Calendário Quaresmal 2017

O pessoal daqui da Seção Recife do Regnum Christi preparou e disponibilizou um pequeno calendário com sugestões de práticas tradicionaisjejum, oração e esmola — para bem viver a Quaresma. Saiu inclusive na Aleteia Brasil. Disponibilizo abaixo: cliquem para aumentar.

À semelhança do que já fiz em outros anos, vale mais uma vez lembrar que se trata de sugestões — cada um pode e, na medida de suas particularidades, até deve preencher estes seus dias quaresmais com aquelas práticas que melhor lhe aprazam e de modo mais salutar o ajudem. Não se trata aqui de regra canônica estrita, mas de exercício de espiritualidade: como disse o (a dar crédito ao Facebook…) Venerável Fulton Sheen, os propósitos de nos abstermos de alguns prazeres na Quaresma nos ajudam a perceber que o propósito da vida não é o prazer. É este o sentido deste tempo litúrgico.

Aproveitando o ensejo para algumas generalidades:

– A Quaresma compreende exatamente quarenta dias entre a Quarta-Feira de Cinzas e o Sábado Santo inclusive, excetuando-se os domingos. São os cinco domingos da Quaresma mais o domingo de Ramos — seis semanas. Seis vezes sete dias, 42, menos seis domingos, 36 — restam portanto quatro dias, que são justamente a quarta-feira de Cinzas, a quinta, a sexta e o sábado após as Cinzas. Com estes, totalizam-se 40 dias antes da Páscoa. Esta é a informação que consta, por exemplo, nos antigos Missais dos fiéis (Rito Romano Tradicional).

– A informação mais recente — p. ex., Paulo VI, ou a Paschalis Solemnitatis de 1988 –, ao contrário, sustenta que o tempo da Quaresma termina na Quinta-Feira Santa, com a Missa in coena Domini iniciando o Tríduo Santo. Julgo que a aparente discrepância não passa de tecnicismo: os últimos três dias da Quaresma (= dos quarenta dias de preparação para a Páscoa) coincidem com os do Tríduo Santo, que por suas particularidades litúrgicas perfazem um Tempo próprio “entre” a Quaresma e Páscoa. Em resumo, a Quaresma enquanto preparação para a Páscoa se estende até o Sábado Santo, mas a Quaresma enquanto conjunto de rubricas vai até a Missa da Quinta-Feira Santa exclusive — porque a partir daí o Tríduo tem rubricas próprias.

– As alegadas mensagens do Papa Francisco “proibindo a Quarentena” (sic) não têm pé nem cabeça e são evidentemente falsas. Lógico que, por exemplo, «estar atento a quem precisa de você» é um dever cristão básico de que ninguém pode descuidar, mas justamente por isso não tem sentido colocá-lo como um substituto para as práticas quaresmais. Nestes dias de preparação para a Páscoa nós somos chamados a fazer mais do que aquilo a que sempre estamos estritamente obrigados; é isso que caracteriza o tempo como favorável à santificação. A vida cristã como um todo é uma vida de penitência, mas a penitência quaresmal é uma penitência qualificada. Fazer tábula rasa dos tempos litúrgicos (e dizer que não adianta largar o chocolate quem ainda não largou o hábito de falar mal do próximo) é não entender nem a antropologia cristã e nem a liturgia católica.

– Ao contrário, a mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2017 diz textualmente logo no início: «[a] Quaresma é o momento favorável para intensificarmos a vida espiritual através dos meios santos que a Igreja nos propõe: o jejum, a oração e a esmola». Mais tradicional impossível.

– A Campanha da Fraternidade de 2017 — Biomas brasileiros e defesa da vida (!) — é tão ruim quanto tem sido nos últimos anos. Antigamente eu fazia aqui no Deus lo Vult! uma análise dos textos-bases (acho que o último foi em 2011), mas depois perdi a disposição: não muda nunca, é o mesmo lenga-lenga materialista e horizontal sempre. Claro que tudo isso é completamente diferente da Quaresma Católica, na qual nos aproximamos de Deus através das práticas da oração, do jejum e da esmola. Claro que é dever de todo cristão ignorar o quanto for possível os obstáculos diabólicos que a nossa Conferência dos Bispos desgraçadamente põe no caminho de preparação para a Páscoa. Não é pecado nem desobediência, senão bom senso. Sim, o Papa Francisco manda participar das campanhas de Quaresma (Bento XVI também mandava), mas acontece que o que a CNBB produz aqui, embora aconteça na Quaresma, não pode, sem grave abuso terminológico, ser chamado de campanha de Quaresma.

– É agora o tempo de conversão, é hoje o tempo favorável. Não desperdicemos a Quaresma que Nosso Senhor nos concede viver; esforcemo-nos, nela, por nossa cada vez maior santificação. Iniciamos ontem o nosso caminho de penitência com as cinzas impostas sobre nossas cabeças; que o sacramental nos ajude a perceber que não somos senão pó, e que ainda temos um longo caminho a percorrer para sermos menos indignos do que Cristo vai fazer por nós na Sexta-Feira Santa que se avizinha.

A Jerusalém Celeste para além do Vale de Lágrimas

Decididamente não nos assenta bem a boa saúde, o estado provisório qui n’annonce rien de bon, a caricatura da paz e de bem-estar que durante tantos milênios de planeta ainda não aprendemos a usar. [Gustavo Corção, “Na Casa de Saúde”]

Leiam na íntegra esta bonita crônica do Corção, que me foi mostrada por um amigo e da qual foi retirada a frase em epígrafe. É um excelente material de meditação para a Campanha da Fraternidade deste ano; ou melhor, para nos indicar os caminhos errados pelos quais nos pode conduzir a Campanha da Fraternidade durante este precioso tempo quaresmal que estamos vivendo.

