Tratado canônico da Revista “Algo Mais”

Encontrei no site de uma revista pernambucana uma das piores (sem brincadeira nenhuma – provavelmente é a pior de todas as) matérias sobre a recente polêmica envolvendo Dom José Cardoso que poderiam conseguir escrever. Esta matéria é tão absurda, mas tão absurda que eu chego a duvidar que alguém tenha sido capaz de produzi-la de boa fé. Em um certo sentido, chega até a ser engraçada. Vou me esquivar de responder às baboseiras que já foram ad nauseam refutadas, e me deter naquilo que a matéria da “Algo Mais” tem de original [que já é bastante coisa]. Vejam só:

O presidente da CNBB, dom Geraldo Rocha, afirmou que dom José não excomungou ninguém. Apenas advertiu que o ato praticado poderia dar margem ao anátema religioso. Anátema? Sim. Anátema. Mas só pode ser proferido pelo Papa.

Primeiro, é de causar espécie que o jornalista pareça não saber o que é “anátema”. Segundo, no caso, “anátema” e “excomunhão” são sinônimos, o que faz com que toda a aparente “surpresa” do autor da matéria não faça nenhum sentido. Terceiro, é um despautério sem tamanhos dizer que uma excomunhão só pode ser proferida pelo Papa! De onde essa besteira foi tirada?

Isso porque a excomunhão pode ser proposta por prelados que ocupam altos postos na hierarquia, mas tem que ser submetida a processos de apreciação e sancionada pelo papa, que, teoricamente, pela lei da Igreja Romana, é infalível nos atos de fé.

O desfile de besteiras aqui chega às raias do irracional. Não, não existe “proposição” de excomunhões por “prelados que ocupam altos postos na hierarquia”; não havendo a proposição, obviamente não existe tampouco a “sanção” do Papa. Ainda que houvesse, a infalibilidade do Papa “nos atos de Fé” nada tem a ver com a aplicação ou não de excomunhões, que não são atos de Fé, mas de Governo!

No caso em pauta, a excomunhão é latae sententiae, ou seja, automática. Isso significa que o bispo nem “impõe”, nem “propõe”, nem o Papa “sanciona”, nem nenhuma besteira do tipo: se ela é automática, significa exatamente que as pessoas que cometerem os delitos punidos com excomunhão automática estão… automaticamente excomungadas. Mais simples, impossível. Não sei de onde a revista “Algo Mais” foi buscar essa loucura expressa no parágrafo acima. E, no entanto, parece ser uma idéia fixa, porque o erro grosseiro é recorrente:

Tem que ser chancelada pelo papa, claro. Caso contrário, poderia ocorrer no mundo um vendaval de excomunhões, de acordo com a disposição pessoal de bispos e cardeais.

Não, não tem que ser chancelada coisa nenhuma, isso é invenção da revista. As excomunhões automáticas (como no caso presente) têm condições muito bem definidas no Direito Canônico para ocorrerem (que não tem nada a ver com “a disposição pessoal de bispos e cardeais”…). Já as excomunhões que são propriamente aplicadas como penas após um processo canônico são excomunhões verdadeiras sim; mas (e talvez tenha sido isso que o responsável por este disparate jornalístico quis dizer, mas não conseguiu) existe a possibilidade, como num processo qualquer, de apelação, e a Santa Sé é a última instância para a qual é possível apelar.

Não pode ser assim. Vejam os leitores o exemplo das leis. As leis federais, todas elas, têm que ser sancionadas pelo presidente da República. As estaduais pelos governadores e as municipais pelos prefeitos. As leis da Igreja, evidentemente, pelo papa.

Besteira monumental. Não tem nada a ver, uma excomunhão não é uma “lei”, e sim uma aplicação da lei. A analogia pertinente aqui seria com os processos judiciários do Direito Comum, onde há tribunais e onde é possível apelar; no entanto, não é o caso, porque não houve nenhum processo canônico, e sim uma pena automática na qual incorrem todos os católicos que praticam aborto, seguindo-se o efeito.

Como o papa não excomungou a mãe da menina nem os médicos, pois se assim tivesse sido a CNBB não poderia anular a excomunhão, verifica-se que foi falsa a divulgação da medida atribuída ao Vaticano.

Entenderam? Um raciocínio absurdamente nonsense, verdadeira pérola sofismática: neste caso, nenhuma das premissas é verdadeira. “O Papa precisa ratificar a excomunhão dos médicos” – falso. “A CNBB anulou a excomunhão” – falso. Como a CNBB anulou a excomunhão, então o Papa não pode tê-la ratificado e, por conseguinte, foi tudo uma mentira grosseira de Dom José desde sempre! Será possível que uma pessoa em sã consciência seja capaz de escrever involuntariamente uma asneira desse calibre? Estou boquiaberto até agora: a cada dia que passa, o mundo dá eloqüente e irrefutável testemunho de que a inteligência é sem dúvidas limitada; mas, a estupidez, não.

