Os avestruzes comunistas

Gostaria de tecer alguns comentários sobre um artigo do Olavo de Carvalho, publicado no seu site na semana passada, chamado Orando com os avestruzes. Soube apenas a posteriori (graças a um outro artigo do Veritatis Splendor anteontem publicado) que as palavras “despejadas na rede” e comentadas pelo filósofo eram da autoria do Pedro Ravazzano, e foram feitas em uma lista de emails da qual o Pedro participa.

Pois bem; para não demorar-me, o artigo do Olavo apresenta, a meu ver, três problemas.

1. A patente desproporção. Como é que um artigo numa lista de emails privada à qual sabe-se lá quantas pessoas têm acesso recebe uma resposta no site do Olavo de Carvalho e no Diário do Comércio, 24 de março de 2009? Isto torna absolutamente pertinente a queixa do Ravazzano na réplica publicada pelo Veritatis: “De todo o modo, sempre é pertinente frisar que, nessa confusão, que eu caí de pára-quedas – afinal não esperava que um simples comentário fechado tomasse grandes proporções – jamais ultrajei ou ofendi o Olavo e sua família, e queria ser tratado da mesma maneira”.

2. A falsa oposição entre militância anticomunista e vida interior. Também sobre isso falou o Pedro, dizendo: “Olavo coloca como se eu tivesse feito uma integral condenação do anticomunismo militante quando, na verdade, apenas afirmei que aqueles católicos que desconheciam as condenações da Igreja ao comunismo, mas viviam em entrega a Deus e seguiam piedosamente os princípios e preceitos cristãos, tornavam-se anticomunistas naturalmente”. É perfeitamente natural – aliás, é necessário – que um católico, se bom católico, tome posição frontalmente contrária ao comunismo, mas a recíproca não é verdadeira: nada garante que um “anticomunista” torne-se ipso facto um bom católico. E simplesmente ser “anticomunista”, rasgue as vestes quem o quiser, não salva ninguém: esta é a verdade. É necessário ser católico, e bom católico – e a missão da Igreja, por evidente, é forjar católicos, e salvar as almas uma a uma.

Não é respeitoso para com a vida espiritual referir-se a ela da forma como o fez Olavo de Carvalho. Não é justo chamar as pessoas que estão sinceramente preocupadas em praticar a sua Fé de avestruzes e insinuar negligência delas no combate ao comunismo. As palavras do Olavo – p.ex., “[c]omo pode a vida religiosa ter-se prostituído a tal ponto que um fiel católico já não enxerga nada de ofensivo em acreditar que os mais de trinta milhões de mártires e combatentes cristãos sacrificados pela sanha comunista na Rússia, na Polônia, na Hungria, na China, em Cuba e um pouco por toda parte merecem apenas as nossas orações, se tanto, em vez da nossa firme disposição de correr o mesmo risco que eles correram?” – são meras hipérboles de retórica. Primeiro, porque passa a impressão de que temos todos a obrigação moral de pegarmos em armas e fazermos incursões milicianas a Cuba para derrubarmos o regime comunista, o que é gritantemente falso. Sim, os mártires são honrados, mas ninguém deve lançar-se em busca do martírio, óbvio – isso sim seria tentar a Deus. Segundo, porque todo o artigo do Olavo é baseado no boneco de palha já trazido à luz: não existe – a não ser na cabeça do Olavo – nem sombra de um “lavar as mãos” com requintes de pacifismo no discurso católico.

3. A apresentação do Vaticano II como bode expiatório. Parece brincadeira: a culpa de tudo recai nas costas do Concílio! Não sei como ainda não surgiu uma demonstração incontestável de que o aquecimento global, a crise financeira, a eleição de Barack Obama, o nobel de Saramago, os atentados de 11 de setembro e os massacres da Faixa de Gaza foram causados pelo Concílio Vaticano II. Não duvido que alguém se aventure a fazê-la. No entanto, e isso é muito de se lamentar, o Olavo presta um grande desserviço à Igreja ao vir com as acusações do tipo:

O cardeal Pallavicini ensinava que “convocar um concílio geral, exceto quando exigido pela mais absoluta necessidade, é tentar Deus”. Desde a fundação da Igreja até a década de 60 do século findo, realizaram-se vinte concílios. Nenhum deles incorreu nesse pecado. Cada um, segundo enfatizava o cardeal Manning, “foi convocado para extinguir a heresia principal ou para corrigir o mal maior da respectiva época”. O primeiro a desprezar essa exigência, e a desprezá-la não por descuido, não por um lapso, não por negligência, mas por vontade expressa e por firme decisão de seus convocantes, foi o Concílio Vaticano II.

Dada a conclusão do artigo, caberia perguntar o quê, exatamente, o Olavo tencionava com ele. Abrir, por algum motivo desconhecido do grande público, uma polêmica incompreensível com um jovem de Salvador? Inverter a importância das coisas e colocar a militância anticomunista sozinha (e não a imitação de Cristo) como o valor máximo a ser buscado nesta vida? Ou simplesmente ter um pretexto para atacar um Concílio Legítimo da Igreja Católica?

Dominica Quarta in Quadragesima

Lætáre, Jerúsalem: et convéntum fácite, omnes qui dilígitis eam: gaudéte cum lætítia, qui in tristítia fuístis: ut exsultétis, et satiémini ab ubéribus consolatiónis vestræ. Ps. 121, 1. Lætátus sum in his, quæ dicta sunt mihi: in domum Dómini íbimus. V/. Glória Patri. Lætáre.
[Introito da missa de hoje]

Assim começa a Santa Missa de hoje, quarto domingo da Quaresma, no qual o Roxo penitencial que permeia todo este tempo litúrgico é substituído pelo Rosa; é um grito de júbilo, antecipando a Páscoa que está às portas. Laetare, quer dizer, alegra-te. Alegra-te, Jerusalém – alegra-te, ó Igreja, porque o Senhor é Deus. Uma alegria contida, é verdade: usamos rosa, e não o branco dos dias de festa. Penso num misto de alegria com penitência, como se o rosa fosse resultado da mistura do branco festivo ao roxo quaresmal: ainda é Quaresma, mas a Igreja nos chama à alegria.

