Os frutos da Canção Nova

[DISCLAIMER: aviso aos desavisados que este post é uma ironia. Após alguns comentários recebidos, talvez seja importante deixar as coisas claras. Peço desculpas se, inadvertidamente, induzi alguém ao erro com esta postagem.]

Enquanto os maledicentes de plantão questionavam a aproximação entre a Canção Nova e a presidenciável Dilma Rousseff, aqueles que verdadeiramente amam a Deus acima de todas as coisas e trabalham, com afinco, pela salvação das almas, não se deixaram desanimar nem por um instante. E continuaram investindo na Dilma. E finalmente os resultados do seu apostolado são já visíveis.

Eis os incontestáveis frutos obtidos pela Canção Nova na vida da Dilma. A matéria é da Folha de São Paulo. Trata-se de uma clara e evidente aproximação da petista ao catolicismo, devidamente registrada ao longo do tempo, constando somente de declarações públicas. De uma eficácia de fazer inveja aos tradicionais modelos de apostolado! E, quando pensávamos que a Canção Nova estava se vendendo ao petismo, era o contrário: na verdade, ela se fazia de morta para “roubar” – no bom sentido, claro – o coveiro. Como São Paulo, a CN fez-se petista e abortista para salvar os petistas e abortistas. E aquela que se dizia agnóstica, agora se diz publicamente católica – ainda que meio titubeante.

Pelo andar da carruagem, daqui para as eleições de outubro a Dilma será católica praticante de comunhão diária. Uma alma arrancada às garras de Satanás, para a maior glória de Deus. Parabéns, Canção Nova!

Homilia de Bento XVI em Fátima

Mais ainda, aquela Luz no íntimo dos Pastorinhos, que provém do futuro de Deus, é a mesma que se manifestou na plenitude dos tempos e veio para todos: o Filho de Deus feito homem. Que Ele tem poder para incendiar os corações mais frios e tristes, vemo-lo nos discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 32). Por isso a nossa esperança tem fundamento real, apoia-se num acontecimento que se coloca na história e ao mesmo tempo excede-a: é Jesus de Nazaré. E o entusiasmo que a sua sabedoria e poder salvífico suscitavam nas pessoas de então era tal que uma mulher do meio da multidão – como ouvimos no Evangelho – exclama: «Feliz Aquela que Te trouxe no seu ventre e Te amamentou ao seu peito». Contudo Jesus observou: «Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11, 27. 28). Mas quem tem tempo para escutar a sua palavra e deixar-se fascinar pelo seu amor? Quem vela, na noite da dúvida e da incerteza, com o coração acordado em oração? Quem espera a aurora do dia novo, tendo acesa a chama da fé? A fé em Deus abre ao homem o horizonte de uma esperança certa que não desilude; indica um sólido fundamento sobre o qual apoiar, sem medo, a própria vida; pede o abandono, cheio de confiança, nas mãos do Amor que sustenta o mundo.

Bento XVI
Santa Missa na Esplanada de Fátima, 13 de maio de 2010

Falta de Fé?

A charge lusitana acima foi-me enviada por email, e está disponível em um portal ateu. Alguém me perguntou “como refutar”. Mas refutar o quê? Nada existe para ser refutado, porque há vacuidade de argumentos! A charge é somente uma piada boba direcionada a uma caricatura tão grotesca da Igreja Católica que, sinceramente, só com muita ignorância ou má fé para confundir com Ela.

Qual foi a parte do Cristianismo que os anti-clericais ainda não entenderam? A Crucificação de Nosso Senhor? A perseguição contra os cristãos executada pelo Império Romano? O jugo muçulmano? A Revolução Francesa? As perseguições comunistas? Qual página da História da Igreja pode ser aberta sem que se encontre nela a mancha de sangue de cristãos assassinados por odium fidei? E, depois de tudo isso, como é possível que os inimigos da Igreja ainda pensem que a Fé concede uma espécie de “corpo fechado”, de salvo-conduto em meio às tribulações desta vida?