O desabafo de Bento XVI

O Santo Padre vai tornar pública amanhã uma carta na qual esclarece os motivos pelos quais decidiu revogar as excomunhões que pesavam sobre os quatro bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X – leio no Último Segundo. Como não poderia deixar de ser, o Fratres in Unum traz informações melhores, e traduz os trechos da carta que já foram publicados por fontes de notícias italianas. Leiam.

Apesar da carta reproduzir o óbvio – que nós estamos cansados de defender aqui contra os que julgam ser capazes de ensinar Teologia ao Sagrado Magistério da Igreja Católica (por exemplo, que os sacerdotes da FSSPX ainda “não exercem de modo legítimo qualquer ministério na Igreja”, e que “[n]ão se pode congelar a autoridade magisterial da Igreja no ano de 1962 – isso deve ser bem claro para a Fraternidade”) -, não é exatamente sobre este ponto que eu desejo me deter agora, nessas linhas. Quero falar um pouco sobre o Santo Padre.

O Vigário de Cristo trava uma batalha descomunal e absurdamente ingrata nos nossos dias; trava-a sozinho, consciente de seu papel como Sucessor de Pedro, consciente de que precisa consumir-se em defesa da unidade da Igreja de Nosso Senhor e da integridade da Sã Doutrina da Salvação. É atacado por todos os lados e, mesmo assim, avança resolutamente. Sofre e não desanima; é contrariado e não desiste.

Mas é humano e, como ser humano que é, às vezes desabafa – e esta carta me pareceu um desabafo do Santo Padre, como que as queixas de um Pai amoroso que quase não recebe senão ingratidão dos filhos pelos quais se consome. Sabe o Papa – sabe-o, porque é católico, porque tem graça de estado para bem exercer o governo da Igreja, porque é o Vigário de Nosso Senhor – o que deve fazer para o bem dos fiéis católicos; percebe no entanto o Papa que estes mesmos fiéis – por cujo bem ele trabalha sem descanso – não raro voltam-se contra ele.

A crise da Igreja chegou a um tal ponto que, hoje, podemos infelizmente constatar – e creio ser exatamente esta a percepção do Santo Padre, que motivou a sua carta – que muitos fiéis católicos, provavelmente a maioria deles, estão distantes do Vigário de Cristo. Grande parte deles, arrasados pela crise de Fé que se alastrou como praga pela Igreja, não faz a mínima idéia de quem seja o Papa. Outra parte bem considerável [que até sabe relativamente quem ele é] gostaria que ele fosse diferente (quer em uma direção, quer na outra direção oposta). O Papa permanece assim praticamente sozinho, abandonado pelos que não o conhecem, abandonado pelos que, conhecendo-o, não o aceitam: e, no entanto, é precisamente destes que ele é Pai, e são precisamente estas ovelhas que ele precisa pastorear – esta é a sua missão – e levar aos prados verdejantes da Eternidade, onde o Bom Pastor as aguarda.

O Papa é chefe da Igreja, não de uma “igreja” imaginária, não da “igreja espiritual” que querem os modernistas nem da “igreja obscurecida pela Outra” que querem alguns “tradicionalistas”, mas sim da Igreja que existe, da Igreja Católica e Apostólica, fundada por Nosso Senhor e que existirá neste mundo – sempre a mesma! – até a consumação dos séculos; e é também Pastor dos cordeiros e das ovelhas que Jesus Cristo mandou que ele apascentasse. Mas os homens que fazem parte da Igreja não são sempre os mesmos; o grau de fidelidade deles à Igreja à qual pertencem pode sempre ser maior ou menor – mistérios da liberdade humana! – e, no entanto, são estes os homens, imperfeitos e pecadores, que a Igreja precisa salvar, são estas as ovelhas, preguiçosas e sarnentas, que o Papa precisa conduzir.

E, no entanto, elas não querem ser conduzidas…! Queixa-se o Santo Padre; a Cruz talvez afigura-se-lhe pesada demais, o cálice quiçá descortina-se-lhe amargo em demasia, mas ao humano queixume segue-se a divina resolução – como outrora no Jardim das Oliveiras – e, a despeito do quanto seja difícil, é como se desse para ouvir o Santo Padre dizer ao Todo-Poderoso: non sicut ego volo sed sicut tu. O Cálice é amargo, a Cruz é terrível, mas o Papa está disposto a entorná-lo até o fim, a sangrar dependurado até a morte, para ser fiel ao ministério petrino que o Senhor lhe mandou exercer.

Non sicut ego volo sed sicut tu – bem que as ovelhas poderiam fazer esta mesma oração, dirigidas ao Sucessor de Pedro, ao Doce Cristo na Terra: Santo Padre, que seja feito não como nós queremos, mas como Tu queres! Bem que as ovelhas poderiam tornar menos penosos os sofrimentos de Bento XVI. Bem que elas poderiam deixar-se conduzir com maior docilidade. Acaso sonho alto demais…? Não creio. Que os desabafos do Vigário de Cristo possam tocar os fiéis católicos; e que estes se esforcem, cada um naquilo que lhe compete, para que possam realmente cerrar fileiras em torno do Papa, para que, sob o Seu cajado, possam ser enfim conduzidos à Bem-Aventurança Eterna onde são aguardados. Oremus pro Pontifice nostro Benedicto; Dominus conservet eum, et vivificet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius. Amen.

