A vitória de Trump: o aborto

Alguns dos meus amigos, verdadeiramente eufóricos com a vitória de Trump, parecem convencidos de que ele será o melhor presidente dos Estados Unidos desde Reagan. Eu, profundo ignorante a respeito da política americana, não tenho condições de compartilhar do mesmo entusiasmo deles; no entanto, sobre a vitória do bilionário republicano há duas ou três coisas que eu julgo poder dizer.

Muitos trataram essas eleições como se elas fossem uma disputa entre o Diabo e Satanás; houve até quem as comparasse com uma eleição disputada, no Brasil, entre Dilma e Crivella. Aquela história de que “a boa notícia de hoje é que Hillary perdeu; a má, que Trump ganhou” foi repetida milhões de vezes desde as primeiras horas da madrugada. Sem compartilhar nem da euforia de alguns nem do alarmismo histérico de outros, penso que eu próprio, se americano fosse, não pensaria duas vezes antes de votar no candidato do Partido Republicano.

O motivo é muito simples: Trump pode ter todos os defeitos do mundo de que lhe acusam, pode ser grosseiro e xenófobo, pode insuflar nacionalismos, provocar corridas armamentistas, pode ser imprudente, sonegador de impostos, pode haver conflito de interesses entre ser multiempresário e presidente da maior economia do mundo, tudo isso: Hillary defende o aborto até o nono mês da gravidez, e Trump não. Isto por si só é motivo mais do que suficiente para votar contra ela, independente de quaisquer outras questões de governo das quais se possa legitimamente divergir no programa político do GOP. Nenhum assunto que faça parte da disputa política contemporânea é mais premente do que a questão do aborto; nenhuma pessoa que defenda o assassinato de crianças no ventre das suas mães tem suficiente integridade moral para merecer confiança em qualquer outra área de atuação pública.

No último debate presidencial, há menos de um mês, Hillary Clinton defendeu o partial-birth abortion. Para quem não sabe do que se trata, o «aborto por nascimento parcial» é uma “técnica” aplicada no último trimestre da gravidez e que consiste em induzir o parto até o ponto de o feto, ainda vivo, começar a nascer; neste momento, quando está parcialmente fora do corpo materno, o aborteiro lhe faz uma incisão na base do crânio que lhe provoca a morte. Em outras palavras, trata-se de pegar uma criança plenamente formada (com sete, oito ou nove meses de gestação), puxar-lhe pelos pés para fora do útero (mantendo apenas a cabeça ainda no interior do corpo da mãe), enfiar uma tesoura na sua nuca até o interior da caixa craniana (matando-a portanto) para, pelo buraco assim formado, introduzir um aspirador, sugar-lhe o cérebro e depois retirar o corpo com a cabeça murcha. Macabro assim.

O Pontifício Conselho para a Família assim se manifestou em 2003 a respeito do tema:

A expressão partial-birth abortion, aborto com nascimento parcial, designa uma técnica de aborto utilizada nos últimos meses de gravidez, durante a qual é praticado um parto intravaginal parcial do feto vivo, seguido de uma aspiração do conteúdo cerebral antes de completar o parto.

[…]

Segundo os seus promotores, trata-se de um gesto rápido, podendo ser praticado sem hospitalização, com anestesia local. A intervenção é precedida de uma preparação de três dias, com dilatação mecânica do cólon uterino. A operação desenvolve-se em cinco fases: num primeiro tempo, quem opera, guiado por ultra-sons, depois da eventual inversão, se necessário for, da posição do feto no útero, prende os seus pés com uma pinça. Em seguida, com uma tracção tira o feto para fora do útero e provoca o parto, extraindo todo o corpo da criança, excepto a cabeça. Quem pratica o aborto executa então um corte na base do crânio do nascituro, através do qual faz passar a ponta de umas tesouras para furar a caixa craniana. Depois, introduz no orifício assim predisposto a extremidade de um tubo fino evacuativo, através do qual é aspirado o cérebro e o conteúdo da caixa craniana do menino. A este ponto, para concluir o aborto, só falta extrair a cabeça reduzida de volume.

É evidente que isso se trata de uma coisa profundamente demoníaca, asquerosa, diante da qual nenhum homem de bem pode nem mesmo ficar indiferente — muito menos defendê-la! Tal monstruosidade é ainda praticada nos Estados Unidos; ainda que não o fosse mais, contudo, Hillary Clinton votou a favor dela quando era senadora e, no mês passado, defendeu esta sua posição ao vivo durante um debate presidencial. Uma pessoa dessas deve, sim, ser combatida de todas as formas possíveis, inclusive por meio do voto presidencial, independente de quem esteja contra ela concorrendo (a menos, é lógico, que o outro candidato defendesse alguma outra imoralidade equiparável — o que absolutamente não era o caso). A magnitude deste volutabro é tão grande que obscurece quaisquer outras questões sobre assuntos normais como política econômica, defesa interna ou restrições imigratórias.

