Meditando o Mistério da Eucaristia: contra os maus filósofos e falsos doutores

É verdadeiramente impressionante a quantidade de lixo herético que circula livremente pelos novos meios de comunicação, ostentando ares de catolicismo e disseminando a confusão entre os fiéis católicos. A mais nova pérola é este texto que leva por título “Corpus Christi: Momento para repensar o mistério da Eucaristia”, da autoria do sr. José Lisboa Moreira de Oliveira e (nada surpreendentemente) publicado em Adital, um dos maiores portais de porcaria pretensamente católica que existe na internet dos nossos dias.

O texto é repleto de um ethos anti-católico de uma ponta à outra, além de misturar mentiras deslavadas com interpretações toscas sobre os Evangelhos em tal profusão que consegue (por certo deliberadamente) ofuscar o que existe de mais importante na celebração de Corpus Christi que toda a Igreja vai festejar depois de amanhã. Este texto é de um desserviço tamanho que custa imaginar ter sido possível escrevê-lo de outra maneira que não por inspiração direta de Satanás. Comento-o rapidamente.

O primeiro momento deste processo reflexivo deveria ser um repensar a própria solenidade de Corpus Christi. Sabemos que esta festa surgiu no auge de uma violenta crise pela qual passava a Igreja Católica. A liturgia havia se sofisticado e se distanciado do povo. Era celebrada em latim, língua não mais falada pelas comunidades. Além de serem celebradas numa língua incompreensível, as liturgias eram pomposas, luxuosas, uma verdadeira afronta aos pobres.

Primeiro que é uma mentira deslavada que a festa tenha surgido “no auge de uma violenta crise pela qual passava a Igreja Católica”. Que crise, cara-pálida? A festa foi instituída no século XIII, século das luzes, apogeu da Cristandade, quando as sucessivas vitórias da Igreja nas cruzadas contra os mouros e na Inquisição contra os cátaros já desabrochavam em flor vistosa e já permitiam uma relativa paz e tranqüilidade na Europa, que se desenvolvia garbosamente.

Ademais, a liturgia se sofisticara, sem dúvidas, mas não “se distanciara” do povo porque – nunca é demais repetir – a Liturgia não é para o povo e sim para Deus. É o povo que deve se elevar até Deus através da Sagrada Liturgia, e isso se consegue tanto melhor quanto mais solenes forem as celebrações da Igreja. Os que chamam isto de “afronta aos pobres” curiosamente nunca foram pobres na vida, e a realidade da piedade dos menos favorecidos materialmente (em todos os tempos e culturas) dá testemunho constante a respeito de quão descabido é este discurso de ódio às coisas sagradas que usa por pretexto uma pobreza que é via de regra estranha e desconhecida aos que o proferem.

Assim, por exemplo, o preço da missa dependia do modo como o padre erguia a hóstia consagrada durante a anamnesis, chamada de “consagração”, e considerada o momento mais importante da missa. Quanto mais alta a elevação, mais cara era a missa.

Como o sr. José não cita as fontes de suas afirmações gratuitas, fica impossível saber se este fato é verdade ou se é mais uma mentira estúpida (como a da “violenta crise” da Igreja no século XIII). Em todo caso, o que importa aqui é i) que a Igreja jamais determinou “preço” de Sacramento algum, condenando duramente e desde sempre a prática da simonia; ii) que os emolumentos estipulados pelas autoridades eclesiásticas por ocasião da administração dos sacramentos existem até os dias de hoje, sendo uma prática perfeitamente razoável e que não se confunde (a não ser graças à má-fé de alguns) com “preço da missa”; e iii) que não se tem registro histórico de algum tempo ou lugar – caso os haja, apresentem-nos! – onde a cobrança de taxas proporcionais à altura da elevação da Hóstia Consagrada no momento da Consagração tivesse o status de costume legítimo (e não de – no máximo! – abuso coibido).

As pessoas não mais participavam da Eucaristia e a tinham apenas como simples devoção. Iam às igrejas para adorar o Santíssimo Sacramento e não para participar da Ceia do Senhor.

Eu não sei se o autor não sabe ou finge não saber, mas a única maneira de se “participar da Ceia do Senhor” é adorando-O. Não existe esta oposição apresentada entre “adorar o Santíssimo Sacramento” e “participar da Ceia do Senhor”, muitíssimo pelo contrário: esta participação só é possível por meio daquela adoração, como veremos mais abaixo com Santo Agostinho. Comungar é adorar.

A situação ficou tão grave que a própria hierarquia determinou que se comungasse pelo menos uma vez por ano, durante o período da Páscoa.

Mais outra falsidade histórica gritante: as pessoas comungavam pouco não por “falta de piedade” ou por “ignorância” da Eucaristia, mas exatamente pela razão contrária: porque sabiam perfeitamente que a Eucaristia era o Corpo do Senhor e levavam por isso muitíssimo a sério aquela advertência de São Paulo: “quem come e bebe sem distinguir a Carne do Senhor, come e bebe a própria condenação” [cf. 1Cor 11, 29]. A (relativa) pouca freqüência à comunhão eucarística não era porque “o povo” se sentia “distante” da “hierarquia” nem nenhuma outra bobagem do tipo: o povo comungava menos porque levava a Eucaristia mais a sério. Muito mais a sério, aliás, do que A leva o sr. José de Oliveira!

Foi neste contexto que o papa Urbano IV, em 1264, fixou a solenidade de Corpus Christi: uma festa para adorar pública e pomposamente a hóstia consagrada. Portanto, a festa de Corpus Christi, como veremos a seguir, é um desvirtuamento radical do significado litúrgico do mistério do Corpo e do Sangue do Senhor. Ou, se preferirmos, uma traição do pedido do Mestre: “Tomai e comei, tomai e bebei”.

