O Escapulário da Virgem do Carmo

Hoje é a festa de Nossa Senhora do Carmo e eu me lembrei do artigo da semana passada de D. Fernando Rifan que falou sobre Ela. Recomento a leitura do texto do grande bispo de Cedamusa sobre os aspectos históricos da devoção à Virgem do Monte Carmelo (à guisa de exemplo: «[n]a pequena nuvem portadora da chuva após a grande seca, Elias viu simbolicamente Maria, a futura mãe do Messias esperado»), mas também sobre o Santo Escapulário e os privilégios que a Virgem Mãe de Deus prometeu aos que o usassem devotamente.

O Escapulário do Carmo! É possível conhecer um pouco mais sobre o pequeno sacramental aqui. Mas, para além destas (importantes) “especificações técnicas”, pode ser muito proveitosa no dia de hoje a leitura desta mensagem de Sua Santidade o Papa João Paulo II à Ordem do Carmelo em 2001. Das palavras do Papa, eu destaco (grifos meus):

5. No sinal do Escapulário evidencia-se uma síntese eficaz de espiritualidade mariana, que alimenta a devoção dos crentes, tornando-os sensíveis à presença amorosa da Virgem Mãe na sua vida. O Escapulário é essencialmente um “hábito”. Quem o recebe é agregado ou associado num grau mais ou menos íntimo à Ordem do Carmelo, dedicado ao serviço de Nossa Senhora para o bem de toda a Igreja (cf. Fórmula da imposição do Escapulário, no “Rito da Bênção e imposição do Escapulário”, aprovado pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, 5/1/1996). Por conseguinte, quem veste o Escapulário é introduzido na terra do Carmelo, para que “coma os seus frutos e produtos” (cf. Jer 2, 7), e experimente a presença doce e materna de Maria, no empenho quotidiano de se revestir interiormente de Jesus Cristo e de o manifestar vivo em si para o bem da Igreja e de toda a humanidade (cf. Fórmula da imposição do Escapulário, cit.).

São portanto duas as verdades recordadas no sinal do Escapulário: por um lado, a protecção contínua da Virgem Santíssima, não só ao longo do caminho da vida, mas também no momento da passagem para a plenitude da glória eterna; por outro, a consciência de que a devoção a Ela não se pode limitar a orações e obséquios em sua honra em algumas circunstâncias, mas deve constituir um “hábito”, isto é, um ponto de referência permanente do seu comportamento cristão, tecido de oração e de vida interior, mediante a prática frequente dos Sacramentos e o exercício concreto das obras de misericórdia espiritual e corporal. Desta forma o Escapulário torna-se sinal de “aliança” e de comunhão recíproca entre Maria e os fiéis: de facto, ele traduz de maneira concreta a entrega que Jesus, na cruz, fez a João, e nele a todos nós, da sua Mãe, e o acto de confiar o seu apóstolo predilecto e a nós a Ela, constituída nossa Mãe espiritual.

E estas palavras do Papa parecem-me excelentes para responder tanto à sanha iconoclasta dos inimigos da Mãe de Deus quanto a algum presunçoso laxista que porventura exista entre os cristãos e que, enganosamente, acredite ou se queira fazer acreditar ser devoto da Virgem do Carmo. A concepção de mundo expressa nestas palavras do Vigário de Cristo assinala a radical diferença entre uma concepção “mágica” ou “supersticiosa” do Cristianismo e a sua dimensão real: os sinais externos não apenas não substituem uma vida moral reta como também eles só fazem sentido se forem a sincera expressão exterior de uma vida agradável a Deus. O Escapulário do Carmo não é um amuleto da sorte nem um talismã mágico para livrar as pessoas do inferno, e usá-lo desta maneira significa, simplesmente, não usar o escapulário.

Aos que o usam devota e sinceramente, no entanto, ele se transforma em penhor de salvação, como as flores abertas e vistosas de um jardim bem cuidado revelam a vitalidade do jardim e o empenho do jardineiro no seu cultivo. Da mesma forma que jogar um belo ramalhete de flores sobre um terreno descuidado e repleto de ervas daninhas não o transforma em um jardim, cobrir com um escapulário uma alma imunda e repleta de pecados não a transforma em serva dedicada da Rainha do Carmelo. Os devotos da Mãe de Deus o são antes e primordialmente na alma, e os sinais externos são (sempre!) frutos desta fecundidade anterior e interior. O escravo da Rainha do Carmelo não perde a sua dignidade quando o seu hábito lhe é tirado, assim como uma roseira não deixa de ser uma roseira se lhe arrancam uma rosa: com o tempo, um e outra irão se revestir novamente – de escapulário ou de rosas. Ao contrário, um vaso de flores não vira uma roseira nem mesmo se lhe adornam com as mais belas rosas do mundo, pois estas cedo ou tarde fenecerão, deixando o vaso de novo vazio. E o escapulário sobre os ombros do católico deve ser como as rosas da roseira, e não como as do estéril e frio vaso de flores. Se não for assim, ele não é verdadeiro escapulário e não faz sentido utilizá-lo.