Rezemos pelo Papa!

Bento XVI pede que rezem por ele. Não é a primeira nem a segunda vez que isso acontece; tem sido uma constante no seu pontificado. É preciso, sim, rezar pelo Papa; o templo de Deus está repleto de vendilhões, que o Vigário de Cristo esforça-se – além de suas forças – para expulsar. É preciso rezar pelo Papa, porque os inimigos da Igreja fizeram morada n’Ela, e d’Ela não arredam pé, e A estão parasitando e impedindo de resplandecer diante do mundo com o fulgor que Lhe é particular. É preciso rezar pelo Papa, porque os lobos estão trabalhando de pastores e as ovelhas estão perdidas, entregues à sanha assassina daqueles que não têm amor a Deus nem às almas e não conduzem os fiéis a não ser pelos caminhos largos que levam ao Inferno. Oremus pro Pontifice Nostro Benedicto – é um herói, que combate sozinho, que leva a sério a fidelidade a Nosso Senhor característica do ministério petrino, que se consome pela glória de Deus e exaltação da Santa Madre Igreja.

Duas notícias que circularam nos últimos dias revelam isso de maneira clara. Uma delas, da BBC reproduzida aqui na mídia tupiniquim pela Folha de São Paulo, traz uma análise do pontificado de Bento XVI feito por “especialistas” que acusam o Papa de “liderar a Igreja de forma autoritária”. Não foi ouvido um único católico fiel à Igreja; não foram publicadas senão palavras amargas e o ressentimento mal-disfarçado pelo fato do Vigário de Cristo ser fiel ao seu ministério. Os rótulos e os chavões abundam: o Papa é “recluso” e governa “de forma autoritária”, é “centralizador” e “pouco democrático”, “absolutista” e “solitário”; que honra para o Doce Cristo na Terra ser assim considerado pelos inimigos da Igreja! Sim, porque não são católicos – obviamente – estes demônios que trabalham para a desmoralização e a humilhação pública de Bento XVI, para que a sua imagem seja desgastada diante da opinião pública, para que um espantalho odioso seja apresentado ao mundo no lugar do Sucessor de Pedro.

E o Hans Küng – tinha que ser ele, ele precisava estar entre os especialistas consultados pela BBC! – ainda abriu a boca para dizer que “[a] Igreja corre o risco de se tornar uma seita”. Isso mesmo: a Igreja Indefectível, Esposa de Nosso Senhor, corre o risco de se tornar uma seita!! O que raios o sr. Küng entende por isso? “Seita”, como cisão da doutrina oficial? Pretende acaso o sr. Küng ser o detentor da “religião oficial”, da qual o Santo Padre estaria se afastando e, assim, criando a “seita” à qual o teólogo suíço se refere? Que primor de teologia. Que maravilha de parecer de especialista. E que cúmulo de cara-de-pau: vem o Küng dizer que a Igreja não pode continuar “sem padres nem vocações”. Oras, quem não tem vocações é a caricatura de Igreja proposta por Küng et caterva! A Igreja verdadeira, a Igreja de Nosso Senhor, esta tem, sim, vocações, sempre, porque o Senhor da Messe não abandona a obra de Suas mãos. Esvaziar os seminários e, depois, reclamar de que os seminários estão vazios é um expediente particularmente cínico destes sequazes de Satanás. Mas a realidade é bem diferente da obra de destruição perpetrada por eles: Nosso Senhor nunca deixa de suscitar sacerdotes do Deus Altíssimo para a Sua Igreja.

A segunda notícia à qual me referia diz que o Papa recuou da nomeação de um padre “conservador” (ou “ultraconservador”, dependendo da ênfase que o veículo de difamação queira dar ao rótulo e do efeito que almeje obter com isso) – o pe. Gerhard Maria Wagner – para bispo auxiliar da Áustria. A notícia de Reuters diz que “[é] inusitado na Igreja que o papa seja forçado a revogar a nomeação de um bispo”; e eu vou mais além. Não é só “inusitado”, é um completo absurdo. Afinal de contas, quem é que manda na Igreja? Perdeu-se completamente a noção de hierarquia? Se o Papa não puder governar a Igreja como melhor lhe aprouver, onde raios fica a suprema autoridade de governo do Sumo Pontífice?

Temos, na verdade, um sério problema com o clero católico, e cuja única solução me parece ser a médio/longo prazo: por meio da substituição dos maus padres e bispos por bons padres e bispos. O Papa vem fazendo isso; no entanto, é triste que tal processo precise acontecer a “passos de tartaruga”, devido à pressão exercida pelos inimigos internos da Igreja que, diante de qualquer atitude do Santo Padre que eles julguem mais “ousada”, começam a estrebuchar de ódio e a fazer birra, a bater o pé e fazer escândalo. Rezemos pelo Papa – que Deus lhe conceda muitos anos de vida, e muita força para fazer o que precisa ser feito! Com relação ao pe. Wagner, é verdade que o Papa o dispensou; contudo, como notou o Fratres in Unum, dispensá-lo da Diocese de Linz não significa tê-lo dispensado do episcopado. Ah, seria realmente muito bom se o Papa trouxesse-o à Cúria Romana; seria uma excelente resposta aos inimigos da Igreja que estão provavelmente jubilosos com a vitória momentânea por eles alcançada…

