Ó Beleza tão antiga e tão jovem

Foi divulgada hoje a lista dos prelados brasileiros que participarão, no próximo mês de outubro, do Sínodo dos Bispos que ocorre em Roma. O tema do Sínodo é a juventude. Foi divulgado também o Instrumentum Laboris da Assembléia, sobre o qual parece que a única coisa que a mídia foi capaz de falar foi que tinha sido a primeira vez que o termo “LGBT” era empregado em um documento oficial da Igreja.

Neste quesito o progressismo tem bem pouca coisa para comemorar. Acontece que um instrumentum laboris é aquilo que o próprio nome diz: um instrumento de trabalho. Trata-se de um documento, por assim dizer, descritivo e não prescritivo: o que nele se contém não é a doutrina nem a praxis da Igreja (nunca foi), mas sim um relato de alguma situação do mundo sobre a qual a Igreja é instada a se pronunciar. É aliás exatamente para isso que periodicamente se reúne a Assembléia do Sínodo dos Bispos.

Por exemplo, o Instrumentum Laboris do Sínodo de 2001 dizia o seguinte: «a mentalidade secularizada de grande parte da sociedade, bem como a ênfase exagerada sobre a autonomia do pensamento e a cultura relativista, levam as pessoas a considerarem as intervenções do Bispo, e também do Papa, sobretudo em matéria de moral sexual e familiar, como opiniões entre outras opiniões, sem influência na vida» (n. 107). Trata-se, como é evidente, de uma descrição do problema. Ninguém em sã consciência poderia ler esse texto e acreditar que a Igreja estivesse abrindo as Suas portas para o relativismo.

Ainda outro exemplo: o Instrumentum Laboris do Sínodo de 2010, sobre o Oriente Médio, dizia que a “islamização penetra nas famílias também através dos meios de comunicação em massa e das escolas, modificando assim as mentalidades que, sem o saber, vão-se islamizando” (n. 34). Mais uma vez, isso não se trata de capitulação da Igreja perante o Islã, mas tão-somente da apresentação — tão exata quanto possível — da situação que a assembléia sinodal era chamada a apreciar. É essa a forma de trabalho deste organismo eclesial desde há muito tempo.

E com isso chegamos ao documento atual, cujo teor é o seguinte:

Alguns jovens LGBT, mediante várias contribuições feitas à Secretaria do Sínodo, manifestaram o desejo de «se beneficiar de uma maior proximidade» da Igreja e experimentar um maior cuidado por parte d’Ela, ao passo que algumas Conferências Episcopais se perguntam sobre o que propôr «aos jovens que, ao invés de formarem casais heterossexuais [sic — coppie eterosessuali], decidem constituir pares homossexuais [coppie omosessuali] e, sobretudo, desejam permanecer próximos da Igreja». (n. 197)

A esta redação é possível fazer dois reparos. O primeiro deles é que “LGBT” não é propriamente uma identidade (a rigor, ninguém “é” LGBT), a não ser como uma espécie de identidade tribal: trata-se de um fenômeno gregário da juventude atual, da mesma forma que, há alguns anos, os jovens se reuniam sob a subcultura punk. E o segundo é que seria muito conveniente evitar o emprego da mesma palavra — no italiano, coppie — para se referir a duas coisas tão gritantemente distintas como os casais e as duplas homossexuais: afinal de contas, para citar outro Instrumentum Laboris do mesmo Sínodo dos Bispos, de há apenas três anos, «[n]ão existe fundamento algum para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimónio e a família» (Instrumentum Laboris da XIV Assembléia Ordinária do Sínodo dos Bispos, n. 130).

Mas o que é verdadeiramente impressionante é o dado social que estas linhas revelam. Ora, o pecado é, por definição, uma revolta contra Deus. É possível até compreender como uma fraqueza o pecado eventual, o pecado irrefletido: mas o pecado que é conscientemente defendido, o pecado que é erigido a um estilo de vida, este é a coisa mais anticatólica que pode haver. É possível amar verdadeiramente a Deus e, ainda assim, cair ao longo da vida em muitos pecados, mesmo graves. Mas defender racionalmente aquilo mesmo que Deus abomina, isso só é possível dando-se orgulhosamente as costas ao Criador.

A Cidade dos Homens é oposta a Cidade de Deus; a subcultura gay é oposta à Cultura Católica. No entanto, para horror dos revolucionários, mesmo os jovens iludidos com o canto-de-sereia da tribo LGBT não conseguem dar totalmente as costas ao chamado que lhes faz a Igreja de Nosso Senhor! Ora, isso significa que a cultura tribal não lhes é o suficiente. Os anticlericais quiseram libertar os homens do peso da Igreja; hoje, livres, distantes d’Ela, os homens A contemplam de longe e sentem vontade de a Ela retornar. A descristianização foi um fracasso fragoroso; os livre-pensadores de outrora ficariam envergonhados.

O que está escrito neste documento, em curtas palavras, é que a «cultura gay» não é suficiente para a juventude. E nem o poderia ser jamais: criados para as coisas grandiosas, para a glória do Altíssimo, para o heroísmo, é somente no amoroso cumprimento da vontade de Deus que os jovens podem se sentir enfim realizados. Enquanto não abraçarem esta Doutrina libertadora, sentirão sempre que falta alguma coisa e estarão constantemente insatisfeitos. Satanás construiu uma eficiente prisão para manter os homens afastados de Nosso Senhor; no entanto, ele não pode impedir que, por detrás dos seus muros fétidos, as almas enxerguem a cruz que se ergue sobre o campanário da igreja — e experimentem, ainda que inconfessadamente, o desejo furtivo de trocar a decadência da tribo pela riqueza da grande família dos filhos de Deus.

O homem e a mulher que se amam: esta é a obra-prima!

A história de que o Papa Francisco teria chamado uma dupla gay de “família” foi explorada ad nauseam nos últimos dias pela militância LGBT. Aconteceu que o sr. Toni Reis, conhecido militante homossexual, enviou uma carta para o Papa dando notícia, segundo ele, da sua satisfação por ter logrado batizar na Igreja os seus filhos adotivos — coisa que lhe foi muito difícil conseguir por conta da união homossexual em que ele vive publicamente. O Vaticano enviou uma resposta educada à carta. Por conta disso os meios de comunicação se apressaram a alardear que o Papa Francisco teria afirmado que o “casal gay” é também uma forma de família.

Ora, a notícia se trata, à toda evidência, de uma falsa matéria, sem absolutamente nenhum fundamento. Afinal de contas, a carta recebida pela dupla curitibana

a) não é assinada pelo Papa Francisco pessoalmente, mas sim por um secretário do Vaticano;

b) não traz o nome do destinatário, muito menos do seu “companheiro”, nem nenhuma outra informação que permita concluir, ainda que indiretamente, ter sido enviada especificamente para uma dupla gay; e

c) é um modelo-padrão que o Vaticano utiliza para responder às cartas recebidas — certamente às centenas ou mesmo milhares — pelo Santo Padre todos os dias.