Assis e o Príncipe da Paz

Ocorre amanhã o encontro de Assis, quando o Papa Bento XVI vai se reunir com representantes de diversas religiões (e, se não me engano, até mesmo com os sem religião alguma) com vistas à promoção da paz mundial. O evento ocorre, também, em memória dos 25 anos do I Encontro de Assis, realizado pelo Papa João Paulo II em 1986.

A despeito de todos os cuidados do então Pontífice, a impressão que passa é a de que o primeiro encontro foi desastroso (como alguns dizem, Deus mandou até terremoto…). Mas faço questão, sim, de registrar os cuidados então tomados por João Paulo II, porque muito do que se lê sobre o Encontro de Assis é somente a maçã podre do cesto. Se é certo que certas coisas foram lamentáveis e não devem ser escondidas, é igualmente injusto esconder o outro lado da questão. Não se registra tanto, p.ex., que os membros de religiões diversas rezaram separadamente (e não em conjunto), e nem que o Papa João Paulo II disse lá, com todas as letras, que o encontro não tinha nenhuma conotação de indiferentismo religioso, nem de todas as religiões serem boas para construir um mundo melhor, nem nenhuma bobagem naturalista do tipo. Está lá, no discurso “[a]os representantes das várias Igrejas e Comunhões Cristãs e de outras religiões presentes em Assis para o Dia de Oração pela Paz (27 de outubro de 1986)” (ou em inglês):

O fato de termos vindo aqui não implica em alguma intenção de buscarmos um consenso religioso entre nós, ou de negociarmos as nossas convicções de fé. Tampouco significa que as religiões podem se reconciliar no nível de um empenho comum num projeto terreno que as sobrepasse todas. Também não é uma concessão a um relativismo nas crenças religiosas, porque todo ser humano deve seguir sinceramente a sua reta consciência na intenção de procurar e de obedecer à verdade.

O nosso encontro atesta somente – este é o [seu] verdadeiro significado para as pessoas de nosso tempo – que, no grande empenho pela paz, a humanidade (na sua própria diversidade) deve beber de suas mais profundas e vivificantes fontes, nas quais se forma a própria consciência e sobre as quais se fundam as ações de todas as pessoas.

E, na conclusão do encontro, João Paulo II disse ainda que a paz é um imperativo de qualquer consciência moral e que a situação atual do mundo testemunha que a realização da paz está além dos esforços humanos. Uma referência, portanto, à Lei Natural seguida de um apelo à transcendência em um mundo laicizado. Pode-se questionar a conveniência de tal encontro (ou de sua repetição), pode-se (aliás, deve-se!) repudiar com energia os abusos que lá aconteceram; mas não é razoável rasgar as vestes vaticinando por conta disso a apostasia da Igreja, nem tampouco inferir deste encontro coisas que o seu idealizador e organizador disse expressamente não decorrerem dele.

No encontro de amanhã, as coisas serão diferentes. Primeiro que não haverá orações nem em comum e nem separadamente; a programação do encontro não as prevê. Haverá somente, ao final do dia, um Rinnovo Solenne dell’Impegno per la Pace. Depois, a oração preparatória para o encontro de Assis (feita no Vaticano, na véspera da viagem, hoje) está cheia de elementos daquela santa intolerância que é apanágio da Fé Verdadeira: do Tu es Petrus da entrada, passando pelo “convertitevi e credete nel Vangelo” da Aclamação ao Salve Regina final. Sem espaço, portanto, para indiferença religiosa. A experiência passada foi negativa a ponto do Santo Padre julgar por bem tomar algumas precauções.

À luz disso, algumas considerações de Dom Marcelo Barros (publicadas no Site da Arquidiocese de Olinda e Recife) são sem cabimento e só se prestam a confundir o povo de Deus. Em primeiro lugar, o Papa não está (como disse o monge) convidando «os líderes de outras religiões para orar», e sim para se reunirem em Assis. Em segundo lugar, ainda que estivesse (como João Paulo II fez), isto de forma alguma seria «um gesto de reconhecimento do valor espiritual dessas religiões», a menos que estejamos falando do seu valor enquanto apontam para a Verdadeira Igreja de Cristo (o que certamente não é o sentido empregado pelo Marcelo Barros).