Eu já devo ter repetido diversas vezes o quanto eu gosto da oração da Salve Rainha e, mais especificamente, o quanto me apraz a parte em que suspiramos à Santíssima Virgem entre gemidos e choros “in hac lacrimarum valle”, neste Vale de Lágrimas. Porque uma parte importante do Cristianismo é a consciência do Pecado Original, esta percepção de que existe algo de intrinsecamente errado no mundo que nos rodeia: só assim nós podemos aspirar às coisas mais elevadas. O Paraíso foi perdido e, junto com esta perda, foi-nos estabelecida a radical impossibilidade de construirmos por nós próprios um novo Paraíso Terrestre. A esperança cristã é a de Novos Céus e Novas Terras. É nisto que devemos ter os olhos fitos: na Jerusalém Celeste que (só!) se encontra para além do Vale de Lágrimas!

A terra “maldita” por causa do pecado é um excelente elemento da pedagogia divina. Afinal de contas, se vivêssemos em um mundo perfeito ser-nos-ia muito fácil deixar esmorecer o nosso desejo por um outro mundo melhor. Após o Pecado, foi a Misericórdia de Deus que fez a terra produzir espinhos e abrolhos. Se fosse dado livre curso a Satanás, ele com certeza faria, após a Queda, um mundo que fosse composto exclusivamente por palácios de ouro e do qual não desejássemos jamais sair. Querer um mundo perfeito é uma utopia, é uma quimera que nos desvia daquilo que é realmente importante. O afã de construir um mundo perfeito é pernicioso porque nos distrai da nossa peregrinação rumo à Pátria Celeste – em última instância, a única que interessa.

E esta parece ser precisamente a tônica das Campanhas da Fraternidade. Temos o “que a saúde se difunda sobre a terra” do ano corrente e, olhando o histórico disponível na página da Conferência dos Bispos, temos muitas outras cantigas se utilizando desta mesma nota. Temos um “Levanta-te, vem para o meio!” em 2006, um incrível “Por uma terra sem males” em 2002, um “Novo Milênio sem Exclusões” em 2000. A idéia subjacente (às vez mais explícita, às vezes menos) é sempre a mesma: deseja-se um mundo perfeito. Um mundo onde o homem e a natureza vivam na mais perfeita harmonia romântica (“Fraternidade e Vida no Planeta”, 2011), ou onde não exista mais avareza entre as pessoas e todas socorram generosamente às necessidades de seus semelhantes (“Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”, 2010), ou onde não haja mais violência entre os seres humanos (“Fraternidade e Segurança Pública”, 2009), etc. É sempre a mesma coisa: sempre uma cenoura na frente do burro, sempre uma utopia inalcançável e inútil apresentada como importante meta a ser buscada, sempre uma distração daquilo que é verdadeiramente importante no tempo da Quaresma.

Porque nós, cristãos, somos chamados a coisas muito mais sublimes e infinitamente mais elevadas do que um novo milênio sem exclusões ou uma terra sem males: ainda que estas coisas fossem possíveis (o que é óbvio que não são), seriam infinitamente menores do que as coisas que Deus nos reservou – que, como nos diz São Paulo, são aquilo que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração humano sequer imaginou. Durante a Quaresma nós somos chamados a perseguir o Reino de Deus, e não quimeras; que mal causam aos fiéis brasileiros estas campanhas diabólicas que levam os homens a correrem atrás de utopias!

Contra esta insídia que desgraçadamente já há tanto tempo assola o nosso tempo quaresmal, que primor está o texto do Gustavo Corção! Leiam-no, volto a recomendar. A melhor forma de tratar o tema “saúde” na Quaresma é, precisamente, sob a ótica da falta dela. Não meramente através de um (obviamente legítimo) desejo de cura, mas algo mais: como um indicativo permanente da miséria humana, como um espinho na carne a não nos deixar esquecer o Vale de Lágrimas no qual estamos exilados.

Porque, afinal de contas, o verdadeiro anseio cristão é pela Jerusalém Celeste, o anelo legítimo dos que estamos exilados é o retorno à Pátria Celeste. Nosso Senhor veio ao mundo para nos tornar cidadãos do Céu; o nosso dever é sair do Vale de Lágrimas, e não transformá-lo em um lugar perfeito até nos esquecermos de que Algo maior nos espera para além das montanhas.

Gosto do Salmo 136, que fala do exílio. “À margem dos rios da Babilônia nós sentamos e choramos, com saudades de Sião”. E penso que esta temática é recorrente na história de Israel; p.ex., quando os judeus no deserto passaram a sentir falta “das cebolas do Egito” [cf. Nm 11, 5]. Acho que isto não é sem motivo. Há a tentação permanente de “nos esquecermos” da nossa dignidade e da – imerecida, mas real! – glória a que somos destinados; há a tentação permanente de querermos ficar “por aqui mesmo”. No referido salmo sobre o exílio há fortes maldições contra o esquecimento da Pátria: “Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que minha mão direita se paralise! Que minha língua se me apegue ao paladar, se eu não me lembrar de ti, se não puser Jerusalém acima de todas as minhas alegrias”. Isto é uma coisa séria que merece toda a nossa preocupação. E, levando os fiéis católicos a se esquecerem da Jerusalém Celeste à qual pertencem, tudo o que a Campanha da Fraternidade consegue é se transformar no alvo destas imprecações bíblicas. Ai daqueles que, promovendo-a, afastam de Deus o Seu povo.

“A saúde vai muito além de um simples bem estar corporal” – Bento XVI

Para os cristãos, de modo particular, o lema bíblico é uma lembrança de que a saúde vai muito além de um simples bem estar corporal. No episódio da cura de um paralítico (cf. Mt 9, 2-8), Jesus, antes de fazer com que esse voltasse a andar, perdoa-lhe os pecados, ensinando que a cura perfeita é o perdão dos pecados, e a saúde por excelência é a da alma, pois «que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua alma?» (Mt 16, 26). Com efeito, as palavras saúde e salvação têm origem no mesmo termo latino salus e não por outra razão, nos Evangelhos, vemos a ação do Salvador da humanidade associada a diversas curas: «Jesus andava por toda a Galiléia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo o tipo de doença e enfermidades do povo» (Mt 4, 23).