Dignitas Personae – sobre Bioética

Já está disponível no site do Vaticano o mais recente documento da Congregação para a Doutrina da Fé, a instrução Dignitas Personae, “sobre algumas questões de Bioética”. Documento assinado em oito de setembro, somente na última semana foi publicado; como se trata de um documento “de natureza doutrinal” (DP 1) e como o Papa “aprovou a presente Instrução (…) e ordenou a sua publicação” (DP 37), é fundamental que ela seja conhecida dos católicos, a fim de que estes possam pautar por ela a sua conduta e as suas posições. “Consta de três partes: a primeira recorda alguns aspectos antropológicos, teológicos e éticos de importância capital; a segunda enfrenta novos problemas em matéria de procriação; a terceira examina algumas novas propostas terapêuticas que comportam a manipulação do embrião ou do património genético humano” (DP 3). Aqui, vou apenas tecer alguns ligeiros comentários sobre os pontos que julgo mais relevantes. Os grifos são todos por minha conta.

O RESPEITO À VIDA DESDE A CONCEPÇÃO

Diz o documento, no seu número 4, citando a instrução Donum Vitae de 1987: “[o] ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse mesmo momento devem ser-lhe reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais e antes de tudo, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida”. À parte a problemática sobre a questão do momento em que a alma é infundida, o Magistério da Igreja é claro ao afirmar que, desde a concepção, o ser humano é sujeito dos direitos da pessoa – em particular do direito à vida. Deste princípio seguem-se diversas conseqüências, como a imoralidade da destruição de embriões – de pessoas humanas, portanto – em pesquisas científicas e a condenação do aborto (que a própria instrução vai declarar expressamente mais à frente): “[p]elo simples facto de existir, cada ser humano deve ser plenamente respeitado” (DP 8).

Quem, portanto, não acredita que a vida deva ser respeitada em todas as suas fases e que, desde a concepção, o ser humano possui direito inviolável à vida, não se pode pretender católico, pois está contrariando frontalmente o Romano Pontífice.

A IMORALIDADE DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL

No seu número 12, o documento diz que “são de excluir todas as técnicas de fecundação artificial heteróloga e as técnicas de fecundação artificial homóloga que substituem o acto conjugal”. Ou, em outras palavras, a procriação não se pode dar por algum meio que substitua o ato conjugal. Isto fulmina diretamente a fertilização in vitro com posterior implantação dos embriões que foram gerados fora do relacionamento sexual, bem como a Intra Cytoplasmic Sperm Injection (ICSI) que a instrução condena expressamente (n. 17), bem como qualquer outra técnica existente ou por existir que substitua o ato conjugal entre os esposos.

Claro que a infertilidade pode ser tratada; a mesma instrução diz que são “certamente lícitas”, por exemplo, “a cura hormonal da infertilidade de origem gonádica, a cura cirúrgica de uma endometriose, a desobstrução tubárica ou a restauração microcirúrgica da perviedade tubárica” (DP 13). O critério está no ato conjugal, ao qual pertence com exclusividade a dimensão procriativa da natureza humana: qualquer método artificial que substitua este ato é ilícito e deve ser, por isso, condenado. “[É] eticamente inaceitável para a Igreja a dissociação da procriação do contexto integralmente pessoal do acto conjugal, pois a procriação humana é um acto pessoal do casal homem-mulher, que não admite nenhuma forma de delegação substitutiva” (DP 16).

Quem, portanto, não acredita que a procriação humana só pode ser realizada exclusivamente por meio do ato conjugal, e que por este motivo a inseminação artificial é inaceitável, não se pode pretender católico, pois está contrariando frontalmente o Romano Pontífice.

O RESPEITO DEVIDO AOS EMBRIÕES

Os embriões humanos, resultados dos processos (imorais, como já vimos) de fertilização assistida, não podem nem ser descartados (DP 14-15) e nem criopreservados (DP 18). Tampouco podem ser usados “para a investigação” ou destinados “a usos terapêuticos”, nem utilizados “para a pesquisa como se fossem cadáveres normais” – todas estas propostas são “claramente inaceitáveis” (DP 19).

O documento diz até que a adoção destes embriões “apresenta (…) diversos problemas” (id. ibid.). Por um lado não surpreende, uma vez que a inseminação artificial é claramente ilícita, como já se diz inclusive no Catecismo (§ 2376 -2377); mas, por outro lado, nos faz chegar à desoladora conclusão de que os embriões artificialmente criados e hoje abandonados – como diz o próprio documento – “determinam uma situação de injustiça de facto irreparável” (id. ibid.). É, portanto, urgente que se parem de produzir embriões artificialmente. “Por isso, João Paulo II lançou um «apelo à consciência dos responsáveis do mundo científico e, de modo especial, aos médicos, para que se trave a produção de embriões humanos, tendo presente que não se descortina uma saída moralmente lícita para o destino humano dos milhares e milhares de embriões “congelados”, que são e permanecem titulares dos direitos essenciais e que, portanto, devem ser tutelados juridicamente como pessoas humanas»” (id. ibid.).