Qual o motivo da alegria? Podemos meditar em pelo menos três motivos pelos quais a Igreja nos convida ao júbilo no meio da Quaresma: pelo que somos, pelo que está por vir e – last, but not least – pela própria penitência. Devemos nos alegrar pelo que somos, como a própria Liturgia nos mostra na primeira leitura, da Epístola de São Paulo aos Gálatas, capítulo 4, versículos do 22 ao 31: nós somos filhos da promessa, e não filhos da escrava! Somos amados por Deus. “Abraão teve dois filhos”; e o filho de Sara, da esposa legítima, é figura dos filhos de Deus, dos filhos da Igreja, de nós. Alegremo-nos, diz a Igreja, “porque o filho da escrava não será herdeiro com o filho da livre” (v. 30).

Alegremo-nos também pelo que está por vir: em sentido imediato pela Páscoa, que celebraremos em breve, mas também pela Páscoa definitiva, que celebraremos na Glória dos Céus e que podemos esperar exatamente porque somos filhos da mulher livre, somos filhos da promessa, somos filhos da Igreja! A Páscoa que celebramos ao fim da Quaresma é também figura da Páscoa que – esperamos! – iremos celebrar ao fim da quaresma da nossa vida, ao fim da nossa peregrinação neste Vale de Lágrimas. Alegremo-nos, porque o Sábado Santo sucede à Quaresma; alegremo-nos, porque a Vida Eterna sucede à vida passageira, e a Glória dos Céus sucede aos sofrimentos terrenos. Esta é a nossa esperança, expressa de maneira magnífica no Rito do Batismo quando, indagados sobre o que nos concede a Fé, respondemos prontamente: a Vida Eterna. “[Q]uem não conhece Deus – diz o Papa Bento XVI -, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida” (Spe Salvi, 27). Nós conhecemos a Deus, e nós portanto podemos ter esperança verdadeira. Por isso, devemos nos alegrar.

E, por fim, devemos nos alegrar pela própria penitência, a quaresmal em primeiro lugar e a nossa penitência quotidiana – não é, afinal, a Quaresma figura da nossa vida? – que fazemos durante todos os nossos dias. O sofrimento não é vazio de significado; nós não fazemos penitência pelo simples fato de gostarmos de sofrer, mas sim porque sabemos que somos pecadores e sabemos que necessitamos da Misericórdia de Deus. O “alegrai-vos” em meio à penitência tem também o sentido de ecoar aquela máxima evangélica: Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós (Mt 5, 11-12). À luz da Fé Cristã, os nossos sofrimentos não são vazios, nem são frutos de um masoquismo humano ou sadismo divino – não! Os sofrimentos oferecidos a Deus em união aos de Nosso Senhor na Cruz do Calvário serão recompensados. Alegrai-vos, diz-nos a Igreja em meio à penitência quaresmal – aos sofrimentos quotidianos -, porque grande será a vossa recompensa nos Céus.

Em particular nestes dias em que a Igreja sofre tão violenta investida de Seus inimigos e nós, católicos, sofremos tanto ataques por causa de nossa Fé, são consoladoras as palavras de São Paulo na leitura de hoje: “Como naquele tempo o filho da natureza perseguia o filho da promessa, o mesmo se dá hoje” (v. 29). E, por isso, o Laetare deste quarto domingo vem para nos dar forças e consolação. Apesar de tudo, devemos nos alegrar. Apesar dos sofrimentos, e até por causa desses mesmos sofrimentos, pois eles são o fogo no qual o ouro é provado. Não nos esqueçamos de que somos amados por Deus; recordemos a nossa Esperança de celebrarmos um dia a Páscoa Definitiva; e lembremo-nos sempre de que são bem-aventurados aqueles que padecem sofrimentos por causa de Nosso Senhor. Ouçamos o Laetare, Jerusalem que a Igreja nos dirige hoje e, à luz da Fé, respondamos com confiança: Laetatus sum, sim, nós nos alegramos verdadeiramente! Que a Virgem Santíssima nos conceda a todos uma Santa Quaresma.

“Abortistas: se não Fé, pelo menos honestidade” – pe. Héctor Ruiz

[Publico um artigo escrito pelo reverendíssimo pe. Héctor Ruiz, pároco de São Lourenço da Mata, município vizinho a Recife e também pertencente à Arquidiocese de Olinda e Recife. Agradeço ao sacerdote pelo envio do texto; o tom combativo do mesmo e a ênfase dada n’alguns aspectos que a grande mídia deixou de lado no caso do aborto da menina de Recife fazem com que ele seja um valioso auxílio à Igreja, neste momento em que Ela é tão duramente atacada.]

ABORTISTAS,
SE NÃO FÉ, PELO MENOS HONESTIDADE!

ASPECTOS QUE NÃO PODEMOS IGNORAR NA ANÁLISE FILOSÓFICA DO CASO DA MENINA ESTUPRADA E INDUZIDA A ABORTAR

Sabemos o caso: Uma menina pernambucana, de nove anos, é estuprada pelo padrasto, tendo ficado grávida e os fetos submetidos a aborto. Dom José Cardoso deixa claro que quem aborta e os que colaboram diretamente num aborto ficam excomungados.

Deixemos de lado a fé. Analisemos o fato só com a razão natural para entender se é realmente o “pré-conceito” da Igreja o que está criando problema neste caso, como dizem os abortistas.

1º. Dom José não excomungou ninguém. Ele mesmo explicou que quem aborta, ou colabora diretamente num aborto se excomunga automaticamente. Como é que os médios de comunicação social (a globo, a tribuna, a Record…) colocaram nas suas manchetes que “Dom José excomungou”? Eu, sem fé, posso dizer que faltou honestidade humana.