Ou seja, de nenhuma maneira é possível inferir que o Papa tenha querido, nem mesmo indiretamente, estabelecer qualquer relação de similaridade entre a família — a sagrada união entre o homem e a mulher — e as uniões homossexuais — o pecado da sodomia institucionalizado em uma caricatura matrimonial. Neste caso não se trata nem mesmo de uma frase descontextualizada ou uma declaração mal-interpretada, nada disso: foi apenas uma lamentável falta de cuidado do setor vaticano responsável por cuidar da correspondência do Santo Padre. Não chega sequer a ser uma notícia distorcida; é uma não-notícia.

O assunto ganhou tanta repercussão que recebeu importantes desmentidos. O próprio Arcebispo de Curitiba — que, segundo a matéria do Congresso em Foco, foi precisamente quem providenciou o batizado das crianças — publicou uma nota no site da Arquidiocese onde desautoriza a forma como o assunto vem sendo explorado:

Não se trata (…) de uma aprovação à união estável do casal (rectius, dupla) em causa. Tampouco se tratou de permissão. Trata-se de uma simples resposta cordial a um gesto também cordial. Deve ser interpretada, portanto, com o tamanho e a importância que realmente tem.

E até mesmo a Sala de Imprensa da Santa Sé sentiu necessidade de prestar esclarecimentos:

“Em relação à carta assinada pelo Monsenhor Assessor da Secretaria de Estado, reitero que a afirmação do senhor Toni Reis de que se trata de uma resposta ao casal é falso. A carta estava dirigida apenas a ele (‘Prezado Senhor’)”, indica García Ovejero.

Vivemos em tempos estranhos, nos quais as pessoas pensam poder colocar um Papa contra outro Papa e atribuir, ao Soberano Pontífice reinante, posições em assuntos de Fé e Moral que contrariem aquilo que a Igreja sempre ensinou e o mundo moderno escolheu rejeitar. É por isso que divulgam coisas como essa: incapazes de vencer no campo doutrinário, porfiam por enganar os incautos no campo das narrativas. Mas o caso atual é particularmente esquizofrênico porque o Papa Francisco já se posicionou, por diversas vezes, e inclusive solenemente, contra o movimento homossexual.

Durante o ano de 2015 o Papa reservou a maior parte das Audiências Gerais das quartas-feiras para tratar do tema da família, de janeiro até setembro.

Desde o dia de Santa Inês:

Reevocando a figura de são José, que protegeu a vida do «Santo Niño», tão venerado naquele país, recordei que é preciso proteger as famílias, que enfrentam diversas ameaças, para que possam testemunhar a beleza da família no projecto de Deus.

É preciso também defender as famílias das novas colonizações ideológicas, que ameaçam a sua identidade e a sua missão.

Até a festa de São Cornélio, Papa:

Caminhemos juntos com esta bênção e com esta finalidade de Deus, de nos tornarmos todos irmãos na vida, num mundo que caminha em frente e que nasce precisamente da família, da união entre o homem e a mulher.

O Papa Francisco sempre falou da família nos seus elementos constituintes: o homem, a mulher e, consequentemente, os filhos. Ora, insistindo na diversidade dos sexos e na fecundidade conjugal, não há espaço absolutamente nenhum para afirmar que o Papa não tenha sempre diante dos olhos a figura sagrada da união entre o homem e a mulher; ou que não entenda a importância fundamental, insubstituível, dessa união; ou que não a queira promover e defender em face do mundo moderno! Veja-se, por todas, esta elegia rasgada da complementaridade dos sexos para a formação da família:

Isto faz-nos recordar o livro do Génesis, quando Deus conclui a obra de criação e faz a sua obra-prima; a sua obra-prima é o homem e a mulher. E aqui Jesus começa os seus milagres, precisamente com esta obra-prima, num casamento, numa festa de núpcias: um homem e uma mulher. Assim, ensina que a obra-prima da sociedade é a família: o homem e a mulher que se amam. Esta é a obra-prima!

Contra esta tríplice afirmação acerca do «desígnio originário de Deus sobre o casal homem-mulher», de que valem divulgações maliciosas de mensagens vaticanas mal-encaminhadas por estafetas atrapalhados?

Mais ainda. Como se isso não fosse o bastante, o assunto foi especificamente tratado na Amoris Laetitia (aquela mesma que acusam de progressista):

251. No decurso dos debates sobre a dignidade e a missão da família, os Padres sinodais anotaram, quanto aos projetos de equiparação ao matrimónio das uniões entre pessoas homossexuais, que não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimónio e a família. É «inaceitável que as Igrejas locais sofram pressões nesta matéria e que os organismos internacionais condicionem a ajuda financeira aos países pobres à introdução de leis que instituam o “matrimónio” entre pessoas do mesmo sexo».

Repise-se: para o Papa Francisco, em um documento oficial sobre o amor na família, não é possível estabelecer analogias, sequer remotas!, entre as uniões homossexuais e o matrimônio e a família. Como seria possível, então, que Sua Santidade se desdissesse de repente? Teria acaso se comovido — até à apostasia — com a carta de Toni Reis? A história dos gays de Curitiba teria provocado tanto impacto sobre o Papa a ponto de ele decidir — sem fazer alarde, sem se explicar, sem nada, em uma carta, igual a mil outras, assinada por um secretário desconhecido — mudar a posição que vem consistentemente sustentando durante todo o seu pontificado?

É isso? Ou é que a história da mídia gay não tem pé nem cabeça?

Charlie Gard glorioso

Morreu na última sexta-feira, 28 de agosto, o pequeno Charlie Gard, o bebê britânico que recentemente comoveu o mundo enquanto sofria de uma doença mitocondrial rara para a qual seus pais buscavam desesperadamente um tratamento. Chris Gard e Connie Yates lutaram furiosamente por sua prole, desafiaram os poderosos do mundo e, com isso, angariaram a simpatia e a admiração de milhões. Pode parecer que foram baldados os seus esforços, uma vez que a criança foi morrendo lentamente, pouco a pouco, enquanto burocratas em repartições públicas discutiam pormenorizadamente em quê consistiria o “melhor interesse” de Charlie. A situação do pequeno foi ficando cada vez pior enquanto sucessivas audiências judiciais eram realizadas, até que ele não pôde mais resistir. Ao final rejubilaram-se os próceres da cultura da morte: Charlie Gard morreu, os assassinos venceram! Mas nós cristãos sabemos que nem sempre a morte é o fim da história. Pois houve um dia em que as coisas mudaram. Há dois mil anos que a morte não é uma derrota. Não mais.

