Alegria e Esperança [2006]

[Publicação original: 28 de março de 2006]

Alegria e Esperança

Não é novidade para ninguém que me conheça, um mínimo que seja, o meu interesse pela Liturgia da Igreja e a minha predileção pelas “coisas antigas”, pelo Rito do qual participaram os santos através de séculos de catolicismo, pelo Santo Sacrifício de Nosso Senhor celebrado segundo as fórmulas anteriores à Reforma Litúrgica do século XX.

Não pretendo, aqui, fundamentar a minha opinião sobre a Reforma, nem explicar detalhadamente ambos os ritos e a diferença entre ambos, nem nada disso. Hoje, quero apenas aproveitar o Gaudete et Laetare do domingo último para expressar a minha felicidade e as minhas mais vivas esperanças em relação às mudanças que se anunciam no Horizonte da História, e que, lá longe, em Roma, já podem ser visualizadas.

Os órgãos de imprensa estão anunciando, abundantemente, esses dias, que o Papa está interessado no problema dos lefebvristas e do Missal de S. Pio V. Para quem não está por dentro da situação, uma rápida pincelada no quadro geral:

Lefebvristas são os membros da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, fundada por D. Marcel Lefèbvre. São padres que não aceitaram o Concílio Vaticano II e o Missal promulgado por Paulo VI, tendo permanecido na celebração da Missa Antigo, no rito de S. Pio V. Hoje, encontram-se oficialmente em cisma [p.s.: porque Dom Lefèbvre sagrou bispos sem mandato pontifício, incorrendo – junto com os bispos sagrados – em excomunhão latae sententiae], e em negociações com a Santa Sé para que possam voltar à comunhão da Igreja. Cabem muitas considerações aqui, mas não as vou fazer por hoje.

O Missal de S. Pio V é o missal que contém o rito da missa celebrado até cerca de quarenta anos atrás, antes da Reforma Litúrgica. Hoje em dia, só pode ser celebrado sob licença especial do Bispo local. Também aqui cabem muitas considerações, mas, como disse no início, não as vou fazer.

Pois muito bem: pelas notícias que me chegam, parece-me que Sua Santidade Bento XVI estaria pensando em um acordo de reconciliação com os padres da Fraternidade, e em uma liberação universal do Missal de S. Pio V. Se isso vier realmente a acontecer, teremos dois efeitos maravilhosos:

1- Todos os seminários da Fraternidade estarão a serviço de Roma. E (apesar de algumas questões sobre as quais não vale a pena entrar em detalhes agora) todos dizem que seus seminários são excelentes.

2- A Missa de São Pio V poderá ser celebrada livremente, sem a necessidade da licença do Bispo Local que, hoje em dia, é o maior entrave à popularização desse rito.

Esses efeitos, a meu ver, são maravilhosos porque:

1) A presença de bons seminários seria uma valorosa ajuda para elevar o péssimo nível dos sacerdotes que (com honrosas exceções) (des)orientam os católicos, nesses nossos dias difíceis.

2) A presença regular de missas celebradas segundo o rito antigo seria uma valorosa ajuda para resgatar o senso de sagrado que (novamente, com honrosas exceções) não existe nos católicos atuais.

As notícias são animadoras. O Pastoralis[1] noticia:

O Cardeal Francis Arinze, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, abordou, à tarde o tema da reforma litúrgica pós-conciliar e a utilização do Missal de São Pio V. Sobre este assunto se destacou o interesse do Pontífice em escutar o parecer dos cardeais sobre se o Missal, vigente até 1962, deveria receber um indulto universal; quer dizer, se poderá ser utilizado livremente na Igreja, sem necessidade de uma aprovação explícita do Bispo local, como atualmente requerem as normas.

O ZENIT[2] nos diz que, numa reunião na Quinta Feira última para discutir os grandes desafios que a Igreja enfrenta atualmente, foram colocados três temas de particular importância: a Igreja e o Islã, a questão dos bispos eméritos, e as negociações com a Fraternidade São Pio X.

De minha parte, fico feliz que as coisas estejam tomando este rumo. Ano passado, chateado com a nulidade dos meus esforços para que a Liturgia da Igreja fosse adequadamente celebrada na paróquia que frequento, escrevi (5 de agosto de 2005[3]), em tom de desabafo:

Estou cansado de missinhas animadazinhas, estou cansado de padres que parecem muito mais organizadores de encontros sociais que Sacerdotes do Deus Altíssimo, estou cansado de ‘fiéis’ que vão à missa para ‘viver o amor de Cristo’ e não para participar do Sacrifício do Filho de Deus! Será que sou só eu? Será que somente eu sinto vontade de poder assistir duas missas iguais, independente de quem seja o celebrante? Será que sou só eu que tenho dificuldade em enxergar, na Igreja, o Cristo Vítima e Sacerdote por detrás dos cantos protestantes no momento da consagração?

E terminei, em súplica, com o salmista:

“Voltai, ó Deus dos exércitos; olhai do alto céu, vede e vinde visitar a vinha.

Protegei este cepo por vós plantado, este rebento que vossa mão cuidou.

Aqueles que a queimaram e cortaram pereçam em vossa presença ameaçadora.

Estendei a mão sobre o homem que escolhestes, sobre o homem que haveis fortificado.E não mais de vós nos apartaremos; conservai-nos a vida e então vos louvaremos.

Restaurai-nos, Senhor, ó Deus dos exércitos; mostrai-nos serena a vossa face e seremos salvos.”

(Sl 79, 15-20)

Agora, vários meses depois, alegro-me sobremaneira em ver a minha prece – na época tão distante, e tão improvável! – ganhar traços de realização. Louvado seja Deus! E que rezemos, incessantemente, confiantemente, para que o Espírito Santo produza a autêntica renovação da Sua Igreja, para a maior glória de Deus e salvação das almas.

Referências:

Papa Libério – Patrick Madrid

[Publico um texto que foi enviado por email para a lista Tradição Católica e Contra-Revolução, sobre o Papa Libério. É uma tradução – “meio de fundo de quintal”, como disse a tradutora – de um livro de Patrick Madrid, “Pope Fiction”; tem a sua importância porque joga algumas luzes sobre um período tenebroso da história da Igreja – a crise ariana – com o qual muitas vezes a situação dos nossos dias é (mal) comparada. Leitura interessante e vivamente recomendada; a mensagem original está aqui, sobre a qual fiz apenas umas ligeiras correções tipográficas e de formatação.

O objetivo do artigo é fazer apologética anti-protestantismo, defendendo a infalibilidade papal dos ataques dos hereges seguidores de Lutero. No entanto, presta-se muito bem a uma outra apologética, contra alguns supostos “tradicionalistas” que se esmeram em encontrar, na História da Igreja, alguma (inexistente) situação que possa ser análoga àquela que eles imaginam que a Igreja atravessa hoje; na verdade, em se dando crédito às informações de Patrick Madrid, não há comparação possível – neste aspecto da “perseguição” dos Papas aos “guardiões da Fé” – entre a crise moderna e a crise ariana.]

Papa Libério

Em “Pope Fiction” de Patrick Madrid

“Os católicos afirmam que o papa é infalível em questão de fé e moral, mesmo assim, o Papa Liberio (352-366) assinou o credo ariano, e portanto apoiando o ponto de vista herético a respeito de Cristo. Obviamente, então, a infalibilidade papal é uma falácia.”

O Papa Libério é o primeiro dos três papas “hereges” favoritos, usados por anti-católicos com o objetivo de argumentar contra a infalibilidade papal (os outros dois são Vigilio e Honorio). Supostamente, este pontífice não só manteve uma visão errônea a respeito de Cristo, mas na verdade, apoiou o erro subscrevendo um credo herético. Se isto for verdadeiro, como podem os católicos afirmar a infalibilidade papal?

O século quatro foi um período muito difícil para a Igreja Católica. Apesar de todas as esperanças dos católicos ortodoxos, o concílio de Niceia não pôs fim ao movimento Ariano. Pelo contrário, o bonde ariano ganhou velocidade e um monte de passageiros novos. Especialmente quando o imperador “Constantius” tomou para si a tarefa de propagar o Arianismo por todo o império. Os seus esforços colocaram o imperador em conflito direto com Atanásio, o bispo de Alexandria e um ferrenho defensor da ortodoxia. Constantius foi capaz de conquistar um forte apoio eclesial contra Atanásio. Para infelicidade de seus planos malignos, ele não conseguiu persuadir o Papa Libério, o “altamente importante” bispo de Roma. O tamanho do esforço que ele fez para influenciar Libério é evidência forte da importância óbvia que o papa tinha, mesmo na Igreja antiga.

O Papa Libério, como Atanásio, manteve firmemente o credo do Concílio de Niceia. Isto, para ele, era o teste final da ortodoxia. Não só ele concordava com o grande bispo de Alexandria a este respeito, mas também mostrou seu apoio endossando uma carta assinada por setenta e cinco bispos egípcios que apoiavam Atanásio. Da mesma forma, o Papa Libério rejeitou uma carta enviada pelo imperador e vários bispos hereges que insistiam que ele condenasse Atanásio. A última gota para Constantius foi a rejeição do Papa Libério de um enorme suborno (e também da concomitante ordem do imperador ariano de que o Papa “entrasse na linha”).