Quem, portanto, não acredita que os embriões humanos – mesmo os criopreservados – devem ser respeitados, e que são gravemente imorais o descarte de embriões, as pesquisas com células-tronco embrionárias ou qualquer outra forma de violação dos direitos da pessoa humana dos quais o embrião é sujeito, não se pode pretender católico, pois está contrariando frontalmente o Romano Pontífice.

A CONDENAÇÃO DA “CONTRACEPÇÃO DE EMERGÊNCIA”

O documento condena também a “pílula do dia seguinte” e outros tantos métodos que ele chama de interceptivos (se impedem a fixação do embrião já fecundado no útero) ou contra-gestativos (se provocam a expulsão do embrião já anidado). E é taxativo: “o uso dos meios de intercepção e de contra-gestação reentra no pecado de aborto, sendo gravemente imoral” (DP 23). “[O] aborto «é a morte deliberada e directa, independentemente da forma como é realizada, de um ser humano na fase inicial da sua existência, que vai da concepção ao nascimento»” (id. ibid.).

Quem, portanto, é a favor da “pílula do dia seguinte”, do DIU, ou de qualquer outro método que provoque ou se proponha a provocar a eliminação de seres humanos já concebidos – métodos também conhecidos como “microabortivos” -, não se pode pretender católico, pois está contrariando frontalmente o Romano Pontífice.

Condena ainda o documento a clonagem humana (n. 28), a obtenção de células estaminais por meio da destruição de embriões (n. 32), a criação de “seres humanos híbridos” (n. 33) e a utilização de “material biológico” de origem ilícita como, p.ex., tecidos de fetos abortados (n. 34). E termina o documento conclamando todos os fiéis católicos a acolher o ensino da Igreja:

Os fiéis empenhar-se-ão com força na promoção uma nova cultura da vida, acolhendo os conteúdos desta Instrução com o religioso assentimento do seu espírito, sabendo que Deus dá sempre a graça necessária para observar os seus mandamentos, e que, em cada ser humano, sobretudo nos mais pequenos, se encontra o próprio Cristo (cf. Mt 25,40).
[DP 37]

Quem, portanto, não acolhe o ensino moral da Igreja e não se empenha na propagação da cultura da vida não se pode pretender fiel católico, pois está em franca e aberta oposição ao que manda a Igreja de Cristo.

Que a Virgem de Guadalupe, protetora dos nascituros, cuja festa celebramos recentemente (na última sexta-feira), possa interceder por todos nós.

São Pio X – Como amar o Papa

[Fonte: Administração Apostólica São João Maria Vianney]

Como amar o Papa?

“Parece inacreditável, e é contudo doloroso, que haja padres aos quais se deve fazer esta recomendação, mas nos nossos dias nós estamos infelizmente nesta dura e triste condição de dever dizer a padres: Amai o Papa!

E como se deve amar o Papa? Não por palavras somente, mas por atos e com sinceridade. “Non verbo neque lingua, sed opere et veritate” (1 Jn 3,18) Quando amamos a alguém, procuramos nos conformar em tudo a seus pensamentos, a executar suas vontades e a interpretar seus desejos. E se Nosso Senhor Jesus Cristo dizia de si mesmo:” Si quis diligit me, sermonem meum servabit ” (” se alguém me ama, guardará minha palavra ” Jn 14, 23), assim para mostrar nosso amor ao Papa, é necessário obedecer.

É por isso que, quando se ama ao Papa, não se fica a discutir sobre o que ele manda ou exige, a procurar até onde vai o dever rigoroso da obediência, e a marcar o limite desta obrigação.Quando se ama o Papa, não se objeta que ele não falou muito claramente, como se ele estivesse obrigado a repetir diretamente no ouvido de cada um sua vontade e de exprimi-la não somente de viva voz, mas cada vez por cartas e outros documentos públicos.

Não se põem em dúvida suas ordens, sob fácil pretexto, para quem não quer obedecer, de que elas não dimanam diretamente dele, mas dos que o rodeiam! Não se limita o campo onde ele pode e deve exercer sua autoridade; não se opõe à autoridade do Papa a de outras pessoas, por muito doutas que elas sejam, que diferem da opinião com o Papa. Por outro parte, seja qual for sua ciência, falta-lhes santidade, pois não poderia haver santidade onde há dissentimento com o Papa”.

É o desabafo de um coração dolorido… para deplorar a conduta de tantos padres que, não somente se permitem discutir e criticar as vontades do Papa, mas que não têm a receio de chegar a atos de desobediência imprudente e atrevida, ao grande escândalo dos bons e para a ruína das almas.