Charlie Gard morreu, e agora? Apesar de tudo, penso que há fundadas razões para alegria e esperança. Em primeiro lugar, ele fez mais durante a sua curta vida do que é dado à maior parte dos infantes fazer. Ele permitiu que os seus pais fizessem ecoar pelo mundo inteiro um brado pela vida: um grito pelo direito de não medir esforços pela saúde dos que padecem enfermidades. O fato é que Charlie comoveu multidões. Muitos se interessaram pela história da criança, rezaram por ela, conversaram sobre ela, procuraram os jornais britânicos e pesquisaram sobre o sistema jurídico inglês. Charlie mereceu chamadas televisivas, capas de jornais, artigos de opinião inflamados, análises jurídicas. Conheceram a sua história, neste mundo onde é quase possível nascer, viver e morrer praticamente no anonimato.

Além disso, podem dizer que a batalha judicial foi perdida: eu, ao contrário, digo que ela foi brilhantemente vitoriosa. Não existe nenhuma possibilidade concreta de o indivíduo atual, o cidadão dos dias que correm, fazer frente ao poder burocrático quase ilimitado do Estado Moderno, do Leviathan contemporâneo. A desproporção é gigantesca e provavelmente não foi jamais tão grande: a vontade estatal tem, hoje, meios de se impôr sobre os cidadãos com os quais os maiores déspotas da Antiguidade não puderem sequer sonhar. Para se ter uma idéia do tamanho da iniquidade, os pais de Charlie não puderam falar pelo seu filho nos tribunais, e a advogada que o Estado nomeou para representar judicialmente os interesses da criança é diretora de uma associação pró-eutanásia. Jogo com maior número de cartas marcadas não poderia haver.

Aquele jovem casal britânico, no entanto, fez o impossível. Recusou-se a baixar a cabeça mesmo diante da vastidão dos exércitos de César: reclamou em público, altissonantemente, o seu direito — inalienável e sagrado! — de lutar pela vida do filho, independente do que pudessem dizer todos os juízes togados do mundo. Esta história foi uma Antígona moderna. Ao final foram eles próprios que desistiram da batalha legal, e foi somente então que o assunto ficou, com o perdão do termo, pacificado: antes a Suprema Corte já havia dado a última palavra, e a Corte Europeia de Direitos Humanos também, e ainda assim aquele casal tornou a mover mundos e fundos para conseguir — e conseguiu — levar o assunto mais uma vez aos tribunais britânicos! Ora, o Estado detém o monopólio da jurisdição, de dizer o direito, de encerrar os litígios. Em GOSH v. Gard, no entanto, parece que a disputa — mesmo a jurídica — não cessou enquanto os pais não disseram “basta”.

E mais ainda. Muito se escreveu sobre o bebê Gard; muitos inclusive ousaram defender abertamente que a vontade dos médicos devesse prevalecer sobre a vontade dos pais. Por exemplo, a BBC:

Daniel Sokol, um médico especialista em ética e advogado, disse que o caso lançou uma luz sobre esta questão [a discordância entre profissionais e familiares a respeito de um tratamento médico]. “Isto nos lembra que os direitos dos pais sobre os seus filhos não são absolutos. Eles são limitados por aquilo que é o melhor interesse da criança”.

[Aliás, pelo que andei vendo, a BBC tomou desabridamente o partido do hospital contra os pais da criança, para sua perpétua vergonha. Ao que parece, foi o mais tendencioso e insistente dos veículos de comunicação sobre o assunto.]

Mas o que se viu realmente brilhar — quase por toda a parte, mesmo na mídia secular — foram críticas à atuação das cortes e apoio à luta dos pais de Charlie. Veja-se:

The Telegraph, reproduzindo o pronunciamento de Connie Yates, mãe da Charlie: “Charlie teve uma chance real de melhorar. Agora é infelizmente tarde demais para ele, mas não é tarde demais para outros que possuam a mesma doença ou outras doenças horríveis. Nós vamos continuar a ajudar famílias de crianças doentes e tentar fazer Charlie viver nas vidas dos outros. Nós devemos isso a ele para que a sua vida não tenha sido em vão”.

The Guardian: “Vivemos em um mundo de uns e zeros (…) [e] agora até mesmo a compaixão precisa se encaixar na racionalidade empírica. É por isso que aqueles que jamais sentiram o perfume do pescoço de Charlie, aqueles que jamais o abraçaram, que jamais choraram rezando pelo seu bem-estar, são considerados os mais adequados para decidir como ele deve viver e morrer”.

The New York Times, em um artigo que defende a eutanásia: “O que torna este caso particularmente difícil é que há argumentos válidos de ambos os lados. Algumas questões morais não têm uma resposta certa. Mas, ora, se há razão em ambos os lados, há também motivos para se questionar o julgamento dos tribunais”.

E finalmente, há o próprio Charlie Gard, hoje liberto da corrupção da carne, da fraqueza, da doença. Charlie agora se encontra diante de Deus — é certo. Tendo sido validamente batizado não detinha mais a mácula do Pecado Original; morrendo antes da idade da razão, não teve pecados atuais que lhe embaraçassem a visão de Deus. Morreu portanto filho de Deus, em estado de graça, em heroico sofrimento e após comover o mundo: sua alma encontra-se na presença do Onipotente, unida à multidão de anjos e santos que, de pé, diante do Trono de Deus, intercedem em uníssono por nós que ainda mais um pouco aqui ficamos. E as almas são todas “adultas”, i.e., detêm inteligência e vontade na inteireza da natureza humana. Charlie não é mais o bebê cego e surdo que foi nos seus últimos dias: é agora uma alma humana perfeita, na plenitude de suas potências naturais, vivo e glorioso na presença do Deus Altíssimo, intercedendo por nós.

Chris Gard e Connie Yates perderam um filho; a Igreja ganhou um santo. Charlie Gard, mártir da burocracia e do utilitarismo, da sanha estatal e da cultura da morte! Que ele olhe por nós, agora que pode mais diante de Deus. Que a história dele não seja esquecida. Que a luta por ele iniciada nesta terra possa continuar e dar frutos. Que os dias vindouros sejam melhores.

A «ajuda dos Sacramentos» é para o quê?

Em novembro do ano passado eu comentei aqui sobre as dubia enviadas por alguns cardeais ao Papa Francisco a respeito de algumas interpretações da exortação Amoris Laetitia. Já então eu disse achar ter sido a divulgação bastante oportuna, uma vez que poderia ensejar um «debate franco, aberto e desapaixonado a respeito dessas questões». Estava e ainda estou convencido de que disso não pode advir senão o bem de toda a Igreja, uma vez que o Cristianismo é a religião do Logos de Deus — cuja doutrina é, portanto, racional e racionalizável, adequada ao homem. A polêmica é uma coisa boa porque fortalece as posições, sedimenta os entendimentos e dissipa as dúvidas; a própria Igreja é intrinsecamente polemista, e o único caso em que agora me recordo de ter a Igreja intervindo para silenciar uma polêmica foi na discussão entre jesuítas e dominicanos a respeito da predestinação — e isso só porque, à época, tal debate havia perdido as fundamentais características de «franco, aberto e desapaixonado».