Constantius, num ataque de ira, mandou prender Libério e levá-lo para Milão a fim de ser apresentado diante dele em 357 d.C.. O imperador tentou todos os meios de pressão para forçar Libério a submeter-se à sua vontade e a condenar Atanásio, mas o bispo de Roma resistiu. Finalmente, sem nenhum sucesso, Constantius baniu Libério para o exílio em Trácia (Bulgária, Turquia, Grecia).

Até aqui, a maioria dos estudiosos concordam sobre os acontecimentos básicos. Porém é aqui que surgem as verdadeiras questões. Depois de dois anos de prisão, exílio e intimidação, Libério foi solto e pôde voltar para a Sé em Roma. Por que ele foi repentinamente libertado? Ele cedeu finalmente e assinou o credo herético, condenando Atanásio? Ou o imperador percebeu a futilidade de mantê-lo preso? Existe evidência para as duas coisas.

Um número de contemporâneos da época, Sto Atanásio um deles, afirmaram que Libério de fato cedeu e assinou o credo falho. Mas não podemos nos esquecer que estava sob extrema coerção, mentalmente e fisicamente, e estava sendo ameaçado de tortura e de ser executado caso não assinasse. Só por esta razão, o Papa Libério não pode ser considerado totalmente responsável por ter cedido. É verdade, ele poderia ter sido mais corajoso e mais forte, mas é fácil falar quando não se está em situação semelhante. Não podemos nos esquecer a importante dimensão humana deste caso. Muitas pessoas se imaginam sendo resolutamente corajosas diante da tortura ou da morte caso sua fé cristã seja desafiada. Mas quando chega a hora, o comportamento real pode ser bem diferente daquele que se esperava ter. E quando forçados a fazer algo errado através de coerção e ameaças de violência ou morte, a pessoa não é culpada do ato como teria sido se tivesse toda liberdade. Não é diferente
com o Papa Libério.

Enquanto Atanásio manteve firmemente a posição de que Libério tinha cedido e revertido sua opinião, ele (Atanásio) não estava em condições de conhecer todos os fatos. Ele estava escondido naquela época e não tinha à sua disposição as melhores informações a respeito do assunto (John Chapman, O.S.B. – Enciclopedia Catolica) . Da mesma forma, S. Jerônimo acreditava que Libério cedeu sob pressão, embora sua posição era baseada numa série de cartas que são hoje consideradas falsas. O próprio ariano, “Philostorgius”, se uniu à S. Jerônimo. O historiador antigo Sozomen afirmou que Libério assinou vários credos, mas nenhum deles era explicitamente herético; no pior dos casos, eles eram ambíguos em sua Cristologia.

Um historiador da Igreja (John Chapman, O.S.B. – Enciclopedia Catolica) explica as razões para acreditar na inocência de Libério com relação a esta acusação:

“Pode parecer que quando Sto. Hilario escreveu seu livro ‘Adversus Constantium’ em 360, pouco antes do seu retorno do exílio no Oriente, ele acreditava que Libério tinha tropeçado e renegado Sto Atanásio (i.e., a posição ortodoxa); mas suas palavras não são bem claras. Quando ele escreveu ‘Adversus Valentem et Ursacium’ depois do seu regresso, ele demostrou que a carta ‘Studens Paci’ era uma falsificação, anexando a ela algumas cartas nobres do Papa. Agora isto parece provar que os Luciferianos estavam usando a ‘Studens Paci’ contra Rimini (concílio), para poder mostrar que o Papa, que agora na opinião deles, era indulgente demais para com os bispos afastados, era ele próprio culpado de uma traição ainda pior contra a causa católica antes do seu exílio. Na opinião deles, tamanha queda iria “des-papa-lo” e invalidar todos os seus atos subsequentes. Que Sto Hilario tenha tido tanto trabalho para provar que ‘Studens Paci’ era forjada torna evidente que ele não acreditava que Libério tinha caído depois do exílio; caso contrário seus esforços teriam sido inúteis. Conseqüentemente, Sto. Hilario se torna uma testemunha forte a favor da inocência de Libério. Se Sto. Atanásio acreditava na queda de Libério, isto aconteceu quando ele estava às escondidas, e imediatamente após o suposto acontecimento; aparentemente ele foi enganado momentaneamente pelos rumores espalhados pelos arianos.”

Embora seja possível que o Papa Libério tenha fraquejado sob a pressão de Constantius, não podemos ignorar esta forte evidência de que ele não o fez. Tanto St. Sulpicio Severo (403 d.C.) como o Papa Sto Anastácio (401 d.C.) mantêm que Libério permaneceu firme, se recusando a ceder (John Chapman, O.S.B. – Enciclopedia Catolica). Esta afirmação é reforçada pelo caráter do seu retorno à Roma depois do exílio; ele recebeu uma acolhida de herói quando entrou na cidade. De fato, o regresso de Libério foi um de triunfo. Se ele tivesse fraquejado e assinado o credo ariano, certamente ele não teria sido tratado desta maneira.

Novamente, uma análise cuidadosa dos detalhes históricos está longe da crença comum de que o Papa Libério tenha falhado:

“Os fortes argumentos para a inocência de Libério são ‘a priori’. Se ele tivesse realmente cedido à pressão do imperador durante seu exílio, o imperador teria publicado sua vitória por todos os cantos; não existiria a possibilidade de nenhuma dúvida; teria sido mais notório do que a vitória sobre Hosius. Mas se ele foi libertado porque os romanos exigiram a sua volta, porque sua deposição tinha sido demasiado anti-canônica, porque sua resistência tinha sido heróica, e porque Felix não tinha sido reconhecido como papa, então podemos ter certeza de que ele seria suspeito de ter feito alguma promessa ao imperador; os arianos e os felicianos também, e logo os luciferianos, não teriam nenhuma dificuldade em espalhar o relato de sua queda e receber crédito por isso. É difícil ver como Hilário no exílio e Atanásio no esconderijo pudessem não acreditar tal estória, quando ouviram que Libério teria retornado, embora os outros bispos exilados ainda não tivessem liberados. E mais, o decreto do papa depois de Rimini, de que os bispos afastados não poderiam ser restabelecidos a menos que mostrasssem sua sinceridade através de vitalidade contra os arianos, teria sido risível, se ele próprio tivesse caído antes, e não tivesse publicamente feito penitência pelo seu pecado. Mesmo assim, podemos estar certos de que ele não fez nenhuma confissão pública sobre ter falhado, nenhuma renúncia, nenhuma reparação.” (John Chapman, O.S.B. – Enciclopedia Catolica)

Se o imperador Constantius tivesse vencido essa briga de “quem pode mais” com o pontífice romano, por que ele não a divulgou? Pode-se imaginar como ele teria explorado tal golpe. A capacidade de soltar aos quatro ventos que o papa tinha cedido às suas exigências ter sido uma propaganda de enorme valor para o imperador. Afinal, a finalidade dele tentar forçar o Papa Libério a assinar o credo herético era para que ele pudesse usá-lo como exemplo a ser seguido por outros bispos ortodoxos. Seu objetivo era precisamente explorar a influência e prestígio do papa.

Se o papa Libério acabou assinando o credo, certamente Constantius teria bradado aos quatro ventos. Mas o imperador foi silencioso. Nem ele, nem seus acessores mencionaram algo sobre isso. Embora seja verdade de que este argumento esteja baseado no silêncio, não se pode negar que este fato histórico particular torna mais difícil imaginar que o papa Libério tenha de fato fraquejado.

Por fim, quando Constantius morreu, o arianismo perdeu o seu maior defensor. A ortodoxia voltou à tona, assumindo sua posição prévia. O papa Libério atacou os bispos arianos por sua heresia, e exigiu arrependimento total da parte deles antes que pudesse retornar à comunhão com a Igreja. De fato, eles foram tratados como colaboradores do inimigo e traidores de Cristo. Como poderia Libério ter agido de tal forma se ele mesmo tivesse assinado o credo ariano? Alguém sem dúvida teria mostrado a hipocrisia de tal ato. Não houve, porém, tal clamor.

Assim vemos que existem argumentos para ambos os lados da questão, com peso na crença de que o papa Libério não se dobrou diante da pressão feita por Constantius. Mas mesmo se ele tivesse, isso não afetaria a infalibilidade papal. Supondo que o pior cenário seja verdadeiro, papa Libério somente assinou um credo herético depois de dois anos de perseguição, exílio e coerção nas mãos do imperador. A tal assinatura não se deu por sua livre e espontânea vontade. Por esta razão, a infalibilidade papal não é um problema, pois infalibilidade requer que o papa esteja exercendo-a de livre vontade – à parte de qualquer pressão externa. E isto claramente não foi o caso se, de fato, Libério tenha assinado o documento. Obviamente, então, a infalibilidade papal não estava em risco.