Será possível que os anti-clericais nos julguem esquizofrênicos? Nós sabemos – na nossa própria pele! – que a Fé cristã não torna ninguém imune aos sofrimentos humanos. Isto nunca, absolutamente nunca, esteve em discussão. O Cristianismo nunca foi apresentado como “basta ter Fé que nada de mal vai lhe acontecer”. Qual o motivo, então, da insistência na caricatura barata?

Só posso conceber isso como sendo uma recusa a enfrentar o inimigo real. Se não existe brecha nas muralhas da Igreja por meio da qual Ela possa ser atacada, então não sobra aos anti-clericais outra opção que não apelar para o velho sofisma do espantalho. Pinte-se uma caricatura grotesca do Cristianismo (pouco importa o quão distante ela esteja da realidade) e deboche-se dela, pulverizando-a impiedosamente. O que conseguem com isso os anti-clericais? Julgam atingir a Igreja? Ao contrário, só demonstram a sua própria incompetência. Tais expedientes só mostram que eles não sabem, ou não querem saber, contra o quê protestam. Por não conseguirem atacar a Igreja ou não saberem o que Ela é, comprazem-se em espezinhar espantalhos.

Há uma frase dos Salmos aqui na barra lateral do Deus lo Vult! da qual eu gosto particularmente. Diz “se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os construtores; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigiam as sentinelas”. Mostra – agora sim! – a Fé Cristã da forma como ela é: os esforços humanos são inócuos sem o auxílio do Senhor, mas de forma alguma a amizade do Senhor dos Exércitos “dispensa” os homens de, por sua parte, esforçarem-se. Quando o Senhor guarda a cidade, nem por isso as sentinelas podem dormir. Isto é tão claro em toda a história do judaísmo e do Cristianismo que, sinceramente, é frustrante que os anti-clericais ainda não tenham percebido. E este problema não é de falta de Fé. É falta de inteligência ou de caráter mesmo.

Deus quer que todos se salvem

Certa feita, em confissão, após me acusar de falta de empenho em batalhar pela minha própria santificação, o sacerdote que me confessava disse-me uma frase profundamente verdadeira e que acho que nunca vou esquecer. Ele me disse “meu filho, Deus oferece sempre os meios necessários para que nos santifiquemos; agora, precisamos fazer a nossa parte. Não se esforçar para a própria santificação até deixar a alma morrer é a mesma coisa que um sujeito morrer de fome tendo um prato de comida à sua frente, pelo simples fato de que tem preguiça de pegar os talheres, levar o alimento à boca e o mastigar”.

Verdadeira comparação – Deus nos oferece sempre os meios dos quais necessitamos para que sejamos salvos. Eis que Ele está à porta e bate – é necessário somente que abramos à porta. As graças que o Onipotente nos concede são tantas e tão abundantes… só precisamos aceitá-las, colaborar com este Deus amoroso, oferecer o obséquio de nossa inteligência e vontade ao Deus que nos ama e quer a nossa salvação.

Eu precisaria pesquisar melhor para ter as referências completas (coisa que não posso fazer agora), mas é de fide que Deus oferece a todas as pessoas graças suficientes para que elas sejam salvas. Ao contrário da predestinação inexorável calvinista, a Doutrina Católica contempla o livre-arbítrio humano – esta característica integrante (e parte constituinte) do homem. Deus quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade, como está nas Escrituras Sagradas.

Isto, obviamente, inclui os ateus. Trouxe à baila o assunto porque me lembrei de que, certa feita, vi um ateu dizendo “não ter culpa” de não acreditar, uma vez que ele simplesmente não conseguia fazê-lo – da mesma forma como (e aí entram as comparações descabidas) ninguém poderia ser culpado de não acreditar no Papai Noel ou no Coelhinho da Páscoa. Ele, ateu, simplesmente não conseguia – disse até querer! – acreditar em Deus. E até se queixava: se a Fé é um dom, por que Deus não a concedeu a ele?

O argumento não procede. São Paulo já o dizia: “Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar” (Rm 1, 20). A auto-mutilação intelectual que o ateu se impõe é a verdadeira responsável por ele “não conseguir” acreditar. Na analogia do sacerdote que contei acima, seria como amarrar as próprias mãos às costas e depois se queixar de que não consegue manusear os talheres para comer. Não é justificativa – e o sujeito que morre de fome e o ateu que morre sem fé são eles próprios os culpados do seu infortúnio.