Pouco tempo depois do lançamento da Amoris Laetitia, ainda em maio, discutindo sobre o assunto no espaço de comentários do blog, eu escrevi aqui o seguinte:

i. não é somente a loucura ou a ignorância material que são capazes de mitigar a responsabilidade pessoal dos atos humanos, mas qualquer circunstância capaz de tornar «o juízo prático obscurecido e a vontade enfraquecida» (DEL GRECO);

ii. a AL não trata de abrir sacramentos a adúlteros ou concubinários, mas sim de discernir as situações em que, «[p]or causa dos condicionalismos ou dos factores atenuantes» (AL 305) — e jamais sem eles –, haja a possibilidade de alguém se encontrar em uma situação de pecado objetiva sem culpa grave correspondente;

iii. não há nenhuma orientação específica da AL para estes casos; no entanto, o que quer que se vá fazer, deve ser feito sempre «evitando toda a ocasião de escândalo» (AL 299) e sem «nunca se pensar que se pretende diminuir as exigências do Evangelho» (AL 301).

De lá para cá muita água rolou por debaixo da ponte. Por exemplo, além da publicação das (agora famosas) dubia, eu tive a sorte de conhecer e ler o livro do pe. Iraburu (Comentarios sobre la Amoris Laetitia), o que me deu a oportunidade de burilar alguns pensamentos e precisar alguns conceitos. Entre outras coisas, agora me parece claro — mais claro do que então — que o primeiro dever da Igreja, diante de uma eventual circunstância atenuante (como por exemplo a ignorância axiológica, ou o condicionalismo social), é e não pode nunca deixar de ser o de libertar o pecador (ainda que só materialmente pecador) de sua limitação. Em outras palavras, não é possível institucionalizar uma pastoral da condescendência, que distribui sacramentos mantendo no entanto prostrados na lama os filhos de Deus chamados à perfeição.

Porque não pode haver a menor possibilidade de dúvida de que um divorciado recasado, ainda na hipótese de que o seu matrimônio seja sacramentalmente nulo, está prostrado na lama. Ainda que ele talvez possa, ontologicamente falando, não ser adúltero (no caso em que o seu primeiro matrimônio seja de fato nulo), torna-se ao menos fornicador na medida em que não é possível aos cristãos batizados casarem-se (= produzirem o vínculo sacramental fora do qual é defeso todo consórcio sexual) fora das condições que a Igreja estabelece para o Sacramento. Uma eventual inimputabilidade subjetiva não elide a natureza objetiva do ato praticado: este, em quaisquer hipóteses, é intrinsecamente desordenado e clama por sua reordenação.

A Amoris Laetitia, em sua famigerada nota 351, fala que há «casos» de pessoas vivendo em uma situação objetiva de pecado em que «poderia haver também a ajuda dos sacramentos». Tem-se gastado muito latim para perguntar quais seriam exatamente estes casos. No entanto, penso que se tem esquecido uma outra pergunta, muito mais fundamental, que exsurge imediatamente da leitura da nota de rodapé: é possível haver «a ajuda dos sacramentos» para quê?

Só pode ser para que a pessoa possa «crescer na vida de graça e de caridade» (AL 305), que é o período ao final do qual está posta a nota que fala da ajuda dos sacramentos. E crescer na graça santificante exige necessariamente, no limite, a superação daqueles «condicionalismos» ou «factores atenuantes» que podem tornar em certa medida inimputável alguém que viva em uma situação de pecado objetiva. Em outras palavras, a «ajuda dos sacramentos» em última instância é e não pode jamais deixar de ser para que a pessoa abandone a situação objetiva de pecado. Achar diferente disso é amesquinhar a graça de Deus.

O silogismo é bastante simples. Todos são chamados à perfeição; uma «união irregular» — concubinária ou adulterina — é evidentemente imperfeita; logo, ninguém é chamado a uma reunião irregular. Não é portanto possível estabelecer uma analogia entre a «união irregular» e o Sagrado Matrimônio: este necessariamente tende a se perpetuar e fortalecer aperfeiçoando-se cada vez mais, enquanto aquela, por sua própria natureza, exige a própria destruição. Outra leitura não é possível do parágrafo 303: mesmo nos casos em que alguém acredite em consciência estar realizando a vontade de Deus no pecado, ainda assim «deve permanecer sempre aberto para novas etapas de crescimento e novas decisões que permitam realizar o ideal de forma mais completa». E é para essa realização do ideal de forma mais completa que a Igreja deve sempre ajudar o fiel; sempre que não o faz está traindo a própria missão.

Notícias recentes nos dão conta de que os bispos alemães autorizaram fiéis divorciados a receberem os sacramentos; a notícia solta, assim, na mídia secular, não nos permite submeter as normas germânicas ao crivo que expúnhamos nas linhas acima. Parece, no entanto, que infelizmente a «pastoral» alemã é outra daquelas que conduz as almas ao Inferno, institucionalizando a condescendência e confirmando na imundície do pecado filhos de Deus chamados à santidade: também recentemente o prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, o Card. Müller, deu uma entrevista deplorando exatamente «que muchos obispos estén interpretando “Amoris laetitia” según su propio modo de entender la enseñanza del Papa». Não parece despropositado imaginar que o cardeal alemão esteja justamente respondendo aos seus conterrâneos.

Não faltou quem enxergasse, na entrevista do cardeal Müller, uma resposta tácita às dubia de setembro passado. Resposta oportuna: sim, existem atos intrinsecamente desordenados que não se podem jamais justificar à força de consciências mal-formadas ou circunstâncias atenuantes. Sim, os ensinamentos da Familiaris Consortio permanecem válidos e devem ser observados. Não, as interpretações confusas que existem no orbe católico não são provocadas pela Amoris Laetitia, senão pelos intérpretes confusos dela. Todas essas coisas precisam ser ditas com honestidade e clareza: porque é a céu aberto e a plenos pulmões que cumpre dissipar os equívocos urdidos a portas fechadas e disseminados por sussurros erráticos.

Há tragédias em que não há mártires e monstros

É bastante lamentável, sob quaisquer aspectos, este assassinato seguido de suicídio no seio de uma família em Goiânia. Pelo que dizem as notícias, o pai se desentendeu com o filho porque ele — contra a vontade do pai — participava das invasões às universidades que estão ocorrendo no Brasil inteiro. O pai, depressivo, não aceitava; na última terça-feira, após uma discussão, perseguiu o estudante e disparou contra ele, na rua, atirando em si mesmo logo depois. Ambos morreram.