2º. Ficou claro que a guerra que estão fazendo, uma parte da imprensa e vários políticos (entre eles o nosso presidente Lula), NÃO É CONTRA DOM JOSÉ. É contra a mesma Igreja! Dom José falou o que teria falado qualquer bispo na Igreja.  Sem fé, posso dizer que falta respeito e justiça contra uma instituição humana que já demonstrou em vinte séculos ser defesa de valores humanos incontestáveis.

3º. A excomunhão consiste no fato de ficar fora da Igreja (Não comungar com o seu espírito!). Só a Igreja tem direito de dizer quem faz parte dela e quem não. Esse direito o tem qualquer associação humana. Não é o político ou o jornalista que vai dizer se a Igreja vai deixar na comunhão com o seu espírito a uma ou a outra pessoa.

Por isso, sem fé, eu posso dizer que os políticos e os jornalistas que se têm manifestado ao respeito estão cometendo duas injustiças: Uma contra Dom José, pelo que dissemos antes, e outra contra a Igreja. Nenhum deles tem autoridade nesse campo. Estão atuando indevidamente em campos que não lhes correspondem!

4º. Por que a Igreja (como instituição humana) excomunga? Porque é pecado gravíssimo matar a uma pessoa, usurpando o direito sobre a vida humana, direito que é unicamente do Criador. Isto não é de fé, é de razão. Se Deus existe (E têm que existir. Seria irracional dizer o contrário) Ele é o único que como Criador e Governador de tudo pode dar e tirar a vida. Os homens todos temos direitos iguais. Ninguém é maior que outro para dispôr da vida alheia. E, se o faz, está usurpando um direito que ninguém lhe deu.

Este pecado torna-se ainda mais grave, quando se trata do aborto: de uma pessoa indefesa, que o homem tem dever de proteger.

Eu, sem fé, posso dizer:

– Que a Igreja nesse ponto é coerente com a sua teologia (revelada, segundo ela).

Que a Igreja está defendendo princípios racionais, que uma filosofia sadia já defende. NÂO NECESITO FÉ PARA DIZER QUE EU NÃO POSSO MATAR A NINGUÉM. (Só no caso de autodefesa).

Que temos que pensar mais num nível social e não só individual. Tem coisas que o indivíduo não pode por si mesmo fazer (caso desta menina de 9 anos). Mas a sociedade, a família…, ajudando, podem conseguir fazer. É o caso de doenças, velhice… Esta menina certamente não iria conseguir sozinha levar para frente a gravidez, mas juntando as forças sociais, vamos ver que conseguimos fazer! Pode ser que termine sem conseguir o êxito total… mas a sociedade ao final sim, vai ganhar.

5º. O aborto é um homicídio, porque no momento em que é fecundado o óvulo começa um processo irreversível, independente da vida da mãe, destinado só a aperfeiçoar-se e chegar a ser um ser humano maduro e completo. Já é vida humana! Já tem dignidade! Dignidade  igual que a da mãe e que a de qualquer ser humano!

Os abortistas dizem: como a morte nós a declaramos quando param de funcionar a células cerebrais, então a vida humana, enquanto tal, começa quando se formam estas células cerebrais e começam a funcionar.

Então eles estão dizendo que se um ser humano nasce com um problema na cabeça e não se desenvolvem essas células, podemos matá-lo como qualquer animal e não importa idade que ele tenha!!!

Nenhum ser humano tem poder para determinar se a pessoa humana e a sua dignidade começa aos três ou quatro meses de vida, ou quando for…! O processo de crescimento do ser humano começa na fecundação e já aí é um ser humano. Não existe uma argumentação filosófica, convincentemente lógica, que demonstre o contrário. Sem fé, posso dizer que qualquer aborto é um homicídio!

6º. Por que a menina de 9 anos vai ter mais direito a viver, que as outras duas crianças que estão no seu seio? Só pela idade? Quem tem o direito de dizer que a menina tem que viver e os embriões não? Racionalmente não tem justificação isso!!! Se é assim, então, tiremos da constituição o princípio de que todos somos iguais!!! Sem fé posso dizer que todos os embriões têm direito à vida!

7º. O estupro, e a situação da família nessas circunstâncias, é muito lamentável!!! Ninguém está satisfeito por isso! Mas, como a vida pertence só a Deus, façamos todo o possível medicamente para que as três pessoas se salvem. As três! Os médicos se precipitaram para declarar que isso era perigo iminente de morte. Eles mesmos não podem afirmar com certeza se isso daria em morte ou em aborto natural. Não era necessário matar!!!

Por exemplo: Em São Lourenço da Mata vive um menino de dois anos de idade, que foi gerado por uma menina com deficiência mental, estuprada quando ela tinha 11 anos! Também a mãe vive bem! Graças a Deus não chegaram os abortistas para impedir a esta criança gozar do banquete da vida!

O médico que praticou o aborto dizia ser católico e que ele era quem tinha autoridade no campo da medicina, não o arcebispo.

Sem fé eu posso dizer quatro coisas:

a) A medicina não está isenta da moral. A moral, que trata de todos os atos humanos pensados e queridos permeia tudo: a medicina, a política, o esporte… O arcebispo tem direito de iluminar a vida moral de todos os seus fiéis católicos. Ele, o médico, foi amoral!

b) Como membro de uma instituição humana ele está obrigado à obediência às normas dessa instituição, que se chama Igreja. Ele foi desobediente!

c) Como médico ele fez um juramento, o de Hipócrates, jurando que dedicaria a sua profissão para cuidar da vida e não para atentar contra ela. Matando dois embriões, ele foi infiel!

d) Precipitando o ato de abortar, não dedicou as suas forças para ajudar à criança e aos fetos para se desenvolverem… Nenhum médico pode afirmar ao cem por cento que isso terminaria em morte da menina. Ele foi incompetente!

Sem fé posso dizer que um homem que é amoral, desobediente, infiel e incompetente é um perigo para a sociedade!