Na verdade, a paz é um anseio de todos os homens, assim como a sua sede de Infinito – que só no Deus Verdadeiro pode ser saciada. Apontar para o fato de que o homem anseia por Deus não é, absolutamente, a mesma coisa que legitimar os ídolos (antigos ou modernos) com os quais os homens buscam em vão suprir esta necessidade. Trata-se não de legitimá-la tal como se encontra e nem de fingir que ela não existe, mas de ordená-la para o seu fim verdadeiro. Afinal, é quando o homem reconhece a sua sede de infinito que ele se coloca a caminho da conversão.

Analogamente, reconhecer que os homens anelam a paz não é concordar com os meios por eles empregados para obtê-la: é simplesmente constatar um desejo, o qual só encontra a sua plena realização na paz de Cristo, na Paz que Ele nos deixou e que não é desta terra. Assim, falar em Deus mesmo para pagãos (como São Paulo no Areópago de Atenas) não é fazer uma concessão ao paganismo; é, ao contrário, fazer um apelo ao anseio de Transcendência que se encontra mesmo nos que tomam algum ídolo por Transcendente. E, do mesmo modo, falar em Paz para os que não A possuem (e nem podem possuir) não é capitular diante dos seus erros nem aceitar a pseudo-paz que eles oferecem: ao contrário, acenar com a importância da Paz Verdadeira é conceder aos homens a chance de perceberem que eles ainda não a possuem. É dar-lhes a possibilidade de encontrarem a Cristo, Único Príncipe da Paz.

“E deu-nos ordem pra não termos medo”…

Ontem, domingo da Divina Misericórdia, diante de um milhão de pessoas, foi beatificado o Papa João Paulo II. O Wagner Moura esteve lá. Eu infelizmente não acompanhei a transmissão ao vivo da cerimônia (era às cinco da manhã no horário do Brasil). Vi, no entanto, outras coisas – que valem a pena ser conhecidas e divulgadas.

Homilia do Papa Bento XVI. “E qual é esta causa? É a mesma que João Paulo II enunciou na sua primeira Missa solene, na Praça de São Pedro, com estas palavras memoráveis: «Não tenhais medo! Abri, melhor, escancarai as portas a Cristo!». Aquilo que o Papa recém-eleito pedia a todos, começou, ele mesmo, a fazê-lo: abriu a Cristo a sociedade, a cultura, os sistemas políticos e económicos, invertendo, com a força de um gigante – força que lhe vinha de Deus –, uma tendência que parecia irreversível. Com o seu testemunho de fé, de amor e de coragem apostólica, acompanhado por uma grande sensibilidade humana, este filho exemplar da Nação Polaca ajudou os cristãos de todo o mundo a não ter medo de se dizerem cristãos, de pertencerem à Igreja, de falarem do Evangelho. Numa palavra, ajudou-nos a não ter medo da verdade, porque a verdade é garantia de liberdade”.

John Allen: qual a pressa em beatificar João Paulo II? “No passado, a fama de um candidato muitas vezes se espalhava só gradualmente, mas hoje o mesmo lapso de tempo nem sempre se aplica. O papado de João Paulo II explorou habilmente duas das marcas da aldeia global de hoje: a ubiquidade das comunicações e a relativa facilidade das viagens. Como resultado, pode-se argumentar que o ritmo de sua beatificação nada mais é do que um reflexo da maior velocidade com que tudo se move no século XXI”.

– Esta “homenagem a João Paulo II” está muito bem-feita. Uma vida em imagens: dezenas, quiçá centenas de fotos do novo beato, nas mais variadas ocasiões. Uma seleção feita com esmero, e ao alcance de quaisquer poucos cliques. Recomendo.

Esta cronologia é leitura fundamental. Está em espanhol, mas traz “algunas cosas que, año por año, se hicieron durante el pontificado de Juan Pablo II para defender la fe y disciplina dentro de la Iglesia”: este é o chamado “lado obscuro” do pontificado de João Paulo II, não por ser tenebroso ou de alguma maneira censurável, mas sim por não ter tido praticamente divulgação nenhuma pelos meios de comunicação.

E o Papa está mais perto dos altares! A interceder por nós. A convidar-nos ao Céu. A ordenar-nos ainda, do alto, que não tenhamos medo. Queremos a graça de obedecer-lhe! Beato João Paulo II, rogai por nós!

Em tempo, recordar é viver: “Um dia de abril”.

P.S.: Ver também “João Paulo foi o Papa da minha vida” (Dom José Cardoso Sobrinho).

Encontro de blogueiros em Roma

http://www.pccs.va/

Como a maior parte das pessoas já está sabendo, o Vaticano vai promover um encontro de blogueiros no próximo dia 02 de maio, logo em seguida à beatificação de João Paulo II.

O que talvez nem todas as pessoas estejam sabendo é que hoje, sábado, foi publicada a lista com o nome dos 150 blogueiros (de 750 que foram enviados) selecionados para participar, presencialmente, do encontro. São blogs de todo o mundo, entre iniciantes e já consolidados, entre pessoais e profissionais.