Bento XVI
Mensagem por ocasião da Campanha da Fraternidade 2012

Sobre lobos e cordeiros

Foi recentemente publicada no seu blog pelo revmo. pe. Alex Cordeiro, diretor espiritual do Ministério Jovem da RCC, uma dura (e profundamente injusta) crítica ao padre Paulo Ricardo [p.s.: o padre fechou o blog; ver aqui]. Sob o título «Defensor de que “DOUTRINA”?» (assim, em maiúsculas e entre aspas mesmo), o pe. Alex tece ácidas críticas à postura do padre Paulo Ricardo no cenário católico nacional. É uma questão de justiça defender o zeloso sacerdote das insinuações maléficas lançadas pelo diretor espiritual do MJ; nas próximas linhas, tecerei alguns comentários sobre o artigo do pe. Alex Cordeiro. Serão um pouco longas, mas isto é necessário porque estão em jogo tanto a honra de um sacerdote que procura ser fiel à Igreja quanto a própria integridade da Fé Católica e Apostólica.

Já começa o revmo. pe. Alex a denegrir a imagem do pe. Paulo Ricardo por meio do próprio título do seu artigo. Afinal, colocando o termo “doutrina” entre aspas e perguntando-se retoricamente “qual” seria a doutrina defendida pelo pe. Paulo Ricardo, o pe. Alex insinua que o seu irmão no sacerdócio estaria defendendo uma “doutrina” que não a Doutrina Católica. Insinuação grave cuja demonstração, no entanto, o pe. Alex crê-se escusado de fazer: depois de lançar a insinuação maledicente, começa o seu artigo dizendo que responderá “não às questões levantadas” pelo pe. Paulo, mas sim à sua “postura”. Chega a afirmar taxativamente: “[n]ão entrarei no mérito da questão do conteúdo”.

Mas como assim, padre Alex? Doutrina é conteúdo, por óbvio. Como o senhor é capaz de insinuar levianamente que o pe. Paulo Ricardo defenderia uma “doutrina” diferente da Católica e Apostólica e, acto contínuo, dizer que não vai entrar no mérito do que ele defende? A insinuação é grave. Quem defende uma doutrina diferente da católica é herege. Colocar em dúvida a doutrina defendida pelo padre Paulo Ricardo é colocar em dúvida a sua ortodoxia e, portanto, é duvidar de que ele seja realmente católico, é insinuar que ele possa ser herege. Uma insinuação de tamanha gravidade não pode ser feita por quem se exime de entrar “no mérito da questão do conteúdo” do que o acusado defende. Agindo assim, quem é mesmo que está dividindo a Igreja?

As acusações não param por aí. “Pe. Paulo Ricardo me cheira mais a um lobo em pele de cordeiro, que tem difundido confusões sérias em meio aos nossos jovens e adultos”. Esqueceu-se somente o pe. Alex de… apontar quais seriam estas “confusões sérias” que o padre Paulo Ricardo estaria difundindo! Mas isso o reverendíssimo sacerdote não vai fazer porque, como ele disse no começo, não vai entrar “no mérito da questão do conteúdo”…

Acusar um irmão no sacerdócio de ser “lobo em pele de cordeiro” e de “difundir confusões sérias” sem, no entanto, mostrá-las! Quem é que está dividindo a Igreja? Se há “confusões sérias” sendo difundidas, é dever de todo católico – principalmente dos sacerdotes – clarificá-las. Mas isso o pe. Alex não faz. Limita-se a insinuar que o padre Paulo seja herege, acusa-lhe taxativamente de ser lobo em pele de cordeiro e se recusa a “entrar no mérito” das “confusões sérias” que, supostamente, o padre Paulo Ricardo estaria difundindo. Cabe perguntar: isso porventura é atitude de pastor ou de lobo voraz?

Toda a sibilina argumentação do pe. Alex baseia-se em uma obviedade e em uma falácia. A obviedade: o pe. Paulo Ricardo não é sucessor dos Apóstolos. A falácia parte de um ponto básico da Doutrina da Igreja: “os PRIMEIROS RESPONSÁVEIS PELO MAGISTÉRIO OFICIAL SÃO OS BISPOS EM COMUNHÃO COM O SUCESSOR DE PEDRO” (gritos da lavra do reverendíssimo pe. Alex Cordeiro). Ora, isto é algo que nenhum bom católico pode negar e que nem tampouco o próprio pe. Paulo Ricardo nega.

O argumento torna-se falacioso quando o pe. Alex, lupinamente, faz uma extrapolação grosseira da Doutrina Católica e afirma: “Logo, ao criticar os Bispos do Brasil e a estrutura de comunhão criada por eles, este digníssimo senhor critica a Igreja como tal, legitimamente constituída em nosso país”. Ora, semelhante conclusão é um grandíssimo absurdo – mesmo que tenha sido introduzida por um ergo supostamente silogístico. Não senhor, pe. Alex, não senhor! Os bispos detêm o munus docendi na Igreja de Cristo, sem dúvidas, mas isso não os torna ipso facto perfeitos e incapazes de errar. Os bispos não exercitam sempre o seu munus docendi. Os bispos – é um doloroso dever dizê-lo, mas é necessário – não necessariamente estão sempre em comunhão com o sucessor de Pedro.

O Pe. Paulo Ricardo não nega, absolutamente, que devamos estar em comunhão com os bispos que estão em comunhão com o Papa! Isso seria um grande absurdo. O que o pe. Paulo Ricardo faz é afirmar – ou, melhor, é constatar – que algumas atitudes de alguns prelados não estão em comunhão com o que ensina Romano Pontífice. Ousará o pe. Alex negar isso?