Já tratei aqui, obliquamente, sobre as invasões quando falei da ocorrida na Faculdade de Direito do Recife. Disse então que elas eram inadmissíveis por mais nobres que fossem as intenções dos estudantes, porque os fins não justificam os meios e não se pode admitir que crimes sejam instrumentos para manifestar discordâncias políticas. Por uma “causa nobre” — ou pelo menos por uma causa que acreditavam nobre — bombas foram explodidas em aeroportos brasileiros e pessoas sequestradas passaram anos mantidas em cativeiro nas selvas da Colômbia. Todo mundo acredita que a causa pela qual está lutando é nobre, obviamente; não fosse assim, nem se daria ao trabalho de lutar.

Aqui, na tragédia do pai que matou o próprio filho, não se trata contudo de desavença política. A coisa mais asquerosa foi encontrar, no Facebook, pessoas aproveitando a desgraça para dividir a sociedade entre mártires e monstros — com os “progressistas” desempenhando o primeiro papel, é lógico, e os “reacionários” o último. Contra estes é preciso dizer, com firmeza, duas coisas. Primeiro que é totalmente de se censurar esta tentativa de capitalizar politicamente uma tragédia que ceifou duas vidas humanas, levantando a bandeira das próprias posições ideológicas sobre os cadáveres ainda quentes de dois familiares e a dor atavicamente apartidária dos parentes e amigos.

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Segundo que a posição conservadora não parte dos mesmos pressupostos que movem sequestradores de civis e esbulhadores de prédios públicos. Para os que acham que seus ideais justificam a violação (p. ex.) do direito de ir-e-vir alheio pode ser tentador imaginar que, para um pai que discorda das posições políticas do filho, o assassinato seja uma opção a se considerar; isto, no entanto, diz mais sobre os que insinuam a tese do que sobre os seus desafetos. A sugestão é injuriosa e não corresponde à verdade: prova-o o próprio desenrolar dos fatos em cada caso.

Os invasores de escolas orgulham-se de sua “resistência”, jactam-se dos crimes que cometem. Em momento algum demonstram mudança de opinião ou arrependimento: em todos os seus atos são de uma convicção férrea. Fazem, assumem que fazem e dizem que fariam de novo. Nisso não se distinguem dos revolucionários que explodem civis ou cometem justiçamentos contra seus companheiros. A incapacidade de sentir remorso é talvez a marca mais brutalizadora da mentalidade revolucionária.

Coisa completamente diversa ocorreu em Goiânia. Aqui o crime não é ativismo; não é uma técnica calculada para atingir determinado objetivo político. Aqui é um crime passional por excelência, onde o pai, desequilibrado, tem um momento de loucura, um ímpeto de fúria e mata o próprio filho. Não suportando o horror, mata-se logo em seguida: o arrependimento é tremendo e chega ao extremo do atentado contra a própria vida. É uma tragédia verdadeiramente lancinante e, por isso, humanamente trágica. Não tem, em absoluto!, a coloração político-ideológica que lhe querem atribuir os abutres das redes sociais.

Uma família foi destruída e, diante disso, o senso de humanidade mais comezinho reclama um armistício. Não foi um “jovem revolucionário” brutalizado por um “velho conservador”, não foi a “velha direita” assassinando a “nova esquerda”: foi um pai que perdeu um filho e se perdeu, foi uma mãe que perdeu de uma vez só marido e filho. Que o ódio cego emudeça diante da dor; que, pelo menos dessa vez, não deixemos que as afinidades ou desavenças ideológicas prevaleçam sobre os laços de sangue e afeto. Uma Ave-Maria pelos que se foram e pelos que ainda têm de ficar! Que Deus tenha misericórdia dessa família e de todos nós.

Urgentes orientações do Sínodo da Família sobre os casais de segunda união

Nas últimas semanas a mídia católica — mesmo a mídia católica que se reputava mais fidedigna e confiável — irrompeu em um surto de loucura a respeito do que o Sínodo dos Bispos (que se encerrou no final do mês passado) teria falado a respeito da comunhão dos divorciados recasados. Perplexos, deparamo-nos com manchetes e reportagens o mais disparatadas possível, vindas de órgãos de imprensa que, até então, sempre ou quase sempre tinham primado pelo equilíbrio e pela sensatez.

A Rádio Vaticano diz que a “comunhão aos divorciados recasados” é “uma questão aberta”. No estilo “em cima do muro” que lembra o pior da politicagem tupiniquim, o Cardeal de São Paulo afirma que “há muita divergência” sobre isso, que “questões complexas não podem ser respondidas simplesmente com um sim ou não”, que “o Sínodo, que não é ainda a palavra do Papa, não decidiu nada sobre isso”, que o Papa pode dizer uma coisa ou outra. Ou seja, a questão estaria “aberta” porque o Sínodo não determinou nada.

Aleteia, em manchete ainda pior, vai mais fundo e diz que o “Sínodo dos bispos abre portas para integrar divorciados recasados”. Perdida lá no corpo da matéria está a afirmação — esta, sim, relevante — de que “[o] texto [do Sínodo] não especifica se [os divorciados recasados] poderão realizar a comunhão”.

Por fim, Zenit coloca como chamada principal da matéria que “o acesso à eucaristia [dos “casais em segunda união”] deverá ocorrer na própria paróquia onde reside o casal” (!). No exercício do wishful thinking mais grosseiro, o autor do texto justifica a manchete dizendo que “o documento normativo do Sínodo, a ser elaborado pelo papa Francisco, numa exortação apostólica, eventualmente poderá estimular a verificação de caso a caso, para se aferir a responsabilidade subjetiva”. Ou seja: um eventual documento que o Papa Francisco porventura publique, em data incerta e não sabida, poderá estimular a avaliação caso a caso dos divorciados recasados — o que pode potencialmente levar os casais em segunda união a terem acesso à Eucaristia na própria paróquia onde residem! Tantas condicionantes, possibilidades, eventualidades, incertezas, indeterminações… ora, acaso isso é notícia? Em que mundo?

O mais perturbador disso tudo: nenhuma notícia diz que o Sínodo autorizou a comunhão aos divorciados recasados (primeiro porque o Sínodo, órgão consultivo, não pode “autorizar” nada e, segundo, porque, de fato, os documentos do Sínodo não mencionam em nenhum momento a possibilidade de admitir à comunhão eucarística os divorciados recasados) e, portanto, a rigor, todas as reportagens são formalmente verdadeiras. Mas o modo como elas foram escritas conduz o leitor incauto a imaginar que foram, sim, “abertas portas”, que estas portas são para o “acesso à eucaristia” dos divorciados recasados, que esta questão, outrora fechada, agora foi “aberta” pelo Sínodo e se está somente esperando a formalização pontifícia — que virá a qualquer momento! — para que os casais em segunda união possam, enfim, receber Nosso Senhor na Eucaristia. E, para quem não vai ler o Relatio Synodi (que, parece, só há em italiano…) nem esperar a Exortação Apostólica Pós-Sinodal, a impressão que fica é esta induzida pela mídia católica mesmo.