8º. Finalmente, temos que evidenciar que, segundo os meios de comunicação social e vários políticos (entre eles  o nosso presidente Lula, que enche a boca dizendo que é católico – manifestando o contrario com as suas opiniões), o vilão de toda esta história é o Senhor Arcebispo Dom José. Os médicos, o presidente da República, o ministro da saúde, o de meio ambiente… esses são os de bom senso.

Eu, sem fé, posso dizer: deixemos que caiam os princípios de respeito à vida humana, deixemos que uns tenham mais direitos que outros, sigamos cultivando um estilo de vida hedonista, subjetivista, consumista e laxista, favorecido por estas pessoas e instituições e certamente o gênero humano não vai brilhar pela justiça e pela harmonia social… Terminaremos nos destruindo. Eles dizem que lutam por uma menina. Como filósofo posso dizer que a Igreja luta por toda a humanidade!

O que atrapalha ao homem de hoje não é a Igreja. É a falta de princípios de reta razão!!! Falta reconhecer humildemente que falta honestidade e amor pela verdade! Vamos lutar por essas virtudes perdidas!!!

Pe. Héctor M. Ruiz

Sobre o esplendor da hipocrisia

Encontrei um pequeno texto – disponível no blog “Pacientes na Tribulação” – que se chama “O esplendor da hipocrisia” e se presta a atacar o Veritatis Splendor por um artigo sobre o Magistério da Igreja que foi publicado lá no final do mês passado. Ao terminar de ler o texto – do “Pacientes na Tribulação” -, fico com a incômoda impressão de que o seu autor incorre quase no mesmo erro de que acusa o Veritatis.

Este é acusado de falsificar os “argumentos tradicionalistas”:

Argumento Tradicional: O Magistério Ordinário pode ser rejeitado quando apresentar erros contra a Fé.

Deturpação do argumento: o Magistério Ordinário pode ser rejeitado sempre e livremente

Oras, eu não tenho procuração para defender o Veritatis Splendor, mas há dois problemas com o “argumento tradicional” da maneira como é apresentado que preciso apontar. Primeiro problema: é necessário demonstrar de maneira clara e insofismável que o Magistério Ordinário é passível de apresentar erros contra a Fé, pois esta proposição é bastante discutível (aliás, antes disso, é necessário definir precisamente o que significa “Magistério Ordinário”). Segundo problema (e este é o mais sério): concedendo que seja possível ao Magistério Ordinário apresentar erros contra a Fé, a quem compete julgar se, num situação concreta, tal coisa se observa ou não?

Às vezes, eu tenho a impressão de que alguns “tradicionalistas” comportam-se como se a existência de “erros contra a Fé” nos textos conciliares fosse uma evidência incontestável. Como se o Concílio tivesse dito expressa e inequivocamente heresias. Justamente os que acusam o Concílio de “ambigüidade”, agem no entanto como se o seu problema fosse não este, e sim o de heresias explícitas. Lembram-me um pouco alguns que se dizem agnósticos e, começando por dizer que não dá para saber se Deus existe, comportam-se contudo como se fosse certa a Sua não-existência.

Os supostos “erros contra a Fé” do Vaticano II são extremamente discutíveis. Não apenas por mim, porque a minha opinião tem bem pouca importância: os Papas – portanto, o Magistério – nunca afirmaram que houvesse erro contra a Fé no Concílio e, ao contrário, sempre corroboraram a sua ortodoxia e a sua perfeita harmonia com a Doutrina Tradicional. Se, portanto, o “argumento tradicional” diz que só se pode rejeitar o Magistério Ordinário quando este contém “erros contra a Fé”, tal argumento não justifica a rejeição do Vaticano II, posto que o Magistério da Igreja (o único intérprete autorizado do Concílio) já afirmou que este não contém erros contra a Fé.

A menos que seja possível ao leigo contradizer o Magistério da Igreja e afirmar que existem erros onde o Magistério diz que eles não existem; a menos que seja da competência de qualquer fiel julgar os textos magisteriais para discernir, por conta própria, se, neles, há erros ou não há. E, se for este o “argumento tradicional”, então a “deturpação” do Veritatis corresponde quase perfeitamente à realidade: se qualquer um pode “sempre e livremente” pegar os textos do Magistério e sentenciar por conta própria que eles contêm “erros contra a Fé”, então isso é, na prática, equivalente a dizer que qualquer um pode, sim, rejeitar sempre e livremente o Magistério Ordinário, bastando para isso proferir a sentença condenatória de heresia. Apresentando, pois, o “argumento tradicional” de uma forma abstrata e destoante da sua aplicação concreta na realidade, há pelo menos tanta “falsificação” aqui quanto na caricaturização feita pelo Veritatis.

Quanto a isso, por fim, já houve – e, aliás, ainda há – na história da Igreja uma coisa muito parecida com isso, só que ao contrário: quando da condenação do Jansenismo, alguns católicos disseram que, nos textos de Jansenius condenados, não havia heresia, a despeito dos papas afirmarem com muita clareza que, sim, havia. Existe um interessante artigo (cuja leitura vale muito a pena – procurem por The heresy of the anti-Jansenist popes) “provando” que os Papas da época cometeram heresias, ao condenar proposições que não poderiam ser condenadas (porque – óbvio, segundo eles – já aprovadas anteriormente pela Igreja). Tal artigo prova que há heresia em Inocente X, Clemente XI, e até mesmo em São Pio V (!). Note-se que é um artigo atual; há, hoje em dia, pessoas defendendo essas coisas. Estes tradicionalistas que se auto-atribuem o múnus de contradizer os papas no tocante ao Vaticano II agem, provavelmente sem o saber, com a exata mesma mentalidade dos que se permitem dizer que a condenação do jansenismo foi herética. Não acredito, ao contrário do “Pacientes na Tribulação”, que haja uma argumentação hipócrita nestes que me proponho a refutar aqui; no entanto, há – para dizer o mínimo – sem dúvidas uma excentricidade, que não é sadia e não faz bem à Igreja de Nosso Senhor.