Dom Williamson no Der Spiegel

Julgo oportuno voltar ao assunto da “negação do Holocausto” de Dom Williamson, à luz da recente entrevista que o bispo deu ao Der Spiegel e cuja tradução para o português foi publicada pela mídia tupiniquim. Antes de mais nada, é de enojar a atitude dos entrevistadores, com as perguntas as mais estúpidas possíveis, como se estivessem falando com algum delinqüente ou alguma criança irresponsável que não tem capacidade de avaliar o alcance de suas próprias posições, sendo necessário corrigi-la. Perguntas como “o senhor então está ciente (…)” ou “o senhor ao menos reconhece (…)” deixam entrever a posição de superioridade na qual se colocam os jornalistas alemães, o que é lamentável, porque perde-se a chance de se produzir uma matéria interessante e fica-se (de novo) na superficialidade da conversa fútil e pueril, cuja informação mais relevante, para os jornalistas, é – a julgar pela manchete dada à reportagem – sobre a agenda turística do bispo inglês: “eu não viajarei para Auschwitz”…

Acho importante insistir num ponto que vem sendo sistematicamente ignorado: é um absurdo, de proporções descomunais, silenciar a priori a discussão histórica sobre o número de vítimas do regime nazista  ou qualquer outra. Tudo bem, a Segunda Guerra Mundial é um acontecimento relativamente recente, e os seus horrores ainda estão vivamente pintados na memória da Europa, de modo que é possível dar-lhe um desconto graças ao – se é que existe isso – “estado psicológico alterado” da civilização européia e entender que certos temas provoquem muito mais reações passionais do que um esforço intelectual sério e compromissado com a verdade histórica; no entanto, o presente caso ultrapassa todos os limites do razoável.

O Holocausto não é um dogma, é um fato histórico, e o que é mais importante nele não é o mero fato em si considerado, e sim ele enquanto violação concreta de alguns princípios morais básicos, em particular, o fato auto-evidente de que as pessoas não podem ser gratuitamente assassinadas, muito menos por questões raciais. Suponhamos, apenas para argumentar, que Dom Williamson tivesse realmente dito que o Holocausto nunca aconteceu. Qual é o problema moral intrínseco com isso? Nenhum. O problema estaria na afirmação de que é lícito e a coisa mais normal do mundo matar judeus simplesmente por eles serem judeus. Negar [ou questionar, como é o caso, a proporção d]o fato histórico não é a mesma coisa de rejeitar o princípio. As pessoas precisam deixar os sentimentos exacerbados de lado e entender que matar judeus não é errado por causa do Holocausto, mas exatamente o contrário: o Holocausto é errado porque é errado matar judeus. Se nunca houvesse existido Holocausto, continuaria sendo um absurdo matar judeus por questões raciais. Anti-semitismo é – como disse Dom Williamson – “uma rejeição aos judeus por causa de suas raízes judaicas”, é preconceito racial. Anti-semitismo é errado, mas questionar fatos históricos não é necessariamente anti-semitismo.

Como eu falei acima, entende-se que a discussão suscite paixões, que ela seja ofensiva à memória e à sensibilidade dos mortos durante a Guerra e seus familiares, que ela seja inoportuna e desnecessária, que se argumente não haver evidências históricas suficientes para se fazer revisionismo, etc; tudo isso é verdadeiro e precisa ser levado em consideração, sem dúvida alguma. Mas há uma clara desproporção entre a entrevista de Dom Williamson e as reações a ela, e as acusações de anti-semitismo lançadas à face do bispo não decorrem de suas palavras: é questão de Justiça dizê-lo. A irracionalidade  passional não pode ser imposta como única atitude razoável, estigmatizando todo o resto. Tal linha de “raciocínio” pode conduzir a conclusões aberrantes.

Por exemplo: quem nunca ouviu dizer que os índios da América pré-colombiana foram exterminados pelos colonizadores espanhóis? Se os índios tivessem o mesmo poder que têm os judeus do século XX, negar que houve este “extermínio” seria uma espécie de “anti-indigenismo”, equivalente a justificar o preconceito racial contra os índios, a sua escravidão e extermínio, e capaz de fazer rasgar as vestes qualquer cidadão de bem. Ora, este tipo de pensamento casuístico é disparatado, porque a moralidade dos atos não depende dos fatos históricos. Completamente ao revés, é o próprio julgamento dos fatos históricos que depende desta moralidade. É errado assassinar judeus, é errado assassinar índios, é errado assassinar negros, e ponto final. E é errado negar que isso seja errado – questionar se isso aconteceu ou não num dado momento histórico, não. São duas coisas completamente diferentes.

É preciso levantar-se em defesa de Dom Williamson, porque não é necessariamente anti-semitismo fazer questionamentos sobre fatos históricos. A proporção que o assunto vem tomando, com um verdadeiro frisson dos abutres anti-católicos lançando-se vorazmente sobre um espantalho por eles próprios criado, exige que se dê um basta a este simulacro de debate. Com o intuito de semear a discórdia e lançar confusão sobre o importante momento que vive hoje a Igreja, calunia-se um bispo por algo que ele não fez e ataca-se a Igreja por meio de um duplo boneco-de-palha: atribuindo ao bispo da FSSPX uma posição que não é sua, e atribuindo ao Papa e à Igreja a posição anteriormente atribuída ao bispo da FSSPX. Na verdade, o ponto mais importante (o mais lúcido, mais sensato, mais verdadeiro) da entrevista ao Der Spiegel – que bem merecia as manchetes dos jornais – não é o suposto anti-semitismo de Dom Williamson, e sim a resposta final dada pelo bispo: “Não, eu sou apenas o instrumento aqui, de forma que uma ação possa ser realizada contra a SSPX e o papa. Aparentemente o catolicismo esquerdista da Alemanha ainda não perdoou Ratzinger por ter se tornado papa”.

Inimigos imaginários

O Fratres in Unum publicou os extensos comentários de Dom Fernando Rifan sobre o levantamento das excomunhões dos bispos da FSSPX. São dezoito páginas, que falam sobre assuntos os mais diversos, desde as críticas da Fraternidade quando da criação da Administração Apostólica, passando pela excomunhão de Dom Mayer, até – mais importante – as “QUESTÕES DOGMÁTICAS E ECLESIOLÓGICAS QUE O CARDEAL RICARD DISSE QUE PRECISAM SER RESOLVIDAS PARA TERMINAR O CISMA”.

Ninguém nega a existência de questões teológicas seriíssimas a serem discutidas – e com a máxima urgência – dentro da Igreja; ninguém nega que a Fé Católica é, infelizmente, muitíssimo pouco conhecida neste mundo que tem tanta necessidade do Salvador; ninguém nega que, dolorosamente, contribuem para estas estatísticas não poucos “católicos” de péssima formação. Estou particularmente convencido, no entanto, de que todas essas coisas precisam ser resolvidas do jeito certo, sem “desperdiçar munição” com questões de somenos importância e sem inventar inimigos para engrossar as já enormes fileiras dos inimigos reais contra os quais é mister combater.

Vejo muito isso quando me deparo com alguns comentários mais exaltados de certos católicos que – não tenho dúvidas! – sofrem com a situação atual da Igreja e desejam sinceramente que Ela seja exaltada. De ontem para hoje recebi um email dizendo que Dom Rifan “debandou para o lado modernista de vez”, e pensei cá com os meus botões o que raios poderia significar isso. Talvez fosse uma referência aos comentários que o Fratres publicou… mas, de qualquer modo, incomoda-me tremendamente esta visão grosseira sobre os fatos, segundo a qual são “ilicitilizadas” quaisquer posições que destoem, um mínimo que seja, da cartilha de um certo “tradicionalismo” – as aspas são aqui colocadas pelos motivos já por mim explicados – que pretende ser ele próprio a Coluna e Sustentáculo da Verdade, prescindindo da Igreja fundada por Cristo.

Não vejo necessidade alguma de que Campos e os padres da FSSPX comecem a travar uma guerra agora. Há coisas mais importantes a serem feitas. No entanto, para que tal embate improfícuo seja evitado, é necessário que alguns católicos parem de considerar posições completamente lícitas como se fossem “traições da Fé”. Em particular, remeto à carta do então cardeal Ratzinger a Mons. Lefebvre, de 23 de dezembro de 1982, reproduzida por Dom Fernando Rifan, que pede a assinatura do bispo francês para duas proposições muito simples:

1. Eu, Marcel Lefebvre, declaro minha adesão com religiosa submissão de espírito à integridade da doutrina do Concílio Vaticano II, ou seja, doutrina « enquanto se entende a luz da santa Tradição e enquanto se refere ao perene magistério da propria Igreja (cf. Joao Paulo II, Alocução ao Sacro Colégio, 5 nov. 1979, AAS LXXI (1979/15) p. 1452). Esta religiosa submissão leva em conta a qualificação teológica de cada documento, como foi estatuída pelo próprio Concílio (Notificação dada na 123a Congr. Geral, 16 nov. 1964).