Muitos eu não conheço, outros são bem famosos. O Sandro Magister está lá, bem como o American Papist. Também o exorcista pe. Fortea está na lista dos blogs selecionados. Achei até – curioso! – um blog que fala de informática e ética.

Mas a alegria, a maior alegria, o júbilo que chega quase a ser inconveniente às portas da Semana Santa, é que só foram selecionados três blogs brasileiros (se deixei escapar algum, por favor me avisem). Um é o “Jovens sem Fronteiras”, outro é o “Medidas de Fé”, e o terceiro é o… “O Possível e o Extraordinário”, do meu caríssimo amigo Wagner Moura!

Parabéns, Wagner! É merecido. Que o encontro possa ser proveitoso. Que sirva, sempre, ad majorem Dei Gloriam.

Súplica ao Santo Padre por um ano mariano – assine e divulgue!

A devoção à Virgem Santíssima não é acidental ao Cristianismo. É-lhe completamente essencial; uma vez que o cristão é chamado à imitação de Nosso Senhor, e uma vez que Nosso Senhor foi perfeitamente filho da Virgem Santíssima, seremos cristãos verdadeiros somente na medida em que nos abrirmos filialmente Àquela que o próprio Cristo, do alto do Calvário, deu-nos por Mãe. É impossível seguir a Cristo sem fazer-se, tal como o Verbo Encarnado, filho de Maria Santíssima.

O Tratado da Verdadeira Devoção à Virgem Santíssima, de São Luís de Montfort, está prestes a completar 300 anos. Trata-se de um livro precioso, cujos abundantes frutos espirituais podem ser amplamente testemunhados por todos aqueles que deram ouvidos às palavras do grande santo francês e, confiantemente, entregaram-se com tudo o que possuíam à Virgem Santíssima. Aqueles que tiveram a coragem de professar o Totus Tuus podem testemunhar as maravilhas que o Altíssimo realizou em suas vidas por meio d’Aquela que é Medianeira de Todas as Graças.

Para melhor propagar esta santa devoção e para oferecer aos homens do mundo moderno a chance de alcançarem incontáveis graças por meio da Santíssima Virgem, estamos promovendo esta súplica ao Santo Padre Bento XVI para que ele proclame um ano mariano em 2012/2013. Para exaltar Aquela que é inimiga de todas as heresias e, assim, opôr uma poderosa resistência aos vícios que hoje grassam em nossa sociedade. Para louvar a Mãe de Deus, a fim de que Deus seja mais perfeitamente louvado – como Ele deseja ser louvado. Para alcançar as graças que nós precisamos nos tempos atuais, a fim de sermos santos, e a fim de apressarmos o triunfo do Imaculado Coração da Virgem. Em honra de Nossa Senhora, para a maior glória de Deus e salvação das almas.

Somos testemunhas dos frutos de graça e santidade que a proclamação do Ano Sacerdotal, feita por Vossa Santidade, fez brotar para a Igreja do mundo inteiro. Por esta razão, sugerimos humildemente que um Ano Mariano poderia ser uma grande oportunidade para reavivar a Devoção a Toda Santa Mãe de Deus no coração dos fiéis e propagar a prática da “Consagração Total a Jesus por Maria”, como é ensinado pelo próprio São Luis, e como o Servo de Deus João Paulo II viveu e testemunhou.

Não deixe de assinar esta petição. Não deixe de divulgá-la a todos os seus conhecidos. E não deixe de rezar, suplicando ao Todo-Poderoso esta grande graça para toda a Igreja. Que a Virgem Santíssima interceda pela Igreja do Seu Divino Filho; que Ela possa ser honrada nesta terra e que, por meio d’Ela, possamos receber todas as graças que Deus quer derramar sobre nós.

Clique aqui e assine a petição.

A resistência, o Leão de Campos e a Sé de Pedro

Dom Antonio de Castro Mayer sempre me pareceu mais sensato e equilibrado do que Dom Marcel Lefebvre, a despeito de ambos quase sempre serem citados juntos na “resistência” ao Vaticano II – e também na excomunhão… Ontem, eu e mais dois amigos conversávamos sobre o assunto, julgando interessantes alguns aspectos da vida e do ministério episcopal do Leão de Campos.

Por exemplo, Dom Mayer não proibiu jamais nenhum dos seus padres de celebrar o Novus Ordo Missae. Apesar dele próprio ter sempre utilizado o missal de S. Pio V, em sua diocese nenhum padre foi impedido de adotar (caso desejasse) a Reforma Litúrgica. Cada padre de Campos recebeu uma cópia do Missal de Paulo VI quando ele foi promulgado, junto com uma nota diocesana avisando que, em Campos, manter-se-ia a viva a Liturgia tradicional, apesar de cada sacerdote ser livre para optar por uma ou outra forma de oferecer o Santo Sacrifício.