Esforcemo-nos um pouco para nos elevar acima da mediocridade que contaminou até mesmo a boa mídia católica. O que importa saber sobre o tema é, em resumo, o seguinte: o sínodo tem marcos teóricos muito sólidos, explicitados no próprio Relatio (nn. 42 – 46), entre os quais se destaca — como não poderia deixar de ser — a Familiaris Consortio de S. João Paulo II. Uma (re)leitura desse documento é de enorme importância para se compreender a Igreja hoje. Em particular o seu n. 84. Tudo, tudo ali se explica.

Senão vejamos: há um clamor popular e midiático enorme para que a Igreja se debruce sobre a questão dos divorciados recasados? Sim, trata-se de mal que se vai alastrando mesmo pelos ambientes católicos, e portanto “o problema deve ser enfrentado com urgência inadiável”.

Importa fazer com que a Igreja esteja mais preocupada em acolher do que em condenar? Sem dúvidas, porque a Igreja, “instituída para conduzir à salvação todos os homens e sobretudo os baptizados, não pode abandonar aqueles que – unidos já pelo vínculo matrimonial sacramental – procuraram passar a novas núpcias”.

Então, o que fazer? Estariam porventura estes excomungados? Absolutamente não; é um dever de toda a Igreja, dos pastores como dos fiéis, “ajudar os divorciados, promovendo com caridade solícita que eles não se considerem separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto baptizados, participar na sua vida”. É fundamental que eles sejam “exortados a ouvir a Palavra de Deus, a frequentar o Sacrifício da Missa, a perseverar na oração, a incrementar as obras de caridade e as iniciativas da comunidade em favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para assim implorarem, dia a dia, a graça de Deus”.

Conceder-se-lhes-á, então, participar da Ceia Eucarística? Aí não. “Não podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e condições de vida contradizem objectivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e actuada na Eucaristia. Há, além disso, um outro peculiar motivo pastoral: se se admitissem estas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimónio”.

Mas não existe nenhuma exceção? Sim, existe, uma exceção que precisa ser avaliada caso a caso: a daquelas pessoas que, não podendo, por justa causa, abandonar o cônjuge ilegítimo (digamos, por conta dos filhos pequenos que possuam), decidem, conquanto mantendo a habitação em comum, abster-se dos atos sexuais adulterinos. Assim, “[a] reconciliação pelo sacramento da penitência – que abriria o caminho ao sacramento eucarístico – pode ser concedida só àqueles que, arrependidos de ter violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo, estão sinceramente dispostos a uma forma de vida não mais em contradição com a indissolubilidade do matrimónio. Isto tem como consequência, concretamente, que quando o homem e a mulher, por motivos sérios – quais, por exemplo, a educação dos filhos – não se podem separar, «assumem a obrigação de viver em plena continência, isto é, de abster-se dos actos próprios dos cônjuges»”.

Pronto. Com isso, se responde perfeitamente às notícias acima referidas, sem margens para dúvidas ou más interpretações:

  • A questão da comunhão eucarística aos divorciados recasados está aberta? Não, não está aberta, porque São João Paulo II, em texto sobre o assunto ao qual o Sínodo contemporâneo faz expressa referência, já reafirmou a praxis eclesiástica, “fundada na Sagrada Escritura, de não admitir à comunhão eucarística os divorciados que contraíram nova união” — e não há necessidade de se ficar, a todo ano, a toda reunião, repetindo explicitamente as mesmas coisas (sob pena de elas “deixarem de valer”). Isso não faz sentido algum.
  • Mas então os divorciados recasados devem ser acolhidos na vida da Igreja? Sem dúvidas, como São João Paulo II já disse explicitamente, é dever de todos os católicos tudo fazer para que os divorciados recasados “não se considerem separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto baptizados, participar na sua vida”.
  • E o que é que deve ser analisado caso a caso? Ora, deve-se analisar individualmente aquelas situações em que as pessoas, não podendo por razões graves abandonar o falso cônjuge, comprometem-se a tentar levar “uma forma de vida não mais em contradição com a indissolubilidade do matrimónio” — i.e., com a abstinência dos atos próprios dos casais.

Tudo isso é porventura novidade? Não, tudo isso consta em um texto do início da década de 80! Qual a razão do alvoroço, qual o motivo do alarde, como se S.S. o Papa Francisco estivesse fazendo alguma coisa inaudita em vinte séculos de Cristianismo? Todas essas coisas — de não estarem excomungados os divorciados recasados, da importância de os integrar à vida da Igreja, da inadmissibilidade de se conceder a Comunhão Eucarística aos que vivem maritalmente com alguém que não é o seu cônjuge legítimo e da necessidade de se avaliar, individualmente, os casos daquelas pessoas que quiserem abandonar as práticas conjugais mantendo, contudo, a habitação comum — já fazem parte das disposições normativas da Igreja Católica há mais tempo do que eu próprio tenho de vida! Se não são obedecidas, e se portanto precisam ser reforçadas, é uma outra história; mas não se diga que a Igreja não tem respostas ao problema do divórcio e nem que Ela está procurando, agora, do nada, soluções para estas questões.

A Igreja é Mãe, e não é de hoje que Ela é Mãe. Os filhos da Igreja são rebeldes, e não é de hoje que esta rebeldia grassa entre aqueles pelos quais Cristo verteu o Seu Sangue na Cruz. Mas a Igreja, Esposa Fiel de Cristo, não vai trair jamais a confiança do Seu Divino Esposo, e isto significa duas coisas: que Ela não vai abandonar os homens por cuja salvação Cristo morreu, por um lado; mas que, pelo outro lado, tampouco vai abandonar a Doutrina por meio da qual somente aqueles homens se podem salvar. Eventuais tentativas de obscurecer qualquer dessas verdades desfigura o rosto da Igreja de Nosso Senhor, e devem portanto ser combatidas.

Encerrou-se a Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre a família. Mas, ao contrário do que a mídia insinua, não é necessário esperar para ver “o que o Papa vai fazer” com tudo isso. O documento normativo do Sínodo da Família, elaborado pelo Papa, já saiu em português: foi publicado aos 22 de novembro de 1981, e não há razões honestas para esperar nada diferente disso. Todas estas disposições aliás já podem — e devem — ser postas imediatamente em prática. Façamo-las conhecidas e efetivas. Não há tempo a perder.

“Somente até aqui”

Leio hoje que a China pretende “acaba[r] com a política do filho único”, o que é uma excelente notícia. No entanto, ato contínuo, na mesma manchete, vem a brutalidade: agora, o país «permitirá 2 crianças por casal».

