Tempus tacendi

Estando Cristo morto e sepultado, cabe indagar qual é ou deveria ser o comportamento dos discípulos. Porque não parece que lhes restassem muitas opções além da tristeza e da prostração que presumivelmente se abateram sobre eles. Não foi justamente o Salvador quem disse: “sem Mim, nada podeis fazer” (Jo XV, 5)? Ele é a Videira e nós não somos senão os ramos; se a videira está morta, poder-se-ia acaso esperar que os ramos estivessem vicejantes?

O Sábado Santo radicaliza aquela passagem do Eclesiastes segundo a qual para tudo há um tempo debaixo dos céus (cf. Ecl 3, 1-8). É-nos por vezes muito difícil imaginar que possa haver um «tempo para calar» (v. 7b) em meio à sempre premente necessidade de anunciar “oportuna e inoportunamente” (cf. IITm 4, 2) o Evangelho da Salvação. Ora, como podemos ficar calados se o Templo Santo de Deus encontra-se tomado por vendilhões? Como ficar calados se as ovelhas, dispersas, vagam a esmo, sujeitas às feras selvagens, à chuva e ao frio, aos espinhos e às ribanceiras? Como ficar calados se o povo de Deus definha e falece, sedento da Sã Doutrina da Salvação? Como ficar calados sem que as próprias pedras, para nossa vergonha, ponham-se a clamar em nosso lugar?

Mas, no entanto, há tempus tacendi, e quem no-lo diz é o próprio Deus através das Escrituras Sagradas, tanto por palavras quanto por exemplos. Por palavras, na já referida passagem do Eclesiastes, onde a sentença se profere insofismável: de fato, há “tempo para calar, e tempo para falar” (Ecl 3, 7). Mas Deus o atesta também através de exemplos, o mais eloquente dos quais nós podemos encontrar no dia de hoje, no Sábado Santo, no grande Silêncio que caiu sobre a terra enquanto Nosso Senhor jazia no sepulcro.

O Verbo de Deus jaz silente no túmulo. E, considerando os acontecimentos dramáticos que vivenciámos nos últimos dias, isso parece um verdadeiro anti-clímax. Em menos de vinte e quatro horas, entre a noite da Quinta-Feira Santa e a tarde da Sexta-Feira da Paixão, assistimos à sucessão vertiginosa de acontecimentos intensos: a Ceia, a agonia no Horto das Oliveiras, a traição de Judas, a prisão, os sucessivos julgamentos — em casa de Anás e de Caifás, perante Pilatos, perante Herodes –, a flagelação, a coroação de espinhos, o caminho do Calvário, a Crucificação, a morte, a sepultura. Todas essas coisas se sucederam umas às outras tão depressa que mal tivemos tempo de respirar; e agora já faz uma noite inteira e um dia inteiro que nada acontece, e este silêncio contrasta pesadamente com a loquacidade dos dois primeiros dias do Tríduo Santo.

E o mais perturbador é isto: as coisas aparentemente nunca estiveram tão fora de controle quanto depois da Morte do Salvador. O Messias foi crucificado, o grupo que Ele passara os últimos três anos formando se encontra agora desacreditado, disperso e perdido, e todas as promessas com as quais Ele conquistou os corações dos Seus discípulos afiguram-se, agora, incumpridas e incumpríveis. Se formos olhar pelo aspecto teológico a coisa é ainda mais desoladora, porque com o Deicídio parece que o Pecado Original encontra a sua última e definitiva realização: os pecadores que um dia foram expulsos por Deus do Paraíso agora reafirmam e aprofundam a ruptura primeva expulsando a Ele do mundo dos vivos.

E, no entanto, para nossa perplexidade, é justamente nesta hora dramática, neste momento decisivo, que o Altíssimo decide não fazer nada: Deus permanece morto no Túmulo enquanto o mundo desmorona, Cristo simplesmente Se retira da terra justamente no momento em que d’Ele mais precisamos.