2. Eu, Marcel Lefebvre, reconheço que o Missal Romano, estabelecido pelo Sumo Pontífice Paulo VI para a Igreja universal, foi promulgado pela legítima suma autoridade da Santa Sé, a quem compete na Igreja o direito da legislação litúrgica, e por isso mesmo e em si mesmo legítimo e católico. Por isso, não neguei nem negarei que as missas fielmente celebradas segundo o novo rito sejam válidas e também de nenhum modo desejaria insinuar que elas sejam heréticas ou blasfemas nem pretendo afirmar que devam ser evitadas pelos católicos.

Sinceramente, não consigo ver como tais proposições possam ser “intrinsecamente más”, para que não pudessem de modo algum ser aceitas por católicos sob pena de constituírem uma apostasia ou uma capitulação ao modernismo (muitíssimo ao contrário, não consigo ver nenhum motivo razoável para que elas não fossem, em substância, aceitas). Eu próprio subscreveria (e subscrevo) a declaração acima; e, para que se possa trabalhar eficazmente na solução da crise da Igreja, é de fundamental importância que os católicos não considerem um “modernista” ou um “apóstata” ou um “traidor da Fé” quem fizesse semelhante declaração.

Mais ignorância midiática

Acabei de ver esta reportagem do Estado de São Paulo: Lefebvriano diz que Concílio Vaticano II foi uma heresia. Subtítulo: Abrahamowicz, um dos quatro bispos aos quais o papa retirou a excomunhão, disse que Concílio ‘foi uma droga’.

O pe. Floriano Abrahamowicz, de quem eu nunca tinha ouvido falar até então, não é um dos quatro bispos cuja excomunhão foi retirada pelo Papa!! Aliás, nem poderia ser, porque ele é – como a própria reportagem diz – padre e não bispo!! É frustrante constatar a manifesta ignorância que a mídia demonstra no que toca às coisas da Igreja. O Marcio Antonio também denunciou imediatamente a gafe.

Quanto ao conteúdo da notícia, é patente que há “tradicionalistas” empenhados em boicotar a regularização da FSSPX. Rezemos pela unidade da Igreja.

Tu quoque, Reinaldo?

O Reinaldo falou besteira. Não é a primeira vez que ele o faz, mas às vezes eu fico indignado com a leviandade com a qual uma pessoa como ele, que indiscutivelmente é um expoente católico no meio jornalístico brasileiro, trata sobre alguns assuntos espinhosos. Corre-se o permanente risco de que tomem as posições do Reinaldo por posições dos católicos ou – mais grave ainda – que acreditem que uma besteira sobre a Igreja repetida ad nauseam pela mídia anti-católica é verdade só porque “o católico conservador” disse a mesma coisa.

Refiro-me, em particular, a isto aqui:

PS: Não sei se torço para Williamson se retratar, e, assim, a estupidez tem ao menos um pequeno revés, ou se torço para ele ficar em silêncio, o que manteria a excomunhão… Na verdade, torço é para que ele fique longe da Igreja.

Dom Williamson ficar em silêncio não mantém a excomunhão!! A excomunhão já foi revogada e independe completamente de quaisquer declarações que ele faça ou deixe de fazer!! Afinal de contas, quais as fontes do Reinaldo? O Jornal da Globo?! Ele, católico sendo, não lê nem mesmo ZENIT? Não leu a Nota da Secretaria de Estado do Vaticano (à qual eu fiz referência aqui ontem)? Não sabe ele (fazendo coro aos jornalistas irresponsáveis da Globo) a diferença entre ter a excomunhão retirada e assumir funções episcopais?

E não pára por aqui. Abstendo-me de comentar o absurdo grotesco que é desejar não a conversão do bispo, mas “que ele fique longe da Igreja” (!!!), preciso no entanto repudiar as alfinetadas na Igreja completamente descabidas que o Reinaldo dá, falando em “uma decisão decepcionante do papa”, em um “processo de readmissão um tanto desastrado”, em “restaurar os valores simbólicos de uma Igreja no mais das vezes burocrática”… oras, francamente! Já não bastam os inimigos da Igreja de fora apontarem os seus canhões contra o Santo Padre e a Igreja de Nosso Senhor? Também o Reinaldo Azevedo precisa mesmo tecer estes comentários infelizes, inoportunos e desnecessários? Com que propósito?

Rezemos pelo Papa, que com coragem combate praticamente sozinho todos os erros dos nossos tempos, incompreendido pelos que estão fora da Igreja e, desgraçadamente, também pelos próprios católicos – até mesmo por aqueles que são “referência” de catolicismo. Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, possa velar com maternal afeto pela Igreja de Nosso Senhor e também por nós que, pecadores neste Vale de Lágrimas, nada poderemos fazer jamais sem o Seu poderoso auxílio.

Dois curtas sobre a FSSPX

– Uma reportagem no site da VEJA de hoje fala que o Vaticano exigiu de Dom Williamson a negação pública e inequívoca dos seus questionamentos sobre o holocausto judeu, afirmando ainda ser isto “um requisito básico para que o bispo volte a servir à Igreja, de acordo com um documento divulgado pelo Vaticano”. Sem fazer a mínima idéia de que espécie de documento poderia ser este, fui procurar na rede e o encontrei no Rorate Caeli.

Em dois pontos a reportagem da VEJA carece de precisões. Em primeiro e mais importante lugar, ela não deixa claro o que significa “volte a servir à Igreja”; não é (como eu pensei à primeira vista) uma condição para a retirada da excomunhão, e sim para que o bispo assuma funções episcopais. Portanto, a retirada da excomunhão (óbvio) permanece, independente de qualquer declaração ou ausência de declaração de Dom Williamson sobre o Holocausto. Em segundo lugar, o que a Nota da Secretaria de Estado do Vaticano parece colocar como condição para que o bispo assuma funções episcopais é uma coisa mais sutil do que simplesmente a exigência de uma retratação pública expressa e inequívoca (como eu também pensei à primeira vista): will also have to distance himself, in an absolutely unequivocal and public manner, from his positions regarding the Shoah, em inglês, ou dovrà anche prendere in modo assolutamente inequivocabile e pubblico le distanze dalle sue posizioni riguardanti la Shoah, no original italiano; literalmente, seria alguma coisa como “deverá [Dom Williamson] manter distância, de uma maneira pública e inequívoca, de suas posições sobre o Holocausto”.

[P.S.: no Jornal da Globo, neste exato momento (04/02, 00:05): “o Vaticano exigiu que o Bispo que negou o Holocausto se retrate, sob pena de continuar excomungado” – mentira. E o Jabor falando besteira sobre o Santo Padre… uma verdadeira anta. “- ‘Ah – diz o porta voz do Vaticano – mas o Papa não sabia que o cara tinha dito isso!’ Mas como não? O Papa não é infalível?” Seguido de um risinho sarcástico de gente estúpida que não sabe o que está dizendo. A cretinice não tem limites!]

Outrossim, como já cansei de dizer que nem Dom Williamson negou o Holocausto e nem opiniões particulares sobre o Holocausto ou a sua inexistência têm qualquer ligação com o levantamento das excomunhões da FSSPX, não vou voltar a insistir no assunto porque nem eu mesmo agüento mais.

Uma carta do pe. Juan Carlos foi publicada no Fratres in Unum, conclamando os bispos da FSSPX para que não aceitem o levantamento das excomunhões. A argumentação do padre está corretíssima: pedir “el retiro del Decreto de declaración de la excomunión” implica reconocer “la validez de la censura”. Como já foi comentado em diversos lugares (e contrariamente ao que alguns insistem em afirmar), um decreto que retire uma excomunhão necessariamente pressupõe a existência da excomunhão que está sendo retirada. Portanto, longe de declarar a “nulidade” das excomunhões de 1988, o decreto tornado público no sábado 24 de janeiro corrobora-as; e até mesmo um padre da Fraternidade o reconhece.

Importa insistir, por uma absoluta necessidade de se ater aos fatos tais e quais eles se apresentam: do decreto da Congregação para os Bispos do dia 21 de janeiro, infere-se que havia de fato uma excomunhão (ao contrário do que dizem alguns rad-trads malucos), e ela de fato foi retirada (ao contrário do que a mídia modernista pretende insinuar com seus ataques a Dom Williamson). Rezemos pela FSSPX.

“Dr. Willianson et caterva” – Carlos Ramalhete

[Na lista de emails do yahoo “Tradição Católica e Contra-Revolução”, da qual participo já há algum tempo, o professor Carlos Ramalhete postou nos últimos dias dois emails tecendo comentários muitíssimo pertinentes sobre a questão da retirada da excomunhão da FSSPX. Com a autorização do mesmo, publico-os aqui na íntegra, cum gaudium magnum, e recomendando enfaticamente a leitura, a despeito do tamanho de ambos. As duas mensagens originais estão armazenadas no baú da lista (disponível para membros), aqui e aqui. A divulgação é livre na íntegra com menção do autor.]

Mensagem 1:
(por prof. Carlos Ramalhete)

Pax Christi!

Andaram me pedindo para dar um pitaco nesta questão complicada (será?) da retirada da excomunhão do pessoal de D. Lefebvre. A pedidos, lá vai.

Na minha humilde opinião, o Santo Padre mandou muito bem, e agora compete ao Dr. Fellay e seus colegas conseguir voltar à Igreja (digo Dr., por não ter ele jurisdição e por estar ele suspenso a divinis, pecando gravemente se celebrar ou ministrar os Sacramentos. Espero ansioso poder chamá-lo de Dom e poder pedir-lhe a bênção).

