, o guerreiro da Fé responsável por levar a mensagem do Evangelho aos povos pagãos! Nos dias de hoje, São Paulo parece estar muito mal representado. O Apóstolo arrastou os povos pagãos para os pés de Nosso Senhor. É revoltante ver que, no século XXI, a Editora Paulus parece querer convencer os católicos a trilharem os caminhos da “civilização” para a qual não faz falta nenhuma Transcendência.

A Beleza verdadeira exige a Verdade e a Ela conduz

Eu gostei deste texto do Marcelo Coelho, ateu confesso, a respeito de uma missa à qual ele foi a pedido de um amigo católico. E que nos valeu – a nós, católicos todos – a indulgência do embevecido ateu: «Depois de uma missa tão bonita e inteligente, vocês estão desculpados».

Eu já repeti aqui outras vezes que salvar a Liturgia é salvar o mundo, e creio que remete a Dostoievski a formulação clássica: «a Beleza salvará o mundo». Porque o Belo, como eu já disse algures, é um transcendental que tem uma impressionante capacidade de “tocar” as almas que se permitem contemplá-Lo. O Belo atrai; e, algumas vezes, atrai até mesmo de uma maneira mais eficaz do que a Verdade e o Bem.

Algum amigo questionava, diante deste artigo do Marcelo Coelho, qual culto protestante seria capaz de provocar uma impressão assim em homens incrédulos. Isto é uma verdade facilmente perceptível: ao se afastarem do Verum, os protestantes acabaram por afastar-se também do Pulchrum. Porque a Beleza verdadeira exige a Verdade. Os erros são feios em si, e facilmente degeneram em manifestações externas também feias, privadas da Beleza capaz de encantar as almas: daquele tipo particularmente Belo de beleza, capaz de tocar até mesmo as almas incrédulas.

Não é outro o motivo, afinal, pelo qual é feia a arte moderna. Minando a sensibilidade estética dos homens, a Revolução consegue mais facilmente minar-lhe o intelecto e o senso moral. Porque, afinal de contas, chamar o feio de belo é uma outra modalidade de pecado que certamente também recai sob aquela condenação vetero-testamentária: «Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce!» (Is 5, 20). Também é pecado conceder às coisas feias a consideração devida somente às belas. Negar-se a entregar a Deus o que existe de belo no mundo é também uma outra forma de se repetir o diabólico brado de non serviam! de Satanás.

E um pecado particularmente malicioso é buscar corromper o senso estético dos homens, para assim mais facilmente levá-los ao erro e ao mal. Contra este, porém, resta a esperança de que existe algo no interior do homem que resiste à enxurrada de feiúra que se lança sobre ele. Existe algo que sobrevive à doutrinação moderna, e que é capaz de reconhecer a Beleza onde ela se encontra. Existe um ateu capaz de vislumbrar o Pulchrum em uma Santa Missa bem celebrada! Só isto deveria ser o suficiente para redobrarmos – aliás, para centuplicarmos – o cuidado com as nossas celebrações. Porque, por vezes, nós não conseguimos conceber a dimensão da importância da beleza da Liturgia. Mas, ainda que nós não percebamos, por vezes o Belo é justamente a porta de entrada para a Religião Verdadeira.