No mundo perfeito do pe. Alex, aparentemente os bispos não erram nunca, os bispos nunca tomam atitudes contrárias à Fé e à Moral da Igreja, os bispos nunca pecam… será possível que tal visão seja fruto de uma enorme ingenuidade, ou será que é simplesmente má fé? Eis então que a “doutrina” (agora, sim, com aspas muito bem colocadas!) uivada pelo pe. Alex estendeu a infalibilidade papal para todos os bispos do mundo inteiro, em quaisquer circunstâncias, e de tal modo que quem discordar deles em qualquer coisa que seja passa, ipso facto, a discordar “da Igreja como tal”!

Acaso um bispo nunca erra, pe. Alex? E, quando um bispo erra, acaso não é dever de caridade apontar-lhe o erro e impedir que outras pessoas o sigam neste engano, pe. Alex?

Ora, ou os bispos nunca erram, ou eles erram pelo menos às vezes, e tertium non datur. Se eles nunca erram então eles são infalíveis o tempo inteiro – o que pode até ser uma nova “doutrina” alexiana, mas não é a Doutrina Católica. Se, ao contrário, eles erram às vezes, acaso está “critica[ndo] a Igreja como tal” quem lhes aponta o erro? A regra da Fé porventura deixa de ser a Doutrina para ser a estrutura eclesiástica, qualquer que seja ela, independente do que façam ou deixem de fazer os sucessores dos Apóstolos? Isto, sim, é uma “doutrina” bem estranha! Quem é mesmo que está provocando divisão na Igreja e disseminando “confusões sérias”, pe. Alex?

[E, ao contrário do reverendíssimo sacerdote, eu faço questão de entrar “no mérito do conteúdo” e de apontar, exatamente, quais são as “confusões sérias” que põem em risco a Fé do povo de Deus. Prossigamos.]

Pergunta o pe. Alex: “se os bispos nos apresentam um tema para refletir na Quaresma (que nos faz pensar e muito sobre nossos apegos e responsabilidades de nosso egoísmo frente às futuras e presentes gerações) porque não podemos fazê-lo?”. Ora, pe. Alex, a resposta é bastante óbvia: porque este “tema” não é adequado para o Tempo Quaresmal e, muito pelo contrário, está imbuído de graves erros contra a Doutrina Católica (agora, sim, sem aspas) que todo mundo tem obrigação de guardar. A resposta a esta pergunta está, exatamente, no “conteúdo” dos discursos do pe. Paulo Ricardo em cujo “mérito”, no entanto, o senhor não quer entrar! Por que o senhor uiva perguntas cujas respostas se recusa a priori a ouvir, pe. Alex?

Vamos entrar no mérito, sim senhor. Vamos ao hino da Campanha da Fraternidade (que tem inclusive um trecho no próprio blog do pe. Alex): esta malfadada música canta que a terra é “das criaturas todas a mais linda”. O planeta terra é “a mais linda” das criaturas, pe. Alex? Em que “doutrina”? Não na Católica! Vamos ao Catecismo:

§356 De todas as criaturas visíveis, só o homem é “capaz de conhecer e amar seu Criador”; ele é “a única criatura na terra que Deus quis por si mesma”; só ele é chamado a compartilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus. Foi para este fim que o homem foi criado, e aí reside a razão fundamental de sua dignidade:

Que motivo vos fez constituir o homem em dignidade tão grande? O amor inestimável pelo qual enxergastes em vós mesmo vossa criatura, e vos apaixonastes por ela; pois foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes um ser capaz de degustar vosso Bem eterno.

É o homem, padre Alex, que é “das criaturas todas a mais linda”, e não o planeta terra. E o senhor ainda pergunta por que é que nós não podemos aderir à Campanha da Fraternidade? Ora, acaso pode um católico meditar, durante a Quaresma, em coisas que contrariam de maneira tão explícita pontos elementares da Fé Católica?

Mas o senhor não quer entrar “no mérito da questão do conteúdo”…

Temos obrigação sim, pe. Alex, de obedecer aos nossos bispos, isso é óbvio e incontestável. Mas não temos obrigação nenhuma de professar doutrinas heterodoxas. Não temos obrigação nenhuma de afirmar – p.ex. – que o planeta terra é a mais linda das criaturas de Deus. E é contra estas coisas, pe. Alex, e não contra a obediência aos bispos em si, que se levanta o pe. Paulo Ricardo. O senhor saberia disso, padre, se tivesse se dado ao trabalho de entrar no mérito da questão.

E, no circo armado pelo pe. Alex diante de toda a alcatéia, quem causa divisão é quem protesta contra estes absurdos. Quem está contra a Igreja é quem se recusa a defender a “doutrina” expressa no hino da Campanha da Fraternidade. Quem semeia a divisão é quem afirma com clareza que a mais bela das criaturas de toda a Criação é o homem, e não o “planeta terra”. Quem só quer ser católico está provocando divisão na Igreja e, quem critica um ponto específico do cenário católico nacional – p.ex., a Campanha da Fraternidade -, está ipso facto atacando todos os bispos do Brasil e a própria “Igreja como tal”. Brilhante lógica a do pe. Alex!

E prossegue, com ares de canis lupus, o reverendíssimo sacerdote: “Peço o cuidado de sempre buscarmos a comunhão da Igreja, peço a obediência aos nossos bispos, nossos VERDADEIROS pastores, peço a obediência ao Santo Padre, o Papa, que nomeia estes bispos”. O pedido é, em si, muito justo. Mas no que consiste, pe. Alex, a “comunhão da Igreja”?

Consiste em uma tríplice comunhão: de Fé, de Sacramentos e de Governo. E, faltando uma dessas, não se pode falar em comunhão. Ora, como é possível manter a comunhão de Fé negando, ao mesmo tempo, pontos básicos da Fé? Na “doutrina” canhestra do pe. Alex, a “comunhão” é uma só: de Governo. Pede o pe. Alex obediência aos bispos antes mesmo da obediência à Fé ou, pior, ainda que de modo contrário à Fé! Só que esta, padre Alex, não é “a comunhão da Igreja”. A comunhão da Igreja é um tripé, e ela se perde quando qualquer uma das suas três sustentações é comprometida. O problema nunca foi de Governo, pe. Alex. Se o senhor tivesse se dado ao trabalho de entrar “no mérito do conteúdo da questão”, teria percebido isso e não viria a público fazer as graves acusações ao pe. Paulo Ricardo que o senhor fez. Não viria a público alardear a “doutrina” lupina segundo a qual quem defende a Fé está agindo contra a Igreja.