Um, dois, três, quatro, cinco

1. Antes de viajar, mulher deixa US$ 40 mil em moedas raras para santa cuidar. “Eu tive de viajar e fiquei com medo de deixá-las em casa. Queria que a Virgem Maria tomasse conta delas pra mim – e ela fez isso, porque vocês [os funcionários do santuário] as encontraram”. Posuimus Te custodem, como o Fedeli diz algumas vezes. Certas manifestações de confiança são realmente impressionantes.

2. Nova campanha ateísta: deixem as crianças em paz!! Mais bobagem. “Os pais não devem obrigar suas crianças a seguir sua fé religiosa, essa seria uma escolha pessoal e só deveria ser feita pela criança quando ela fosse mais crescida e pudesse fazer a escolha por seguir alguma religião ou não por si mesma”. E por qual misterioso motivo os pais deveriam obrigar a criança a seguir o indiferentismo religioso ou o ateísmo? Parece piada: reclamam da educação religiosa e fazem campanha por uma educação atéia! Por que não deixam a criança optar pelo ateísmo quando for mais crescida?

3. Natal nazista. Uma exposição alemã; seguindo os links, é possível encontrar algumas fotos. “As autoridades queriam tirar dessa festa, que era para elas a celebração do solstício de inverno, a pagã “Julfest”, todas as referências a Jesus Cristo, o bebê judeu na manjedoura. Além de infestar as bolinhas da árvore com suásticas e trocar a estrela por um sol, os líderes do governo alteraram as letras das cantigas natalinas para eliminar todas as referências a Jesus”. Mas os difamadores de plantão serão capazes de dizer (1) que é mentira; ou (2) que foi idéia do Papa. Querem apostar?

4. O grau de autoridade do “Ensinamento de Magistério” do Concílio Vaticano II. “Assentados nos princípios de hermenêutica enunciados por S.E. Mons. Felici, podemos afirmar que a ninguém — seja Bispo,  padre, teólogo ou o povo de Deus – é facultado o direito de “desprezar” os ensinamentos do Vaticano II. Enquanto provenientes do Magistério Supremo,  gozam de uma excelência e de um alcance extraordinários. Se, de um lado, as pessoas instruídas  não podem ser impedidas de examinar os fundamentos das declarações do Vaticano II (em consonância com aquilo que impõe a supracitada hermenêutica), de outro também, ninguém  deve, temerariamente, recusar-lhes reverente acatamento, interno e externo”. E o autor, Mons. Brunero Gherardini, certamente não pode ser apodado de modernista e nem de “neo-con”.

5. Meu querido Frei Betto! Quem o diz é o Chalita. “Mas afinal, o que está acontecendo? Como a Canção Nova, que sempre criticou a Teologia da Libertação – mesmo quando se dizia a verdadeira Teologia da Libertação[ -], como dá espaço para quem, com muito afeto, faz propaganda de Frei Betto?”

Teologia Monástica e Teologia Escolástica

Original: Vaticano

Tradução: Wagner Marchiori

TEOLOGIA MONÁSTICA E TEOLOGIA ESCOLÁSTICA

Bento XVI – Audiência de 28 de outubro de 2009

Caros irmãos e irmãs,

vou me deter hoje sobre uma interessante página da história, que diz respeito ao florescimento da teologia latina no século XII e que veio à luz por uma série providencial de coincidências. Nos países da Europa ocidental reinava, então, uma relativa paz que assegurava à sociedade o desenvolvimento econômico e a consolidação da estrutura política e, ao mesmo tempo, favorecia uma vivaz atividade cultural graças a contatos com o Oriente. A Igreja, internamente, se beneficiava da vasta ação da chamada “reforma gregoriana que, promovida vigorosamente no século anterior, havia aportado uma maior pureza evangélica na vida da comunidade eclesial, sobretudo no clero, e havia restituído à Igreja e ao Papado uma autêntica liberdade de ação. Também estava em curso uma vasta renovação espiritual apoiada no exuberante desenvolvimento da vida consagrada: nasciam e se expandiam novas Ordens religiosas, enquanto as já existentes conheciam uma promissora renovação.