Ora, vê-se que o sr. José ou não sabe usar conjunções conclusivas ou não sabe encadear raciocínios (ou as duas coisas). A afirmação de que a festa de Corpus Christi “é um desvirtuamento radical do significado litúrgico do mistério do Corpo e do Sangue do Senhor” não está implicada (nem mesmo pretensamente) pelo blá-blá-blá anterior e, portanto, não cabe o uso de coordenação conclusiva.

Considero a festa de Corpus Christi, na forma como ainda é celebrada atualmente, um desvirtuamento litúrgico e uma traição do mandato de Cristo por várias razões. Antes de tudo porque Jesus não deixou dito que ele queria ser adorado pomposamente num ostensório luxuoso nas igrejas e pelas vias públicas de uma cidade

Irrelevante, porque Ele tampouco deixou dito o contrário. E Aquele “que não tinha onde reclinar a cabeça” Se permitiu, sim, algumas atitudes dos Seus discípulos que seriam facilmente consideradas como “traições” por gente do naipe do sr. José de Oliveira, como p.ex. naquela ocasião em que Ele deixou uma mulher derramar um vaso inteiro de perfume caro sobre Sua cabeça [cf. Mt 26, 7].

Colocar a Eucaristia, sacramento do simples e pobre pedaço de pão, num ostensório de ouro é, recordando São João Crisóstomo, ofender aquele que não tinha onde reclinar a cabeça.

De novo, não é citada fonte alguma da citação que (se existe) está certamente descontextualizada, uma vez que uma besteira desta magnitude jamais seria sequer insinuada pelo Doutor Eucarístico e que é o autor da Divina Liturgia que leva seu nome.

Em segundo lugar porque o cerne da Eucaristia está não na adoração, mas na refeição, na comida, na ceia. Ou, se quisermos, o modo correto de adorar a Eucaristia é participar da ceia, é comer do pão e beber do cálice

Pode até ser que na cabeça do sr. José o cerne da Eucaristia não esteja na adoração. Na Fé legada por Cristo à Sua Igreja, no entanto, sempre foi necessário adorar a Cristo Eucarístico. Na conhecida frase de Sto. Agostinho (relembrada, p.ex., na Sacramentum Caritatis): «Nemo autem illam carnem manducat, nisi prius adoraverit; (…) peccemus non adorando – ninguém come esta carne, sem antes a adorar; (…) pecaríamos se não a adorássemos». Ora, diante do Papa Bento XVI citando Santo Agostinho de Hipona, quem é o sr. José Lisboa Moreira de Oliveira para vir com estes despautérios? Por que as besteiras que este senhor escreve mereceriam mais crédito do que as palavras do Papa e dos Padres da Igreja?

As normas para o culto à Eucaristia fora da missa, emanadas pelo próprio Vaticano, são muito claras a este respeito. Chegam inclusive a dizer que se deve evitar neste culto tudo aquilo que possa tirar da Eucaristia a sua natureza de alimento, de comida, de refeição. Por rigor de lógica as espécies eucarísticas, quando colocadas para a veneração dos fiéis, deveriam ser postas em pratos de comida e não em ostensórios luxuosos.

Haja paciência! “A conservação da Santíssima Eucaristia e seu culto fora da missa” é precisamente o nome de um dos capítulos da Redemptionis Sacramentum, instrução “[s]obre algumas coisas que se devem observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia”. Lá não existe uma única palavra sobre “evitar neste culto tudo aquilo que possa tirar da Eucaristia a sua natureza de alimento, de comida, de refeição” (!) que o autor do artigo inventou. O que existe em outra parte do mesmíssimo documento (n. 77) é precisamente o contrário:

[77.] A celebração da santa Missa, de nenhum modo, pode ser inserida como parte integrante de uma ceia comum, nem se unir com qualquer tipo de banquete. Não se celebre a Missa, a não ser por grave necessidade, sobre uma mesa de refeição, ou num refeitório, ou num lugar que será utilizado para uma festa, nem em qualquer sala onde hajam alimentos, nem os participantes na Missa se sentem à mesa, durante a celebração. Se, por uma grave necessidade, deva-se celebrar a Missa no mesmo lugar onde depois será a refeição, deve-se mediar um espaço suficiente de tempo entre a conclusão da Missa e o início da refeição, sem que se exibam aos fiéis, durante a celebração da Missa, alimentos ordinários.

Entendeu, sr. José? As “normas emanadas pelo Vaticano” dizem exatamente o contrário do que o senhor está dizendo, i.e., que não é permitido celebrar a Eucaristia em um contexto que lembre o de uma refeição comum! E se o autor deste lixo de texto mente assim de modo tão descarado sobre textos recentes que qualquer um pode encontrar na internet, o quanto não será que ele mente a respeito de textos antigos dos Padres da Igreja aos quais o acesso é muito mais difícil?

Assim a concepção comum presente na mente de bispos, padres e fiéis é que os termos “carne”, “corpo”, “sangue” se refiram exclusivamente ao corpo biológico de Jesus.

De novo, só se for na cabeça do sr. José, que já deve ter percebido o quanto é fácil e cômodo atacar espantalhos. À parte as besteiras proferidas no texto, toda criança recém-catequizada aprende que na Eucaristia está presente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não tem nada de “exclusivamente” o “corpo biológico de Jesus”, ao contrário do que disse o autor do artigo. A Fé dos “bispos, padres e fiéis” católicos é esta: «No santíssimo sacramento da Eucaristia estão “contidos verdadeiramente, realmente e substancialmente o Corpo e o Sangue juntamente com a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, o Cristo todo”» (CEC §1374). Donde fica desmascarada esta [mais uma] mentira do sr. José, sobre a concepção dos católicos a respeito da Sagrada Eucaristia.