(Alocução aos Padres da Confraria “A União Apostólica” 18 novembro 1912)

“O servo fiel e prudente”

(Texto escrito a quatro mãos:
Gustavo Souza et Jorge Ferraz
)

O servo fiel e prudente

“Quis putas est fidelis servus et prudens, quem constituit dominus supra familiam suam, ut det illis cibum in tempore? Beatus ille servus, quem cum venerit dominus eius, invenerit sic facientem. Amen dico vobis quoniam super omnia bona sua constituet eum”.
“Quem julgais que é o servo fiel e prudente, que o senhor pôs à frente da sua família para os alimentar a seu tempo? Feliz esse servo a quem o senhor, ao voltar, encontrar assim ocupado. Em verdade vos digo: Há-de confiar-lhe todos os seus bens”
(Mt 24, 45-47).

Ainda no espírito do Evangelho de domingo passado (Mt 16,13-20), o qual nos apresenta a instituição da Igreja e do Papado, teceremos alguns comentários a respeito de uma figura que sempre foi sistematicamente vilipendiada pelos meios de comunicação: o Papa, verdadeiro mártir devido às inúmeras incompreensões e perseguições que sofre nos dias de hoje.

A mídia [em especial, a do Brasil] tenta sempre passar para o povo uma imagem o mais negativa possível do Sucessor de Pedro. No início do seu pontificado, o “espantalho” preferido dos meios de comunicação anticlericais era aquele segundo o qual Bento XVI seria um inquisidor (já que, quando cardeal, Joseph Ratzinger presidiu a Congregação para a Doutrina da Fé, antigo Santo Ofício). Depois, naquele malfadado episódio sobre o discurso do Papa na Universidade de Ratisbona, na Alemanha, os meios de comunicação tentaram disseminar que o Romano Pontífice era um preconceituoso “eurocêntrico” que não tinha nenhum respeito ao Islã. Depois, ainda, quando o Santo Padre declarou que os casais de segunda união representavam uma “piaga”, isto é, uma “chaga” na sociedade moderna, tentou-se mostrar que o Sucessor de Pedro tinha dado uma demonstração cabal de sua personalidade anacrônica que – “sem abertura ao novo” – considerava tais casais uma “praga”. Na visita ao Brasil, em maio de 2007, a imprensa esperava um Papa sisudo, com ares puritanos [na realidade, encontrou um homem dócil, afável, um verdadeiro pastor, disposto a largar noventa e nove ovelhas para buscar aquela que se perdeu (Mt 18, 12-13)]. Sem contar os foliões que – por ocasião das festividades do carnaval – vestem-se de papa, debochando do líder católico e, não raro, causando escândalo e praticando orgias que insinuam às pessoas ser o Papa, como eles, devasso. Enfim, os ataques são muitos e de todos os lados. Mas, diante de tantos episódios tristes de ataque ao Servo dos Servos de Deus percebemos duas coisas:

– o ministério petrino precisa ser melhor compreendido; e
– cumprem-se as promessas de perseguição que Jesus fez no Evangelho de São Marcos (Mc 10, 30).

Em face de tantas interpretações maldosas – e mal feitas -, a supracitada passagem do Evangelho de São Mateus (em epígrafe) nos convida a um questionamento muito pertinente: Quem é o Santo Padre? Como ele deve agir?

As diretrizes da ação do papa – que acabam se tornando suas características – é Jesus mesmo quem descreve, no Evangelho. Espera-se que ele seja Fiel e Prudente. Comentando este Evangelho, São João Crisóstomo vai nos dizer:

“Duas coisas o Senhor exige de semelhante servo, a saber, prudência e fidelidade. Chama em verdade fiel àquele que não se apropria de nada do que pertença a seu Senhor, nem gasta inutilmente as Suas coisas. E chama prudente àquele que conhece o modo com o qual convém administrar o que lhe foi confiado” [homiliae in Matthaeum, hom. 77,3, in Catena Aurea, tradução livre]

Olhemos estas duas características mais a fundo:

Fiel – fiel às tradições da Igreja, leal a Jesus Cristo e à sua Boa Nova. A fidelidade tem um quê de coerência e, sobretudo, de comprometimento com a Verdade; o Papa não pode se apropriar daquilo que pertence a Deus e usar ao seu arbítrio aquilo que lhe foi confiado para defender e propagar! Também de dentro da Igreja, muitas vezes surgem críticas ao Santo Padre. Muitos grupos “tradicionalistas” já ousaram [e alguns ainda ousam] dizer o Papa filiou-se ao modernismo; que já não faz as coisas “de sempre”. A pretensão de certos “fiéis” chega a tanto que muitos acabam por se esquecer de que Jesus roga pelo Seu Servo a fim de que a Fé dele não desfaleça e, assim, ele possa confirmar a Fé de seus irmãos (Lc 22, 32). A fidelidade do Papa é um dom que Deus concede em atenção à oração de Seu Filho Jesus.

Prudente – o Santo Padre deve ser prudente. Mesmo quando acusado de antiquado, retrógrado ou qualquer adjetivo semelhante, ele deve estar atento às palavras do apóstolo Paulo: “(…) virá o tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas. Tu, porém, sê prudente em tudo, paciente nos sofrimentos, cumpre a missão de pregador do Evangelho, consagra-te ao teu ministério” (2Tm 4, 3-5). Ao mesmo tempo, deve ter o discernimento para saber como convém anunciar a Boa Nova, segundo as variedades das pessoas, dos tempos e dos lugares, de acordo com o conselho do mesmo São Paulo (Hb 5, 12-14). Jesus já havia aconselhado: “Sede prudentes como as serpentes” (Mt 10, 16).