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Hillary Clinton foi derrotada nos Estados Unidos, e isso é uma coisa a agradecer a Deus. Foi derrotado o aborto, o assassinato de crianças no ventre das mães, o promíscuo financiamento federal à Planned Parenthood; estando em jogo coisas assim importantes e explícitas não cabe nem discutir o eventual simbolismo machista, homofóbico, xenófobo ou whatever que o voto em Donald Trump alegadamente represente. Não tem nem cabimento entrar nesse mérito. Obviamente Trump não é o cavaleiro de armadura reluzente que a Cristandade espera; isso no entanto perde completamente a relevância quando se está diante de alguém que defende late-term abortions.

Penso que muitos dos eleitores americanos não queriam votar no magnata nova-iorquino; mas quero pensar que muitos quiseram votar contra a despudorada defesa do assassinato de crianças que a sra. Clinton trouxe para o centro de sua campanha presidencial. A voz das urnas, assim, não foi uma vitória do liberalismo sobre o globalismo ou do conservadorismo sobre o progressismo nem nada do tipo, mas da civilização sobre a barbárie e da defesa da vida sobre o assassinato dos inocentes. Neste ponto sim, sem dúvidas, os resultados hoje apresentados ao mundo são alvissareiros e dignos de comemoração.

Notas avulsas sobre o 31 de outubro

– Hoje é Haloween. Ao contrário do que é comum pensar, não é uma festa pagã. Trata-se da All Halows’ Eve, a Vigília de Todos os Santos, festa catolicíssima portanto. Só se comemora hoje o Haloween porque amanhã nós celebraremos a Solenidade de Todos os Santos, não convém esquecer. “Gostosuras ou travessuras”, com os olhos fitos na Festividade de amanhã, não fazem assim mal a ninguém.

– Parece que é também “Dia do Evangélico” em alguns lugares do Brasil; p.ex., aqui no Cabo de Santo Agostinho, é o «Dia Municipal da Reforma Protestante e Ação de Graças». Isso porque as bruxas já estavam soltas nos idos de 1500, e os demônios pagãos que voavam pelos ares alemães daquela época inspiraram Lutero a pregar as suas 95 teses na porta da igreja de Wittenberg exatamente no Dia das Bruxas. São uma dessas ironias históricas que dão o que pensar.

– Hoje, no almoço, alguém comentava que amanhã devia ser feriado. E de fato era; como os feriados civis dos países católicos (como o Brasil) seguiam o calendário litúrgico da Igreja e como o Dia de Todos os Santos é dia santo de guarda (cf. CIC, Cân. 1246, §1), era igualmente feriado civil. Não sei quando foi que o deixou de ser no Brasil; em Portugal, este é o primeiro ano em que o 1º de novembro não é feriado.

– Há três anos, em 2010, o Haloween caía num domingo. Segundo turno de eleições presidenciais. Outra ironia eloqüente… No dia das Bruxas daquele fatídico ano, para a nossa desgraça, a sra. Rousseff era eleita presidente da República. Desde então, afundamos cada vez mais.

– Hoje, o Papa Francisco celebrou (ao que me conste pela primeira vez) uma Missa versus Deum junto ao túmulo do Beato João Paulo II. O Rorate Caeli discordou das razões expostas pelo Fratres e disse (com o que concordo, aliás) que um altar improvisado se poderia facilmente arranjar caso o Papa assim solicitasse. De minha parte, acho que o Sumo Pontífice não estava acostumado a celebrar dessa maneira. Espero que ele tenha gostado.

Miscelânea ligeira: eleições, células-tronco, crônicas de um Brasil Comunista e sínodo heterodoxo no RS

– A propósito do comentário que eu fiz aqui mais cedo sobre o terceiro vereador mais votado da cidade do Recife não ter sido eleito (quando o foram outros que tiveram um terço dos votos dele), interessante a coluna do Ramalhete da semana passada, que eu ainda não lera e que fala sobre o mesmo assunto. «As campanhas [eleitorais brasileiras] são pessoais; mais pessoais, impossível. Cada candidato explicita suas propostas, faz suas promessas, beija pessoalmente as bochechas de centenas de criancinhas. Mas o cargo não é dele. É ele que é escolhido; a população percebe a eleição como sendo a escolha de um candidato. O voto dado, contudo, vale mais ou menos de acordo com o coeficiente eleitoral do partido. Um candidato que pertença a um partido pequeno – leia-se um partido que já não esteja no poder – precisa de muito mais votos que um que pertença a um partido grande».