Por fim, a festa de Corpus Christi deveria ser um momento para se pensar numa solução definitiva para o problema daquelas milhares de comunidades cristãs espalhadas pelo mundo e que são privadas da celebração eucarística dominical, por falta de um ministro ordenado que a presida.

A “solução definitiva” para isto foi dada pelo próprio Jesus: «Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para sua messe» (Mt 9, 38). Não existe mágica: sem ministro ordenado não há Eucaristia. Infelizmente, ao invés de usar a festa de Corpus Christi para fomentar as orações pelas vocações, o autor do artigo quer reduzir a Santíssima Eucaristia a uma refeição comum que qualquer pessoa pode “confeccionar” por conta própria. Concepção mais protestante impossível.

Mesmo reconhecendo que em circunstância normais cabe ao bispo e seu conselho presbiteral presidir a Eucaristia, Tertuliano afirmava: “Onde não há um colégio de ministros inseridos, tu, leigo, deves celebrar a Eucaristia e batizar; tu és, então, o teu próprio sacerdote, pois, onde dois ou três estão reunidos, aí está a Igreja, mesmo que os três sejam leigos”.

A cereja do bolo vem no final! Depois de mentir, mentir e mentir de novo ao longo de todo o texto, será que merece crédito a citação final de Tertuliano (que, mais uma vez, é sacada da cartola sem referência e sem nada)? Ainda considerando que ela seja verídica com todas as aspas que o autor coloca (o que é inverossímil, mas vá lá), ainda assim não muda em uma vírgula a Fé da Igreja expressa com clareza pela totalidade dos Padres, pois de Tertuliano se pode parafrasear São Jerônimo e dizer: «De Tertuliano não direi senão que não pertenceu à Igreja». De fato, Tertuliano rompeu com a Igreja Católica e, portanto, esta frase alardeada pelo sr. José de Oliveira, se verídica for, é certamente expressão das suas próprias crenças pessoais, e não testemunho da Fé da Igreja de Cristo.

A despeito de eu ter cortado muita coisa do texto do sr. José de Oliveira, mesmo assim esta resposta ficou longa; mas é necessário defender a Fé da Igreja de Cristo, quando [falsos] doutores e [maus] filósofos vêm entulhar a internet com lixo teológico travestido de reflexão católica séria. Estamos às vésperas da Solenidade de Corpus Christi e, nesta Quinta-Feira sublime, importa-nos adorar devotamente a Divindade de Cristo oculta sob as espécies do pão e do vinho. Com toda a pompa que Ele – o Rei dos Reis! – merece, com toda a solenidade com a qual a Igreja de Deus sempre reverenciou o Santíssimo Sacramento do Corpo e do Sangue de Deus. Importa-nos oferecê-Lo tudo o que somos e tudo o que temos! A fim de que, reverenciando com dignidade o Senhor da História oculto sob um pequeno pedaço de pão, possamos ter um dia a – imerecida – glória de vê-Lo como Ele é; de sermos felizes contemplando a face d’Aquele que, hoje, veneramos no Santíssimo Sacramento do Altar.

Pe. Demétrio e Pe. Paulo Ricardo na Canção Nova

Como todos sabem, a Canção Nova tem as suas (grandes) presepadas. De vez em quando, no entanto, ela permite que aconteçam algumas coisas maravilhosas.

Ontem, Quinta-Feira, o pe. Demétrio Gomes e o pe. Paulo Ricardo estiveram presentes na emissora. Deram palestras, celebraram a Santa Missa e participaram do programa “Escola da Fé” com o professor Felipe Aquino. Quanto a este último programa, eu ainda não encontrei na internet (alguém tem?); mas ouvi as palestras, que estão abaixo, e valem (muitíssimo!) a pena?

Deste último vídeo, a propósito, eu destaco:

Nós não podemos querer que nossas Missas agradem o mundo. (…) Querer agradar os homens é querer desagradar a Deus. (…) Os liturgistas são incapazes de perceber esta maravilha: o Céu e a Terra. E é por isso que o padre coloca uma roupa diferente, porque ele não está vivendo algo do seu dia a dia, algo trivial, algo comum. E e é por isso que as palavras são diferentes, é por isso que os cantos são diferentes, porque ali se realiza algo diferente. Não é humano; é de Deus, é do Céu, e nós não podemos converter os nossos presbitérios em palcos de show. Ali acontece a ação mais sagrada e transcendente da história dos homens. Não existe nada na terra mais importante do que a Missa, e os homens devem perceber o Sagrado que se actualiza pela voz, pelos gestos, por atos pequenos do sacerdote, porque nesses atos ele manifesta o seu amor ao sublime mistério de Deus. Em resumo, o que nós precisamos é de obediência àquilo que a Igreja pede.

Estas palavras foram proferidas na Canção Nova! E eu soube que, na Santa Missa celebrada à tarde, foram numerosos aqueles que receberam a Sagrada Comunhão de joelhos. O povo tem sede de Deus! Bem faria a Canção Nova se divulgasse mais eventos assim; se permitisse mais vezes a participação daqueles que querem realmente defender com fidelidade a Igreja Católica.

P.S.: (via Ecclesia Una): as palestras estão transcritas aqui, aqui e aqui.

“Tu és nada” – Carlo Carretto

[Agradeço ao Alex Borges pelo envio do texto abaixo, que é muito rico e espiritualmente proveitoso. Vale uma leitura e meditação.