O Papa, portanto, precisa ser ao mesmo tempo Fiel e Prudente. Alguns ditos “católicos” não percebem isto e, dissociando uma dessas características da outra, terminam por exigir que o Papa se comporte segundo a caricatura pontifícia por eles criada. Os modernistas, por exemplo, querem um Papa “somente prudente” que, em nome do politicamente correto, trabalhe incessantemente para evitar as discórdias e adaptar a Igreja às exigências do mundo moderno – mesmo que isso implique em sacrificar a Verdade. Já os rad-trads, no extremo oposto, negam ao Papa o direito de se exprimir da maneira que ele julgar mais conveniente – mesmo que, com isso, dificultem que a Boa Nova chegue ao conhecimento de todos os homens -, considerando que a menor alteração na forma como são ditas as verdades de Fé implica numa traição ao Depósito da Fé. Quando o Papa fala, pois, é duplamente atacado: os modernistas de um lado o chamam de imprudente e os rad-trads, do outro, de infiel. Levantando-se e fazendo frente aos dois erros opostos, todavia, ergue-se o Sumo Pontífice, coluna da Igreja, referencial seguro da Verdade Eterna, o servus servorum Dei. A expressão – que já era cara a São Gregório Magno – indica-nos qual é exatamente a natureza da função do Papa na Igreja de Cristo [“Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servidor (διάκονος); e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos” (Mc 10, 43-44)] e completa-nos a definição de quem é o Papa: est fidelis servus et prudens.

Além disso, o Papa deve ser amado por ter uma vocação única entre todos os homens do mundo. Alguns podem dizer: “ah, Jesus poderia ter escolhido qualquer um”. De fato, a vontade divina é soberana e poderia ter escolhido qualquer um. Mas este, precisamente o que foi escolhido, vai sempre carregar o selo da eleição divina. Quem quer que seja, a partir do momento em que Deus o chama, passa a ser “o escolhido”. A eleição é sinal de amor. Se Deus ama o Papa, por que nós não o amaremos?

Ainda olhando para o trecho bíblico de S. Mateus que encabeça este texto, podemos contemplar a figura do Santo Padre como guardião dos Sagrados Mistérios, administrador e dispensador dos tesouros da Igreja, em especial a Santíssima Eucaristia. A Eucaristia é o alimento com o qual Deus nutre a nossa alma. E o Papa Bento XVI tem exercido o ofício de guardião deste Mistério de modo magistral. Primeiro, escrevendo aquela magnífica exortação apostólica chamada Sacramentum Caritatis, na qual o mistério da Eucaristia é aprofundado (mas não esgotado), em continuidade com a Encíclica Ecclesia de Eucharistia, de autoria do Papa João Paulo II, de felicíssima memória. Depois, através do motu proprio Summorum Pontificum, no qual se estabeleceu que a rica liturgia tridentina deve ser tratada como Forma Extraordinária do Rito Romano, podendo ser celebrada por qualquer sacerdote que o deseje, sem necessidade de indulto por parte do Ordinário local. Além disso, as atitudes mais recentes do Chefe da Igreja Universal têm mostrado o grande apreço que ele tem ao Santo Sacrifício: a comunhão de joelhos que tem feito questão de administrar nas celebrações em Roma, por exemplo, mostram a piedade eucarística de Bento XVI. A Igreja vive da Eucaristia – como esperar, então, que aquele que foi colocado como Cabeça Visível da Igreja (para alimentar a família de Deus no tempo oportuno) pudesse não ser profundamente devoto deste tão sublime Sacramento?

Em suma, o “servo fiel e prudente” é – de maneira especialíssima – o Papa. E ele tem feito o seu papel. Ponhamo-nos nós, leigos, no nosso lugar, e desprezemos os juízos maldosos que muitas vezes são feitos a respeito da pessoa e do ministério do Sucessor de Pedro. Roguemos a Santa Catarina de Sena que nos ensine e nos ajude a amar o “Doce Cristo na Terra”. Que possamos afirmar com os Padres da Igreja: é somente “cum Petrus et sub Petrus” (com Pedro, e sob Pedro) que queremos marchar neste Vale de Lágrimas rumo à Pátria Celeste .

Enquanto o mundo passa

Qual é a principal diferença entre um anel de ouro verdadeiro e um anel de ouro falsificado? Não é somente o preço, óbvio, até porque os dois podem custar a mesma coisa – se o vendedor estiver mal intencionado e não disser que a mercadoria negociada é uma imitação. Também não é “a beleza” do ouro, porque para a maioria das pessoas não é evidente a diferença do metal verdadeiro para o “metal falsificado”. A principal diferença entre o anel de ouro e o anel falsificado é que o anel de ouro dura, e o falsificado, estraga, e todo mundo sabe disso, e por isso dá valor ao ouro verdadeiro.

“Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa em Vós” – escreveu Santo Agostinho em suas “Confissões”. E “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus” (Gn 1, 27). Tem, portanto, o homem uma certa sede de infinito, um fascínio pelo transcendente, um desejo de eternidade inscrito em sua própria natureza. É natural que o homem fuja de horror diante da morte, diante da possibilidade de deixar de existir; é-lhe um absurdo incompreensível. Como a fome física exige a existência da comida e a sede física, a existência da água, assim a fome e a sede de eternidade que o homem possui exigem a Vida que não passa. Não a encontrando no mundo visível, segue contudo buscando-a mesmo assim.

Na verdade, o homem carrega em si uma eterna insatisfação com a sua própria contingência; sabe que passa, mas não quer passar. Quer permanecer. Constrói monumentos portentosos, que possam dar testemunho dele ao porvir quando ele não for mais do que pó na terra. Busca o Elixir da Eterna Juventude, ou sob a versão “mística” prometida pelos alquimistas, ou sob a roupagem “racionalista” dos progressos científicos atuais. Cria fábulas e inveja secretamente o Peter Pan, por não ter uma Terra do Nunca onde consiga parar a inexorável marcha do envelhecimento que jamais se detém. E admira as coisas que permanecem ao longo do tempo, como os anéis de ouro.

O homem sente-se atraído pelas coisas que não passam – verdade universalmente atestada pelo comportamento humano ao longo de toda a História! Quereis, portanto, encantar uma alma? Mostrai-lhe o diamante indestrutível da Doutrina Católica, o esplendor imperecível da Verdade, o eterno brilho dourado da Fé! Oferecei-lhe um bem que não se acaba, que as traças e a ferrugem não consomem e os ladrões não roubam (cf. Mt 6, 20), e a vereis vender tudo o que possui para o adquirir (cf. Mt 13, 44).

Estranhos tempos estes em que vivemos, em que as pessoas julgam poder convencer as almas oferecendo-lhes utensílios descartáveis ao invés de diamantes eternos. Sob a desculpa de que são “úteis” e “modernas”, as idéias mais estapafúrdias são espalhadas por aí afora no lugar da “antiquada” Sã Doutrina de sempre. Para que serve esse negócio de Igreja? Digamos que as religiões são como “rios que desaguam todas num mesmo mar” – é bonito, é poético, é agradável para todos. Para que serve esse negócio de Sacrifício de Cristo? Digamos que basta às pessoas serem boas, porque, afinal de contas, Deus é Pai – não é mais lógico? Para quê tantas imposições morais? Digamos, enfim, que o homem é livre, e que o importante é o amor, pois foi Santo Agostinho quem disse “ama e faz o que queres”. E os exemplos podem multiplicar-se ao infinito. Sempre modernos, sempre descartáveis. Completamente incapazes de prender a atenção de uma alma que foi criada para os altares.

O que explica o “culto ao efêmero”, esta revolta metafísica que faz com que o homem procure, de toda maneira, sufocar as suas aspirações naturais e colocar, no seu lugar, um artificial desejo por aquilo que lhes é oposto? Acredito que foi a decepção. Após infinitas tentativas frustradas – após o tempo ter destruído até as Maravilhas do Mundo, após a alquimia ter fracassado vergonhosamente na busca da pedra filosofal, após as incuráveis doenças modernas, após as crianças terem crescido e deixado de acreditar em Peter Pan – o homem deve ter desistido de procurar aquilo pelo qual o seu coração anseia. Esqueceu-se ele de que o ouro não enferruja. Nunca subestimemos a capacidade humana de errar; quando pensávamos que os erros iriam conduzir, por via adversa, ao único acerto possível, o homem nos surpreende com mais essa: após enveredar por tantos caminhos errados que praticamente só restava o caminho correto a ser explorado, no liminar de segui-lo, pára o homem e afirma categoricamente não haver caminhos. Triste.

Pensava em tudo isso quando li uma reportagem da FOLHA segundo a qual alguns “católicos” pediram ao Santo Padre que libere os contraceptivos. A despeito de se dizerem católicos, é claro que eles não o são: os católicos se preocupam com o Eterno, não com o jornal do dia que amanhã vai estar embrulhando peixe. Os católicos julgam o mundo de acordo com as palavras do Sucessor de Pedro – estes, querem julgar o Papa de acordo com o que diz a OMS.

Hoje, a Humanae Vitae completa 40 anos. Os modernos certamente dirão que ela está velha e precisa ser substituída; os católicos, todavia, sabem que as palavras do Papa não são descartáveis. Os inimigos de Deus – afinal, os que odeiam as coisas imutáveis certamente odeiam Deus, o Ser Imutável por antonomásia – querem que o Papa “mude” a Doutrina da Igreja; as ovelhas do aprisco do Senhor sabem que a segurança só se consegue quando se constrói sobre a rocha, inabalável, inalterável. A loucura moderna pretende transformar a ferrugem em valor; não nos deixemos enganar. “Só tem valor o que muda e evolui”, diz o homem moderno; todo se pasa, Dios no Se muda, diz a santa do século XVI. Permaneçamos firmes, enquanto o mundo passa. Afinal, as coisas que permanecem são preferíveis às que se destroem; não nos esqueçamos de que o ouro não enferruja. E nem de que “[o] céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24, 35).