Ora, que houvesse uma política de filho único é um absurdo completo; no entanto, que o segundo filho seja uma concessão do Governo chinês é também um absurdo, da mesma gravidade do primeiro. O verdadeiro escândalo aqui é que seja o Partido Comunista a se imiscuir no seio das famílias para lhes dizer quantos filhos tenham: se o número é um, dois ou cinco, isto é meramente um detalhe quantitativo, sem dúvidas relevante, mas de somenos importância no contexto maior. É grave que sejam (só) um ou dois filhos, sem dúvidas, mas ainda mais grave é que se aceite que o Estado diga qualquer coisa a respeito do número de filhos que as pessoas podem ter!

Passando para um assunto análogo: a mentalidade contraceptiva não se manifesta somente no desejo de ter poucos filhos. A sua maior característica é a pretensão de domínio sobre a própria fecundidade, é o desejo prévio de, em matéria de filhos, chegar somente até um certo ponto e dali não passar mais. O casal que diz querer somente “dois filhos, um casalzinho” revela, sem dúvidas, uma perspectiva antinatalista; mas a mesmíssima perspectiva se encontra – embora aqui seja mais difícil de notar – em quem diz “quero ter cinco filhos”. Porque o antinatalismo não é uma questão de quantidade, mas sim de qualidade: a sua específica característica é dizer “somente até aqui”.

O caso chinês ajuda a ilustrar isto: é um absurdo que a China imponha apenas um filho aos seus cidadãos, mas é também absurdo que ela imponha dois – porque, como dizíamos acima, o cerne do problema está na própria idéia de que compete ao Estado dizer quantos filhos as famílias devem ter. Na eventualidade de que o Partido Comunista implementasse uma “política de sete filhos”, ainda que nenhum chinês chegasse jamais ao oitavo filho, ainda assim, tratar-se-ia de uma política ilegítima de um governo ímpio. A questão não é de fato, e sim de princípio: não pode o Estado dizer “somente até aqui”. Se aceitamos que é legítimo a ele fazer isso, então os limites quantitativos deste “aqui” transformam-se em uma questão de grau, a serem mais amplos ou mais estreitos a depender das conveniências políticas de cada momento histórico.

Vale isso também, mutatis mutandis, para as famílias católicas. No dia do seu matrimônio, diante do altar de Deus, os católicos juram receber com amor os filhos que Ele lhes confiar. Não se faz, então, a mais mínima menção ao número destes filhos – como se fosse possível dizer “Senhor, recebo com amor até o terceiro; mais que isso, não”. A questão é de princípio, e não de grau. É este o ensinamento católico da Humanae Vitae, esta encíclica tão importante quanto ignorada: é lícita – e, atenção!, que pode até ser exigível – «a decisão, tomada por motivos graves e com respeito pela lei moral, de evitar temporariamente, ou mesmo por tempo indeterminado, um novo nascimento» (HV 10). O que o documento não coloca, propositalmente, é que esta evitação possa ser prévia nem definitiva.

Aboliu a China a infame política do filho único: alvíssaras! Que caia, também, a própria intromissão abjeta do Governo na vida das famílias chinesas. E que o fato nos sirva à reflexão: conquanto estejamos acostumados a enxergá-lo com naturalidade, por vezes se encontra camuflado no seio das famílias católicas um antinatalismo da mesma espécie do que é imposto, às escâncaras, pelos regimes totalitários. Um e outro cumpre ser combatido.

Por quê, afinal de contas, não podem comungar os divorciados recasados?

A seguir, algumas considerações genéricas e rápidas sobre o assunto – que está na ordem do dia e sobre o que sempre me indagam – do iminente Sínodo dos Bispos sobre a família e a propalada possibilidade de que seja liberada a comunhão eucarística para casais em segundas núpcias:

1. O Matrimônio sacramental é indissolúvel. Trata-se de ipsissima verba Christi: «Não separe, pois, o homem o que Deus uniu» (Mc 10, 9). Não existe nenhuma possibilidade de reforma ou flexibilização quanto a isso.

2. Sendo indissolúvel o Matrimônio, as ditas “segundas núpcias” – se celebradas durante a vida do primeiro cônjuge ao qual se está ligado por Matrimônio válido – são, na verdade, uma situação de fato que se sobrepõe ao vínculo original (que permanece, a despeito do que digam os notários de César), violando-o.

3. Havendo vínculo conjugal, qualquer consórcio sexual que não seja com o cônjuge ao qual se está vinculado – independente do quão prolongada seja a separação primeira ou a coabitação presente – é, por definição, adulterino.

4. Adultério é matéria grave, propriamente capaz portanto de propiciar a existência de pecado mortal e conseqüente perda do estado de graça.

5. Uma vez que o estado de graça seja perdido, o Sacramento ao qual se deve recorrer para o recuperar é o da Confissão.

6. A recepção da comunhão eucarística exige o estado de graça. Mais uma vez, não existe a mais mínima possibilidade de flexibilização ou reforma quanto a isso, a respeito do que S. Paulo dirige as seguintes duras palavras: «Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do Senhor. Que cada um se examine a si mesmo, e assim coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação.» (ICor 11, 27-29).

7. A razão pela qual os casais ditos “em segunda união” não podem comungar é simplesmente porque vivem em situação de pecado mortal – geralmente público, continuado e impenitente.

8. Público, porque todo casamento é uma união pública, da qual as pessoas do convívio do casal têm em geral ciência; continuado, porque o segundo casamento, embora tenha se realizado uma única vez no passado, atualiza-se com a coabitação que é mantida; impenitente, porque não existe o animus de fazer cessar a união adulterina.

9. Se o adultério não fosse público, não seria possível falar em proibição eclesiástica (uma vez que ninguém ia saber do pecado e, portanto, não haveria como fazer distinção à Mesa Eucarística) e, por conseguinte, não é sobre isto que se discute. O pecado oculto impede igualmente os pecadores de comungarem, se não no foro externo, indiscutivelmente no interno.

10. Se o adultério não fosse continuado, a comunhão eucarística seria (e aliás sempre foi) absolutamente permitida: cessado o consórcio carnal adulterino, cessaria a matéria do pecado do adultério, o qual se tornaria passível de confissão e absolvição sacramental – sendo assim restaurado o estado de graça e a consequente admissão ao Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo.

11. Se o adultério não fosse impenitente, dirigir-se-ia à descontinuidade (e, assim, recair-se-ia, cedo ou tarde, no ponto anterior). Por sua vez, não é crível que uma pessoa esteja ao mesmo tempo sinceramente arrependida de algo e deliberadamente empenhada em continuá-lo.

12. O problema dos ditos “casais em segunda união” não se resume, assim, a “não poderem comungar”. Estarem privados da comunhão eucarística não é uma pena imposta pelas segundas núpcias passadas, mas uma conseqüência da situação de pecado na qual eles presentemente vivem. A questão não é, portanto, estes casais comungarem ou deixarem de comungar; a questão é recuperarem o estado de graça do qual têm absoluta necessidade não apenas para comungar, mas também e principalmente para serem salvos.