Floresceu, também, a teologia, adquirindo uma maior consciência de sua própria natureza: refinou seu método, afrontou novos problemas, avançou na contemplação do Mistério de Deus, produziu obras fundamentais, inspirou iniciativas importantes na cultura – da arte à literatura -, e preparou as obras-primas do século seguinte, o século de Tomás de Aquino e de Boaventura da Bagnoregio. Dois foram os ambientes em que surgiu com vigor esta atividade teológica: os mosteiros e as escolas das cidades, as “scholae”, algumas das quais rapidamente haveriam de dar vida à Universidade, que se constituiu em uma dessas típicas “invenções” do Medievo cristão. Partindo destes dois ambientes, os mosteiros e as scholae, pode-se falar de dois diferentes modelos de teologia: a “teologia monástica” e a “teologia escolástica”. Os representantes da teologia monástica eram os monges, em geral abades, dotados de sabedoria e fervor evangélico, dedicados essencialmente  a suscitar e a alimentar  o desejo amoroso de Deus. Já os representantes da teologia escolástica eram homens cultos, apaixonados pela investigação; os ‘magistri’ (mestres) desejosos de mostrar a racionalidade e o fundamento do Mistério de Deus e do homem, acreditado com a fé, certamente, mas que inclui a razão. As diferentes finalidades explicam a diversidade de método e do modo de fazer teologia entre eles.

Nos mosteiros do século XII o método teológico era relacionado principalmente com a explicação da Sagrada Escritura, da “sacra pagina”, para se exprimir como os autores daquele período; praticava-se especialmente a teologia bíblica. Os monges eram, portanto, devotos ouvintes e leitores da Sagrada Escritura e uma de suas principais ocupações consistia na ‘lectio divina’, isto é, na leitura rezada da Bíblia. Para eles, a simples leitura do Texto Sagrado não era suficiente para se perceber o sentido profundo, sua unidade interior e sua mensagem transcendente. Importava, portanto, praticar uma “leitura espiritual”, conduzida em docilidade pelo Espírito Santo. Como na escola dos Padres, a Bíblia vinha interpretada alegoricamente para descobrir, em cada página tanto do Antigo como do Novo Testamento, tudo o que diz de Cristo e da sua obra de salvação.

O Sínodo dos Bispos do ano passado que versou sobre o tema “Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja” chamou a atenção para a importância da leitura espiritual da Sagrada Escritura. Para tal escopo, é útil fazer uso do tesouro da teologia monástica, uma ininterrupta exegese bíblica, assim como das obras compostas por seus representantes, preciosos comentários ascéticos aos livros da Bíblia. Ao conhecimento literário a teologia monástica unia a espiritualidade. Havia consciência de que uma leitura puramente teórica e profana não basta: para entrar no coração da Sagrada Escritura é preciso lê-la no espírito com que foi escrita e criada. O conhecimento literário era necessário para conhecer o exato significado da palavra e facilitar a compreensão do texto, refinando a sensibilidade gramatical e filológica. O estudioso beneditino do século passado, Jean Leclercq, assim intitulou um ensaio  em que apresenta a característica da teologia monástica: “L’amour des lettres et le désir de Dieu” (O amor da palavra e o desejo de Deus). De fato, o desejo de conhecer e de amar a Deus, que vem a nosso encontro através do acolhimento, meditação e prática de Sua Palavra, conduz a procurar se aprofundar no texto bíblico em todas as suas dimensões. Não pode assumir outra atitude aqueles que praticam a teologia monástica a não ser uma íntima postura orante, que deve preceder, acompanhar e completar o estudo da Sagrada Escritura. Em última análise, porque a teologia monástica é escuta da Palavra de Deus, não se pode não purificar o coração ao acolhê-La e, sobretudo, não se pode não acender o coração de fervor por encontrar o Senhor. A teologia se torna, então, meditação, oração, canto de louvor e leva a uma conversão sincera. Muitos dos representantes da teologia monástica atingiram, por esta via, estágios mais elevados da experiência mística e se constituem num convite a nós para nutrir nossa existência da Palavra de Deus mediante, por exemplo, uma escuta mais atenta da leitura do Evangelho, especialmente na Missa dominical. É também importante reservar um tempo a cada dia para a meditação da Bíblia, a fim de que a Palavra de Deus seja luz que ilumina nosso caminho cotidiano sobre a Terra.