Encadeando os argumentos

Comecemos pelo estudo do orgulho. Um fato que para logo se apresenta no vestíbulo das nossas indagações é o da sua freqüência na incredulidade. Quase todos os homens notáveis pela inteligência e hostis à fé foram também notoriamente soberbos; uniram a uma estima de si, não raro superior à própria valia, um desprezo altivo dos merecimentos alheios.
[Pe. Leonel Franca, “A Psicologia da Fé & O Problema de Deus”, pág. 121. Ed. PUC-Rio/Loyola, Rio de Janeiro, 2001]

Já mais de uma vez fui questionado quando, no meio de algum debate sobre religião, respondi simplesmente, como motivo para justificar determinado ponto, que “a Igreja disse”. Ora – poderia dizer alguém -, dizer “a Igreja disse” não é um argumento; é antes uma falácia, argumentum ad verecundiam, pois o simples fato de uma autoridade ter dito alguma coisa não faz com que a coisa dita seja verdadeira.

O argumento cristão definitivo, a instância última para além da qual não é possível apelar, é sem dúvida alguma o juízo da Suprema Autoridade da Igreja Católica; na célebre expressão de Santo Agostinho, Roma locuta causa finitaRoma falou, encerrou-se a questão. Isto é, sim, um argumento, mas é preciso reconhecer que tal argumento não tem valor sem uma série de pressupostos que o legitimam e sem os quais, de fato, ele não faz muito sentido. É necessário percorrer um longo caminho até se chegar ao Roma Locuta; e se os católicos não o percorrem de uma ponta a outra diante de cada situação prática com a qual se deparam, fiando-se sempre na palavra da Igreja, é porque já estão convencidos de todas as premissas que o legitimam e para o qual conduzem inelutavelmente. Como, p.ex., ao dirigir um carro, as pessoas simplesmente ligam o carro e saem, sem se preocuparem com os complexos conhecimentos mecânicos e eletrônicos sem os quais os carros não poderiam andar. A diferença é que os carros quebram, porque são obras humanas; já a Igreja é indefectível, por ser obra da mão de Deus.

O pe. Leonel Franca, no texto em epígrafe, fala-nos sobre o que ele chama de “obstáculos morais” à Fé. Com uma tremenda perspicácia, mostra-nos o insigne autor que – ao contrário do que alegam aqueles que são hostis à Igreja – os motivos que levam os homens a se afastarem da Igreja, muitas vezes, não são de origem intelectual, e sim moral. “É através de um programa de viver – diz o pe. Franca – que optamos por uma fórmula de pensar” (id. ibid., p. 119). Para o homem, crer é uma atitude razoável; há muitos que não crêem porque a Fé traz junto com ela exigências de vida que, não raro, chocam-se com o “programa de viver” por eles adotado.

Voltemos à questão da autoridade; se, por um lado, qualquer um há de convir que a mera afirmação de alguma coisa por parte de alguém, por mais douta e honesta que seja esta pessoa, não faz com que ipso facto a coisa afirmada se transforme em verdade incontestável, por outro lado é igualmente óbvio que a recusa sistemática em se levar em consideração as colocações das demais pessoas, pelo simples fato de que tais colocações não constituem demonstração definitiva, é uma atitude muito pouco razoável. Ora, seria simplesmente impossível viver em um mundo no qual todas as afirmações de todas pessoas precisassem ser postas à prova para que fossem aceitas. Ao contrário, é plenamente razoável que as pessoas assimilem, na sua vida, as experiências e o conhecimento daqueles que lhes precederam, sem precisarem refazer por si próprias todos os caminhos que trilharam os que vieram antes delas; a menos que – nas palavras do pe. Franca – sejam detentoras de “um desprezo altivo dos merecimentos alheios”…

Mas passemos a vista, ainda que do alto e bem superficialmente, por estes caminhos trilhados; olhemos para a história do Cristianismo, demonstração eloqüente da sua veracidade e confiabilidade. Tenhamos em conta que a pequena sociedade fundada por um Homem da Galiléia, dois mil anos atrás, cresceu e se desenvolveu ao longo dos séculos e se transformou na maior Família que o gênero humano já conheceu; a Igreja nascida do lado aberto de Nosso Senhor na Cruz transformou-se n’Aquela que mudou os rumos da História e construiu a civilização ocidental. Ora, não há efeito sem causa; qual é porventura a causa do extraordinário crescimento e da ainda mais extraordinária sobrevivência deste grupo de pessoas as mais distintas, unidas – ultrapassando os séculos, as culturas e os povos – ao redor do legado de um Carpinteiro de Nazaré? É porventura razoável imaginar que, sendo conhecidas as causas de um sem-número de efeitos, justamente este – sem sombra de dúvidas o mais portentoso que a História é capaz de narrar – não tenha nenhuma causa? É sensato postular que, no mundo em que o homem explica todos os fatos, justamente este esteja condenado a permanecer sem explicação?

Santo Tomás de Aquino já evocava este raciocínio, para demonstrar a importância da Fé para o cristão. São tão fortes e convincentes as palavras do Doutor Angélico que peço licença para deixá-lo falar por si próprio:

Se um rei enviasse suas cartas com o selo real, ninguém ousaria dizer que aquelas cartas não eram do próprio rei. É claro que as verdades nas quais os Santos acreditaram e que nos transmitiram como sendo de fé cristã, estão seladas com o selo de Deus. Tal selo é significado por aquelas obras que uma simples criatura não pode fazer, isto é, pelos milagres. Pelos milagres Cristo confirmou as palavras dos Apóstolos e dos santos.