13. Reduzir o problema dos casais “em segunda união” à proibição de comungarem é falseá-lo, uma vez que pode passar a falsa – falsíssima! – impressão de que estes casais, se cumprirem a “pena” que lhes é imposta (= absterem-se da Eucaristia), estarão já “quites” com a religião católica, sendo filhos obedientes da Igreja e fazendo o que lhes é exigido para serem bons cristãos. Ora, é-lhes negada a Eucaristia como um apelo para que eles abandonem o adultério, e não como um meio para que possam legitimamente viver as núpcias adulterinas!

14. À luz de tudo isso, por fim, carece de qualquer sentido perguntar se a Igreja vai “mudar” a “disciplina” de negar a comunhão eucarística aos casais em segunda união. É evidente que o problema não é esse. Tal pode até ser a preocupação imediatista de quem desconhece os rudimentos da Doutrina Católica; para quem tem a missão de salvar as almas, contudo, o problema está posto com todos os seus contornos e desdobramentos. Aquela pergunta não tem lógica absolutamente nenhuma. Ter isso em mente é fundamental para que se possa enfrentar devidamente essa «vera piaga» (Sacramentum Caritatis, 29) dos nossos dias.

Quando o Matrimônio é a solução para o concubinato

Não me lembro agora quem foi aquele sábio contemporâneo que disse, certa vez, que os jornalistas eram as pessoas mais desinformadas que ele conhecia. A veracidade da sentença é passível de ser confirmada à mais banal e corriqueira observação da realidade; é incrível como este ramo de atividade humana – responsável justamente pela propagação da informação – pode contar com tantas e tantas pessoas absolutamente ineptas em suas fileiras.

Uma matéria recente do Estadão fala que o “Papa realiza casamento de casais que já moram juntos e têm filhos”. O primeiro parágrafo, dando o tom de toda a matéria, dispara que o Papa Francisco «celebrou o casamento de 20 casais neste domingo [14/set], alguns dos quais já vivem juntos e tem filhos, no mais recente sinal de que o pontífice argentino quer que a Igreja Católica seja mais aberta e inclusiva».

Custa crer que exista alguma pessoa na face da terra que ignore que a Igreja, desde que é Igreja, casa casais. [Na verdade, quem celebra o Matrimônio são os nubentes e não o sacerdote que o assiste, como o sabe qualquer catequizando adolescente; mas seria demais exigir esse nível de refinamento de quem se espanta com o fato de casais que «já vivem juntos e tem (sic) filhos» casarem…] Custa crer que alguém enxergue nessa coisa banal e prosaica um sinal de que a Igreja deseje ser «mais aberta e inclusiva».

Ora, desde que o mundo é mundo, a Igreja regulariza as situações de fato que encontra. As pessoas que podem se casar são, apenas e justamente, os casais que ainda não estão casados! Um absurdo inaudito, digno de manchetes, seria se fosse diferente. Se um homem e uma mulher vivem juntos maritalmente e não estão ainda casados – nem, óbvio, estão impedidos de casar por algum matrimônio prévio, por votos religiosos ou por qualquer outra razão -, então é lógico que a situação deles regulariza-se, da maneira mais simples possível, com a celebração do seu casamento. Isso sempre foi assim e qualquer pessoa com um mínimo de vivência eclesial sabe disso. No fato da Igreja casar casais que ainda não estão casados não se encontra nenhum sinal de “inclusividade”, no péssimo sentido que esta palavra tem na novilíngua contemporânea, mas sim da catolicidade da Igreja que, sempre, convida a Si todos os homens e anseia por congregar a todos no Seu seio.

Aqui, nos sertões do nosso Nordeste, uma das coisas que frei Damião fazia com suas missões [cf. “Em defesa da Fé”] era, justamente, ajustar o casamento dos que viviam amancebados. Ou seja: trata-se de prática extremamente “reacionária”, no sentido de que se preocupa com as formas tradicionais [= o matrimônio religioso] em preferência às novas configurações de fato [= o amor livre]. Na verdade, casar pessoas que já vivem juntas e têm filhos não é “incluir” essa realidade marginal – o concubinato – na Igreja Católica, mas precisamente o contrário: é arrancar o homem à mancebia para reintroduzi-lo nas práticas santas da religião católica, é elevar a amásia e concubina a cônjuge e esposa legítima. É, em suma, dizer que não se aceita que os casais simplesmente “vivam juntos e tenham filhos”, mas que, além disso, é imperioso que eles contraiam matrimônio válido e lícito diante da autoridade religiosa competente. Trata-se, evidentemente, de [mais] uma condenação do concubinato, e não de uma sua “inclusão” na Igreja.

Uma Igreja “aberta e inclusiva”, na mentalidade moderna, seria uma Igreja que permitisse o sexo fora do casamento, que aceitasse o casamento gay ou permitisse que divorciados tornassem a casar. Ora, não consta que as pessoas que recentemente se casaram diante do Papa Francisco tivessem algum impedimento canônico; não eram gays mas, muito ao contrário, casais de verdade, com filhos próprios inclusive; e o fato mesmo do Papa exigir-lhes o casamento é, por si só, sinal evidente de que faltava algo à situação de «vive[re]m juntos» em que já se encontravam. Muito ao contrário, portanto, de ser um “sinal” dessa realidade apocalíptica pela qual anseiam em vão os bárbaros modernos, o recente gesto do Papa Francisco foi uma reafirmação da Doutrina Católica: longe de ser uma realidade social dotada de valor, o concubinato é um mal que deve ser sanado – se possível, com o Matrimônio. E o Papa quis passar clara e abertamente essa mensagem para o mundo. E esta verdade é suficientemente inclusiva para valer para todos os homens.

Oração a São João Paulo II

[Fonte: Infovaticana.]

Estampa-San-Juan-Pablo-II

Ó São João Paulo, das janelas do Céu dá-nos a tua bênção! Abençoa a Igreja que amaste, serviste e guiaste, empurrando-A corajosamente pelos caminhos do mundo a fim de levar Jesus a todos e todos a Jesus. Abençoa os jovens, que foram a tua grande paixão. Ensina-os a sonhar, ensina-os a olhar para o alto a fim de encontrar a luz que ilumina os caminhos desta vida daqui.

Abençoa as famílias, abençoa cada família! Tu advertiste contra o assalto de Satanás contra esta preciosa e indispensável centelha do Céu que Deus acendeu na terra. São João Paulo, protege com tua oração a família e cada vida que floresce na família.

Roga pelo mundo inteiro, ainda marcado por tensões, guerras e injustiças. Tu combateste a guerra invocando o diálogo e semeando o amor: roga por nós, para que sejamos incansáveis semeadores de paz.

Ó São João Paulo, das janelas do Céu, onde te vemos próximo a Maria, faz descer sobre todos nós a bênção de Deus. Amen.