* * *

Homenagem ao japonês Shinya Yamanaka, pesquisador responsável pela descoberta das células-tronco pluripotentes induzidas. «“Se a investigação com células-tronco embrionárias é a única maneira de ajudar os doentes, acho que temos que fazer isso. Mas, ao mesmo tempo, é um sentimento natural, quero evitar a utilização de embriões humanos”, declarou certa vez o professor Yamanaka».

Simples. Agindo de modo a ser impossível acusar-lhe de obscurantista cristão e, ao mesmo tempo, evitando desprezar os limites éticos como infelizmente sói fazer grande parte dos cientistas fundamentalistas irreligiosos, o dr. Yamanaka fez mais pelo avanço da ciência do que todos os bilhões gastos em fraudes políticas, propagandas apelativas enganosas e financiamentos obscuros em pesquisas fadadas ao fracasso. A ele, o nosso obrigado.

* * *

Reconstruindo Cristo no Brasil comunista: e se Luís Carlos Prestes tivesse sido vitorioso na Intentona Comunista? «Prestes veio a falecer em 7 de março de 1990, desapontado com a queda do Muro de Berlim, o Nobel para Gorbachev e o fim do futebol arte. O Cavaleiro da Esperança se tornou o líder mais tempo à frente de um país, 55 anos, recorde imbatível. Seu concorrente direto, Fidel Castro, ficou “míseros” 49 anos. Apenas um político da República do Maranhão, José Sarney, pode ainda quebrá-lo».

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– Congresso dissidente no Brasil equipara o Concílio Vaticano II com a teologia marxista da liberação (!). Mais do mesmo. Mas é bom registrar: «A realização do evento recebeu a desaprovação pública e explícita da Diocese de Ciudad del Este (no Paraguai) liderada por Dom Rogelio Livieres. Em um texto publicado na sexta-feira 5 de outubro afirmam que esta diocese “une-se à preocupação da Santa Sé diante do Congresso Continental de Teologia que se realizar[á] entre os 7 e 11 de outubro no Brasil”». A hegemonia satânica, graças ao bom Deus, começa a ser quebrada. A voz do bom senso, graças ao bom Deus, torna a fazer-se ouvir.

Sobre a Comissão em Defesa da Vida da Regional Sul 1 da CNBB: nota contra o abortismo do governo Dilma

Grandes feitos têm pequenos começos. O chavão pode ser lugar-comum, mas é bastante adequado para falar sobre a resistência católica ao abortismo petista surgida no Brasil nos últimos anos.

Todo mundo sabe que o PT está escancaradamente comprometido com o morticínio de crianças indefesas no ventre de suas mães. E todo mundo sabe que, para os católicos, a defesa da vida não é um assunto periférico que possa ser utilizado como moeda de barganha política em benefício de outros interesses, por justos que estes sejam. Todo mundo sabe que, para os católicos, a rejeição total e absoluta ao aborto é uma das pré-condições mais básicas para que um candidato ou partido político possa licitamente receber o apoio dos que se preocupam em subordinar a contingência da vida em sociedade aos ditames da Eterna Lei de Deus. Corolário imediato disso é que nenhum católico pode apoiar com o próprio voto um candidato ou partido abortista.

Isto é terrivelmente óbvio, mas precisou ser dito às claras. Há dois anos, próximo às eleições presidenciais, três corajosos bispos da Regional Sul 1 da CNBB assinavam um panfleto que nada fazia senão repetir o óbvio. O pequeno documento terminava recomendando (sim, recomendando somente!) os cidadãos brasileiros a «que, nas próximas eleições, de[ss]em seu voto somente a candidatos ou candidatas e partidos contrários à descriminalização do aborto». Isto foi o suficiente para que se instaurasse um rebuliço geral no Brasil.

A então candidata Dilma Rousseff passou a dar uma de doida e a desdizer publicamente, na maior cara de pau, tudo o que dissera antes a respeito das suas posições em relação à descriminalização do aborto no Brasil. Teve inclusive a pachorra de [já em campanha do segundo turno] ir a uma Missa em Aparecida mesmo sem fazer a menor idéia de como se comportar dentro de um templo católico. A hipocrisia, contudo, não funcionou como era esperado e a candidata do PT perdeu uma vitória que era dada por certa no primeiro turno. Passou-se então à perseguição ditatorial escancarada: os documentos da CNBB foram proibidos de serem circulados, inclusive com uma tentativa de invasão (claramente ilegítima) de uma gráfica por militantes do partido e posterior apreensão (igualmente ilegítima) por meio da Polícia Federal dos panfletos que lá estavam sendo produzidos. Mas o estrago foi tão grande que a sra. Rousseff comprometeu-se a, se eleita, não mexer na legislação brasileira sobre o aborto. Aliás, não fosse o seu adversário escolhido a dedo para perder a farsa eleitoral que tem por único propósito conferir um verniz de legitimidade democrática à tirania já instaurada, a sra. Rousseff certamente perderia as eleições. Teria sido divertido.