A teologia escolástica, por sua vez – como já afirmei -, era praticada nas ‘scholae’, que surgiram junto às grandes catedrais da época, para a preparação do clero, ou em torno de um mestre de teologia e seus discípulos, para formar profissionais da cultura, em uma época na qual o saber era cada vez mais apreciado. No método dos escolásticos era central a ‘quaestio’, isto é, o problema que se coloca o leitor ao se defrontar com a palavra da Escritura e da Tradição. Ante o problema que estes textos “de autoridade” põem, surgem questões e nasce o debate entre o mestre e os estudantes. Apoiado, de um lado, nos argumentos “de autoridade” e, de outro, nos argumentos da razão, o debate se desenvolve  buscando encontrar, ao final, uma síntese entre “autoridade” e razão para chegar a uma compreensão mais profunda da palavra de Deus. A esse respeito, São Boaventura diz que a teologia é “per additionem” (cfr “Commentaria in quatuor libros sententiarum”, I, proem., q. 1, concl.), isto é, a teologia acrescenta a dimensão da razão à palavra de Deus e, assim, cria uma fé mais profunda, mais pessoal e, portanto, também mais concreta na vida do homem. Neste sentido, encontravam-se diversas soluções e se chegavam a conclusões que começavam a construir um sistema de teologia. A organização das “quaestiones” conduzia à compilação de sínteses cada vez maiores, ou seja, compunham-se as diversas “quaestiones” com as respostas encontradas, criando, assim, uma síntese, as chamadas “summae”, que eram, na realidade, amplos tratados teológico-dogmáticos nascidos do confronto da razão humana com a palavra de Deus. A teologia escolástica almejava apresentar a unidade e a harmonia da Revelação cristã através de um método – chamado “escolástico“, da “escola” – que dá confiança à razão humana: a gramática e a filologia a serviço do saber teológico, mas, mais ainda, a lógica, que é a disciplina que estuda o “funcionamento” do raciocínio humano de modo a tornar evidente a verdade de uma proposição. Ainda hoje, ao ler as “Summae” escolásticas, chama a atenção a ordem, a clareza, a concatenação lógica dos argumentos e a profundidade de algumas intuições. Com linguagem técnica, é atribuída a cada palavra um significado preciso e, entre crença e compreensão, estabelece-se um recíproco movimento de clarificação.

Caros irmãos e irmãs, ecoando o convite da Primeira Carta de São Pedro, a teologia escolástica nos estimula a estarmos sempre prontos a dar a todo aquele que nos pede a razão da esperança que está em nós (cfr 3,15). Sentir a pergunta como nossa e, assim, sermos capazes também de dar uma resposta. Recorda-nos que entre a fé e a razão existe uma amizade natural, fundada na própria ordem da criação. O Servo de Deus João Paulo II, no ‘incipit’ da encíclica “Fides et Ratio, escreve: “A fé e a razão são como as duas asas com as quais os espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”. A fé se abre ao esforço de compreensão da razão; a razão, por sua vez, reconhece que a fé não a fere, e, sim, possibita-lhe alcançar horizontes mais amplos e elevados.  Insere-se aqui a perene lição da teologia monástica. Fé e razão, em recíproco diálogo, vibram de alegria quando juntas estão animadas na busca da união íntima com Deus. Quando o amor vivifica a dimensão orante da teologia os conhecimentos adquiridos pela razão se alargam. A verdade se busca com humildade e se a recebe com assombro e gratidão: em uma palavra, o conhecimento cresce somente se se ama a verdade. O amor se converte na inteligência e a teologia em autêntica sabedoria do coração que orienta a fé e a vida daquele que crê. Oremos para que o caminho do conhecimento e do aprofundamento nos mistérios de Deus seja sempre iluminada pelo amor divino.