Podes, porém, replicar, dizendo que ninguém viu esses milagres. É fácil responder esta objeção. É conhecido que toda a humanidade prestava culto aos ídolos e que a fé cristã foi perseguida, confirmando-o, além do mais, a história do paganismo. Converteram-se todos a Cristo, porém, em pouco tempo. Os sábios, os nobres, os ricos, os governos e os grandes converteram-se pela pregação de poucos homens rudes e pobres. Ora, não há saída: ou se converteram porque viram milagres, ou não. Se foi porque viram milagres que se converteram, a tua objeção não tem sentido. Se não o foi, respondo que não poderia haver maior milagre que esse de todos os homens converterem-se sem ter visto milagres. Deves te dar por vencido.

Eis porque ninguém pode duvidar da fé. Devemos acreditar mais nas verdades da fé do que nas coisas que vemos. Porque a vista do homem pode falhar, mas a ciência de Deus é sempre infalível.
[Santo Tomás de Aquino, “Exposição sobre o Credo”]

A História da Igreja Católica é simplesmente inexplicável, quando se a considera sob uma ótica meramente naturalista. Ao contemplar esta longa sucessão de séculos, por meio dos quais a Barca de Pedro navegou – não sem tempestades! – incólume e intacta, o espírito humano livre de preconceitos inclina-se naturalmente à conclusão de que está diante de alguma coisa extraordinária. Étienne Gilson repete isso, no seu estilo peculiar, que peço mais uma vez permissão para aqui reproduzir:

Não se vê na história nenhum caso de uma sociedade espiritual feita de homens unidos pelo único amor a uma verdade comum que transcende a razão e mantendo-a durante vinte séculos, sem nunca traí-la. Procura-se não menos em vão um outro exemplo de uma fé religiosa alimentando, durante dois mil anos, um fluxo ininterrupto de especulação racional e, para dizer tudo, de filosofia, toda ocupada em definir seu objeto de especulação, em defender-se dos inimigos de fora, em munir-se de razões, em conquistar alguma intelecção de um mistério que ela aliás não ousa evacuar. A admiração se instala diante dessa interminável linhagem de doutores de múltiplas origens, de algum modo se sucedendo ao longo dos séculos, para manter intacto o ensino de um homem que, no limite de três anos, pregou a doutrina da salvação aos pobres e aos humildes. Três anos somente de vida pública, e esse imenso rio de doutrina circulando por todo o lado há vinte séculos, sem jamais permitir que príncipes, povos, filósofos, enfim, nenhum poder deste mundo o desvie um pouco que seja do seu próprio curso. Nada pode substituir aqui a experiência direta e pessoal dessa história. Aqueles a quem a vida concede a oportunidade de adquiri-la sabem que ela dá invencivelmente a impressão de que uma força mais do que humana atua incessantemente nela. Podemos dizer que o simples olhar para esses vinte séculos de fecundidade doutrinal, que nada de humano pode explicar, nos coloca diante de uma prova manifesta da existência de um Deus imediatamente presente em sua Igreja. Mas talvez tal visão dessa história pressuponha uma longa vida despendida a estudá-la.
[Gilson, Étienne; “O Filósofo e a Teologia”, pp. 212-213. São Paulo, Paulus, 2009]

Eis, portanto, os argumentos, alcançáveis pela Razão Humana, que testemunham em favor da Fé. Há um Deus; houve um dia um Homem que Se disse Deus; os portentosos sinais por Ele realizado e o extraordinário sucesso – aliás, imprevisível e inverossímil – alcançado por Sua obra ao longo dos séculos concedem-Lhe credibilidade; a Igreja por este Homem fundada, até aqui, mostrou-Se incompreensivelmente, por vinte séculos, fiel a Ele. Eis os fatos. Eis o caminho que já foi incontáveis vezes percorrido por aqueles que nos precederam e que nos falam da Fé Católica. Eis as longas veredas que conduzem à filial submissão que o católico tem à Suprema Autoridade da Igreja Católica, sem que ele próprio precise percorrê-las por si mesmo a cada vez que se deparar com um ensino da Esposa de Cristo: basta-lhe saber que tais caminhos existem, e que outros já o percorreram antes dele.

Não é uma atitude razoável reinventar a roda a cada vez que ela precisar ser utilizada, nem mesmo negar a sua existência porque não fomos nós próprios a produzi-la. Não é sensato menosprezar os ensinamentos daqueles que nos precederam pela simples razão de que não fomos nós mesmos a adquiri-los. Não é inteligente desdenhar daquilo que nos dizem os que são mais sábios do que nós, meramente por uma recusa obstinada em admitirmos que possa existir uma realidade com a qual não tivemos ainda contato. Escutemos, portanto, a Igreja; até mesmo porque a reinvenção da roda é trabalhosa – segundo Gilson, talvez despenda uma vida inteira – e não há sentido em condicionarmos a nossa aceitação de uma conclusão à sua “refazenda” por nós próprios. Não é necessário que trilhemos todos os caminhos que já foram trilhados; convençamo-nos, ao invés disso, que eles existem, podem ser percorridos e já o foram por diversas vezes. Concedamos crédito à experiência dos que nos precederam. E termino com mais uma citação do filósofo francês, nas páginas finais do seu livro já citado:

[D]irei que, na noite de uma vida passada no estudo da filosofia cristã, plenamente consciente da evolução histórica por ela sofrida – exatamente aquela que o Papa Leão XIII descreveu com tanta lucidez em Aeterni Patris -, não sou menos consciente da milagrosa fidelidade à fé cristã que ela testemunha. (…) Relatando minha experiência, digo somente que, caso tivesse encontrado algo mais inteligente e mais verdadeiro do que aquilo que São Tomás disse sobre o ser, eu me apressaria em dizê-lo a meus contemporâneos. Contudo, acabei por concluir que sua metafísica é verdadeira, profunda, fecunda, e é essa verdade sem originalidade que devo me contentar em transmitir-lhes.

[…]

Como se poderia acreditar que esse belo cargueiro, que há tantos séculos percorreu tantos caminhos sem nunca mudar de rota, esteja hoje prestes a trocar de direção ou chegar ao fim da linha? Nem a energia lhe falta para seguir sua viagem, nem a assistência daquele que prometeu estar conosco até a consumação dos séculos.
[Gilson, op. cit., pp. 236-237. 239]

Eis os fatos que atestam o valor do Cristianismo, eis as razões que a Razão Humana aduz em favor da Fé, eis o tributo que a História presta à Igreja de Nosso Senhor.