Hoje, dois anos e sucessivas tentativas de legalização subreptícia do aborto no país depois (STF e anencéfalos, política de “redução de danos” para mulheres que desejam provocar o aborto, anteprojeto de reforma do Código Penal, nomeação de uma abortista escancarada para a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, etc.), mais uma vez se levanta a voz dos católicos. Após circular a denúncia de que o Governo se prepara para implantar o aborto no país via Ministério da Saúde, a Comissão em Defesa da Vida da Regional Sul 1 da CNBB aprovou recentemente uma dura nota contra o Governo Dilma. O Deus lo Vult! recebeu-a por email; trechos da mesma podem ser encontrados na ACI Digital. O texto contundente termina pedindo provas concretas da boa fé da senhora presidente:

Não queremos que a Presidente Dilma faça pronunciamentos por palavras ou por escrito, queremos fatos:

1. A demissão imediata da Ministra Eleonora Menicucci da Secretaria das Políticas para as Mulheres.

2. A demissão imediata do Secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Helvécio Magalhães, que está coordenando a implantação das novas medidas a serem tomadas por esse Ministério.

3. O rompimento imediato dos convênios do Ministério da Saúde com o grupo de estudo e pesquisa sobre o aborto no Brasil.

Nossos cumprimentos à Comissão em Defesa da Vida da Sul 1, que teve a coragem de tornar públicas estas considerações que são, como bem o sabemos, as mesmas posições que a maior parte da população brasileira tem sobre o assunto. Tendo sido eleita com 55 milhões de votos (o que é bem menos da metade – pra ser exato, apenas 40%do total de eleitores do Brasil em 2010), a senhora presidente parece não estar nem um pouco preocupada em governar de acordo com os anseios da população brasileira. Diante de um governo indesejado pela maior parte dos brasileiros e cujo maior feito nestes dois anos tem sido o descumprimento ostensivo das promessas de campanha a respeito do aborto, é importante que levantemos a nossa voz contra estes descalabros ilegítimos e protestemos energicamente contra o que está acontecendo em nossa Pátria. É importante que a população brasileira saiba o que a presidente está fazendo na presidência do país.

Vota Valores

Recebi via HazteOir.org, a quem pertence a iniciativa pelo Vota Valores. O objetivo (segundo a própria descrição do vídeo no Youtube) é fazer «[u]na campaña para conseguir que los partidos se comprometan con la vida, la familia y la libertad».

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=-eAhHxinv1U

Em novembro próximo – mês que vem – haverá eleições na Espanha. Esta campanha consiste justamente em conscientizar os eleitores de que a defesa dos valores morais é o mais importante e urgente caminho para que o país saia da crise. Porque nada es más crucial para el futuro de España que la defensa de la vida y la famila.

A Espanha também tomou parte das marchas dos “Indignados” de 15 de Outubro (fotos aqui). A situação é insustentável. É urgente ordenar a (justa) indignação para que sejam atacados os verdadeiros problemas. Não existe problema econômico que não tenha raízes em um problema moral, e nem a melhor economia imaginável é capaz de construir sozinha um mundo no qual se valha a pena viver.

O problema é de valores. E “valores”, aqui, não se referem a cifras. Dentro de poucos dias celebraremos a festa de Cristo Rei. Que Ele reine. Que nos socorra sem demora.

As desorientações pastorais e doutrinárias da CNBB

Mostraram-me que a CNBB havia divulgado orientações sobre as eleições. Para ser mais preciso, “[u]ma nota intitulada “Votar Bem” com dez orientações sobre a participação dos fiéis nas próximas eleições foi divulgada nesta quinta-feira, 1, pelos 50 bispos do Regional Sul 1 da CNBB (estado de São Paulo), que participaram da 73ª Assembleia dos Bispos do Regional”.

Fui ver a nota. Nada surpreendentemente, ela apresenta em sua virtual totalidade um tom esquerdizante e naturalista, apenas com alguns surtos (mínimos) de catolicidade – mas mesmo assim tíbios o bastante para serem, na melhor das hipóteses, inócuos. São, na verdade, desorientações. Mais confundem do que ajudam.

O exemplo mais claro disso que estou falando pode ser visto da seguinte maneira: é óbvio que a Igreja não tem (e nem pode ter) candidato político. Mas a Igreja pode e dever dizer quem NÃO é um candidato aceitável. Ora, nas citadas orientações, qual a única ocasião em que é dada uma orientação negativa? É justamente quando, no ponto 6, diz-se que “[c]andidatos com um histórico de corrupção ou má gestão dos recursos públicos não devem receber nosso apoio nas eleições”.