E o revmo. pe. Alex Cordeiro termina o seu texto desfilando uma longa ladainha de diatribes contra o pe. Paulo Ricardo: “[i]gnorância total deste padre”, “TOTALMENTE FUNDAMENTALISTA”, “quer desorientar os cristãos”, “divisor, sismático (sic!!!), incitador da desobediência, perseguidor de nossos pastores”, “totalmente IRRESPONSÁVEL”. Tudo isso assim, gratuita e violentamente, e ainda – repitamos! – sem que o padre tenha se dado ao trabalho de entrar “no mérito do conteúdo da questão”!

Resumindo, portanto, o texto do pe. Alex é formado

a) por um lado, de uma “doutrina” totalmente estranha segundo a qual ou os bispos são infalíveis o tempo inteiro ou, quando eles erram, quem os corrige está cometendo não um ato de caridade cristã mas, ao contrário, está agindo contra a própria Igreja (!); e

b) por outro lado, de um rosário – melhor dizer “abrolhário” – de invectivas violentas e venenosas lançadas contra um sacerdote da Igreja, ao mesmo tempo em que se recusa peremptoriamente a analisar “o mérito do conteúdo da questão” – i.e., a única coisa que poderia dar sustentação às suas graves acusações.

E um texto desses ainda é publicado na internet! Oras, quem é que está sendo o irresponsável e o leviano? Quem é que está sendo o lobo em pele de cordeiro? Quem é, afinal de contas, que está dividindo a Igreja?

Termino essas linhas afirmando claramente que só o que eu quero – e, comigo, muitos outros que são atingidos, ainda que indiretamente, pelos impropérios do pe. Alex – é ser católico. E sei que, para ser católico, é mister guardar a Fé da Igreja. Se existe “desorientação” e “divisão”, elas não se originam nestas minhas linhas (nem nas outras do Deus lo Vult!), nem nos textos e pregações do pe. Paulo Ricardo, nem em nenhum de nós outros, católicos que nos recusamos a uivar na mesma alcatéia de onde o pe. Alex Cordeiro ataca covardemente um seu irmão no sacerdócio pelo terrível “crime”  de anunciar a Verdade Católica. Ao padre que gosta de acusar sem entrar “no mérito da questão do conteúdo”, cabem muito bem as palavras de Nosso Senhor que iremos meditar nos próximos dias: “Se falei mal, prova-o, mas se falei bem, por que me bates?” (Jo 18, 23). E, antes de acusar os outros de promoverem divisões, que o padre olhe para si mesmo e veja o que ele próprio está fazendo. Que examine a si com honestidade para ver se o “cheiro” de lobo que ele sente nos outros não está saindo do seu próprio pelo molhado, ou se os focinhos lupinos que ele julga ver adiante não vêm do seu próprio reflexo n’algum espelho.

Mais petróleo do que oração na CF-2011

O próximo domingo já é o Domingo de Ramos e, até o presente momento, a CNBB não disponibilizou no seu site o texto-base da Campanha da Fraternidade 2011. Procurando na internet, encontrei-o aqui; 63 páginas que, pelo que vi, contêm a íntegra do documento. Caso alguém identifique algum problema na integridade do texto, gentileza me informar.

Como fiz nos anos passados (2010 e 2009), trago aqui mais uma vez algumas simples estatísticas mostrando os temas que, na visão dos responsáveis pela produção do referido documento, são mais dignos de menção e meditação durante este tempo quaresmal. Mais uma vez, trago-os divididos em dois grupos: o que se poderia esperar de uma sadia espiritualidade quaresmal primeiro e, em seguida, os vocábulos mais empregados ao longo das páginas do texto base da Campanha da Fraternidade. Como no ano passado, a metodologia foi a mais simples possível: uma pesquisa simples (ctrl + shift + f) no arquivo .pdf, que pode ser facilmente reproduzida por qualquer um que tenha curiosidade sobre o assunto. Na lista abaixo, o termo simples, entre aspas, foi pesquisado da maneira como se encontra; quando aparece “e derivados”, é porque a busca foi feita pelo radical (p.ex., “penit”, que incluiria tanto “penitência” quanto o verbo “penitenciar-se”, o adjetivo “penitente”, etc.).

Termos que indicam visão sobrenatural:

  • “Deus”: 155 ocorrências.
  • “Eucaristia”: 16 ocorrências.
  • “Jesus”: 14 ocorrências.
  • “Pecado” (e derivados): 11 ocorrências.
  • “Papa”: 8 ocorrências.
  • “Santificação” (e derivados): 7 ocorrências.
  • “Católica” (e derivados): 6 ocorrências.
  • “Bíblia”: 6 ocorrências [mais duas no título de duas citações, à página 32].
  • “Salvação” (e derivados): 5 ocorrências.
  • “Nosso Senhor”: 5 ocorrências.
  • “Oração”: 4 ocorrências [sendo três nas primeiras páginas e uma referência à oração de São Francisco em louvor pelas criaturas].
  • “Conversão” (e derivados): 4 ocorrências [além de mais 3 ocorrências, às páginas 14 e 37, que falam em conversão de energia cinética do vento (!) e no mundo que corre o “risco de converter-se em fábricas que poluem” (!!); há aínda, à página 43, uma referência a “conversão ecológica”].
  • “Jejum”: 2 ocorrências.
  • “Diabo”: 2 ocorrências.
  • “Caridade”: 2 ocorrências.
  • “Maria”: 1 ocorrência [“Virgem Maria”, nenhuma, e nem “Nossa Senhora”].
  • “Penitência” (e derivados): 1 ocorrência.
  • “Cruz”: 1 ocorrência.
  • “Sacerdote”: 1 ocorrência.
  • “Sacramento”: 1 ocorrência.
  • “Missa”: 1 ocorrência [esta, no título da citação de um ensaio de Teilhard de Chardin (!)].
  • “Arrependimento” (e derivados), esmola, Magistério, confissão (e derivados), inferno, purgatório: nenhuma ocorrência.