E não se diga que o Salvador estava ocupado obrando milagres no mundo dos mortos. Sim, é fato que Nosso Senhor morto desceu aos infernos para resgatar os justos do Antigo Testamento aos quais o Pecado Original até ontem fechava as portas do Paraíso; para tal, no entanto, não haveria necessidade dos três dias que separam a Cruz da Ressurreição. Na verdade, ao descer aos infernos Cristo quebrou-lhes imediatamente as trancas, como ensina o Aquinate (Summa, IIIa, q. 52, a. 2. ad. 2); se se demorou por lá foi por conveniência e vontade livre, não por necessidade. E se houve um dia em que aprouve a Deus quedar-se silente enquanto as ovelhas se dispersavam, talvez devêssemos levar isso em consideração nos nossos apostolados e na nossa vida particular.

Porque sem Deus não há nada que possamos fazer; e se Ele se cala, talvez não seja a nós que compita gritar. Ora, Cristo é Senhor da História e é Cabeça da Igreja; e, portanto, o que o Corpo Místico de Cristo obra na História não escapa aos misteriosos desígnios da Providência que rege o mundo.

Se a Igreja permanece em silêncio, se Ela parece dormir, talvez não seja a nossa vocação substituir-nos à Hierarquia Sagrada — ou pelo menos não na condenação in concreto dos erros que grassam no mundo. Ainda que as ovelhas saiam em debandada, ainda que a obra do Divino Redentor pareça fracassar — não pareceu assim no Sábado Santo? –, ainda que o mundo pareça ruir: há momentos em que Deus silencia e, por absurdo que nos pareça, por difícil que nos seja, pede-nos o silêncio também.

Mas não qualquer silêncio: o «tempo de calar» não se confunde com a acomodação nem com a covardia. O silêncio que devemos a Deus é um silêncio obsequioso e confiante, um silêncio que guarde a palavra de Deus e anime a Fé dos que estiverem conosco: um silêncio como o dos Apóstolos reunidos em torno da Santíssima Virgem durante o tempo em que Jesus permaneceu no Sepulcro.

Talvez a Igreja esteja vivendo um grande Sábado Santo, e talvez devamos olhar com mais cuidado para este último dia do Tríduo a fim de discernir aquilo que Deus espera de nós nos dias de hoje. Porque, enquanto o Senhor jazia nas profundezas da terra, não parece que o debate público com os fariseus fosse aquilo que os discípulos de Cristo devessem fazer. O apologeta é uma vocação necessária na Igreja, sem a menor sombra de dúvidas, mas o apologeta que não suporta o sofrimento, a dor, a humilhação, o silêncio, não é um apologeta e sim um polemista. Há momentos em que um silêncio esperançoso é mais útil e edificante do que um falatório desesperado.

O Senhor jaz no Túmulo, mas não nos deixará para sempre. É noite na Igreja, mas a Aurora do Domingo já vem. Que a Virgem do Silêncio, Nossa Senhora da Soledade, sustente-nos nestes dias difíceis — como sustentou a Igreja nascente durante o tempo em que o Seu Filho esteve morto. Os assaltos do Inferno não prevaleceram naquele tempo; também hoje não haverão de prevalecer. A Vigília Pascal já começa. Um dia haveremos de chamar gloriosa a esta noite.

O dia que ficou de fora da Bíblia

À primeira vista, o sábado de hoje é o dia em que nada acontece: na contramão de um saudável carpe diem, parece que hoje é um dia que existe apenas em função da madrugada que há-de vir. Na Quinta-Feira acompanhamos Nosso Senhor ao Horto e, na Sexta, presenciamos a sua crudelíssima Paixão. Hoje apenas esperamos a Vigília de mais tarde.

Se fomos primeiro ao Horto e em seguida ao Gólgota, a lógica talvez nos mandasse ir, hoje, ao Sepulcro. Mas a narrativa bíblica é diferente. Um versículo fala do entardecer da Sexta-Feira — “[f]oi ali que depositaram Jesus por causa da Preparação dos judeus e da proximidade do túmulo” (Jo XIX, 42); o subsequente fala já da alvorada do Domingo — “[n]o primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro” (Jo XX, 1a). O mesmo Túmulo une os dois versículos contíguos; entre eles, contudo, passa silente um Shabbat inteiro!