Ou seja, segundo a Regional Sul 1 da CNBB, a única coisa que é inaceitável na política brasileira a ponto de merecer uma “desrecomendação” pública e expressa é… a má gestão dos recursos públicos! E o aborto? Quem apóia aborto pode receber o apoio dos católicos nas eleições? Na nota, isso não está dito com a ênfase necessária. Orienta-se apenas que se “veja” (sim, o verbo é esse mesmo!) “se os candidatos e seus partidos estão comprometidos com a justiça e a solidariedade social, a segurança pública, a superação da violência, a justiça no campo, a dignidade da pessoa, os direitos humanos, a cultura da paz e o respeito pleno pela vida humana desde a concepção até à morte natural”. Só no final de uma longa e enfadonha lista é feita menção ao aborto, e mesmo assim sem nem mesmo usar a palavra exata.

E o Gayzismo? Pode-se dar o voto a gayzistas? De novo, a nota não diz quase nada. Fala-se, muito genericamente, no “respeito à família”. “Ajude a promover, com seu voto, a proteção da família contra todas as ameaças à sua missão e identidade natural”. De novo, como na questão do aborto, não há a recomendação negativa que existe para a “má gestão dos recursos públicos”. Parece que, para a CNBB, a primeira e mais importante coisa que deve ser olhada é se o candidato possui “ficha limpa”. O resto, é plena discordância legítima. Votar em quem tem “histórico de (…) má gestão dos recursos públicos” é o único crime que não pode ser cometido, o único pecado cívico contra o Espírito Santo que não tem perdão. O resto, é coisa de pouca monta, é diversidade legítima. “Veja” se seu candidato é abortista, “ajude” a defender a família…

Sugiro que se catolicize este lixo naturalista emanado pela Conferência. Sim, católicos, votem apenas em quem possui a ficha limpa!

Seu candidato já foi terrorista? Ficha suja! Não vote nele! O seu candidato já desviou recursos públicos para a promoção da imoralidade na Parada da Vergonha Gay? Ficha suja! Má gestão dos recursos públicos! Não vote nele. O seu candidato já batalhou pela liberação do aborto no Brasil? Ficha suja! Não vote nele. Já autorizou o uso de dinheiro público para o assassinato de crianças inocentes? Ficha suja! Má gestão dos recursos públicos! Não vote nele!

Só assim os católicos poderão exercer de maneira consciente a sua cidadania. Senhores bispos, custa falar as coisas da maneira que o povo entenda?

* * *

Como se não bastasse a desorientação pastoral que consta na tal nota, a primeira frase que se lê nela é uma grosseira heresia. Em negrito e itálico, é dito que “o poder político emana do povo”, em frontal contradição à carta de São Paulo aos Romanos, onde o Apóstolo diz que “não há autoridade que não venha de Deus” (Rm 13, 1).

Esta tese liberal e revolucionária de que o poder emana do povo já foi expressamente condenada pela Igreja. Por exemplo, pelo Papa Leão XIII, na Encíclia Libertas (o texto é longo, mas vale a pena ser lido porque é profético):

17. E, com efeito, o que são os partidários do Naturalismo e do Racionalismo em filosofia, os fautores do Liberalismo o são na ordem moral e civil, pois que introduzem nos costumes e na prática da vida os princípios postos pelos partidários do Naturalismo. — Ora, o princípio de todo o racionalismo é a supremacia da razão humana, que, recusando a obediência devida à razão divina e eterna e pretendendo não depender senão de si mesma, se arvora em princípio supremo, fonte e juiz da verdade. Tal é a pretensão dos sectários do Liberalismo, de que Nós falamos: não há, na vida prática, nenhum poder divino ao qual se tenha de obedecer, mas cada um é para si sua própria lei. Daí procede essa moral que se chama independente, e que, sob a aparência da liberdade, afastando a vontade da observância dos preceitos divinos, conduz o homem a uma licença ilimitada.

É o que, finalmente, resulta disto, principalmente nas sociedades humanas, é fácil de ver; porque uma vez fixada essa convicção no espírito de que ninguém tem autoridade sobre o homem, a conseqüência é que a causa eficiente da comunidade civil e da sociedade deve ser procurada, não num princípio exterior ou superior ao homem, mas na livre vontade de cada um, e que o poder público dimana da multidão como sendo a sua primeira fonte; além disso, tal como a razão individual é para o indivíduo a única lei que regula a vida particular, a razão coletiva deve sê-lo para a coletividade na ordem dos negócios públicos; daí o poder pertence ao número, e as maiorias criam o direito e o dever.