Mais: Dom Antonio nomeou párocos que celebravam o Novus Ordo. Ou seja, em Campos, havia paróquias onde as missas eram celebradas segundo a Reforma Litúrgica, e isso sem nenhuma perseguição do então bispo diocesano (ao contrário do que aconteceu no resto do Brasil – e mesmo em Campos, depois – em contrapartida, quando os bispos perseguiam quem ousasse continuar celebrando segundo as antigas rubricas). Em Campos, apesar dos problemas de consciência de Dom Antonio, as duas formas do Rito Romano coexistiram. Fico imaginando se a nossa situação atual não seria incomparavelmente melhor caso exemplos assim houvessem perdurado e se multiplicado… afinal, na prática, o que fez Dom Mayer foi uma aplicação diocesana (com mais de três décadas de antecedência) do que estabelece o Summorum Pontificum para toda a Igreja. O Missal de Paulo VI e o de São Pio V lado-a-lado. Com uma liberdade muito maior para este último – é evidente – do que se pode encontrar hoje, mas sem nenhuma perseguição de nenhum dos lados.

E Dom Mayer não foi jamais perseguido por causa disso. Não foi suspenso de ordens (ao contrário do prelado francês), não foi afastado, não recebeu censura alguma da Santa Sé. Um ano antes da sua renúncia em 1981, em visita ad limina apostolorum (junto com o então pe. Rifan, a propósito), encontrou-se com João Paulo II e, em Roma, tudo transcorreu em clima da mais completa normalidade. Apresentou ao Vigário de Cristo a situação da sua diocese, falaram sobre os assuntos pertinentes à visita, e a situação litúrgica em Campos não foi colocada em questão. Até se tornar bispo emérito, no início dos anos oitenta, Sua Excelência manteve-se em fiel espírito de submissão e respeito à Sé de Pedro. O que aconteceu depois disso foi mais complicado; mas, até João Paulo II aceitar a renúncia do bispo de Campos em 1981, Dom Mayer – ao que parece – serviu plenamente à Igreja de Cristo, como se espera que faça um Sucessor dos Apóstolos. Algumas pessoas, muitas vezes, “esquecem-se” disso, e querem ver no bispo de Campos somente o superior da União Sacerdotal São João Maria Vianney.

Sobre o mesmo assunto, ler também: Carta de D. Mayer ao Papa Paulo VI. Vejam-se as palavras, o tom, o objetivo. Destaco:

Cumpro, assim, um imperioso dever de consciência, suplicando, humilde e respeitosamente, a Vossa Santidade, se digne, por um ato positivo que elimine qualquer dúvida, autorizar-nos a continuar no uso do “Ordo Missae” de S. Pio V, cuja eficácia na dilatação da Santa Igreja, e no afervoramento de sacerdotes e fiéis, é lembrada, com tanta unção, por Vossa Santidade.

Ao que me consta, infelizmente esta carta não obteve nunca resposta…

Tubo de Ensaio no TOPBLOG 2010

Não existe nenhuma incompatibilidade entre Ciência e Religião. Como um exemplo perene da verdadeira posição católica diante de uma aparente contradição entre um dado da Fé e um dado científico, permanece sempre atual a afirmação de São Roberto Belarmino no auge do caso Galileo (apud Quadrante):

“Quando fosse verdadeiramente demonstrado que o Sol está no centro do mundo e a Terra no terceiro céu, e que o Sol não circunda a Terra, mas sim a Terra circunda o Sol, então seria necessário com muitas considerações explicar as Escrituras, e antes de afirmar ser falso o que dizem, admitir, pelo contrário, que são coisas que não podemos entender. Por mim, não acreditarei que seja possível tal demonstração, até que me seja apresentada” [o grifo é da Quadrante].

Um dos maiores espantalhos encontrados nos nossos dias consiste na apresentação da Igreja Católica como se Ela fosse inimiga da ciência, ou como se o avanço desta fosse uma ameaça Àquela. Nada mais falso. Afinal de contas, tanto a Fé como a razão provêm do Deus que é a Verdade e, portanto, não se podem contradizer. Esta posição não é nova; o cardeal Belarmino (como vimos) já a defendia no século XVII e, antes dele, Santo Tomás de Aquino dizia a mesma coisa (apud João Paulo II na Veritatis Splendor (n.43)):

A luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus (…); por isso, não se podem contradizer entre si.

Nunca, portanto, a Igreja disse algo diferente disso. O resto é lenga-lenga dos inimigos da Igreja que, na ânsia de denegri-La, desprezam a realidade dos fatos e não se importam se o espantalho por eles combatido pouca ou nenhuma semelhança guarda com a indefectível Igreja de Nosso Senhor.