Termos que indicam visão materialista rasteira:

  • “Produção” (e derivados): 98 ocorrências.
  • “Desenvolvimento” (e derivados): 74 ocorrências.
  • “Energia”: 69 ocorrências.
  • “Terra”: 69 ocorrências.
  • “Água”: 59 ocorrências.
  • “Ambiente”: 59 ocorrências.
  • “Efeito estufa”: 58 ocorrências.
  • “Aquecimento”: 51 ocorrências [“aquecimento global”, 42].
  • “Consumo” (e derivados): 50 ocorrências.
  • “Ecologia” (e derivados): 37 ocorrências.
  • “Carbono” (e derivados): 36 ocorrências.
  • “Governo” (e derivados): 32 ocorrências.
  • “Economia” (e derivados): 32 ocorrências.
  • “Alimento” (e derivados): 29 ocorrências.
  • “Pobre” (e derivados): 20 ocorrências.
  • “Temperatura”: 23 ocorrências.
  • “Lucro”: 15 ocorrências.
  • “Petróleo”: 10 ocorrências.
  • “Exploração” (e derivados): 10 ocorrências.

Os números falam por si sós. Em comparação com o ano passado algumas coisas parecem ter melhorado. Palavras como “Cruz”, “Sacerdote” e “Penitência” finalmente ganham direito a figurarem em um documento da CNBB para a Quaresma. E, embora eu tenha tentado, não consegui encontrar nenhum termo que aparecesse no texto mais vezes do que “Deus”. Deo Gratias! É também digna de menção a sucessiva redução do tamanho destes textos bases; em 2009 ele tinha 176 páginas e, em 2010, 80. Perto destes monstros, um documento com 63 páginas é uma bênção de Deus.

Entretanto, o resultado final ainda é muito, muito ruim. É óbvio que não dá para se viver corretamente o tempo da Quaresma descuidando da vida sobrenatural para perder tempo com coisas como consumo, energia elétrica, água potável e desenvolvimento – temas que têm lá a sua importância, mas que absolutamente não cabem como guia de vivência do tempo quaresmal. Um texto que trate tanto destes temas poderia encaixar-se muito bem como fruto de um estudo do Governo, de uma ONG, de uma dissertação de mestrado em ciências ambientais, do Greenpeace, de qualquer coisa: mas não cabe, absolutamente, como um texto – e da Quaresma! – da Igreja cujo papel é levar as almas para Deus. Quando uma Conferência Episcopal fala, na Quaresma, mais de petróleo do que de oração, alguma coisa está muito errada. Que os senhores bispos possam perceber este gravíssimo engano (que não é de hoje!) o quanto antes. E que Deus nos ajude a termos uma santa Quaresma – apesar da Campanha da Fraternidade da CNBB.

Os bispos, a CNBB e o Papa

As Conferências Episcopais não fazem parte da hierarquia essencial da Igreja Católica. Elas devem servir apenas como órgãos de assessoria, para facilitar a colaboração entre os bispos. Nunca podem estar acima dos bispos. Isto, aliás, foi dito recentemente até mesmo pelo presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha, quando da polêmica envolvendo Dom Luiz Gonzaga Bergonzini e a sua santa denúncia do abortismo do Partido dos Trabalhadores:

“Tenho uma admiração muito grande por Dom Luiz Gonzaga Bergonzini e os seus procedimentos estão dentro daquilo que a Igreja espera. Ele tem o direito e até o dever de, de acordo com sua consciência, orientar seus fiéis do modo que julga mais eficaz mais conveniente. Ele está no exercício de seus direitos como bispo diocesano de Guarulhos e cada instância fala só para o âmbito de sua competência, tanto que ele não se dirigiu à nação brasileira. Este procedimento está absolutamente dentro da normalidade no modo como as coisas da Igreja se encaminham”, afirmou o presidente da CNBB.

“Acima do bispo no governo da Igreja só existe uma autoridade: o papa”, destacou.

Ao contrário do que pensa o brasileiro médio, acima dos bispos está somente o Papa, e não as Conferências Episcopais. A CNBB não está acima dos bispos. Ela, portanto, não fala em nome de todos os bispos (e nem muito menos em nome de uma inexistente “Igreja Brasileira”), não pode impôr absolutamente nada a nenhuma das dioceses do Brasil, nem é uma instância intermediária entre estas e a Santa Sé.

Essas coisas voltaram a ser ditas na última segunda-feira, mas agora na voz do Papa Bento XVI. Em discurso aos bispos da Regional Centro-Oeste, o Vigário de Cristo foi incisivo:

Assim sendo, a Conferência Episcopal promove a união de esforços e de intenções dos Bispos, tornando-se um instrumento para que possam compartilhar as suas fatigas; deve, porém, evitar de colocar-se como uma realidade paralela ou substitutiva do ministério de cada um dos Bispos, ou seja, não mudando a sua relação com a respectiva Igreja particular e com o Colégio Episcopal, nem constituindo um intermediário entre o Bispo e a Sé de Pedro.

[…]

Ao mesmo tempo, é necessário lembrar que os assessores e as estruturas da Conferência Episcopal existem para o serviço aos Bispos, não para substituí-los. Trata-se, em definitiva, de buscar que a Conferência Episcopal, com seus organismos, funcione sempre mais como órgão propulsor da solicitude pastoral dos Bispos, cuja preocupação primária deve ser a salvação das almas, que é, aliás, a missão fundamental da Igreja.