Audiência Geral – Escolástica

No século XII, a partir dos mosteiros e das escolas junto das catedrais, desenvolveram-se dois modelos diferentes de teologia: a «teologia monástica» e a «teologia escolástica». A primeira foi desenvolvida pelos monges, devotados ouvintes e leitores orantes da Sagrada Escritura, que procuravam incentivar e nutrir o desejo amoroso de Deus. A teologia escolástica é obra de pessoas cultas, de mestres desejosos de mostrar o carácter razoável e o fundamento dos mistérios de Deus e do homem, que se devem acreditar com a fé mas também compreender pela razão. Fé e razão, em recíproco diálogo, vibram de alegria quando ambas são animadas pela busca duma união cada vez mais íntima com Deus.

Bento XVI, Audiência Geral de Quarta-feira, 28 de Outubro de 2009.

Para ler a íntegra em italiano: Udienza Generale, Mercoledì, 28 ottobre 2009.

P.S.: Para ler uma tradução do italiano: aqui no Deus lo Vult!.

Fé adulta e obediência

Trecho da Homilia de Sua Santidade o Papa Bento XVI nas Primeiras Vésperas da Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, na tradução feita pelo Marcelo Moura Coelho em seu blog:

Nas últimas décadas a expressão “fé adulta” se tornou um slogan difundido. Na maioria [das vezes] é usado em relação à atitude daqueles que não prestam mais atenção ao que a Igreja e Seus Pastores dizem, em outras palavras, àqueles que escolhem por si mesmos em que crer e deixar de crer, numa espécie de “self-service da fé”. Expressar-se contra o Magistério da Igreja é mostrado como uma espécie de “coragem”, quando na verdade não é preciso muita coragem, porque quem faz isso pode estar certo [de] que receberá apoio público.

Ao contrário, é preciso coragem para aderir à fé da Igreja mesmo se ela contradiz a “ordem” do mundo contemporâneo. Paulo chama esse não-conformismo de “fé adulta”. Para ele, seguir os ventos do momento e as correntes do tempo é um comportamento infantil.

Excelente. Que Deus abençoe o Santo Padre!

Duas ligeiras indicações

1. Prof. Valter de Oliveira, sobre Holocaustos e Crimes Católicos. “E é o que vemos na História da Igreja. Os apóstolos tiveram medo. Fugiram. A Virgem permaneceu fiel. Milhares de mártires morreram pela Fé. Muitos preferiram adorar ídolos. […] Em todo o século XX milhares de sacerdotes foram trucidados por todo tipo de criminosos e são motivos de glória para a Igreja. Outros foram infiéis. Por mil razões. Ou mil falsas razões”.

2. Maria Mariana, a autora de Confissões de Mãe, sobre a repercussão que teve o seu livro. É muito diferente da primeira impressão passada mas, a despeito da mudança de tom, mantém algo do seu valor. “Agrediu muito as pessoas também a minha opção de ter parado de trabalhar. Dizem que falo isso só porque sou rica! Peraí! Primeiro, não sou. Segundo, leiam o livro! Digo assim: ‘Devemos ficar (com o filho) o máximo de tempo possível para nós. E podemos aumentar este tempo reconhecendo o valor da maternidade em nossas vidas’. (…) [S]empre concordamos eu e André, que a minha presença com as crianças não tem preço. Se saísse para trabalhar meu orçamento ficaria muito mais caro, economicamente e emocionalmente”.

O Papa na Terra Santa 2: judeus e muçulmanos

Lusa: Bento XVI apela à “reconciliação” entre cristãos e judeus. Folha: Bento 16 diz que religião se “corrompe” se servir à violência e ao abuso. Mais dois discursos do Santo Padre que ganham espaço na mídia: o primeiro no Monte Nebo, o segundo numa mesquita.

“Nas águas do Batismo, nós passamos da escravidão do pecado para a nova vida e a esperança. Na comunhão da Igreja, Corpo de Cristo, nós aguardamos [look forward] a visão da cidade celeste, a Nova Jerusalém, onde Deus será tudo em todos”. Estas palavras foram proferidas no monte onde Moisés contemplou a Terra Prometida; um lugar, portanto, sagrado para os judeus. No coração do Velho Testamento, o Vigário de Cristo fala do Novo Testamento: a verdadeira Terra Prometida é a Igreja de Nosso Senhor, e a verdadeira libertação da escravidão jorra das águas do Batismo. As coisas antigas passaram e cederam lugar para as novas; a Sinagoga deu lugar à Igreja de Cristo.

