A CNBB não irá se pronunciar sobre isso

A respeito da exposição — sedizente “cultural” e “artística” — que o Banco Santander havia patrocinado em Porto Alegre mas que, após protestos, terminou cancelada antes do tempo, há dois artigos que precisam ser lidos. Um deles mais longo, mais denso e mais teórico; o outro, curto, prático e certeiro.

Primeiro, o Carlos Ramalhete: «O que se está fazendo é um ataque sistemático às bases mesmas da sociedade e da civilização – de qualquer civilização; não estou falando simplesmente da civilização ocidental, em cujos subúrbios estamos. E quando eu digo que é às bases, não exagero: o ataque visa coisas tão básicas quanto o masculino e o feminino, necessários para a própria reprodução da espécie; a noção hierárquica de superior e inferior, necessária para qualquer reta ordenação social; a noção ético-moral de certo e errado, necessária para o juízo das ações que nós mesmos encetamos. É a destruição da possibilidade mesma de sociedade que esses processos irracionais almejam.»

Depois, o Jônatas Lima: «Este blogueiro pediu uma resposta da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e a declaração recebida foi a de que… não. A CNBB não vai fazer nada, por que a arquidiocese de Porto Alegre já fez e “possui autonomia como Igreja local”.»

A recusa explícita da Conferência dos Bispos do Brasil de tomar uma posição institucional perante o fato local de provavelmente maior repercussão midiática nas últimas semanas é sintomática. Mais que isso até: é covarde, pusilânime, agoureira, e nos diz muito a respeito de com quem poderemos contar nestes tempos difíceis em que vivemos. A CNBB perde, mais uma vez!, a chance de se posicionar do lado correto da história e de cumprir o seu papel profético levantando a voz para protestar contra a blasfêmia e a imoralidade explícitas e deliberadas.

Penso, por um instante, que poderia ser pior, e que os senhores bispos — atenção, que isso não é inverossímil! — poderiam muito bem ter lançado uma nota em defesa da malfadada exposição. Quase ouço alguém dizer que deveríamos até dar graças a Deus pelo silêncio da Conferência — tão acostumada a falar o que não deve, a envergonhar a Igreja de Cristo e ofender Nosso Senhor. A argumentação, no entanto, não serve de consolo. Porque este silêncio — publicamente justificado! — já é indevido, vergonhoso e ofensivo. Já é um escândalo, um acinte.

Porque haveria muito o que se dizer. Seria preciso, somente à guisa de exemplificação, protestar contra a ofensa gratuita ao sentimento religioso dos brasileiros, questionar a exposição de crianças e adolescentes às mais grotescas formas de depravação sexual, defender da acusação de censura os brasileiros que, irritados, iniciaram uma exitosa campanha de boicote ao Santander que culminou com o encerramento prematuro do evento, censurar as posições contraditórias tomadas pelo banco a respeito do caso.

Todas e cada uma dessas coisas podiam e aliás precisavam ser ditas; é verdadeiramente chocante que nada disso possa ser encontrado no site da CNBB (a própria página com a notícia da nota de Arquidiocese de Porto Alegre não a reproduz nem parcialmente, simplesmente tem um link dizendo “Leia a Nota no site da arquidiocese”). Quem entra no site da Conferência pensa que nada aconteceu, que está tudo muito bem, que Cristo não foi ofendido e que os católicos não estão sendo atacados. Parece que está tudo na mais perfeita paz.

Diante da grande mídia em uníssono falando em censura e patrocinando o vilipêndio a símbolos religiosos há dias, é embaraçoso que a Conferência Episcopal não se demonstre minimamente interessada em defender a verdade, a bondade e a beleza.

Divagando em Ouro Preto

Estou de viagem. Cheguei à tarde em Ouro Preto – os emails estão acumulados, mas o mundo não vai acabar por causa disso. Tem muita coisa a ser comentada – peço a paciência dos meus leitores. Se o bom Deus permitir, haverá tempo. Por enquanto, estava perambulando pela bela antiga capital mineira.

Ladeiras e ruas de paralelepípedos; somente amanhã vou poder ver as igrejas e os museus famosos, porque hoje, segunda-feira, estavam fechados. Mas andei um pouco por aí, de bobeira, sem pressa; acostumando-me com a cidade. Aliás, preciso com uma certa urgência providenciar uma câmera fotográfica para as minhas andanças, porque dá vontade de mostrar as coisas que vi, para as quais as palavras são sempre limitadas.

Já hoje encontrei uma pequena preciosidade: o Museu do Oratório, próximo à Praça Tiradentes. Uma coisa simples, um objetivo bem específico: não é “arte sacra”, nem “materiais litúrgicos”, nem “devoção popular”, nem nada disso: oratórios. Dos mais simples, levados pelo povo em viagens ou pendurados aos pescoços dos esmoleres, até os grandes e bem trabalhados que serviam para uso comunitário nas fazendas. Em quase todas as peças, um mesmo comentário: o valor dos oratórios não estava tanto no invólucro, e sim no “santo de devoção” que ele guardava. Muitos eram até mesmo rústicos por fora, mas o interior esculpido, pintado e bem decorado revelava a importância dada às imagens guardadas.

Havia diversos. Oratórios de escravos, de religiosos, de viajantes; oratórios para serem pendurados ao pescoço como colares, ou pequenos para serem guardados nos bolsos. De madeira, de metal, envoltos em cúpulas de vidro. Santo Antônio, Santo Expedito, São Sebastião, Nosso Senhor Jesus Cristo Crucificado, Sant’Anna, a Virgem Santíssima. Por fora, eram muito diferentes – por dentro, sempre as imagens dos santos.

E que excelente catequese: o exterior só tem importância na medida em que serve para guardar o interior. Se o invólucro deve ser ornado – e, sempre que possível, ele deve -, é em honra do santo de devoção que ele armazena. A religiosidade se aprende no dia-a-dia, na família, nas fazendas, nas ruas (aliás, um pequeno e antigo livro de “orações para cristãos” trazia uma curiosa prece pedindo “ouro para guardar, prata para gastar e cobre para dar aos pobres”). A devoção está entrelaçada em todos os aspectos da vida: encontra-se um viajante com o seu oratório no lombo do burro, dá-se esmola a um pobre com um oratório no pescoço, a novena em família é rezada diante do grande oratório da sala, e as orações da noite são feitas diante do oratório particular que fica no quarto de dormir.

Saio do museu e ando um pouco pelas ruas antigas. Em um certo momento, o relevo acidentado da cidade transforma uma rua em uma pequena ponte de pedra, embaixo da qual corre um filete de água. No meio da ponte, um banco de pedra incrustado na murada, encimado por uma grande cruz. Sento sob esta gritante afronta à laicidade do Estado e ponho-me a cismar em outras eras, com uma nostalgia de tempos em que não vivi, e sinto uma tristeza pelos tempos que vivemos e – mais ainda – pelos que virão. A cruz no meio da rua permanece como um testemunho do tempo em que o povo carregava oratórios; e temo que a geração dos nossos dias não deixe como legado ao futuro senão estradas de asfalto e bolas de golfe perdidas.