É claro que o Papa está preocupado com a situação da Igreja no Brasil; e é claro que esta situação é calamitosa. Por exemplo, para a próxima Campanha da Fraternidade, a CNBB escolheu um hino abertamente herético, onde diz que a maior obra de Deus foi a Terra, e não o homem (créditos ao Frei Cleiton). É claro que as coisas estão fora dos eixos já há bastante tempo, e precisam ser reorganizadas. Bendito seja Deus pelo Papa Bento XVI, que olha pelo Brasil. Que a Virgem Aparecida Se compadeça desta Terra de Santa Cruz.

No II Domingo da Quaresma…

[São duas coisas díspares. Uma homilia e um artigo de jornal, um sacerdote e um leigo, uma meditação da Liturgia de hoje e uma denúncia contra a Campanha da Fraternidade. Só as coloquei juntas porque, afinal, ambas falam sobre a Quaresma, embora sob aspectos distintos (e, no meu entender, perfeitamente complementares): a parte “positiva” de bem viver a Quaresma, e a parte “negativa” de se combater tudo o que dificulta o aproveitamento deste tempo favorável.]

1. Pe. Antoine Coelho, LC: “A nós, Deus ofereceu-nos um sinal incomparavelmente mais explícito de que cumpriu e continuará a cumprir as suas promessas. Chama-me muito a atenção o facto de que São João evangelista mencione, no seu relato da Paixão de Cristo, que os soldados romperam as pernas dos dois ladrões crucificados com Ele. ‘Mas ao chegarem a Jesus, como o viram já morto, não lhe romperam as pernas […] E tudo isso sucedeu para que se cumprira a Escritura: não lhe quebrará nenhum osso’. Porquê falta de romper ou não romper pernas, quando o Senhor está já morto? Não é detalhe insignificante a estas alturas? Mas é que ao Senhor, não lhe podia suceder o mesmo que aos animais cortados no sacrifício de Abraão. Com isso a Escritura mostra-nos que, em Cristo crucificado, Deus cumpriu as promessas. Cumpriu o que prometera a Abraão quando passara entre os animais sob a forma do fogo! Em Aquele que está pendurado para o perdão dos nossos pecados deve residir toda a nossa fé e esperança. N’Ele torna-se evidentemente que é o amor infinito de Deus a querer levar-nos à Terra Prometida, à Jerusalém Celeste, com a condição de que como Abraão não deixemos nada em Ur dos caldeus, fiéis ao chamado de Deus que nos fala pela Igreja”.

* * *

2. Percival Puggina: “Toda consciência bem formada se revolta com as tragédias da pobreza material, feitas de analfabetismo, baixo nível educacional e cultural, más condições habitacionais e sanitárias, abandono dos aposentados. Feitas também por corrupção, esbanjamentos, mordomias, absurdos desníveis na remuneração do serviço público e maus governos. Não é com a superação desses embaraços que venceremos a miséria e os desníveis sociais? Pois é tudo campo da política! Miséria e desníveis sociais são temas para os poderes públicos, que se apropriam de 40% do PIB nacional! As justas preocupações com partilha e solidariedade deveriam focar, principalmente, essa brutal ruptura com o Princípio da Subsidiariedade. É grave erro da campanha não dizer que os problemas do Brasil são muito mais políticos do que econômicos. Muito mais institucionais do que empresariais. Bons governos, com boas políticas, enfrentam essas dificuldades valendo-se da competente operação do setor privado”.

A nós, Deus ofereceu-nos um sinal incomparavelmente mais explícito de que cumpriu e continuará a cumprir as suas promessas. Chama-me muito a atenção o facto de que São João evangelista mencione, no seu relato da Paixão de Cristo, que os soldados romperam as p

O Papa e a Campanha da Fraternidade 2010

Não achei no site da CNBB o texto base da Campanha da Fraternidade 2010. Estranho, uma vez que a maledetta já começou desde anteontem, Quarta-Feira de Cinzas, competindo com a Quaresma que a Igreja sempre propôs.

Mas li as duas mensagens do Papa Bento XVI, cuja leitura recomendo:

1. Mensagem do Papa Bento XVI para a Quaresma 2010

2. Mensagem do Papa aos Bispos Brasileiros por ocasião da CF 2010

Recomendo principalmente a segunda. Parece ser, de novo, um verdadeiro puxão de orelhas aos responsáveis pela palhaçada tupiniquim que, todo ano, conspurca o tempo santo da Quaresma. E o Papa já fez isso pelo menos uma outra vez, no ano passado. Desta mensagem do Papa aos Bispos, destaco as seguintes frases que – aposto! – não iremos encontrar (nem parecidas) nos textos da Conferência:

  • Com a quarta-feira de cinzas, volta aquele tempo favorável de salvação, que é a Quaresma, com seu apelo insistente: “Reconciliai-vos com Deus” (2Cor 6,2).
  • [R]ecordo que a escravidão ao dinheiro e a injustiça “tem origem no coração do homem, onde se encontram os germes de uma misteriosa convivência com o mal”.
  • Por isso, encorajo-vos a preservar no testemunho do amor de Deus, do Filho de Deus que se fez homem, do amor agraciado com a vida de Deus, do único bem que pode saciar o coração da gente, pois, “mais do que de pão, [o homem] de fato precisa de Deus”.
  • Nós existimos para mostrar Deus aos homens. E só onde se vê Deus, começa verdadeiramente a vida.
  • Se “a boca fala daquilo que o coração está cheio” (Mt 12, 34), podeis conhecer vosso coração a partir das vossas palavras. “Reconciliai-vos com Deus”, de modo que as vossas palavras sirvam sobretudo para falar de Deus e a Deus.