A precisão das imprecisões

O acesso a elas [às encíclicas papais] não é dos mais fáceis. A dificuldade não está no fato de serem escritas num latim de chancelaria florido de elegâncias humanistas, mas no fato de nem sempre ser facilmente perceptível o sentido da doutrina. Decide-se então traduzi-las e, ao tentar fazê-lo, acaba-se por compreender pelo menos a razão de ser de seu estilo. Não se podem substituir os termos desse latim pontifical por outros emprestados de alguma dessas grandes línguas literárias modernas, e muito menos desarticular as frases para articulá-las de outra maneira, sem logo perceber que, por mais cuidadoso que se tente ser, o original perde muito de sua força ao longo da tradução, e não somente de sua força, mas de sua precisão, o que ainda não é o mais grave, pois a verdadeira dificuldade, bastante conhecida daqueles que se arriscam nesse desafio, é a de respeitar exatamente o que se poderia chamar, sem nenhum paradoxo, de a precisão de suas imprecisões. A precisão sabiamente calculada de suas imprecisões desejadas. Quantas vezes não se pode pensar, após madura reflexão, que se sabe o que, num determinado aspecto, a encíclica quer dizer, mas ela não o diz expressamente e, sem dúvida nenhuma, ela tem seus motivos para interromper, em determinados princípios, a determinação mais precisa de um pensamento preocupado em se manter sempre aberto, pronto a dar acolhida a novas possibilidades. Além do curso de teologia que lhes faz falta, e que demandaria vários anos, seria útil aos filósofos cristãos freqüentar por algum tempo uma escola de aperfeiçoamento, uma finishing school, situado em algum lugar entre a Basílica do Latrão e o Vaticano, e vinculada preferencialmente à Gregoriana, onde se ensinaria a arte de ler uma encíclica pontifícia.
[Gilson, Étienne; “O Filósofo e a Teologia”, pp. 184-185. São Paulo, Paulus, 2009]

Eu já tive a oportunidade de comentar aqui sobre o que eu considerava ser a verdadeira intransigência, necessária aos católicos de todos os tempos. Aproveito o texto em epígrafe para fazer algumas outras considerações sobre o tema, que tem uma importância capital nos dias de hoje, em que os católicos atravessam, além de outras, uma crise intelectual.

Desnecessário julgo reafirmar a importância capital das expressões com as quais os dogmas católicos foram expostos ao longo dos séculos; a Fé é uma virtude intelectual, definida como a adesão – voluntária e movida pela graça – do intelecto às verdades reveladas por Deus e propostas pela Igreja. A célebre definição do Doutor Angélico (credere est actus intellectus assentientis veritati divinae ex imperio voluntatis a Deo motae per gratiam) complementa-se com o Actus Fidei ([m]eu Deus, eu creio tudo o que Vós revelastes e a Santa Igreja nos ensina) e com o Credo do Povo de Deus ([n]ós cremos todas essas coisas que estão contidas na Palavra de Deus por escrito ou por tradição, e que são propostas pela Igreja): não há veritati divinae à qual aderir que não nos venha mediante o ensino da Igreja, de modo que negar este é negar a Verdade e, por conseguinte, perder a Fé.

No entanto, permanece sempre a radical incapacidade da linguagem humana de exprimir plenamente o infinito. As fórmulas utilizadas pela Igreja expressam, efetivamente, a Verdade Divina, e isto é evidente e incontestável. Não esgotam, contudo, esta mesma Verdade; há sempre espaço para que – sem que as fórmulas antigas deixem de ser verdadeiras, óbvio – as coisas sejam ditas de uma forma diferente. Gilson fala, aliás, de uma maneira muitíssimo curiosa, das imprecisões desejadas com as quais a Igreja se expressa. E isso foi escrito antes do Concílio Vaticano II…

Por que motivo seria útil à Igreja manter imprecisões no Seu ensinamento? Justamente por uma questão de fidelidade à Verdade Revelada, que a Igreja não pode trair com as fórmulas que propõe. Não há interesse da Igreja em “esgotar” um certo aspecto do Dogma, exatamente porque Ela sabe que a Verdade é “inabarcável” e, se por um lado é possível garantir a perfeita correspondência entre uma fórmula e a Verdade, por outro lado não é possível fechar à inteligência humana a possibilidade de expressar a Verdade de uma outra maneira.

E, mais ainda: se por um lado é relativamente fácil dizer o que uma coisa não é, em contrapartida é extremamente difícil dizer o que a mesma coisa é. Dizer o que algo não é, é excluir uma tese errônea; dizer o que algo é, é excluir todas as teses, concebidas ou por conceber, que contradigam a afirmação realizada. Para utilizar um exemplo meramente ilustrativo, se eu mostro uma mão fechada e pergunto para alguém o que tem dentro, é muito mais fácil ele dizer o que não tem dentro (não tem um elefante, não tem um piano de cauda, não tem um alienígena) do que o que tem dentro. Muitas vezes é necessário dizer o que as coisas não são, apontar simplesmente o erro, ao invés de afirmar categórica e univocamente o que elas são; e a Igreja, que é sábia, muitas vezes apenas delimita o espaço da investigação teológica, sem contudo traçar uma linha única que deva ser universalmente seguida. Para tanto, Ela Se utiliza de imprecisões deliberadas.