Teria uma única ressalva a fazer com relação à expressão “desintelectualizar”, que pode dar margens a interpretações errôneas e sugerir uma oração de caráter meramente sentimental; no entanto, o próprio texto deixa claro que o encontro com Deus dá-se “acima da sensibilidade” e, portanto, não imagino que haja espaço para alguém defender, com base nele, um fideísmo irracional. Deixo apenas o comentário à guisa de alerta. O texto é, no geral, excelente.]

Tu és nada

por Carlo Carretto

A grande riqueza do noviciado no deserto do Saara é, sem dúvida, a solidão e a alegria da solidão, o silêncio, um silêncio, o verdadeiro, que envolve tudo, que invade todo o ser, que fala à alma com uma força maravilhosa e nova, certamente desconhecida ao homem distraído.

Para aprender a viver tal silêncio, o mestre de noviços permite-nos sair a fim de viver alguns dias “de deserto”. Uma cesta de pão, um pouco de tâmaras, água, a Bíblia. Caminhada de um dia. Uma gruta. O sacerdote celebra a santa missa e a seguir deixa a gruta, sobre um altar de pedras, a Eucaristia. Ficaremos a sós com a Eucaristia exposta dia e noite, durante uma semana. Silêncio no deserto, silêncio na gruta, silêncio na Eucaristia. A natureza rebela-se com todas as forças. A sensibilidade, a memória, a fantasia, tudo se sente mortificado. Somente a fé triunfa; e a fé é dura, é escura, é nua.

“Não dá gosto adorar a Eucaristia”, dizia-me um noviço. Mas é justamente a mortificação do gosto que faz com que a oração se torne forte e verdadeira. É o encontro com Deus acima da sensibilidade, acima da fantasia, acima da natureza. Este é o primeiro aspecto do despojamento. Enquanto minha oração permanecer ancorada no gosto, haverá altos e baixos; depressões irão se seguir a entusiasmos efêmeros. “É necessário despojar a tua oração”, disse-me o mestre de noviços. “É necessário simplificar, desintelectualizar. Põe-te diante de Jesus à semelhança de um pobre: sem idéias, mas com fé viva. Permanece imóvel num ato de amor diante do Pai. Não procures alcançar a Deus com a inteligência: jamais o conseguirás. Alcança-o com amor: isso é possível.”

Após algumas horas – ou alguns dias – de tal ginástica, o corpo se aplaca. Já que a vontade lhe recusa o prazer sensível, não mais o procura: torna-se passivo. Os sentidos adormecem numa mansão silenciosa e pacífica. A oração, então, transforma-se numa coisa séria, ainda que dolorosa e árida, mas tão séria que se torna indispensável. A alma passa a participar do trabalho redentor de Jesus.

Ajoelhado na areia, diante do rude ostensório que continha Jesus, estava meditando sobe o mal do mundo: ódios, violências, torpezas, impurezas, mentiras, egoísmos, traições, idolatrias, adultérios. Ao meu ver, a gruta tornara-se tão vasta quanto o mundo, e interiormente contemplava a Jesus oprimido sob o peso de tantos males.

Qual era a minha situação em confronto com a dele?

Pensara eu, durante muitos anos, em ser “alguém” na Igreja. Chegara a ponto de considerar este edifício sagrado e vivo como um templo sustentado por muitas colunas pequenas e grandes, e sob cada uma delas os ombros dos cristãos. Acreditava eu que também sobre os meus estivesse o peso de uma delas, ainda que pequena. Mas, enquanto meu primeiro mestre dissera-me: “Primeiro em tudo para a honra de Cristo-Rei”, o último, Charles de Foucauld, sugeria-me: “Último de todos por amor de Jesus crucificado.”

Encontrava-me agora lá, de joelhos, sobre a areia da gruta que assumira as dimensões da própria Igreja, sentindo sobre meus ombros a célebre coluneta de militante. Talvez houvesse chegado a hora de ver claramente. Após vinte e cinco anos, percebera que sobre os meus ombros nada se firmara e que a coluna era falsa, postiça, irreal, criada pela minha fantasia, pela minha vaidade. Todo o peso do mundo estava sobre Cristo crucificado. Eu nada era, nada de verdade.

C. CARRETTO, Cartas do deserto,

Edições Paulinas, Caxias do Sul, 1969, pp. 23-28 passim.

(Revista Mundo e Missão, Setembro 2003, p.26)

“O sacerdote, com quatro palavras, faz mais todos os dias, que se criara mil mundos” – pe. António Vieira

O perdoar pecados consiste formalmente em Deus ceder do jus e direito que sua justiça tem para os castigar, que é acto superior da sua misericórdia, parcendo maxime, et miserando: e como neste acto vence a misericórdia divina a justiça divina, também Deus se vence a si mesmo, que é «a maior vitória, a maior façanha do seu poder»: Omnipotentiam tuam maxime manifestas. Porém a do Filho de Deus em se consagrar ainda é maior, porque mais é poder-se fazer a si mesmo, que poder-se vencer; e isto é o que pode, e o que fez o Filho de Deus, sumo e eterno sacerdote, quando se consagrou no sacramento, porque realmente se tornou a fazer e reproduzir a si mesmo. Mas não parou aqui sua omnipotência e liberalidade, senão que este mesmo poder de o reproduzirem e fazerem a ele, comunicou aos sacerdotes, quando lhes disse: Hoc facite in meam commemorationem: «Isto mesmo que eu fiz, fazei vós». Expressamente S. Germano, venerado e alegado neste mesmo ponto pelos Padres gregos: Ipse dixit: hoc est corpus meum, hic est sanguis meus; ipse et apostolis jussit, et per illos universæ ecclesiæ hoc facere: hoc enim (ait) facite in meam commemorationem. Non sane id facere jussisset, nisi vim, hoc est, potestatem inducturus fuisset, ut id facere liceret. Ó poder quase incompreensível, e que só se pode admirar com o nome de estupendíssimo! Nos seis dias da criação, criou Deus com seis palavras todo este Mundo, e o sacerdote com quatro palavras faz mais todos os dias, que se criara mil mundos.