Os “liames inseparáveis entre a Igreja e o povo judeu” estão radicados precisamente na clara noção da “unidade dos Dois Testamentos”; não é ao povo judeu dos nossos dias, àqueles que renegaram a Nosso Senhor, que a Igreja encontra-se teologicamente unida. A plena “reconciliação entre cristãos e judeus” passa – obviamente – pelo reconhecimento de que Nosso Senhor é o Messias; somente assim haverá verdadeira paz no Oriente Médio, a paz que vem de Nosso Senhor Jesus Cristo e que o mundo não é capaz de dar. Enquanto este dia não chega, o “respeito mútuo” – que, como já disse, não mútua concordância – é condição essencial para que a Igreja possa frutificar: para que os cristãos possam anunciar a sua Fé e para que o Evangelho possa ser pregado também aos judeus.

“A religião é desfigurada quando é forçada ao serviço da ignorância ou do preconceito, do desprezo, da violência e do abuso”, disse o Papa neste sábado na cerimônia de colocação da pedra fundamental da futura Universidade Católica da Universidade de Madaba; mais tarde, diante de uma mesquita, disse o seguinte, quase repetindo as palavras anteriormente proferidas:

Alguns sustentam que a religião falha em sua pretensão de ser, por natureza, uma construtora de unidade e harmonia, uma expressão de comunhão entre as pessoas e com Deus. Sem dúvidas, alguns afirmam que a religião é necessariamente uma causa de divisões no nosso mundo; e então eles argumentam que, quanto menos atenção for dada à religião na esfera pública, melhor. Certamente, a contradição de tensões e divisões entre os seguidores de diferentes tradições religiosas, tristemente, não pode ser negada. Entretanto, não seria também o caso de, freqüentemente, ser a manipulação ideológica da religião, às vezes para fins políticos, o verdadeiro catalisador de tensões e divisões e, às vezes, até de violência na sociedade?

Tal incômoda pergunta, dirigida a líderes muçulmanos na frente de uma mesquita, é por si só bastante eloqüente e bem poderia ser tomada como uma provocação. É bem conhecida a violência do Islam e a violação dos direitos humanos básicos nos países que estão sob o jugo dos infiéis filhos de Maomé; passa-me a impressão de que, divertidamente, o Papa utiliza-se de uma espécie de ad hominem e pergunta retoricamente se a violência do Islam é fruto do Islam em si ou de uma sua ideologização. A primeira resposta é embaraçosa para os muçulmanos moderados e, a segunda, para os radicais; qualquer uma delas é constrangedora para o Islam como um todo.

No meio deste discurso perigoso e deste “campo minado” no qual o Vigário de Cristo precisa mover-se cautelosamente, há uma belíssima defesa da complementaridade entre Fé e Razão no âmbito público (grifos meus):

E, como crentes no Deus único, nós sabemos que a razão humana é ela própria um dom de Deus, que se eleva [soars] para seu mais alto patamar quando preenchida [suffused] com a luz da Verdade Divina. De fato, quando a razão humana humildemente permite a si mesma ser purificada pela Fé, ela está longe de ser enfraquecida; ao contrário, é fortalecida para resistir à presunção e para ultrapassar [to reach beyond] suas próprias limitações. Desta maneira, a razão humana é encorajada [emboldened] a perseguir seu nobre propósito de servir à humanidade, dando expressão às nossas mais profundas aspirações comuns e estendendo, ao invés de manipulando ou confinando, o debate público. Assim, a genuína adesão à religião – longe de estreitar [narrowing] nossas mentes – alarga o horizonte do entendimento humano. Ela protege a sociedade civil dos excessos do ego desenfreado que tende a absolutizar o finito e eclipsar o infinito; ela garante que a liberdade seja exercitada de mãos dadas [hand in hand] com a verdade; e ela adorna a cultura com insights relativos a tudo que é verdadeiro, bom e belo.

Que Deus abençoe o Santo Padre em sua peregrinação!