Há, infelizmente, incontáveis exemplos de pessoas que não percebem e não respeitam estas imprecisões desejadas no ensino da Santa Igreja. A maneira mais fácil de se apontar uma “contradição” entre o “Magistério pré-conciliar” e o “Magistério pós-conciliar” é, exatamente, atropelar este terreno voluntariamente impreciso e restringir os limites que a Igreja manteve deliberadamente flexíveis. É sem dúvidas necessário, sim, ser intolerante e defender a Doutrina Católica de deturpações; no entanto, é igualmente necessário ter a sensibilidade intelectual para identificar e respeitar, nos ensinos dos Papas, “a precisão de suas imprecisões”. Referindo-se a tal arte, que não é fácil, Gilson diverte-se falando que, para dominá-la, seria necessário um curso específico em Roma para isso… no entanto, quantos leigos auto-intitulados teólogos nós encontramos, atacando – sem pudor e sem prudência – a Igreja de Nosso Senhor!

Que a Virgem, Sedes Sapientiae, alcance-nos as luzes do Alto, do Espírito Santo de Deus, a fim de que não percamos o rumo em meio aos nossos combates. E que nos esforcemos para estarmos sempre muito bem unidos à Igreja de Nosso Senhor, em comunhão afetiva e efetiva com o Sucessor de Pedro, o Doce Cristo na Terra e cabeça da Igreja de Deus, Ela que é Coluna e Sustentáculo da Verdade, contra a qual podemos ter a certeza de que as portas do Inferno jamais prevalecerão.

Doutrina Católica Básica

Segue abaixo um pequeno conjunto de perguntas sobre Doutrina Católica básica, a fim de que o ensinamento da Igreja seja melhor conhecido nos dias de hoje, nos quais tantas pessoas se dizem católicas sem fazerem idéia do que isso significa realmente. As respostas católicas vão entre colchetes.

Sobre Deus: Deus existe? [sim] A existência de Deus pode ser conhecida naturalmente, ou exige a Fé? [pode ser conhecida naturalmente] Há um só Deus, ou há vários deuses? [há um só Deus] O Deus que existe é ao mesmo tempo Uno e Trino? [sim] Deus é Criador de todas as coisas que existem? [sim] De todos os homens também? [também] Deus é Deus de todos os povos? [sim] Existe “um deus para cada religião” (Allah para os muçulmanos, Krishna para os hindus, Tupã para os índios, etc), ou Deus é o Deus de todos? [Deus é o Deus de todos]

Sobre Jesus Cristo: Jesus Cristo é verdadeiro Deus? [sim] E Homem verdadeiro? [também] Jesus Cristo veio realmente a esta terra? [veio] Os Evangelhos são livros históricos ou dependem da “fé” de quem lê? [são livros históricos] Jesus Cristo fundou uma Igreja? [sim, fundou uma Igreja]

Sobre a Igreja: Jesus Cristo fundou uma única Igreja, ou várias? [uma única Igreja] Jesus Cristo é o Esposo Fiel que tem uma Única Igreja por Esposa, ou é um adúltero que tem “várias igrejas” – ou (pior ainda) várias religiões – por concubinas? [é o Esposo que tem uma Única Igreja por Esposa] A Igreja é infalível quando ensina sobre Fé e Moral? [é infalível] Todos fazem parte da Igreja, ou entra-se n’Ela pelo Batismo? [entra-se n’Ela pelo Batismo] Existe salvação fora da Igreja? [não] Fora das estruturas visíveis da Igreja, é possível pertencer “à alma” d’Ela e ser salvo?  [sim] Todos pertencem “à alma” da Igreja, ou é necessário para isso estar em Ignorância Invencível e ter ao menos implícito o Batismo de Desejo? [é necessário estar em Ignorância Invencível e ter ao menos implícito o Batismo de Desejo] Os não-católicos, portanto, salvam-se caso não estejam em Ignorância Invencível, ou caso não tenham pelo menos implicitamente o Batismo de Desejo? [não, os não-católicos não se salvam se não estiverem em Ignorância Invencível e não tiverem pelo menos implícito o Batismo de Desejo] Todas as pessoas, portanto, precisam conhecer a Igreja e segui-lA? [sim]

Sobre a Missa: a Missa é o Sacrifício de Cristo tornado presente em nossos altares, ou é uma reunião do povo de Deus, uma confraternização dos irmãos na Fé, uma festa para que os católicos se encontrem e vivam em comunidade, ou alguma outra coisa parecida? [é o Sacrifício de Cristo tornado presente em nossos altares] Na Eucaristia, Jesus Cristo está verdadeiramente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade? [sim] Isso depende da Fé de quem celebra, da Fé de quem comunga, ou é assim em virtude do sacramento? [é assim em virtude do Sacramento] Os não-católicos podem comungar? [não] Quem está em pecado mortal pode comungar? [não] A missa é celebrada para o povo, ou para Deus em favor do povo? [para Deus em favor do povo] Existe Missa com o povo reunido, sem o padre? [não] Existe Missa só com o padre, sem o povo reunido? [sim]

Sobre assuntos diversos: é pecado mortal ter relações sexuais fora do casamento? [é] É pecado mortal usar métodos artificiais de controle de natalidade? [é] É pecado mortal abortar? [é] É pecado mortal deixar de assistir missa nos domingos sem que haja motivo grave? [é] A sodomia é pecado mortal e, ainda, um pecado contra a natureza? [sim] Católico pode defender o aborto? [não] Católico pode ser socialista? [não] Existe Purgatório? [sim] Existe inferno? [sim] O inferno é para sempre? [sim] Existe Satanás? [sim] As pessoas que morrem em pecado mortal sem arrependimento vão para o inferno? [vão] É necessário buscar o Sacramento da Confissão com um padre quando se comete um pecado mortal? [sim] Nossa Senhora é Mãe de Deus? [é] Nossa Senhora foi e é Virgem antes, durante e depois do parto? [sim, Ela foi e é Virgem antes, durante e depois do parto] Nossa Senhora nasceu com o Pecado Original? [não] Nossa Senhora foi assunta aos Céus em Corpo e Alma? [sim]

Há muitas outras perguntas que poderiam ser feitas, mas estas bastam por enquanto. Que possamos nos esforçar para sermos em tudo servos fiéis da Igreja, repetindo todos os dias com alegria: esta é a nossa Fé, que da Igreja recebemos, e sinceramente professamos!