Quanto eu digo voltar à Igreja falo em um sentido muito lato. Não se trata de questões legais. Questões legais o Papa resolve com uma canetada, como retirou com uma canetada a excomunhão dos quatro. Quatro que, aliás, eram cinco: o que era um núcleo cismático em Campos hoje em dia, graças a Deus, está dentro da Igreja.

O que é estar dentro da Igreja?

Não é ***só*** estar em uma situação jurídica certinha. D. Casaldáliga está em uma situação jurídica impecável. O Padre Fulano, que usa um cibório de capim prensado em volta de um vaso de barro, idem. Irmã Sicrana, que defende aberrações do arco da velha e acha que o aborto é uma opção da mãe até os dezoito anos de nascido, tbm está.

Mas tampouco é ***só*** ter a Fé Católica. Menos ainda ter os acidentes da Fé e não ter a essência.

Ser católico na segunda metade do século XX – e, por extensão, no começo do XXI – é como ser filho de pai cachaceiro. O Quarto Mandamento dói, dói de verdade. É fácil cumprir o quarto mandamento quando não há sombra de dúvidas de que quando rezamos pelo nossa mãe e a chamamos de serva devota, é isso mesmo. Mas quando o pai é cachaceiro, quando a mãe é arreligiosa, ***quando o padre é discípulo de Marx ou de algum guru da auto-ajuda***, o buraco é mais embaixo.

Já dizia Madre Teresa: Amor só é verdadeiro quando dói. Dói ir à Missa e ficar procurando a Missa, o Sacrifício Incruento, debaixo da mistura bizarra de auto-ajuda com culto protestante que o disfarça. Dói ver coisas tão medonhas acontecendo aqui e ali que Deus chega a mandar um terremoto.

Mas pai é pai, mãe é mãe, a Igreja é mãe, o Papa é pai, e o Quarto Mandamento sempre foi o mais difícil de cumprir.

Quando eu volto pra casa de uma Missa na Basílica de Aparecida em que meu filho de doze anos ficou rodando que nem um doido procurando um padre para receber o Santíssimo, e tinha dezenas deles celebrando jubileu de ordenação, concelebrando a Missa, e o Santíssimo só era distribuído por leigos, e ele ficou sem comungar por causa disso;

Quando eu viajo horas atrás de uma Missa em que – me disseram – não há abusos graves, e antes mesmo do padre entrar vem um sujeito dançando uma dancinha estranha e pedindo “palmas pra jesus” (com minúsculo, pq pelo jeito é o nome do show dele);

Quando eu me ajoelho e beijo a mão do padre, e digo “padre, peço perdão por não o ter reconhecido, com o senhor disfarçado de leigo desta maneira”…

É a hora em que Deus nos coloca como colocou aos filhos de Noé. Não quero ser Canaã (Gn. IX,18ss, e chega de dar referências. Quem conhece, conhece).

É isso que o respeito ao Quarto Mandamento exige, e é isso que parece faltar, na sua soberba, a muitos seguidores de D. Lefebvre.

A Igreja é nossa mãe, nossa mãe amantíssima. Se, como houve com Noé, algo há de errado na forma como ela se apresenta, o mínimo que se pode fazer é ter a decência de trabalhar em prol dela, ***dentro dela***. Fugir para uma capelinha onde se finge estar em 1950 e onde o padre ou o leigo se coloca como juiz do Sumo Pontífice – coisa que nenhum padre ou leigo sonharia em fazer em 1950 – é uma tentação tão medonha, é um igualitarismo tão radicalmente modernista, como qualquer delírio de um “construtor de um mundo novo” nas CEBs.

Quis ut Deus? E quem em sã consciência pode se arvorar em juiz da Igreja, da catolicidade do Papa, valha-me Deus?!

A misericórdia do Santo Padre – “Dominus conservet eum, et vivivicet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius”, como rezo todos os dias nas laudes e vésperas – deu aos quatro filhos de Canaã a chance de agir como seus irmãos abençoados e voltar para a Igreja. Ótimo. Serão bem vindos, como foram bem vindos os Padres de Campos ( e confesso que digo “Benedicto”, mas do fundo do meu coração é “Ferdinando” que me vêm e por quem peço a Deus que “stet et pascat in fortitudine ea et in sublimitate nomini eius”).

Temos, senhores, quatro décadas de lixo a limpar. Quatro décadas de distorções e negações frontais do ensino perene da Igreja, feitas em nome de um “Espírito do concílio”, aproveitando cada ambiguidade e cada má leitura possível plantada pelo Inimigo, agindo no desespero de quem vê chegar ao fim os cem anos que lhe foram dados, pela cronologia do sonho de Leão XIII. Quatro décadas de violões e baterias levando a feiura demoníaca a conspurcar os acidentes do mais belo acontecimento pra cá do Céu. Quatro décadas de catequese negada, em que o protestantismo mitigado dos carismáticos é o que há de mais “religioso” em um panorama de devastação. Quatro décadas de destruição. Quatro décadas de negação da Verdade, de desobediência frontal à lei da Igreja e à Lei de Deus, sob a ridícula justificativa de que “o Concílio” (que não seria o de Trento, nem o Vaticano I…) “mudou tudo”.

Mudou, senhores, porcariíssima nenhuma. Está errado quem se apega a uma suposta refundação da Igreja para pregar barbaridades comunistas, e está errado quem se apega à mesmíssima e supositíssima refundação para se arvorar em juiz da catolicidade do Papa.

Espero em Deus e na Santíssima Virgem que os quatro bispos ora suspensos a divinis peguem suas vassouras e ajudem, deixando na porta seus egos, deixando na porta a maldita e nefanda tentação da soberba que os fez tantas vezes arvorar-se – tal como ocorre com seus seguidores – juízes do Sumo Pontífice.

Fala asneiras o Dr. Willianson? Certamente. Nem mais, nem menos que D. Casaldáliga, e ambos movidos pela mesma tentação demoníaca de usar um concílio como desculpa para a desobediência e o culto a si mesmo, a mais grave forma de idolatria.

Tanto um quanto o outro, contudo, são chamados, como eu, leigo, sou chamado, mas em grau infinitamente superior pela ordenação que receberam – aliás, cabe lembrar que a única definição doutrinal do CVII é esta: a ordenação episcopal é essencialmente diferente da presbiteral – a defender a Verdade e a estar na Igreja, atuantes, como missionários da Verdade. Missionários da Verdade, notem bem. Não juízes do Concílio – dado não haver nenhuma diferença entre o valor do juizo de um e de outro sobre ele – nem, muito menos, do Papa, e por aí vai.

O Santo Padre – Dominus conservet eum, et vivivicet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius – está encarando uma briga monstruosa. É ele, com a ajuda de Deus, contra a Revolução, contra o Inimigo, contra a imbecilidade que quer acreditar na armadilha demoníaca de duas Igrejas, uma pré-conciliar e outra pós-conciliar.

O que compete a cada membro da Igreja Militante, de um pobre leigo idiota como eu a um Bispo, um Cardeal, um sujeito ordenado padre ou bispo (repetindo:diferença dada pelo CVII) e suspenso a divinis, um padre, uma freira, quem mais for, é colocar-se de joelhos diante do Santo Padre e dizer “aqui estou. Que devo fazer?”. Fazer diferentemente é fazer como os vetero-católicos, que se separaram da igreja por acharem os jesuítas moralmente laxos e que hoje tentam ordenar mulheres, quiçá sapos ou pedras.

Espero em Deus que a armadilha da soberba não apanhe em seus laços aos quatro bispos ora suspensos – que fariam enorme bem se viessem a público proclamar que, em virtude de sua suspensão, não ministrarão os Sacramentos até a regularização de sua situação – e que eles, ao invés de ficar atrás das linhas, atirando no comandante, coloquem-se na linha de frente do campo de batalha.

Serão bem vindos.

Que Deus os guarde, e que nós os tenhamos sempre em nossas orações, bem como aos cismáticos russos e anglicanos, também caminhando de volta à Casa do Pai.

No dia de Nossa Senhora das Candeias – que ofereceu oferta de purificação sem precisar ser purificada por ser já totalmente pura -, segunda-feira da 4a semana depois da Epifania no ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2009,

seu irmão em Cristo e criado, sempre necessitado de suas orações,

Prof. Carlos Ramalhete

[Na troca de mensagens subseqüente, foram levantados dois questionamentos; que o Decreto utilizava o título “Dom Williamson” para se referir ao bispo da FSSPX, e que a existência da suspensão a divinis era controversa.]

Mensagem 2:
(por prof. Carlos Ramalhete)

Pax Christi!