Declaremos bem este poder mal entendido, para que todos o entendam e pasmem. O lume da Igreja, St. Agostinho, exclama assim: O veneranda sacerdotum dignitas! in quorum manibus Dei Filius velut in utero virginis incarnatur!: «Ó dignidade veneranda dos sacerdotes, em cujas mãos o Filho de Deus, como no ventre sacratíssimo da Virgem Maria, torna outra vez a encarnar!» Em que consistiu a encarnação do Verbo Eterno? Consistiu na produção do corpo e alma de Cristo e na produção da união hipostática, com que a sagrada humanidade se uniu à subsistência do Verbo. E tudo isto faz o sacerdote com as palavras da consagração, produzindo outra vez, ou reproduzindo todo o mesmo Cristo. Na mesma conformidade falam S. João Crisóstomo, S. Gregório Papa, S. Pedro Damião, e o antiqüíssimo Teodoro Ancirano, famoso no Concílio Efesino. Mas porque cuidam alguns que semelhantes questões são mais debatidas e examinadas pelos teólogos modernos, quero também alegar as palavras de dois bem conhecidos na nossa idade. O P. Teófilo Rainaudo, tão perseguidor de opiniões, ou devoções pouco Sólidas, como se vê nos seus eruditíssimos livros contra Anomala pietatis, diz o que se segue: Sacerdos Christum sub accidentibus ponit, esse sacramentale illi conferendo per veram Christi productionem substantialem. E mais a baixo: Christus non producitur absque unione ad verbum, quia non est purus homo, sed suppositum ejus est Persona Filii: itaque in sacrificio Deus in manibus sacerdotum incarnatur. E noutro lugar: Quim etiam sacerdotis potestas extenditur ad efficiendam unionem hypostaticam, et transubstantionem panis, et vini. Não romanceio as palavras, porque são expressamente tudo o que tenho dito. E o P. Eusébio Neriemberg, varão de tanto espírito, erudição e letras, cujos livros todos trazem nas mãos, fazendo a mesma comparação, que eu já toquei, entre a criação do Mundo e consagração do corpo de Cristo, discorre e infere desta maneira: Mundum, et ea quæ in mundo sunt, produxit potentia Patris: sacerdotis vero potentia producit Filium Dei in sacramentum, et sacrificium, quo admirabilior potestas est sacerdotis transubstantiatione Filium Dei, quam creatione res perituras Dei Patris producentis. Quer dizer: «A potência do Eterno Padre produziu o Mundo, e  tudo o que há no mundo; a potência do sacerdote produz o Filho de Deus em sacramento e sacrifício; donde se segue que o poder do sacerdote, na transubstanciação do Filho de Deus, é muito mais admirável que a potência do Eterno Padre na criação de todas as cousas do Mundo, que hão-de acabar com ele.»

Padre Antonio Vieira,
Sermão de São Pedro

Corpus Christi, desagravo

[Reproduzo email que recebi do pe. Mateus Maria, FMDJ. O vídeo citado é antigo, mas a dor é recente – é sempre atual. Hoje é a Festa do Santíssimo Corpo de Deus. Rezemos em desagravo.]

“Que a Paz de Cristo e a Ternura de Maria esteja contigo e com os teus!”

Hoje dia do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, Solenidade, busquemos dar a “VERDADEIRA ADORAÇÃO AO SENHOR”, com um coração humilde simples, no silêncio que demonstra não termos mais palavras para louvar e adorar Jesus Sacramentado.

Nesta ocasião, desta festa solene, eu me pergunto: “Ou eu sou muito quadrado, juntamente com toda a sã tradição da Igreja, ou se perdeu totalmente a noção do Sacro!!?”

Encontrei este vídeo, o qual está postado para o vosso conhecimento, onde um sacerdote, juntamente com leigos, ao vivo na TV Canção Nova, fazem praticamente um ato tribal diante do Santíssimo Sacramento.

São Pedro Julião dizia: “Jesus é muito ofendido na Eucaristia pelas múltiplas irreverências cometidas pelos próprios cristãos; pelos sacrilégios, cujo número e malícia causam admiração aos próprios demônios” (São Pedro Julião Eymard, A Divina Eucaristia, Vol. 3).

É uma pena que as autoridades eclesiásticam muitas vezes não tomam nenhuma medida para conter estes abusos liturgicos, frutos de uma onda protestante dentro da Igreja, que está arrastando a muitos.

Resumo este vídeo como uma Vergonha e Profanação! A Igreja precisa de pessoas sérias, que não estão dentro dela para fazer showzinho e pedir dinheiro, mas para levar Jesus, para ensinar oa povo a verdadeira aodração que é feita de joelhos no chão, e oração silênciosa diante do Senhor!!!

Piedade Senhor!!!!

Para assistir clique:

http://pt.gloria.tv/?media=79868

“Cabe a cada bispo, como regulador, promotor e guarda de toda a vida litúrgica na comunidade eclesial que lhe foi confiada, fazer frutificar a graça de Deus (cf. Decr. Christus Dominus, 15), e por isso é dever de cada um de vós vigiar a fim de que se observem com cuidado e diligência as normas e diretivas que dizem respeito às celebrações, sejam essas comuns a todo o território da Conferência Episcopal ou particularmente a uma Diocese. Uma errada aplicação do valor da criatividade e da espontaneidade nas celebrações, mesmo se típica de tantas manifestações da vida do vosso povo, não deve levar a alterar nem os ritos, nem os textos, nem sobretudo o sentido do mistério que se celebra na Liturgia” (João Paulo II, aos Bispos do Regional Nordeste 3 da CNBB, por ocasião da visita ad limina Apostolorum 1995-1996).

