Nossa Senhora dos Navegantes

Hoje é feriado em Porto Alegre; Nossa Senhora dos Navegantes, celebrada aos dois de fevereiro. Não sei desde quando a data é festejada; decerto remonta às origens do Brasil, à época das Grandes Navegações, na qual a travessia do Velho Mundo para as terras de cá não se dava com as facilidades contemporâneas. Lembro dos conhecidos versos de Pessoa — quantas noivas ficaram por casar / para que fosses nosso, ó mar! — e penso que talvez a invocação mariana, hoje, seja pouco compreendida.

Como também, aliás, a sua correlata Nossa Senhora da Boa Viagem, esta mais conhecida em Recife por conta do famoso bairro que dela empresta o nome. É provavelmente a proximidade entre as duas invocações que faz a nossa Rua dos Navegantes ser uma paralela da Avenida Boa Viagem aqui, no litoral recifense, acompanhando a faixa do mar: a nossa história tem mais catequese que muitas de nossas paróquias. E também da história é possível (e preciso!) haurir piedosas meditações. A invocação da Santíssima Virgem hoje festejada presta-se bem a isso.

Há um quadro espanhol quinhentista — descobri-o hoje — que retrata La Virgen de los Navegantes: mostra Nossa Senhora com o oceano a seus pés, manto aberto, com o qual abarca e protege os homens e os navios. Nesta pintura, sim, é possível admirar com clareza o que significou no passado este título, em uma época onde a Travessia do Atlântico era a grande aventura de uma era e onde novos argonautas dedicavam suas vidas a conquistas mais preciosas que o antigo velocino de ouro.

A imagem não é extemporânea: hoje não arriscamos mais as nossas vidas no interior de embarcações (relativamente) frágeis e sujeitas às intempéries da natureza no meio da imensidão do oceano, é verdade, mas como negar que tal seja, metaforicamente, a exata situação em que nos encontramos? Acaso o nosso destino é menos desconhecido do que o oceano infinito aberto à frente dos navegantes de outrora? Porventura os riscos que enfrentamos na travessia desta vida não guardam semelhança com os monstros marítimos e o furor da natureza que tornavam tão arriscadas as navegações de antigamente? Dependemos menos da intercessão da Bem Aventurada Virgem Maria para chegarmos à Perseverança Final do que os antigos marinheiros dependiam para levar a bom porto suas embarcações? A tragédia humana muda as suas roupagens, mas é sempre essencialmente a mesma: é o homem diante do imenso e do desconhecido, tendo uma vocação grandiosa a cumprir e não dispondo senão das graças do Céu para o sustentar no caminho.

São riquezas do Cristianismo que, conquanto pertençam a um tempo e a uma cultura distantes da nossa, têm muito a nos dizer. Aprendamos com elas.

Subir ainda um pouco mais…!

Foi com espanto que eu vi, hoje pela manhã, estas fotos de adolescentes russos nas alturas. Não sei se é algum tipo de competição, se alguma maneira de experimentar sensações intensas (uma espécie de substituto psicológico para o efeito que, em outros tempos e lugares, seria buscado por meio de drogas ou álcool), se simplesmente um desgosto por uma vida que se percebe vazia… não sei. Também não sei quem inventou esta moda ou se alguém já se machucou fazendo isso; mas o que salta aos olhos é a imponência das imagens, que em alguns casos chega a dar vertigens.

As fotos me parecem, na verdade, extremamente adequadas à juventude, a esta fase da vida em que a possibilidade de se mudar o mundo parece tão concreta que, certas vezes, a gente acaba mudando-o mesmo. Expressão desordenada da juventude, por certo, uma vez que ninguém pode colocar a própria vida em risco sem razão proporcionada; mas deixemos estes pormenores técnicos de lado por ora. Ninguém imagine que eu esteja defendendo a irresponsabilidade; o meu ponto é precisamente que é possível explorar as características próprias da juventude sem necessariamente se tornar irresponsável.

A grandeza! A altura, o vento no rosto, o mundo pequeno sob os pés, o céu próximo a ponto de dar a impressão de que seria possível tocá-lo com as mãos caso se subisse só um pouquinho a mais! A imagem se presta a uma bonita metáfora sobre o itinerário espiritual, com os arroubos próprios da juventude que se reproduzem tão bem, no plano religioso, nos dos neo-conversos. Costuma-se dizer que a maturidade (natural) vem quando a gente troca o desejo de mudar o mundo pelo de pagar as contas no final do mês; no plano espiritual, no entanto, tal não pode acontecer. É preciso sempre voltar ao altar do Todo-Poderoso que é a verdadeira Fonte da Juventude – ad Deum qui laetificat juventutem meam, como rezamos nas orações ao pé do altar – para ali encontrar este entusiasmo com a a vida e com a vocação cristã, esta indizível sensação de que o mundo está na iminência de ser mudado e que, portanto, vale a pena esforçar-se ainda um pouco mais. Em suma, esta capacidade (tão tipicamente jovem) de não se deixar desanimar, de não esmorecer diante das dificuldades que, talvez, insistam em se levantar.