Hoje estamos exatamente entre o último versículo do Cap. XIX e o primeiro versículo do Cap. XX do Evangelho de São João; é o dia que ficou de fora da Bíblia. Talvez por isso a Igreja silencie seu culto público e, nos nossos templos, durante todo o dia não vejamos mais do que os altares desnudos e os sacrários abertos — com os quais já quase nos acostumamos desde aquela noite angustiante da Última Ceia.

Trata-se de um dia inteiro sem que a Igreja de Deus nada celebre, caso único em todo o Calendário Litúrgico. E neste silêncio da Igreja nós encontramos e vivenciamos o silêncio do Túmulo Santo. Hoje devíamos ir ao Sepulcro, eu disse acima, e na verdade é exatamente isto o que acontece nesta não-Liturgia: como os Apóstolos, experimentamos o desalento porque o Filho de Deus está morto e não temos para onde ir. Todo ofício litúrgico é Cristo que fala mediante a Igreja: quando o sopro frio da morte silencia os lábios do Divino Mestre, quando a pedra do Túmulo encerra para além do nosso alcance o Verbo de Deus, a Igreja — eco fiel do Salvador — também emudece. Na Quinta-Feira Cristo era traído e a Igreja ecoava os Seus gemidos na prisão; na Sexta-Feira Ele era crucificado e a Igreja repercutia os Seus gritos no patíbulo da Cruz. Hoje, no entanto, Ele está morto, e a Igreja reverbera no mundo o silêncio do Sepulcro calando-se também.

Talvez o silêncio da Bíblia sobre este Sábado seja, justamente, a melhor forma de expressar o seu vazio e a sua desolação.

Mas neste dia de solidão nós podemos contar com Alguém que aqui ficou: Alguém que nos foi deixada como penhor de que Ele voltaria, Alguém que a Cruz não arrancou ao mundo dos vivos. Alguém a quem foi dado manter a chama da Graça acesa na terra, enquanto o Criador do mundo descia à escuridão do Hades. Alguém que Deus amou tanto que Lhe confiou o mundo durante os três dias em que Ele precisou se ausentar.

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Todo Sábado é dia de Nossa Senhora justamente em referência a este Sábado terrível de hoje, em que o Criador foi expulso do mundo pela criatura. O Verbo fez-Se homem e nós O crucificamos; veio até nós e nós O fizemos sair à força; sufocando-O no alto da Cruz nós O expulsamos do mundo dos vivos, e selando-O no interior da terra, longe dos nossos olhos, tentamos afastar de nós até mesmo a lembrança do que Ele havia sido.

A nossa impiedade, grande o suficiente para destruir o Filho de Deus, não ousou contudo levantar-se contra a Virgem Santíssima! Fomos maus o bastantes para crucificar o Verbo Encarnado; diante da Mãe do Verbo, no entanto, mesmo a nossa imensa maldade chegou a vacilar. Crucificamos o Filho e O expulsamos do nosso mundo; a Mãe, no entanto, não fomos ímpios o bastante para degredar também.

E Ela aqui ficou, e foi a nossa salvação, porque talvez o mundo não resistisse ao Sepulcro de Deus se nada d’Ele houvesse restado sobre a terra. Restou-Lhe a Mãe; e foi suficiente para atravessarmos este sábado, e para que hoje pudéssemos celebrar, no silêncio do templo deserto, a espera da Ressurreição. Hoje como n’Aquele Shabbat terrível, é a Santíssima Virgem Maria quem retém a graça de Deus que restou no mundo — a parcela da Graça que não ousamos expulsar — e sustenta, durante o silêncio enlouquecedor deste dia, os discípulos do Seu Divino Filho.

É aos pés d’Ela que choramos os nossos crimes. É sob o manto d’Ela que nos protegemos da morte de Deus. É unidos a Ela somente que sobreviveremos até a Ressurreição.