“Que o Senhor que é rico em Misericórdia te abençoe: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém!”

Site “Presbíteros” de volta

Repasso mensagem que recebi do pe. Demétrio sobre o site “Presbíteros”:

Prezados Amigos e Colaboradores,

Duas semanas depois do acidente com a hospedagem que nos tirou do ar, o Presbíteros está de volta.

Aproveitamos a pausa forçada nas atividades do site para implementar um novo layout, mais intuitivo, mais fácil de navegar e mais amigável a dispositivos ‘touch’, como iPhones, iPads e semelhantes. Facilitamos também o acesso aos destaques homiléticos semanais, que sempre foram um dos itens mais procurados, além das últimas publicações, que agora ficam logo na parte superior. Procuramos deixar o tudo ainda mais limpo e com mais foco no conteúdo. Esperamos que o site esteja, mais do que nunca, preparado para os próximos anos de serviço.

E essas são apenas as novidades que preparamos para o layout. Para o segundo semestre de 2010, esperamos trazer ainda muitas novidades de conteúdo, além de atualizações mais ágeis e constantes.

Agradecemos a todos que colaboraram para que o site voltasse ao ar e aos que ajudaram a divulgar que em breve estaríamos de volta.

Pedimos também que, os que assinam nosso RSS, atualizem o endereço de feed clicando no ícone próximo ao box de “publicações mais recentes”, ou no link no rodapé da página.

Confiantes em Deus, seguimos adiante!

Atenciosamente,
Equipe Presbíteros

E aproveito para recomendar: homilia para Corpus Christi.

Diante da presença de Jesus Cristo, sejamos educados, corteses, elegantes. Ao entrar na igreja, não nos esqueçamos de usar um pouco da água benta disposta nas paróquias para esse fim, a água benta nos lembra o nosso batismo e nos livra das ciladas do demônio. Em seguida, procuremos onde está o Sacrário e façamos uma genuflexão pausada diante do nosso Deus; que seja uma genuflexão bem feita, isto é, dobrando joelho direito até o chão (não é jeitoso benzer-se ao mesmo tempo, primeiro se faz a genuflexão e depois se benze, ou ao contrário). Não conversemos dentro da Igreja, caso seja necessário falar algo com alguém, façamo-lo em voz baixa. É de boa educação chegar uns minutinhos antes na Missa, dessa maneira manifestamos que nós esperamos a Jesus. Escutemos com atenção as leituras. Às palavras da consagração, está previsto que nos ajoelhemos e não que fiquemos de pé (a não ser que haja alguma causa justa; neste caso, pelo menos façamos uma “inclinação profunda enquanto o sacerdote faz genuflexão após a consagração”); caso se receba a comunhão de pé, é bom fazer alguma reverência antes de recebê-la. Depois da comunhão, não nos esqueçamos de dar graças a Deus, normalmente se recomenda pelo menos uns 10 minutinhos em oração depois de comungar. Também seria muito bom se nos acostumássemos a fazer visitas a Jesus no Sacrário, pois frequentemente o Senhor está muito sozinho nos Sacrários das nossas igrejas

Quinta-Feira, in Coena Domini

Eu gosto do som das matracas. Lá na paróquia, elas ainda são utilizadas: daqui até o Sábado de Aleluia, mas especialmente hoje, Quinta-Feira Santa. É quando as ouvimos pela primeira vez, em substituição aos sinos [aliás, recomendo – de novo – a leitura deste texto sobre a “morte” da Liturgia]. O som seco, de madeira, em forte contraste com o badalar musical dos sinos que estamos acostumados a ouvir. Há alguma coisa de diferente. O clima é mais grave: Nosso Senhor está prestes a ser traído.

As matracas acompanham a pequena procissão do Santíssimo, enquanto Ele é transladado para o altar da reposição e o altar principal da Igreja é desnudado. O canto dos fiéis acompanha Nosso Senhor em direção ao Horto das Oliveiras, mas o órgão não acompanha o canto: aquele cessou desde o Gloria in Excelsis de hoje, e só voltará a ser tocado no Sábado de Aleluia – lá na paróquia, os instrumentos musicais ainda emudecem duranto o Tríduo Pascal. E o canto dos fiéis “seco”, sem acompanhamento, também revela que existe, hoje, alguma coisa de diferente. Esta noite não é como as outras noites.

Canta-se uma tradicional versão em português do Pange Lingua. “Canta a Igreja o Rei do Mundo / que Se esconde sob os véus; / canta o Sangue tão fecundo / derramado pelos Seus. / E o Mistério tão profundo / de uma Virgem Mãe de Deus”. Omite-se (culpa d’O Domingo que, infelizmente, ainda é usado) uma parte da canção da qual gosto bastante, e eu lamento. Canto-a baixinho, sozinho: “Cristo o Verbo Onipotente / deu-nos nova refeição: / faz-se Carne realmente / o que deixa de ser pão. / Eis que o vinho é Sangue ardente, / vence a fé o gosto e a visão”.