>O sr. não dá o título de “Dom” a Fellay porém, no próprio decreto está
>escrito:
>
>”Con lettera del 15 dicembre 2008 indirizzata a Sua Em.za il Sig. Cardinale
>Dario Castrillôn Hoyos, Presidente della Pontificia Commissione Ecclesia
>Dei, *Mons*. Bernard Fellay, anche a nome degli altri tre Vescovi consacrati
>il giorno 30 giugno 1988…”
>
>Não sei italiano, mas aquele “Mons.” não deve ser “Dr.”…

Até pro Dalai Lama, que é escravo de milhares de demônios, foi usado o título de “Santidade”. Lamento informar, mas não sou nem nunca serei diplomata. Na carta ao novo Patriarca dos cismáticos russos tbm foi usado o termo “Sua Santidade” para referir-se a ele.

Aliás, a situação dos bispos da SSPX – por quem torço e que espero ter plenamente na Igreja em breve – tem pontos em comum com a dos orientais, cuja excomunhão também foi retirada como modo de facilitar o diálogo e uma possível volta à Igreja.

A diferença maior é que, no caso dos cismáticos orientais, tal como no caso de Campos, trata-se de uma Igreja Particular inteira que sai da perfeita comunhão. O patriarca Cirilo tem alguma jurisdição, embora ilegítima. No caso da SSPX, temos quatro pessoas que receberam ordenações episcopais ilícitas, que são seguidas por pessoas que eles mesmos ordenaram ilicitamente ao presbiterato, seguindo da melhor maneira que vêem e na melhor das intenções a santa Tradição da Igreja Latina. Jurisdição zero, só obediência voluntária, como a de meninos ao chefe de um clubinho.

Espero que isto seja sanado em breve. Os problemas, contudo, persistem. O primeiro deles é a soberba; por mais que se trate de um problema subjetivo, é este o maior obstáculo à plena regularização.

O segundo, este muito mais simples de resolver, é a questão jurídica. As ordenações dos sacerdotes e bispos da SSPX (e todo bispo é sacerdote) foi feita ilicitamente, causando sua suspensão a divinis. Do mesmo modo, foi feita fora de uma estrutura canônica regular, o que faz deles acéfalos e vagos, respectivamente. Isto é facílimo de resolver: basta dar à SSPX uma estrutura, talvez mesmo uma semelhante à dada aos Padres de Campos, mas abrangendo o mundo todo. Nada contra, muito pelo contrário. Hoje isso é ainda mais fácil devido ao Motu Próprio, que faz com que a Missa de sempre, o breviário, etc., sejam oficialmente uso oficial da Igreja. Se o padre da paróquia da esquina resolver rezar pelo Breviário ao invés de pela Liturgia das Horas, está hoje em seu pleno direito e cumprindo sua obrigação (recomendo, aliás. O breviário é acidentalmente muitíssimo superior à Liturgia das Horas; é a diferença entre algo erigido com o auxílio do Espírito Santo por séculos e o trabalho de um comitê…).

Se a SSPX voltar plenamente, inserida na estrutura canônica e hierárquica da Igreja, é de se esperar que cada vez mais padres e leigos passem a buscar cultuar a Deus na Tradição da Igreja, e não mais na imitação mal-feita e atrasada das modas do século propagada pelos hippies velhos que falam em nome da CNBB. Mas para isso é preciso que a SSPX abandone sua posição insustentável de pseudo-juiz do Papa e da Igreja, e que seus membros e fiéis percebam que católico é católico quando se submete ao Romano Pontífice. Não há diferença essencial entre alguém que desobedece frontalmente ao Papa para usar ministretes nas missas dominicais pq acha fofinho e alguém que desobedece para celebrar a Missa de sempre e fingir que dá absolvição sacramental aos incautos. Seria mesmo possível dizer ser pior a situação deste, que sabe e erra, do que a daquele, que é ignorante. Afinal, a absolvição sacramental dada por um padre da SSPX vale exatamente o mesmo que uma “absolvição coletiva” dada por um padre TL: ou o penitente está à beira da morte, ou não vale mais que uma que eu, leigo, dê pela internet – nada.

Quando a Santa Sé recebeu de volta os Padres de Campos, foram retiradas a excomunhão *e todas as outras censuras* ( http://www.adapostolica.org/modules/wfsection/article.php?articleid=293 ). No caso presente da SSPX, foi retirada a excomunhão, ponto. Isto significa que se os padres e bispos da SSPX procurarem algum padre que tenha – ao contrário deles – o poder de dar a absolvição e se confessarem, podem comungar. Ótimo, é um bom começo.

O que não é um bom começo é a estranhíssima visão individualista e modernista que parece ainda animar grande parcela dos membros e fiéis da SSPX, que se referem ao Papa como um igual, como – na melhor das hipóteses – primus inter pares.

Na minha modesta opinião, esta soberba é fruto da horrenda derrocada da Europa e da América do Norte ao pensamento modernista. Enquanto aqui no Brasil os Padres de Campos obedeciam – ainda que no erro – ao Bispo (D. Castro Mayer, de quem aliás se diz ter tentado voltar à Igreja antes de sua morte), a SSPX age como uma seita protestante, espalhando-se e atacando a Igreja abertamente. O raciocínio deles é tipicamente modernista, racionalizando a insubmissão à santa hierarquia, fazendo malabarismos com o CIC como se a Igreja fosse uma democracia ocidental em que um juiz pode levantar-se contra o monarca.

Isto leva, na melhor das hipoteses, a um sedevacantismo material. Se o Papa é tratado não como pai, mas como “ex-marido” na vara de família (“vamos arrancar dele a guarda das crianças e uma pensão, e ele vai ver o que é bom pra tosse”), para eles Papa ele não é. Alguns membros da SSPX perceberam que só faria sentido lógico aderir formalmente ao sedevacantismo, e o fizeram (www.sspv.net). É pelo menos mais honesto, ainda que leve ao Inferno do mesmo jeito.

Os outros, agora, estão sendo recebidos no portão pelo pai, tal como o filho pródigo. Que seja morto um boi gordo, que recebam o anel e o manto!

De nada vale fazer pouco disto, de nada vale arrotar grandezas e se negar à necessária humildade. Espero em Deus que em breve, que em muito breve, eu possa dizer “Dom Ricardo” e não Dr. Willianson. Mas chamá-lo de “Dom” (“Dominus”, Senhor) agora é dizer que um anel feito de palha da pocilga é o mesmo que o anel de ouro do pai que recebe o filho pródigo. É fazer pouco da caridade, da família, da hierarquia e da Igreja.

Vai ser necessário no mínimo fazer a sanatio in radici de todos os matrimônios nulos que a SSPX tentou celebrar, para não falar dos medonhos casos em que a SPPX arrogou-se o direito papal de decretar nulidades matrimoniais e o direito dos ordinários de reduzir diáconos ao estado laical, etc. Vai ser necessário levar todos os que se confessaram aos padres da SSPX de volta ao confessionário. Vai ser necessário sair da brincadeira de casinha na capelinha em que só se obedece ao próprio umbigo. Vai ser necessário, em outras palavras, abandonar o protestantismo e o modernismo que hoje dominam a SSPX para tê-la de volta, dentro da Igreja, atuando e lutando contra as barbaridades que hoje a assolam.

Se os seus líderes tiverem a humildade de reconhecer que fazer malabarismos canônicos ignorando a vontade expressa do Sumo Pontífice tem exatamente o mesmo valor que espernear no chão gritando que vai prender a respiração até ficar roxo se não ganhar o brinquedo, se eles se dispuserem a entrar na briga para valer, vai ser maravilhoso. Meninos mimados brincando de casinha não ajudam em nada, só atrapalham quando a guerra está comendo solta. Que venham, que se submetam, que peguem suas armas e entrem nas trincheiras reais.

Vamos tê-los propagando as belezas litúrgicas e devocionais da Tradição, levando aos poucos os outros padres a abandonar os delírios e invencionices com que hoje fazem frequentemente da liturgia um circo dos horrores. Vamos tê-los nas Conferências episcopais, falando e sendo ouvidos. Vamos tê-los no rádio, na TV, pregando com autoridade.

E isso abrirá as portas para a volta dos cismáticos orientais, tal como a volta dos Padres de Campos deu aos anglicanos tradicionalistas a oportunidade de pensar em voltar. É provável que em breve tenhamos um grupo enorme de ex-anglicanos voltando para a Igreja, com seus pseudo-sacerdotes recebendo as ordens sacras, com suas capelas sendo consagradas, com o que era uma farsa tornando-se verdade. O mesmo pode acontecer com patriarcados orientais inteiros, se a SSPX voltar.

A Barca está voltando, como no sonho de S. João Bosco, a seu lugar entre as colunas. É isto o necessário para trazer de volta todos os cismáticos que procuram manter a Fé. Uma etapa fundamental é a volta da SSPX, por que rezo todos os dias, mas para que isso aconteça, é necessário que eles percebam que são o filho pródigo, não um juiz do pai.

É preciso humildade.

[]s,

seu irmão em Cristo,

Carlos

Küng, por obséquio, silêncio!