Leão XIII, Libertas Praestantissimum, grifos meus

O que eu grifei, e que o Papa condena, é exatamente o que, com quase as mesmas palavras, a CNBB afirma hoje! Se fossem católicos ignorantes, poder-se-lhes-ia desculpar; mas os pastores da Igreja iniciando um documento com uma erro doutrinário crasso já condenado pelo Magistério há muito tempo, é demais. Exsurge, Domine! Quare obdormis?

Moralidade do voto em candidatos menos indignos

[Publico na íntegra texto que recebi por email e encontrei no Cruzados de Maria; o contexto é o das eleições municipais espanholas do início do século passado, e tem muito a ver com as discussões acaloradas que se estão travando sobre as eleições presidenciais que se avizinham. O artigo é bem longo, de modo que é necessário clicar no link abaixo para lê-lo na íntegra. No entanto, parece-me extremamente pertinente.

Publico constrangido, sem concordar totalmente com as conclusões às quais ele conduz e – mais ainda! – sem estar convencido de que elas se apliquem com exatidão à situação corrente. Mas, tendo eu defendido posição contrária, impõe-se como uma questão de justiça dar a conhecer o parecer de outros mais sábios e doutos do que eu próprio. Não acredito que isto encerre a discussão, mas sem dúvidas contribui para ela. Que a Virgem Santíssima tenha piedade do Brasil.]

Livre-tradução do artigo “Moralidad del voto a candidatos menos indignos” do Padre Pablo Suárez do Distrito da América do Sul da FSSPX, publicado na edição número 7 dos “Cuadernos de La Reja” – especial “Fazer Política”.

Palavras do editor dos “Cuadernos de La Reja

Neste artigo é feita a exposição de uma discussão doutrinal tida na Espanha nos começos do século passado, por motivo das eleições municipais, resolvidas pela intervenção de São Pio X. O problema que se apresentou então aos católicos espanhóis é o mesmo que, em circunstâncias cada vez piores à medida que avança a corrupção política e social, se apresenta hoje aos católicos do mundo inteiro: Que atitude tomar diante da mentira da democracia atual que nos chama a eleger entre candidatos maus, piores e péssimos, todos contrários às nossas mais fundamentais convicções, para logo felicitarmo-nos porque exercemos a “soberania popular”? O problema é hoje ainda mais complexo, e ao publicar este artigo não pretendemos resolvê-lo. Queremos deixar muito claro que a finalidade que buscamos ao pedir esta relação ao autor – filho querido de nosso Seminário – não é encorajar a participação dos católicos na farsa eleitoral, porque se há algo que foi levando os Estados cristãos à catástrofe na qual nos encontramos, foi crer impossível a resistência aos dogmas republicanos da Revolução. A finalidade imediata é a que expressa o título do livreto: contribuir com alguns esclarecimentos aprovados pelo Magistério da Igreja sobre o difícil problema moral do voto a um candidato indigno. E a finalidade última e principal é que – recorrendo às palavras de São Pio X com que termina o escrito – “tenham todos presente que, diante do perigo da religião ou do bem público, a ninguém é lícito permanecer ocioso”. Porque diante da enormidade do mal corremos o grave risco de renunciar à ação, por mais pequena que esta seja, pelo bem comum da Pátria e da sociedade.

Moralidade do voto a candidatos menos indignos
– Rev. Pe. Pablo Suárez

O título escolhido para apresentar o tema deste trabalho representa uma posição concreta da matéria que abordará; não parece que seja mal fazê-lo assim e, contudo, também poderia intitular-se “Dois artigos e uma carta” pois, na realidade, também se trata disso: por um lado, de dois escritos aparecidos quase um século atrás em uma prestigiosa revista católica espanhola, “Razón y Fe“, e por outro, de uma carta do Papa São Pio X, as três focalizando a problemática referida.

Preliminarmente, seria conveniente formular uma advertência, a saber: que para quem isto escreve, não é do caso converter-se em aficionado delas, senão tão somente basear-se em um dado mais reputado e importante que sirva como elemento de juízo subsidiário para encarar esta espinhosa questão, com a qual certamente têm que conviver os católicos contemporâneos.

Nessa inteligência, o mais apropriado será fazer como uma espécie de relação dos acontecimentos, deixando que sejam os fatos, as opiniões e os atores mesmos envolvidos quem apareçam em primeiro plano, já que é em torno deles que gira toda a questão.

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A análise de conjuntura da CNBB

Alegrei-me nas últimas semanas com a CNBB, devido às tomadas públicas de posição contra o PNDH-3 do Governo Federal. No entanto, como “esmola demais o santo desconfia”, fiquei sabendo (via Blog do Saraiva) de um texto escandaloso – publicado no site da Conferência – que praticamente desdiz tudo o que foi dito contra o programa antes.