Sábado Santo

É imenso o vazio do dia de hoje; incomensurável a tristeza dessas horas que Deus passou no Sepulcro frio. Sim, aprendemos no Credo que Ele desceu à Mansão dos Mortos, ouvimos no Catecismo que Ele foi aos Infernos para libertar os cativos, e muitos pregadores já nos ensinaram que, hoje, o Bom Pastor foi à busca de nossos Primeiros Pais, foi atrás das primeiras Ovelhas a se desgarrarem do aprisco do Senhor, foi encontrar-Se com Adão e Eva dos quais herdamos a mancha do Pecado Original. No entanto, nós não vemos nada disso. Temos diante dos olhos apenas o Sepulcro lacrado, em cujo interior depositamos há não muito tempo – ontem ainda! – o Santíssimo Corpo de Jesus, dilacerado por nós, assassinado por nossas próprias mãos.

Hoje o mundo inteiro está mais vazio porque o Rei do Mundo até ontem estava aqui, e agora não está mais. Até há bem pouco tempo Ele comia e bebia conosco, ensinava-nos com autoridade, curava os doentes e expulsava os demônios; hoje estamos privados da sua Alegria, que diríamos para sempre lacrada no Túmulo de um rico. Num túmulo anônimo, preparado às pressas – nem sequer a um funeral decente Ele teve direito! Praticamente desceu direto da Cruz ao Sepulcro. Expulsamo-Lo do nosso mundo sem Lhe dar o direito de Se despedir. E talvez agora, só agora que atingimos o nosso intento, estejamos notando o quão pouco realizados nos encontramos. Expulsamos o Filho de Deus para que tivéssemos paz, e tudo o que conseguimos foi esse Vazio enlouquecedor. Tudo fala d’Ele, pede por Ele, clama por Ele – mas Ele não está aqui.

Ela ficou conosco, é verdade. Ela ficou conosco e, n’Ela, nós conseguimos não nos desesperar. Ela nos consola porque, por incrível que pareça, tudo n’Ela fala de Cristo mais do que qualquer outra coisa que exista no mundo; Ele está mais vividamente presente n’Ela do que nas nossas melhores lembranças de quando – ainda ontem! – O ouvíamos falar. Foi nos braços d’Ela que, ontem, depositamos o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo; mas o luto d’Ela é sereno e, por incrível que pareça, consegue nos deixar em paz. O Seu olhar é mais de misericórdia do que de acusação; mais de compaixão do que de sofrimento vazio. No rosto d’Ela nós O vemos ainda!

E de repente parece que a história não vai terminar assim. De repente, parece que a serenidade d’Ela é um pouco mais do que resignação: parece que se trata de uma esperança que nós ainda não conhecemos. De repente, olhando para Ela, parece que tudo vai terminar bem. De repente, nós olhamos para o Sepulcro e ele parece diferente; como se se parecesse mais com um início do que com um fim. De repente, olhamos para o Túmulo e começamos a nos perguntar se não estamos prestes a presenciar um acontecimento extraordinário. Deitamos no colo da Virgem e nos perguntamos como o nosso mundo seria de agora em diante se, por um milagre, aquele Túmulo estivesse vazio.

Sábado, soledad…

Não existe nenhuma cerimônia litúrgica, dentro do Tríduo Pascal, entre a Celebração da Paixão do Senhor de ontem e a Vigília Pascal de logo mais, à noite; nenhuma celebração se faz durante o dia do Sábado Santo. Julgo eu, para acentuar o caráter de ausência: o Senhor não está conosco, porque – como se grita na Via Sacra de Recife, a de José  Pimentel – “nós silenciamos; nós O condenamos; nós O crucificamos”. O Senhor está morto, e a Sua ausência sente-se tão profundamente no dia de hoje que, na Igreja, nenhuma celebração se faz – e o Sacrário permanece aberto e vazio, e a primeira coisa que se vê quando se entra na igreja é a imagem do Senhor morto aos pés da Virgem Santíssima.

O Senhor está morto, mas Alguém ficou conosco. Alguém Ele deixou no mundo, para que o mundo não caísse no desespero enquanto Ele descia à Mansão dos Mortos. O Senhor está morto, mas Ele quis que restasse, ao mundo, algo de Graça, algo de Luz, enquanto a escuridão do sepulcro envolvia o Seu Corpo Santo. O Senhor está morto, mas a Virgem Santíssima permaneceu conosco.