Nosso Senhor acabara de lavar os pés dos discípulos. O sacerdote, hoje, repetira o bimilenar gesto, logo após a homilia. Pode parecer estranho que a Igreja escolha exatamente o dia do lava-pés para celebrar a instituição do Sacerdócio e da Eucaristia, mas a discrepância é somente aparente. Afinal de contas, foi Nosso Senhor que, na Última Ceia, instituiu a Eucaristia e o Sacerdócio – na mesma Última Ceia onde lavou os pés dos discípulos. João Paulo II disse, certa vez, que o Lava-Pés e a Eucaristia eram “duas manifestações de um só mistério de amor confiado aos discípulos”. É um gesto de amor, deste infinito Amor de Deus que se desenha já no primeiro versículo do Evangelho hoje lido: “tendo amado os Seus que estavam no mundo, [Jesus] amou-os até o fim”. Deus ama os homens ao ponto de entregar-Se na Eucaristia por eles. Gosto de imaginar o Lava-Pés como uma espécie de preparação para esta realidade sobrenatural: se os Apóstolos escandalizam-se quando o Mestre lava-lhes os pés, o que não dirão quando Ele lavar-lhes a alma, e não mais com simples água derramada em uma bacia, mas com Seu próprio Sangue derramado na Cruz do Calvário? É preciso, a cada um, quebrar o próprio orgulho, abrir-se à iniciativa salvífica de Deus, aceitar que precisa de ajuda e permitir que Deus venha em seu socorro. Foi preciso aos Apóstolos, é preciso a cada um de nós. Reduzir a cerimônia do Lava-Pés à sua dimensão meramente materialista é não entender nada da riqueza do dia de hoje.

Mas Nosso Senhor agora está no Horto das Oliveiras, e sofre – e nós, à semelhança dos discípulos, não somos capazes de vigiar com Ele uma hora sequer. O drama do Deus que ama “até o fim” a humanidade ainda não está consumado. Acompanhemos Nosso Senhor nesta noite, preparando-nos para o dia de amanhã. Esta noite não é igual às outras. Inicia-se o Tríduo Pascal (aliás, a missa In Coena Domini “termina” sem bênção final). Fiquemos com Nosso Senhor, daqui até o Sábado de Aleluia. Porque, para podermos cantar o Exsultet do Sábado Santo, começamos na Última Ceia, e precisamos passar pelo Horto. E, amanhã, pelo Calvário.

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Ler também: Homilia do Papa Bento XVI na missa in Coena Domini, 01 de abril de 2010.

A Eucaristia, a Igreja e eu

O reverendíssimo Dr. Pe. João Carlos Almeida, scj, em seu blog, tem-se esforçado por tentar provar a sua tese sobre a “constituição eucarística da Igreja e de cada batizado”, utilizando-se para isso de documentos da Santa Igreja Católica. Julga o reverendo sacerdote ter encerrado a polêmica ao citar a Sacramentum Caritatis, de SS Bento XVI, onde é dito: “Assim, «tornamo-nos não apenas cristãos, mas o próprio Cristo»” (Sacramentum Caritatis, 36).

Não tenho certeza de que o pe. João Carlos compreenda realmente o que está falando. Em um post do seu blog no qual ele pergunta se [s]erá heresia afirmar que a constituição da Igreja é essencialmente Eucarística, ele afirma corretamente: “a antiguidade cristã designava com as mesmas palavras — corpus Christi — o corpo nascido da Virgem Maria, o corpo eucarístico e o corpo eclesial de Cristo”. Perfeitamente; no entanto, dizer somente isso é amputar a Doutrina Católica e propiciar o surgimento de erros crassos na compreensão do dogma.

É impressionante: parecem aquelas piadas de “lógica” que circulam pela internet. “Eu não sou ninguém, ninguém é perfeito, logo eu sou perfeito. Mas só Deus é perfeito, logo eu sou Deus. Deus é amor, o amor é cego, logo Deus é cego. Mas eu sou Deus… meu Deus, eu sou cego!”. A argumentação do reverendíssimo pe. João Carlos, data maxima venia, urge dizer, é estritamente análoga: “a Eucaristia é o Corpo de Cristo, a Igreja é o Corpo de Cristo, logo a Igreja é a Eucaristia. Eu sou a Igreja, a Igreja é a Eucaristia, logo eu sou eucarístico”. As conclusões repugnam o bom senso tanto quanto aquelas às quais chegou o sujeito da piada que se descobriu cego por meio do exercício especulativo. São absurdas e é muitíssimo fácil demonstrar: se eu sou a Eucaristia e a Eucaristia é digna de adoração, logo eu sou digno de adoração. A menos que eu seja Deus – e não me consta que eu seja -, isso é idolatria. Logo, por reductio ad absurdum, resta claríssimo, sem a menor sombra de dúvidas, que nem a Igreja é – e nem muito menos eu sou – a mesma coisa que a Eucaristia.

O problema aqui é terminológico, e é o mesmíssimo da aplicação indiscriminada da palavra “presença”, confundindo a presença eucarística com a presença nos cristãos reunidos ou nas Escrituras Sagradas. As palavras não têm um único sentido. A aplicação indiscriminada de palavras que significam coisas distintas em contextos distintos, sem que isso seja deixado claro, confunde os fiéis. E, na minha opinião, todo problema de terminologia é sintoma de um problema cognitivo: o sujeito que não consegue explicar algo direito, é porque provavelmente não o compreende direito. Por isso que eu disse acima não ter certeza de que o reverendíssimo pe. João Carlos compreenda o seu discurso.

A Igreja é sem dúvidas o Corpo de Cristo, mas é o Corpo Místico de Cristo. E Santo Tomás de Aquino ensina que se chama a Igreja inteira Corpo Místico por analogia com o corpo natural do homem (Summa, IIIa, q.8, a.1, responsio). A Eucaristia, por sua vez, é real e substancialmente o Corpo de Cristo, sem o ser – como a Igreja – de maneira análoga. E isso faz toda a diferença.