O céu! O corpo solto, o mundo lá embaixo, distante. Desimportante. O tênue equilíbrio – na vida da graça? – que precisa ser mantido com diligência, senão cairemos – no pecado? – e morreremos. Mais sentido que o Skywalking russo tem a vida espiritual cristã. Mais importante que aproximar-se do céu físico é se esforçar por chegar (ainda!) mais perto de Deus. Mais perigoso que o espaço vazio sob os jovens é o Inferno aberto a nossos pés. E mais bela – infinitamente mais bela! – do que a vista das alturas é a visão de Deus.

Agradecimentos – crismandos 2010

Ontem foi o Crisma da paróquia, em cujo Curso de Preparação para o Crisma eu tive o privilégio de trabalhar este ano. Na tradicional festa que todos os anos ocorre à noite, no mesmo dia da celebração, tive ainda a grata surpresa de receber – junto com toda a equipe – uma bonita homenagem feita pelos recém-crismados. E foi com profunda gratidão que os ouvi dizerem “muito obrigado”.

Mas, como, “obrigado”? Naturalmente, sou eu – e imagino falar também por toda a equipe – o primeiro que deve agradecer. Acompanhar estes jovens ao longo dos meses, esforçar-se por mostrar-lhes um pouco da Doutrina Católica (que, no mundo de hoje, aparece tão caricaturizada), ver-lhes passar com desenvoltura por todo o tempo de aprendizado para, enfim, ingressarem gloriosamente nas milícias do Senhor dos Exércitos! Isto, definitivamente, não é um favor que nós fazemos. É um privilégio, talvez dos mais importantes privilégios que se podem almejar nesta vida.

Há um adágio latino cuja origem eu confesso não saber, mas que é muito verdadeiro. Animam salvasti, animam tuam praedestinasti; “salvar uma alma é predestinar a tua [própria] alma”. E nós, miseráveis e pecadores catequistas, cheios de falhas e de imperfeições, não podemos pretender “salvar” propriamente ninguém. Mas ousamos – sim, isto nós ousamos! – fazer o que está ao nosso alcance a fim de encaminhá-los para Cristo, Salvador dos Homens. E, com isto que fazemos, esperamos ter contribuído (um pouco que seja!) para que eles possam viver bem esta vida a fim de que, um dia, gozem junto de Deus a Felicidade Eterna para a qual eles foram criados. E, então, talvez eles se lembrem dos seus antigos catequistas, que – talvez… é o que esperamos! – contribuíram para que eles chegassem até aí. E então – talvez! – Deus seja misericordioso com os nossos muitos pecados, em atenção àqueles que ajudamos (por pouco que seja!) a se aproximarem d’Ele. Animam salvasti, animam tuam praedestinasti. Repito, é um privilégio pelo qual nós é que temos que agradecer.

Acho que foi com o prof. Fedeli que ouvi, outra vez, uma comparação entre a raiz e a flor; é papel da raiz enfiar-se na terra e na lama para, no escuro, extrair os nutrientes necessários para que a flor desabrochasse perfumada ao sol. E, se a raiz pudesse ver a flor desabrochada, ficaria satisfeita com o resultado do seu trabalho; e se a flor pudesse ver a raiz que a possibilitava ser o que é, agradecer-lhe-ia pelos esforços feitos em atenção a ela. Eu consigo entender que vocês, crismandos – perdão, crismados -, olhem para a equipe e só vejam aqueles que trabalharam arduamente por vocês ao longo de todo o curso de preparação. Mas me permitam, meus caríssimos irmãos na Fé, mostrar-lhes o que nós vemos quando olhamos para vocês: um bonito jardim florido, repleto de flores recém-abertas, que nós ofertamos a Cristo Rei do Universo. E, da mesma forma que as flores são muito mais do que a terra onde as  raízes trabalham, vocês – novos soldados de Cristo! – são muito mais do que todo o trabalho que pudéramos ter ao longo desses meses. Milagres da Graça de Deus: cada um de vocês, sozinho, vale infinitamente mais do que todo o trabalho de toda a equipe! Nós também temos que agradecer. A Deus, principalmente, que é o autor de toda a graça; mas também a vocês, por terem perseverado, e por terem permitido que o milagre acontecesse. O nosso mais sincero e efusivo “muito obrigado”. Vocês ultrapassam, de longe, tudo o que poderíamos merecer pelo que fizemos.

Enfim, sejam muito bem-vindos às fileiras dos exércitos do Altíssimo. Que vocês possam perseverar até o fim, é o que nós sinceramente desejamos. Colocamo-nos, desde já – aliás, desde o início -, à disposição para aquilo de que vocês precisarem. E que a Virgem Santíssima, Nossa Senhora das Graças, possa acompanhar-lhes sempre pelos caminhos deste Vale de Lágrimas que, no entanto, conduz ao Céu.