Ele A deixou conosco! Ontem, aos pés da Cruz, quando disse a Ela: “eis aí o Teu filho”, e ao discípulo amado “eis aí a Tua Mãe”. Daquele momento em diante – conta-nos as Escrituras – o discípulo amado A levou consigo. Nosso Senhor, do alto da Cruz do Calvário, entregou-nos a Sua Mãe Santíssima como nossa mãe. Por qual motivo ser-nos-ia difícil aceitar a vontade d’Aquele que é Rei e Senhor de todas as coisas?

Há uma canção que fala sobre isso: “hoje deixo contigo força e direção: / olha pra Ela e espera por Mim”. E gosto de pensar, como tenho a impressão de já ter dito aqui, que também este cuidado teve Nosso Senhor: o de não deixar os Apóstolos completamente desamparados, nem mesmo durante o curto tempo em que Ele esteve morto. Quis deixá-los a Virgem Santíssima; quis deixar-nos a Sua Mãe como nossa Mãe. Porque sabia que, sem Ela, os Seus discípulos cairiam em desespero.

A leitura da Paixão, de ontem, mostra-nos a Virgem Santíssima “de pé”, junto à Cruz. Não era Ela a única de pé – o Evangelho fala-nos que Maria “de Cléofas” e Maria Madalena também estavam -, mas sempre me pareceu revelador que só as “Marias” tenham permanecido fiéis. Só ficaram aos pés da Cruz aquelas que compartilhavam o nome com a Gloriosa Mãe de Deus. Estariam as outras mulheres junto à Cruz, caso a Virgem Santíssima não lá estivesse? Eu duvido.

Porque o terrível espetáculo de ontem era tremendamente doloroso: é quase possível desculpar a fuga dos demais Apóstolos. Eu arriscaria dizer que permanecer “de pé” junto à Cruz de Nosso Senhor era humanamente impossível: o momento era terrível demais, e a “hora das Trevas” era escura demais para ser suportada por seres humanos pecadores. Acho extremamente eloqüente que os únicos a conseguirem ficar “de pé” junto a Cruz de Nosso Senhor tenham sido, precisamente, aqueles que estavam com Maria Santíssima. Todos os outros fugiram.

E esta passagem bíblica nos ensina que somente se estivermos junto à Virgem Santíssima seremos capazes de permanecer junto a Nosso Senhor. Ao contrário, todos os que não permaneceram com Ela – até mesmo Apóstolos e discípulos próximos – fugiram miseravelmente, por não suportarem o sofrimento do Calvário. Ora, se a Virgem Santíssima foi capaz de sustentar o ânimo dos discípulos durante o momento terrível em que Nosso Senhor era Crucificado… acaso não será também Ela capaz de nos sustentar, de pé, junto ao Seu Divino Filho, em todos os demais momentos de nossas vidas?

O Sábado Santo não possui outras celebrações litúrgicas que não a própria Vigília Pascal; mas no Sábado Santo nós podemos – e devemos! – celebrar os mistérios da Vida de Nosso Senhor por meio da recitação do Rosário. Podemos e devemos aceitar Aquela que Nosso Senhor nos deixou como Mãe. Acheguemo-nos a Ela; se Ela foi capaz de manter a Graça no mundo enquanto o Filho de Deus descia aos Infernos, sem dúvidas será também capaz de manter-nos na Graça e na amizade de Deus, independente das aflições pelas quais estejamos passando. Acheguemo-nos a Ela confiantes. E esperemos, junto a Ela, a Ressurreição do Seu Divino Filho.

O Silêncio da Virgem Maria

No Tríduo Pascal, sempre associo o Sábado Santo à Vigília. Se a Quinta-Feira é o dia da Ceia, a Sexta, o da Paixão, o Sábado de Aleluia é o da Ressurreição. Claro, a Vigília Pascal celebrada na noite do sábado – o quanto mais avançada para o Domingo, melhor – é sem dúvidas da mais alta importância: é a maior celebração da Igreja, a Grande Festa, a Vitória de Nosso Senhor sobre a morte, o Túmulo Vazio, a Ressurreição sem a qual – como diz o Apóstolo – seria vã a nossa Fé. Mas é também igualmente verdade que existem mais coisas no Sábado Santo além da Vigília Pascal, existe um tempo – um dia inteiro – entre a procissão do Senhor Morto de ontem à tarde e a Vigília que será celebrada logo mais à noite.