Santo Tomás faz tanta questão de não confundir as duas realidades que, falando sobre a Eucaristia, distingue n’Ela uma coisa, “significada e contida no Sacramento, que é o mesmo Cristo, e outra, significada e não contida, que é o corpo místico de Cristo”, a sociedade dos santos (Summa, IIIa, q.80, a4, responsio). A primeira é res et sacramentum e, a outra, res tantum: não dá para confundir as realidades como se fossem uma só e a mesma realidade (cf. também Summa, IIIa, q.73; em especial a.6, responsio). Receber o Corpo de Cristo é, sim, unir-se (mais) ao Corpo [Místico] de Cristo, mas as palavras significam coisas distintas: a primeira é o Sacramento em si e, a segunda, o efeito do Sacramento. “Tornar-se o próprio Cristo” [i.e., ser parte constituinte do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja] não tem nada a ver com “tornar-se a Eucaristia”. Os sentidos são múltiplos, e é importante não confundi-los.

Toda esta confusão poderia ser evitada se os ministros do Deus Altíssimo tivessem um maior cuidado com os seus discursos, preocupando-se mais em transmitir a Doutrina Católica do que em fazer rebusques de retórica que, dependendo do público ouvinte [ou leitor], podem provocar muito mais mal do que bem. Causa finita, sim, mas somente quando se compreende exatamente o quê Roma locuta. O exercício do munus docendi não é simplesmente citar trechos pinçados de documentos pontifícios sem os explicar. Pra fazer isso, aliás, ninguém precisa de doutorado em Roma.

Dois pronunciamentos papais

Queridos jovens, vós sois o futuro da Europa. Imersos nestes anos de estudo no mundo do conhecimento, sois chamados a investir os vossos melhores recursos, não apenas intelectuais, para consolidar as vossas personalidades e contribuir para o bem comum. Trabalhar pelo desenvolvimento do conhecimento é a vocação específica da universidade, e exige qualidades morais e espirituais cada vez mais elevadas, diante da vastidão e da complexidade do saber que a humanidade tem à sua disposição. A nova síntese cultural, que nesta época está a ser elaborada na Europa e no mundo globalizado, tem necessidade da contribuição de intelectuais capazes de repropor nas aulas académicas o discurso sobre Deus, ou melhor, de fazer renascer aquele desejo do homem de se pôr à procura de Deus — quaerere Deum — ao qual me referi noutras ocasiões.

[Bento XVI aos universitários do primeiro encontro europeu de estudantes universitários]

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Para quem vem rezar nesta Capela, e em primeiro lugar para o Papa, Pedro e Paulo tornam-se mestres de fé. Com o seu testemunho, convidam a descer às profundezas, a meditar em silêncio o mistério da Cruz, que acompanha a Igreja até ao fim dos tempos, e a acolher a luz da fé, graças à qual a Comunidade apostólica pode estender até aos confins da terra a acção missionária e evangelizadora que Cristo ressuscitado lhe confiou. Aqui não se fazem solenes celebrações com o povo. Aqui, o Sucessor de Pedro e os seus colaboradores meditam em silêncio e adoram Cristo vivo, presente de maneira especial no Santíssimo Sacramento da Eucaristia.

A Eucaristia é o sacramento no qual se concentra toda a obra da Redenção: em Jesus-Eucaristia, podemos contemplar a transformação da morte em vida, da violência em amor.

[Bento XVI na reabertura da Capela Paulina]

Comunhão na boca JÁ!

Mundo afora, as pessoas estão preocupadas com a propagação da gripe suína. De diversos lugares, chegam-nos notícias de que os hábitos das pessoas estão sendo adaptados para minimizar os riscos de contágio com o temível vírus.

Uma mudança que encontramos em quase todos os lugares é a orientação para que, nas missas, a Sagrada Comunhão seja distribuída nas mãos dos fiéis, e não na boca, para diminuir o risco de contágio. Tal costume, segundo me informou um amigo, está bastante forte também em terras brasileiras, particularmente no Rio Grande do Sul.

Tal medida é claramente abusiva – porque ninguém pode obrigar o fiel a comungar nas mãos caso ele deseje receber a Santíssima Eucaristia na boca – e, ainda, é inadequada como “medida profilática” para o presente caso de pandemia. Faz muito mais sentido proibir a comunhão na mão, como muito argutamente apontou uma amiga.

Vejamos: a pessoa chega na igreja, possivelmente de ônibus. Senta-se nos bancos onde outras pessoas já sentaram, apoiando as mãos no banco da frente. Pega em jornaizinhos que foram utilizados anteriormente por outras pessoas. Pega em dinheiro na hora do ofertório. Aperta as mãos de cinco ou seis pessoas durante o “abraço da paz”. Dá as mãos durante o pai-nosso. Depois de tudo isso, sem lavar as mãos, ela vai receber a Eucaristia e, pegando-A com as mãos sujas, leva-a à boca! É muito mais razoável que o sacerdote, com as mãos lavadas antes da Santa Missa e durante o ofertório, coloque diretamente a hóstia sagrada na boca dos comungantes, bastando que ele distribua a comunhão como deve fazer, isto é, sem tocar nos lábios dos fiéis.

Não deixemos que as pessoas se aproveitem da situação difícil que atravessamos para, em nome de preocupações sanitárias – de cuja sinceridade não duvidamos, mas que são contra-producentes, como acabamos de mostrar -, proibirem as legítimas práticas da piedade cristã. Procuremos as nossas paróquias, os nossos padres e os nossos bispos, pedindo que eles reflitam com mais cuidado em suas determinações. Incentivemos a recepção da Sagrada Eucaristia diretamente na boca. Diante do atual surto de gripe, piedade cristã e boa medida profilática se encontram.