Por conta disso, prestam um inestimável serviço à Igreja os apostolados que têm por função precípua dissipar esta cortina de fumaça lançada pelos anti-clericais e defender o correto e sadio relacionamento entre a Fé e a razão. Neste quesito, destaca-se no cenário brasileiro o – já conhecido dos meus leitores – Tubo de Ensaio, do Marcio Antonio Campos, o qual está concorrendo ao TopBlog 2010. Nas palavras do autor do blog:

O Tubo de Ensaio se inscreveu tardiamente no prêmio TopBlog 2010. Como não havia categoria de ciência, estou concorrendo na categoria Blogs profissionais/Religião. Para votar, é só clicar no selo ao lado, mas é preciso se cadastrar, etc. etc. (suspeito que seja para evitar aquelas coisas de sujeito passar a noite votando do mesmo computador, com o mesmo IP, e por aí vai).

O “selo ao lado” está lá no Tubo; para votarem a partir daqui, usem este link. Não é preciso propriamente “se cadastrar”, basta informar um email válido – porque será enviado um email de confirmação, com um link no qual se deve clicar para validar o voto. Votem e divulguem, porque o trabalho merece.

Poder civil, foro eclesiástico, acobertamento: cardeal Hoyos, João Paulo II e Bento XVI

João Paulo 2º apoiou elogio a ocultação de abusos, diz cardeal (também em Reuters). “Um ex-cardeal (sic!!) do Vaticano que cumprimentou um bispo francês por ter protegido um padre que cometia abusos sexuais afirmou ter agido com a aprovação do papa João Paulo 2o, informou um jornal espanhol neste sábado”.

A gafe monumental do “ex-cardeal” constava no título. Alguém deve ter avisado à agência de notícias, que rapidamente “corrigiu” o serviço nojento fazendo um remendo mais nojento ainda, posto que não se deu nem mesmo ao trabalho de passar a vista pelo resto do texto. Disso se percebe o completo despreparo e a total falta de capacidade de quem se mete a escrever sobre a Igreja Católica na nossa mídia… o sujeito não faz a menor idéia daquilo sobre o qual está escrevendo. E, mesmo assim, se julga no direito de publicar manchetes bombásticas…

A polêmica é sobre os procedimentos básicos do Vaticano com relação à pedofilia. Resumindo a história: o cardeal Castrillón Hoyos, em 2001, escreveu uma carta a um bispo francês parabenizando-o por não ter entregue um padre às autoridades civis. O jornal Golias publicou a carta (aqui, a matéria e, aqui, o .pdf da carta), em um francês que eu, absolutamente, não me arrisco a traduzir. O pe. Federico Lombardi aproveitou para, em mais uma brilhante demonstração de suas habilidades políticas, apontar este documento como “uma prova mais de quanto foi oportuna a unificação do tratamento dos casos de abusos sexuais de menores por parte de membros do clero sob a competência da Congregação para a Doutrina da Fé, para garantir uma atuação rigorosa e coerente, como efetivamente aconteceu com os documentos aprovados pelo Papa em 2001”. Sandro Magister, traduzido pelo IHU, disse que, “segundo uma entrevista do cardeal colombiano à CNN, ele continua achando o mesmo que afirmou naquela carta”.

Eu já citei aqui um trecho d’O Diálogo de Santa Catarina de Siena sobre o assunto. Faço-o de novo, destacando: “Pela dignidade e autoridade confiada a meus ministros, retirei-os de qualquer sujeição aos poderes civis. A lei civil não tem poder legal para puni-los; somente o possui aquele que foi posto como senhor e ministro da lei divina”. E, o que eu escrevi então, repito-o novamente agora: “É degradante para a dignidade sacerdotal e injurioso à Igreja de Nosso Senhor quando um sacerdote é tratado pelos poderes civis como um criminoso comum. O poder temporal – como ensina a Igreja – existe para estar a Seu serviço. (…) Não existe autoridade civil com potestade para constranger a Igreja, nem poder temporal que possa de per si julgar e condenar os sacerdotes do Deus Altíssimo”.

Vamos aos procedimentos vigentes. O guia para entender os procedimentos básicos da Congregação para a Doutrina da Fé concernentes a denúncias de abusos sexuais, disponível atualmente na página principal do site do Vaticano e traduzido pelo IHU, diz que “[a] lei civil referente à denúncia de crime às autoridades competentes sempre deve ser seguida” (a mesma coisa está na carta do Santo Padre aos católicos da Irlanda: “continuai a cooperar com as autoridades civis no âmbito da sua competência”…). O pe. Lombardi, no link já citado, dá a entender que isso veio em 2001, com a mudança dos procedimentos até então em vigor.

O motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela (em inglês, seguido das normas então promulgadas), de 2001, até onde pude perceber, não diz nada disso. Se alguém puder me mostrar exatamente onde ele estabelece que as denúncias às autoridades civis devem sempre ser feitas, eu agradeço. No entanto, considerando que os procedimentos atuais exigem a denúncia às autoridades civis (e exigem, como pode ser visto nos links acima), vale comentar:

a) Não sei apontar exatamente quando foi que esta praxis entrou em vigor: se em 2001, antes ou depois. O que eu sei dizer com certeza é que, hoje, a orientação emanada da Santa Sé é no sentido de denunciar, sim, os sacerdotes às autoridades civis.

b) Não há nada de intrinsecamente errado na praxis anterior, qual seja, a de não fazer as denúncias. Estaria errado se os padres agressores não fossem punidos, porque toda agressão exige, por Justiça, que o dano causado seja reparado. Se a Igreja tivesse meios de punir os sacerdotes (p. ex., trancafiando-os nos aljubes) ou se os entregasse, após o Seu julgamento, ao braço secular (p.ex., como fazia a Santa Inquisição), não haveria nenhuma necessidade de um processo civil independente do canônico (ou, pior ainda, concorrente a ele).

c) Também não há nada de intrinsecamente errado na praxis atual, de que sejam feitas as denúncias. O caso é de foro misto e, ao que me conste, a Igreja pode perfeitamente chancelar (mesmo tacitamente) a decisão das autoridades civis, já que não há mais reconhecimento do foro eclesiástico: a partir do momento em que a Igreja determina que os sacerdotes sejam julgados pelo poder civil, este passa a ser legalmente exercido.

Em resumo, esta questão é de disciplina canônica, e é particularmente dolorosa. Ao contrário do que parece dizer o porta-voz do Vaticano, a carta do cardeal Hoyos – na minha opinião – não tem nada a ver com uma “prova” de que era necessário estabelecer expressamente que os padres fossem denunciados às autoridades civis. A “atuação rigorosa e coerente” deve ser feita, sem dúvida alguma; mas isso não é sinônimo de sujeitar os sacerdotes do Deus Altíssimo aos poderes civis. Não existe sombra de “acobertamento” na carta do cardeal Hoyos ou no apoio a ela dado pelo Papa João Paulo II. Acobertar é fazer vista grossa, saber que há algo errado e “deixar para lá”; acolher uma denúncia, investigar, julgar e punir – mesmo prescindindo de uma denúncia às autoridades civis – não é de forma alguma a mesma coisa que acobertar.

Se os bispos punissem os maus sacerdotes como deveriam, não haveria necessidade de que tais casos fossem “unificados” sob a jurisdição de um Dicastério romano. No entanto, vivemos tempos difíceis, e – mysterium iniquitatis – o uivo dos lobos parece ser mais alto do que os  cuidados dos pastores. Rezemos pela Igreja de Nosso Senhor; a fim de que os maus não triunfem amparados pelo silêncio dos bons. A fim de que os ministros do Deus Altíssimo sejam santos, como convém ao estado que abraçaram. E a fim de que os pastores preservem o rebanho dos lobos, sejam eles quais forem.

Quinta-Feira, in Coena Domini

Eu gosto do som das matracas. Lá na paróquia, elas ainda são utilizadas: daqui até o Sábado de Aleluia, mas especialmente hoje, Quinta-Feira Santa. É quando as ouvimos pela primeira vez, em substituição aos sinos [aliás, recomendo – de novo – a leitura deste texto sobre a “morte” da Liturgia]. O som seco, de madeira, em forte contraste com o badalar musical dos sinos que estamos acostumados a ouvir. Há alguma coisa de diferente. O clima é mais grave: Nosso Senhor está prestes a ser traído.

As matracas acompanham a pequena procissão do Santíssimo, enquanto Ele é transladado para o altar da reposição e o altar principal da Igreja é desnudado. O canto dos fiéis acompanha Nosso Senhor em direção ao Horto das Oliveiras, mas o órgão não acompanha o canto: aquele cessou desde o Gloria in Excelsis de hoje, e só voltará a ser tocado no Sábado de Aleluia – lá na paróquia, os instrumentos musicais ainda emudecem duranto o Tríduo Pascal. E o canto dos fiéis “seco”, sem acompanhamento, também revela que existe, hoje, alguma coisa de diferente. Esta noite não é como as outras noites.