Meus caros, eu gostaria de começar esse post com uma sequência verborrágica de palavras que sem dúvida alguma passariam longe do decoro guardado neste blog durante todo este tempo. Procurando “papa” no motor de busca do site da Folha de São Paulo, encontrei a seguinte reportagem, a qual reproduzo por inteiro, com os devidos comentários em vermelho e entre colchetes:

Teólogo pede renúncia do papa após reabilitação de bispo que negou Holocausto [já começa a canalhice cedo, por dois pontos: primeiro, Williamson nunca negou o holocausto, simplesmente afirmou que os números são exagerados e questionou a existência de câmaras de gás. Segundo, o levantamento da excomunhão não tem nada, nada, nada a ver com a opinião política de quem quer que seja]

da Efe, em Berlim

O teólogo heterodoxo suíço Hans Küng pediu a renúncia do papa Bento 16 [o que diabos faz um teologozinho de meia-tigela pedindo a renúncia do Sumo Pontífice?] após o escândalo gerado pela reabilitação à Igreja Católica do bispo Richard Williamson, que nega o Holocausto e recentemente teve sua excomunhão suspensa. [Agora, eu não sei o que a EFE escreveu, mas “suspender” excomunhão é o termo mais inadequado que eu já vi pra tratar do que fez o papa. A pergunta que não quer calar é o que significa, exatamente, suspender uma excomunhão? Ademais, novamente a imprensa foca todo o caso na — já falsa — acusação de que Williamson nega o holocausto (vide supra)!]

Para Küng, a reabilitação de Williamson é apenas um equívoco a mais na série de erros com os quais Bento 16 vem pondo novos obstáculos no diálogo que as Igrejas cristãs travam entrem si e com outras religiões. [quer dizer, a re-incomunhão do bispo Williamson — e não dos outros — é um erro constituinte de um novo obstáculo? E a re-incomunhão dos outros 3, não? Nem seguir o próprio pensamento o pobre consegue…]

“Primeiro, ele questionou se os protestantes formam uma Igreja. Depois, em seu infeliz discurso de Regensburg, chamou os muçulmanos de desumanos. E agora ofende os judeus permitindo o retorno à Igreja de um negador do Holocausto”, disse Küng em declarações ao jornal “Frankfurter Rundschau”. [Não há questionamento. A Congregação para a Doutrina da Fé tem um documento especificando que o nome que se dá às “igrejas” protestantes é “comunidade eclesial”. A má-fé se faz patente quando se atribui ao Papa a sua anuência ao conteúdo de uma citação, algo como se dissessem que eu estou a defender a renúncia do Papa ao publicar este excremento jornalístico travestido de reportagem! De novo, um delito canônico que tem a sua pena perdoada pelo Papa sequer tem nada que ver com judeu nenhum, quanto mais ofender alguém. A Santa Sé já repetiu ad infinitum a sua opinião sobre a Shoah…]

“É hora de substituí-lo”, acrescentou Küng, que foi companheiro do papa quando ambos eram professores de teologia católica na Universidade de Tübingen. [Claro! Afinal de contas, o papa é um jogador de futebol que não vem rendendo e incomodando a torcida, não a do seu time, não a do adversário, mas a dos torcedores do time de rugby da cidade de Jati, no Ceará! Ah! E o treinador é o sr. Küng!]

O Vaticano proibiu Küng de ensinar a teologia católica em 1980, depois que ele questionou o dogma da infalibilidade papal.

Desde então, teólogo heterodoxo suíço, que permaneceu dentro da Igreja Católica, mas sem poder atuar como padre, se dedica ao diálogo entre as religiões.

Já Williamson e outros três bispos seguidores do cismático ultraconservador Marcel Lefebvre foram reabilitados pelo papa há uma semana.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u496876.shtml

Quer dizer, a Folha já faz reportagens ruins sem ajuda de ninguém. Quando faz clipping de agências internacionais então.. Só sai besteira! Vejamos a entrevista do Hans Küng ao jornal La Repubblica, publicada pela comunistíssima ADITAL:

– Professor Küng, qual é a importância da revogação da excomunhão dos quatro bispos?

– Os significados fundamentais foram propostos pelo processo geral em curso. A questão da revogação da excomunhão dos quatro bispos, segundo minha opinião, sozinha, não é tão importante, mas tem um significado e deve ser vista e enquadrada no contexto geral de restauração. [So far, so good.]

– Qual o significado deste contexto geral e os últimos acontecimentos?

– No contexto geral os últimos acontecimentos são um sinal do contínuo enrijecimento do Vaticano, a contínua marcha para trás, a contínua sequência de passo após passo para trás. Penso em tomar uma posição mais clara sobre os acontecimentos neste contexto. Estou refletindo ainda como fazê-lo. [Enrijecimento só se for do prumo entre as colunas da Santíssima Virgem e da Eucaristia… Adivinha o que está no meio? O Papa! A marcha é, de certa forma, pra trás: é em direção à Unidade, cujo sinal visível é o próprio Pontífice!]

– Quanto é preocupante e sério este processo?

– É muito preocupante. Mas quero esperar ainda alguns dias para fazer ouvir a minha voz. [Tomara que os dias se tornem semanas, e as semanas, meses, e os meses, anos, até o fim dos séculos! Sr. Küng, por obséquio, silêncio!]

– Mas quanto ao caso Williamson, fiéis e a opinião pública ainda estão chocados. O que o senhor pensa?

– Williamson é somente um aspecto do contexto geral. Não o único. Por mais que o antisemitismo seja nojento, o conjunto do desenvolvimento em curso é muito mais carregado de conseqüências. [Viram? Pelo menos não perdeu o senso das proporções!] Estamos falando de pessoas que não ainda não subscreveram a declaração sobre a liberdade religiosa e o decreto sobre os judeus (documentos do Concílio Vaticano II, nota da redação) [Na verdade, ele deixou os pontos mais sensíveis de fora… So sweet! A dureza com que os rad-trads atacam a licitude da Missa segundo o Missal de Paulo VI é, sem dúvida, uma das chagas mais profundas. Com ela, se diz que a Igreja e o seu culto máximo a Deus, Nosso Senhor, é um ato ilícito e ainda protestantizado! E ainda faltou a questão do ecumenismo. Quanto aos judeus, eu nunca tinha ouvido falar dessa, ainda mais depois de ver a entrevista de D. Fellay chamando os judeus de “irmãos mais velhos” e dizendo que o anti-semitismo não tem lugar na FSSPX no Rorate Caeli…]

– Ou seja, o problema não somente a polêmica cristãos-judeus, mas as idéias de fundo da Igreja sobre o seu lugar no mundo moderno?

– Sim. A questão é o conjunto do curso que o Papa Ratzinger desencadeou na Igreja. Sem dúvida, um percurso que volta, significativamente, para trás.

– Isso também diz respeito ao Papa Wojtyla?

– Sim. Certamente, Papa Wojtyla soube evitar alguns erros, e sabia falar melhor às pessoas. E foi ele que excomungou os bispos de Lefebvre. Eis um outro exemplo de um passo para trás. Em geral, a vontade de reconciliação com os membros da Fraternidade Sacerdotal Pio X pode ser avaliada positivamente. Mas, insisto, mas não está ainda claro que estes bispos reconhecem o Concílio Vaticano II ou que respeitam o decreto sobre a liberdade religiosa. [Está claríssimo, só Küng que não vê: apesar do Cardeal Castrillón ter dito que Fellay reconhece o Vaticano II teologicamente, é ponto pacífico que eles rejeitam uma parte do Concílio! Não há coisa mais clara. Williamson e de Mallerais não nos deixam esquecer disso!]

– O Papa vive verdadeiramente no mundo moderno, ele entende os fiéis?

– O Pontífice vive no seu mundo. Ele se afastou dos homens e, além de grandes procissões e pomposas cerimônias, não enxerga mais os problemas dos fiéis. Por exemplo, a moral sexual, a cura pessoal das almas, a contracepção. A Igreja está em crise. Espero que ele reconheça isso. [A Igreja está em crise, e claro que o Papa reconhece. Mas a dimensão da crise não tem nada a ver com o que Küng está falando. A moral sexual da Igreja, longe de ser um problema, é a solução dos problemas afetivos que assolam o mundo moderno. Acusar o papa de ter perdido de vista “a cura pessoal das almas” é um absurdo sem tamanho. Qualquer um que leu principalmente os livros-entrevista com o Papa sabe que essa afirmação é completamente gratuita e imerecida!. Sobre contracepção, bem… É tema recorrente deste blog, inclusive um texto muito bom sobre o número de filhos que Jorge publicou] Serei feliz se der passos de reconciliação também na direção dos ambientes dos fiéis progressistas, Mas Bento não está vendo que está alienando a si mesmo de grande parte da Igreja católica e da cristandade. Não vê o mundo real. Somente vê o mundo vaticano. [Quer dizer, agora Nosso Senhor Jesus Cristo, em favor da opinião do sr. Küng, deve diminuir as exigências morais feitas ao homem, porque aparentemente, para Küng, só existe um lugar no mundo em que a vida santa pode ser praticada: a Basílica de São Pedro e o seu arredor. Todo o resto deve ser fadado a uma moral canhestra, cujo conteúdo deve se adaptar aos vícios locais, haja vista ser esta a interpretação da inculturação que tem o sr. Küng! Fugir da realidade, cujo criador é o próprio Deus, é querer exigir do homem menos do que ele é capaz. É massificar a sociedade inteira! O Papa não faz mais do que a sua obrigação quando cobra dos cristãos a nobreza que é própria dos filhos de Deus redimidos pelo preciosíssimo sangue de Nosso Senhor na cruz! Faça-nos um favor, sr. Küng, por obséquio, silêncio!]