Será que os responsáveis pela infâmia que atende pelo nome de “CF” entenderam, ou vai ser preciso desenhar? A Quaresma é tempo de salvação, de reconciliação com Deus, e não de doutrinação ideológica de baixa qualidade. A injustiça nasce do coração do homem, e não do sistema econômico atualmente vigente, do neoliberalismo ou da globalização. O homem precisa de Deus, mais do que de comida. A Igreja existe para mostrar Deus aos homens, e não há vida verdadeira sem Ele. E as palavras dos homens da Igreja devem falar de Deus e a Deus, e não de Marx aos “oprimidos”.

“Podeis conhecer vosso coração a partir das vossas palavras” – é Pedro quem fala. Aos bispos brasileiros. Não estamos abandonados. De longe, da Cidade Eterna, de Roma, temos um ancião que olha por nós. Mesmo no deserto materialista ao qual todo ano nos lançam os nossos reverendíssimos pastores, recebemos de Roma palavras que nos falam de Deus.

Esforcemo-nos por viver santamente a Quaresma, apesar do lixo que nos empurram. Que a Virgem Dolorosa tenha misericórdia dos fiéis brasileiros. E que as palavras o Vigário de Cristo nos sirvam de alento: a Igreja é maior do que a CF. Apesar da Campanha, graças a Deus, ainda é Quaresma.

Por uma Quaresma católica – II

Considerando a boa repercussão que teve o meu pequeno desabafo de ontem com a Campanha da Fraternidade 2010, e considerando as pessoas que se manifestaram dispostas a fazer alguma coisa mais concreta, gostaria de lançar algumas idéias sobre o que podemos fazer, ao mesmo tempo em que peço mais sugestões. Agradeço, de antemão, a todos. Alguns pontos:

1. Julgo que convém seguir o princípio da subsidiariedade, e iniciar agindo nas instâncias mais próximas de nós: começando com o “boca-a-boca” entre conhecidos, passando para as nossas paróquias, as dioceses, a Conferência e, por fim, os Dicastérios Romanos.

2. Nosso Senhor disse-nos que fôssemos prudentes como as serpentes. Julgo oportuno, por isso, que levantemos contra os inimigos da Igreja as mesmas armas que eles usam – ipsa veneno bibas, como rezamos a São Bento – e, “roubando” a Campanha da mão dos inimigos de Cristo, empreguemo-la a serviço de Nosso Senhor.

a) A lema da Campanha é católico, afinal é tirado dos Evangelhos. Devemos produzir material em defesa da legítima interpretação da passagem bíblica e da Doutrina Social da Igreja, não somente esvaziando a proposta de sua instrumentalização ideológica como também utilizando-a para atacar a Teologia da Libertação.

b) Simultaneamente, devemos produzir e divulgar materiais que nos incitem à verdadeira e legítima piedade quaresmal. Não é necessário – aliás, não é nem desejado – que o lema da CF permeie toda a Quaresma. Usamos as armas que nos ofereceram para envergonhar e humilhar os inimigos da Igreja, ao mesmo tempo em que usamos as armas que a Igreja sempre utilizou para exaltar a Cristo e propiciar a vivência de uma santa Quaresma.

3. Precisamos definir como isso vai ser feito. Se com a criação de um site específico para servir de repositório de material, ou de alguma outra maneira; particularmente, gosto desta sugestão e poderia criar um sub-domínio do Deus lo Vult! com este propósito. Mas estou aberto a sugestões.

4. Paralelamente, é necessário fazermos o trabalho apologético com extremo cuidado, de modo a mostrarmos como a CF é estranha ao espírito da Quaresma (e até mesmo à Doutrina Católica), de modo que possamos “pressionar”, dentro da subsidiariedade e (obviamente) da caridade, as instâncias próximas a nós para que tomem alguma posição. Esta parte, no entanto, não pode de modo algum obscurecer o “trabalho positivo” que deve ser feito.

5. Alguém tem mais alguma consideração a fazer?

p.s.: 6. Desnecessário dizer que tudo isso é urgente, dado que os filhos das Trevas já contam com grande parte de seus exércitos preparados e a postos. A resistência, portanto, é premente.

Por uma Quaresma católica

Está chegando a época da humilhação anual à Igreja de Nosso Senhor. A Campanha da Fraternidade 2010 promete. Com o tema “Economia e Vida” e o lema “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (ou seria o contrário?), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil parece se preparar para uma nova rodada de desprezos a assuntos como graça, sacramentos, oração, mortificação, jejum, penitência, esmola e outras coisas que, no resto do mundo, têm tudo a ver com Quaresma.

No Brasil, na cabeça da CNBB, o que tem a ver com Quaresma é… economia. Como se os bispos fossem economistas, ou como se a Verdadeira Economia estivesse entre aquelas verdades reveladas cuja profissão expressa é absolutamente necessária para a salvação de toda a criatura, ou como se os maiores pecados dos católicos brasileiros fossem a conivência, direta ou indireta, com o “sistema” intrinsecamente injusto que dirige a nossa sociedade.

O Danilo escreveu ontem sobre o assunto. Recebi um email de um amigo comentando o texto-base da CF que, não obstante, vou me abster de citar aqui porque não o encontrei até o presente momento no site da Conferência. O Puggina também escreveu, no Mídia Sem Máscara, um artigo sobre as tolices beato-marxistas das Campanhas da Fraternidade. É crescente a insatisfação das pessoas sensatas com esta palhaçada que, todo santo ano, é feita justamente no tempo talvez mais importante do Calendário Litúrgico da Igreja. E até quando vai continuar?

O mais frustrante é que já é tarde para fazer muita coisa. Já estão escolhidos o tema e o lema, os cartazes estão prontos, a divulgação já começou, e o texto-base provavelmente já está escrito e deverá estar disponível no site da CNBB muito em breve. Ano passado, eu tinha feito o propósito de ensaiar uma mobilização para que, ao menos, esta maledetta campanha fosse colocada bem longe da Quaresma. Não fiz nada – mea culpa. Desta vez, vamos aproveitar enquanto a indignação ainda está fervendo o sangue. Queremos uma Quaresma católica, e isso não pode ser pedir demais.