Canta-se uma tradicional versão em português do Pange Lingua. “Canta a Igreja o Rei do Mundo / que Se esconde sob os véus; / canta o Sangue tão fecundo / derramado pelos Seus. / E o Mistério tão profundo / de uma Virgem Mãe de Deus”. Omite-se (culpa d’O Domingo que, infelizmente, ainda é usado) uma parte da canção da qual gosto bastante, e eu lamento. Canto-a baixinho, sozinho: “Cristo o Verbo Onipotente / deu-nos nova refeição: / faz-se Carne realmente / o que deixa de ser pão. / Eis que o vinho é Sangue ardente, / vence a fé o gosto e a visão”.

Nosso Senhor acabara de lavar os pés dos discípulos. O sacerdote, hoje, repetira o bimilenar gesto, logo após a homilia. Pode parecer estranho que a Igreja escolha exatamente o dia do lava-pés para celebrar a instituição do Sacerdócio e da Eucaristia, mas a discrepância é somente aparente. Afinal de contas, foi Nosso Senhor que, na Última Ceia, instituiu a Eucaristia e o Sacerdócio – na mesma Última Ceia onde lavou os pés dos discípulos. João Paulo II disse, certa vez, que o Lava-Pés e a Eucaristia eram “duas manifestações de um só mistério de amor confiado aos discípulos”. É um gesto de amor, deste infinito Amor de Deus que se desenha já no primeiro versículo do Evangelho hoje lido: “tendo amado os Seus que estavam no mundo, [Jesus] amou-os até o fim”. Deus ama os homens ao ponto de entregar-Se na Eucaristia por eles. Gosto de imaginar o Lava-Pés como uma espécie de preparação para esta realidade sobrenatural: se os Apóstolos escandalizam-se quando o Mestre lava-lhes os pés, o que não dirão quando Ele lavar-lhes a alma, e não mais com simples água derramada em uma bacia, mas com Seu próprio Sangue derramado na Cruz do Calvário? É preciso, a cada um, quebrar o próprio orgulho, abrir-se à iniciativa salvífica de Deus, aceitar que precisa de ajuda e permitir que Deus venha em seu socorro. Foi preciso aos Apóstolos, é preciso a cada um de nós. Reduzir a cerimônia do Lava-Pés à sua dimensão meramente materialista é não entender nada da riqueza do dia de hoje.

Mas Nosso Senhor agora está no Horto das Oliveiras, e sofre – e nós, à semelhança dos discípulos, não somos capazes de vigiar com Ele uma hora sequer. O drama do Deus que ama “até o fim” a humanidade ainda não está consumado. Acompanhemos Nosso Senhor nesta noite, preparando-nos para o dia de amanhã. Esta noite não é igual às outras. Inicia-se o Tríduo Pascal (aliás, a missa In Coena Domini “termina” sem bênção final). Fiquemos com Nosso Senhor, daqui até o Sábado de Aleluia. Porque, para podermos cantar o Exsultet do Sábado Santo, começamos na Última Ceia, e precisamos passar pelo Horto. E, amanhã, pelo Calvário.

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Ler também: Homilia do Papa Bento XVI na missa in Coena Domini, 01 de abril de 2010.

O discurso do óbvio

Papa não vai renunciar, diz cardeal britânico. Mas é claro. Por acaso passou pela cabeça de alguém que o Vigário de Cristo renunciaria? Por causa – como diz a reportagem – de pressão de ativistas?

Que “ativistas” anônimos são esses? Provavelmente nem à Igreja pertencem. Por qual motivo um bando de fulanos se julga no direito de “pressionar” a Igreja Católica para que Ela faça ou deixe de fazer o que quer que seja?

E ainda esperar resultados! A ponto de um cardeal arcebispo precisar dizer que o Papa não vai renunciar, e isto virar manchete! Definitivamente, o mundo não entende a Igreja de Nosso Senhor. E nem é novidade: há um ano, “impunha-se” a “demissão” de Bento XVI. Também a cabeça de João Paulo II foi pedida – também queriam que o Papa anterior renunciasse.

Como se a Igreja fosse uma democracia que existe para agradar o mundo. Como se Ela fosse compartilhar da loucura dos tempos modernos. Talvez o ódio que os anti-clericais têm da Igreja seja uma espécie de inveja: ao verem a Casa construída sobre a Rocha resistir a todas as intempéries, ao longo dos séculos, enquanto eles próprios esfacelam-se a todo instante. Querem medir a Igreja por sua própria concepção distorcida do mundo, e irritam-se quando Ela Se recusa a comportar-Se segundo os modelos ora vigentes.

E esbravejam, e caluniam, e armam ciladas para os católicos, e conspiram contra o Papa, e insuflam a opinião pública contra a Igreja. Mas non praevalebunt – é promessa de Nosso Senhor, da qual a História dá eloqüente testemunho. Esta não é a primeira vez que um Papa é perseguido, e não será a última. Mas a Igreja permanecerá de pé, até a consumação dos séculos.