Edito: Dionísio Lisboa bem me lembrou que os tradicionalistas não negam a validade, mas a licitude da Missa Nova. Corrigido!


O problema inexistente

Auguro que a este gesto meu [a retirada das excomunhões] siga o solícito empenho por sua [da FSSPX] parte de levar a cabo ulteriores passos necessários para chegar à plena comunhão com a Igreja, dando testemunho assim de fidelidade verdadeira e verdadeiro reconhecimento do magistério e da autoridade do Papa e do Concílio Vaticano II.
[Bento XVI, audiência geral de quarta-feira última (28/01)]

Estas foram as palavras ditas pelo Santo Padre, o Papa Bento XVI, na audiência geral da quarta-feira passada, que ensejaram as notícias que circularam no meio católico segundo as quais o Papa havia pedido aos lefebvristas que reconhecessem o Concílio Vaticano II. No dia seguinte, quinta-feira 29 de janeiro, o Rorate Caeli publicou uma notícia (aqui reproduzida) que dizia ter Dom Fellay reconhecido teologicamente o Vaticano II (segundo informações do cardeal Castrillón Hoyos). Estranhamente, não vi nenhuma repercussão mais séria sobre estas declarações que me parecem, todavia, de importância capital.

Antes de mais nada, é preciso assumir que não se tem (pelo menos eu não tenho) muito claro o que vem a ser “reconhecer teologicamente” o Vaticano II, mantendo no entanto reservas sobre alguns pontos do Concílio. Isso pode significar qualquer coisa. No entanto, tenho esperanças de que signifique algo próximo da maneira como eu próprio vejo o Concílio, que não é de modo algum “invenção minha” mas, ao contrário, é a posição mais sensata que eu observo nos meios católicos que freqüento.

Trata-se de uma coisa simples: em suma, pode ser definido como reconhecer no Concílio aquilo que ele se propõe a ser, nem mais e nem menos. Baseia-se em alguns princípios, entre os quais dois são, a meu ver, fundamentais: (a) a radical incapacidade de que a Doutrina da Igreja tenha sido “adulterada” e (b) a legitimidade da decisão da Igreja de apresentar a Doutrina Católica da maneira como ela foi apresentada. Passemos rapidamente em revista estes (no meu entender) dois princípios chaves.

Quanto ao primeiro, trata-se da atitude de se reconhecer intelectualmente, a priori, antes mesmo de se debruçar sobre os textos conciliares, que a Doutrina da Igreja não foi modificada pelo simples fato de que ela não o pode ser. Assim, o esforço intelectual passa a ser não  o de “caçar heresias” nos textos do Vaticano II (expediente muitas vezes utilizado por alguns que se pretendem defensores da Igreja), mas sim o de buscar interpretar o que foi dito na única maneira em que é lícito interpretá-lo, i.e., em plena conformidade com tudo o que foi dito anteriormente pela Esposa de Nosso Senhor. Não se trata de um debate para se saber “se o Vaticano II foi heterodoxo”; esta resposta prescinde de qualquer debate porque, por definição, um Concílio Ecumênico legítimo não pode trair a Fé da Igreja. Não adianta perder tempo com isso; deve-se ter como um axioma, como um a priori, como um princípio basilar a ser estabelecido antes de todo o resto, que o Concílio não pode ter alterado a Fé Católica Imutável. Pôr isso em dúvida é perder tempo e correr o risco de se chegar a conclusões disparatadas.

Portanto, é verdade por definição que o Vaticano II não alterou a Fé da Igreja. No meio do turbilhão de idéias heterodoxas que encontramos nos meios católicos dos nossos dias, é preciso afirmar ousadamente a Fé Católica, não admitindo que os inimigos da Igreja utilizem-se indevidamente de textos conciliares para justificar as suas loucuras. É preciso dizer que “a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica” não contradiz de nenhuma maneira a verdade anteriormente afirmada de que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica e somente Ela; é preciso dizer que as pessoas se salvam única e exclusivamente por meio da Igreja Católica, ou pertencendo-lhe às estruturas visíveis ou à Sua “alma” nos casos de Ignorância Invencível, e que dizer que o Espírito de Cristo não se recusa servir-se das seitas e dos cismas como meios de salvação não significa de nenhuma maneira afirmar um inexistente “poder salvífico” paralelo àquele que detém a Igreja de Nosso Senhor; é preciso dizer que os “elementa ecclesiae” que possuem as seitas e cismas não lhes são próprios, sendo portanto equiparáveis aos “vestigia ecclesiae” com a diferença terminológica de que “vestígio” indica uma reminiscência de algo que já se foi um dia, não havendo propriamente “vestígio” de catolicismo em um protestante que nunca foi católico; é preciso dizer que o homem possui uma Natureza Decaída devido ao Pecado Original, e que nenhuma “semente divina” no sentido de natureza sobrenatural intrínseca é-lhe imanente; é preciso dizer que a liberdade religiosa equipara-se, para os falsos cultos, à tolerância religiosa, com a diferença terminológica de que o Estado em Si considerado não tem potestade para arbitrar entre o bom e o mau (embora tenha capacidade para reconhecer a Igreja como verdadeira) e, portanto, não “tolera” propriamente os falsos cultos (quem os tolera é a Igreja); é preciso dizer que os bispos não têm um poder colegial próprio que seja independente do Primado do Romano Pontífice; é preciso, enfim, reafirmar com ousadia tudo que é de Fé Católica e Apostólica, a despeito do que alguns “defensores do Concílio” digam. E isso pode e deve ser feito sem nenhum escrúpulo de consciência, porque não pode ser um verdadeiro defensor do Concílio quem, ao mesmo tempo, ataca a Fé de sempre da Igreja que, conforme vimos, simplesmente não pode ser modificada nem por um Concílio Ecumênico.

Quanto ao segundo princípio, trata-se da atitude de filial submissão ao Magistério da Igreja, abstendo-se a Igreja Discente de arvorar-se Igreja Docente e de criticar como intrinsecamente maus alguns textos conciliares. Trata-se, se for para dizer em duas palavras, de, primum, afirmar a possibilidade de interpretação do Vaticano II em consonância com toda a Tradição da Igreja e, secundum, afirmar a potestade da Igreja de utilizar-Se dos termos que melhor Lhe aprouver para a expressão da Verdade Revelada, por mais que eles nos pareçam inadequados ou por mais que nos pareça que termos melhores pudessem ter sido escolhidos.

Ainda que existam, de fato, termos melhores que poderiam ser aplicados e maneiras melhores de se dizerem as coisas que foram ditas, não é este o ponto. O que deve ser salvaguardada é a ortodoxia (no sentido de “existência de interpretações ortodoxas”) das coisas que foram ditas da maneira como foram ditas; isto é que é o fundamental. Aqui, trata-se de evitar a atitude de (infelizmente!) não poucos católicos segundo os quais as “ambigüidades” conciliares excluem a possibilidade de interpretação ortodoxa do Vaticano II. Deixemos por ora de lado as discussões sobre as supostas ambigüidades, sua gênese e seus remédios; não é para que neguemos a possibilidade de interpretações disparatadas do Concílio. Mas é para que não neguemos a possibilidade de interpretações ortodoxas dele.

Postas estas duas coisas de maneira muito clara, verifica-se então que a questão central das discussões com rad-trads e com modernistas simplesmente não existe, porque por definição a Fé da Igreja não pode ser modificada por um Concílio Ecumênico Legítimo. Isto nos permite montar o seguinte silogismo:

Um Concílio Ecumênico Legítimo não pode modificar a Fé da Igreja (maior);
O Concílio Vaticano II foi um Concílio Ecumênico Legítimo (menor);
Logo, o Concílio Vaticano II não pode ter modificado a Fé da Igreja (conclusão).

Outra conclusão diferente não cabe. Não faz o menor sentido discutir-se a ortodoxia do Concílio, porque tal problema é inexistente; por definição, o Concílio, se é Concílio Legítimo, é ortodoxo. Se não fosse ortodoxo, não seria Concílio Legítimo (seria algo do tipo do “latrocínio de Éfeso” ou outra coisa similar). Esta é a única maneira que eu conheço de se encarar catolicamente a crise atual. Tenho esperanças de que as declarações de mons. Fellay de que “reconhece teologicamente” o Vaticano II apontem para alguma coisa parecida com isso. Reconhecendo a radical impossibilidade de modificação da Fé da Igreja por um Concílio Ecumênico, pode-se enfim buscar a interpretação dos textos conciliares da única maneira em que é lícito interpretar-lhes: em consonância com todo o Magistério da Igreja, sem rupturas, sem “novidades”, sem heresias. Permita Deus que a FSSPX possa enveredar por este caminho, já tantas vezes apontado pelo Papa Bento XVI, única via que pode conduzir as negociações entre a Igreja e a Fraternidade a um bom termo.