O sábado – todo sábado – é o dia dedicado a Nossa Senhora. Não sei se há relação com o Sábado Santo, mas é precisamente sobre a Virgem Santíssima que eu gostaria de falar um pouco hoje. Nosso Senhor “desceu à Mansão dos Mortos” antes de ressuscitar; a Virgem Maria, no entanto, ficou conosco.

Ficou conosco, como – ouso dizer – penhor da Ressurreição. É fácil acreditar no Cristo Glorioso, mas é difícil não se desesperar diante do Senhor Morto. A Virgem Maria não Se desesperou; ao contrário, manteve-Se firme, de pé. A Sua Fé não desfaleceu, por nenhum momento Ela duvidou. Se é-nos difícil manter a Fé olhando para a Cruz, olhando para o Túmulo, olhemos para esta Mulher que é uma Torre Inabalável! Se não temos a presença de Jesus hoje, acheguemo-nos à Sua Mãe Santíssima e, com Ela, esperemos a Ressurreição. O mundo talvez não suportasse a morte do Rei; por isso, Ele deixou a Rainha, como garantia de que iria voltar.

Poderia o mais perfeito dos filhos abandonar a mais sublime das mães? Decerto que não. Se, portanto, a Virgem cá ficou, poderíamos ter a certeza de que Ele voltaria. Ela nos fala d’Ele. Ela nos aponta para Ele. Ela só n’Ele existe. Se Ela ficou, então Ele, de alguma maneira, também ficou conosco. Ama-nos Ele tanto que não quis nos abandonar nem por um instante: mesmo quando desceu à frieza do Túmulo, quis ficar conosco em Sua Mãe Santíssima.

A lua, à noite, dá-nos a certeza de que as trevas não durarão para sempre; a lua, aliás, só ilumina na medida em que reflete a luz do sol, mesmo que o sol não possa ser visto. Neste Sábado Santo, vemos a luz de Cristo refletida em Maria Santíssima, e sabemos que as trevas da morte não irão durar para sempre, e a aurora há de chegar, a Ressurreição está às portas. Vendo Cristo refletido em Maria Santíssima, ainda que não O possamos ver – escondido por detrás da pedra do Túmulo -, sabemos que Ele com certeza ressurgirá. É a Virgem que nos dá esta garantia. Esta Sua serenidade, este silêncio, esta paz, esta Fé, não seriam possíveis se Ele estivesse irremediavelmente vencido. N’Ela, a Ressurreição de logo mais à noite se torna já visível, palpável…

E, no entanto, Ela guardou silêncio. Após a morte do Seu Filho, Ela era o que de mais santo havia na face da terra, era – ousemos ir mais longe – o que  restou de Graça ao mundo que lançou o filho de Deus à escuridão do Túmulo; mesmo assim, escondeu-Se. A Virgem, que por Si só era a prova da Vitória de Cristo no Domingo da Ressurreição, recolheu-Se ao silêncio, para mais Se assemelhar ao Seu Filho que então jazia no Sepulcro. No entanto, mesmo sem falar, Ela testemunhava Deus; e àqueles que se Lhe achegavam, concedia a graça da Fortaleza para bem atravessar estas terríveis horas – provavelmente as mais terríveis que o mundo já viveu – compreendidas entre a Cruz e a Ressurreição.

Também nós queremos nos achegar a esta Mulher; também n’Ela queremos depositar a nossa confiança e, contemplando-A, em muda admiração, convencermo-nos das coisas do Alto. Ó Maria Santíssima, Virgem do Silêncio, Vós que não desanimastes nem mesmo quando o Vosso Filho foi crucificado, morto e sepultado, ensina-nos a não desanimarmos. Concede-nos a graça necessária para, mesmo nas adversidades, mesmo contra toda a esperança, guardarmos a Fé. Vinde em nosso auxílio. Protegei-nos, velai por nós, guardai-nos e defendei-nos. Ó Virgem Mãe de Deus, rogai por nós!