Faço questão de transcrever a parte referente ao PNDH-3:

Polêmica sobre o 3º PNDH

Nesse cenário explica-se a celeuma em torno do III Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Mesmo sem perder de vista os pontos controvertidos e a necessária crítica a alguns dos seus aspectos. Principalmente no que diz respeito a reducionismos que consideram apenas algumas dimensões do ser humano, fruto da cultura relativista que atinge setores sociais e da mídia. Entretanto, a maioria do PNDH-3 e dos temas nele contidos dialogam com a trajetória de muitos movimentos e pastorais que há décadas lutam pela implementação.

Ademais, este se configura como continuidade do PNDH I e o PNDH II – respectivamente publicados em 1996 e em 2002. Aliás, o PNDH foi uma idéia do Brasil e da Austrália em 93, na Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, Áustria. O 3º PNDH representa o acúmulo de debates realizado em dezesseis anos continuidade na construção da política de Direitos Humanos, representada pelos 1º e 2º PNDH, ultrapassando assim o atual governo federal. Foi construído com ampla participação da sociedade civil em Conferências Municipais, Estaduais e Nacional de Direitos Humanos.

A atitude de diálogo manifestada pela CNBB em sua nota de janeiro abriu canais para a conversa com o Ministro Paulo Vanucchi, titular da Secretaria Especial de Direitos Humanos e contribuiu para o aprofundamento do debate para que se avance na efetivação dos direitos humanos já consagrados na história brasileira e com amplo consenso social, e a identificação de mecanismos de revisão dos temas sobre os quais é preciso haver maior debate e, quiçá, um arbitramento das diferenças existentes.

A má redação do texto é essa mesma. E as más idéias subjacentes, idem: mesmo com todos os problemas – gravíssimos e inaceitáveis, absolutamente inegociáveis – que tem o Plano Nacional de Direitos Humanos, segundo a análise de conjuntura disponível no site da CNBB, “a maioria dele está de acordo com os movimentos e as pastorais”, “ele foi construído por meio de uma ampla participação social”, “é necessário debater para superar as diferenças existentes”, e outra infinidade de arrodeios satânicos, de subterfúgios infernais, de tergiversações diabólicas, que pretendem relativizar a condenação firme a este Programa anti-católico – exigida por justiça a quem deseje permanecer católico.

Não exagero. Não dá para ser católico e socialista ao mesmo tempo. Não dá para ser católico e apoiar a instauração do Ateísmo como religião oficial do Estado ao mesmo tempo. Não dá para ser católico e, ao mesmo tempo, ser gayzista. Não dá para ser católico e apoiar o aborto ao mesmo tempo. Ora, todas essas coisas são expressamente defendidas pelo PNDH-3; logo, não dá para ser católico e apoiar este maldito programa ao mesmo tempo.

Esta análise de conjuntura, publicada no site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, não é católica. Mesmo não sendo um documento oficial e não contendo a assinatura da presidência ou do secretariado geral, não importa: é escandaloso que esteja publicado no site da Conferência, que contenha o logotipo da CNBB, que seja assinado por pessoas que pertencem à entidade.

O texto possui doze páginas das quais nada se aproveita. E chega até a fazer uma propaganda política cretina, ao citar pesquisas de opinião segundo as quais a maior parte dos entrevistados considera o presidente Lula “confiável”, ao mesmo tempo em que apresenta Dilma como aquela que “representa a continuidade do Governo Lula, que prosseguirá com o modelo desenvolvimentista, com sensibilidade para a questão social” e, José Serra, encarnando “o retorno da política neoliberal anteriormente efetivada por Fernando Henrique Cardoso, dialogando com os interesses do empresariado nacional e do capital internacional”. Francamente! Não que Serra seja um candidato aceitável para os católicos. Mas, certamente, o motivo disso não é o “retorno da política neoliberal”.

Sobre os assuntos importantes, como o PLC 122/2006 (a lei da Mordaça Gay), o texto é profundamente lacônico: apenas quatro linhas dizendo que ele existe e que está aguardando a realização de uma audiência pública. Sem o menor juízo de valor, sem críticas, sem nenhuma referência à posição católica sobre o tema, sem nada. Deplorável.

É esta a “análise de conjuntura” que os os bispos do Brasil têm a apresentar aos católicos brasileiros? Uma defesa mal disfarçada do PNDH-3, propaganda política descarada a favor da candidata petista, omissões e lacunas imperdoáveis nos assuntos graves que merecem esclarecimentos, tudo isso escrito no intragável palavrório esquerdista que ninguém suporta mais? A CNBB vai mesmo endossar esta picaratagem?

Polêmica sobre o 3º PNDH
Nesse cenário explica-se a celeuma em torno do III Plano Nacional de Direitos Humanos
(PNDH-3). Mesmo sem perder de vista os pontos controvertidos e a necessária crítica a alguns dos
seus aspectos. Principalmente no que diz respeito a reducionismos que consideram apenas algumas
dimensões do ser humano, fruto da cultura relativista que atinge setores sociais e da mídia.
Entretanto, a maioria do PNDH-3 e dos temas nele contidos dialogam com a trajetória de muitos
movimentos e pastorais que há décadas lutam pela implementação.
Ademais, este se configura como continuidade do PNDH I e o PNDH II – respectivamente
publicados em 1996 e em 2002. Aliás, o PNDH foi uma idéia do Brasil e da Austrália em 93, na
Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, Áustria. O 3º PNDH representa o acúmulo de
debates realizado em dezesseis anos continuidade na construção da política de Direitos Humanos,
representada pelos 1º e 2º PNDH, ultrapassando assim o atual governo federal. Foi construído com
ampla participação da sociedade civil em Conferências Municipais, Estaduais e Nacional de
Direitos Humanos.
A atitude de diálogo manifestada pela CNBB em sua nota de janeiro abriu canais para a
conversa com o Ministro Paulo Vanucchi, titular da Secretaria Especial de Direitos Humanos e
contribuiu para o aprofundamento do debate para que se avance na efetivação dos direitos humanos
já consagrados na história brasileira e com amplo consenso social, e a identificação de mecanismos
de revisão dos temas sobre os quais é preciso haver maior debate e, quiçá, um arbitramento das
diferenças existentes.

Três Curtas

CNBB reforça pressão por projeto da ficha limpa; no site da Conferência, leio que o Senado deve ouvir “a voz do povo manifestada nas assinaturas recolhidas pelo Movimento que já ultrapassam 1,5 milhão”.

O que é o projeto? Tem um site próprio, onde pode ser encontrada a íntegra da proposta e uma sua versão resumida. A idéia é, entre outras coisas, “aumenta[r] o rol de situações que podem impedir o registro de uma candidatura”.

Entendo a frustração brasileira. No entanto, considero a lei injusta. Acho completamente nonsense que alguém seja punido por ter sido condenado em primeira instância (dado o país no qual vivemos) ou, pior ainda, simplesmente por ter uma denúncia contra si. Este projeto de lei não é inconstitucional?

O problema moral brasileiro é mais grave e não vai ser resolvido “na canetada”. A CNBB teria muito a contribuir para a construção de uma sociedade mais justa et cetera; infelizmente, o órgão parece não ter idéia de como fazer isso. Rezemos pelo Brasil.

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– No J.P. Coutinho: Relógios e Rousseau. “[O]s suíços resolveram proibir a construção de minaretes islâmicos no seu espaço nacional”.

Uma tão terrível afronta à liberdade religiosa fez os esquerdopatas de todos os naipes rasgarem as vestes, indignados. Mas a parte mais irônica da história toda é posta a descoberto pelo articulista português: “[p]ara quem sempre divinizou a soberania popular, criticar os suíços é coisa de reacionário”.

O “aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei” é mesmo uma coisa fantástica e atingiu um novo patamar no recente caso suíço: se a lei estiver a favor dos inimigos, azar da lei.

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Foi ratificado hoje pela manhã o acordo entre a Santa Sé e o Brasil. Com a cerimônia desta manhã (10 de dezembro de 2009), entra em vigor o acordo.

Mais de um ano após ter sido assinado. Após muito blá-blá-blá dos laicínicos de plantão. “Por parte de la Santa Sede, se lee en un comunicado, participaron en el acto el arzobispo Dominique Mamberti, secretario para las Relaciones con los Estados y por parte de la República Federativa de Brasil, el embajador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, con plenos poderes”.

Vale a pena ler de novo: ACORDO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A SANTA SÉ RELATIVO AO ESTATUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL.

Uh, olha o golpe aê!

Barreto: Dilma não motiva meu pedido de 3º mandato.

– Foi a certeza de que a continuidade das políticas do presidente Lula melhoraram a condição de vida da população nordestina. Hoje o sentimento da população em relação ao Lula é de alguém que olhou para os pobres e para o nordeste. Então eu, como intérprete do pensamento das minhas bases, fiz o que achei preciso.

[…]

A proposta de Barreto é permitir duas reeleições para presidente, governador e prefeito. A emenda prevê também a realização de um referendo em setembro, assim, faz valer para a eleição de 2010. Para Barreto, esta é uma maneira de assegurar “o jogo democrático”.

E o Brasil vai se transformando numa grande Venezuela…