A liberdade de expressão e os seus limites

Um leitor do Deus lo Vult! deixou, aqui, o seguinte comentário:

Sobre a liberdade de ofender e escarnecer, como se pode definir que alguém foi ofendido ou escarnecido se os pontos de vista são tão diferentes? Essa batalha que deve ocorrer no âmbito civil e com critérios muito claros. Pois muitos do movimento gay também consideram ofensivo que representantes das igrejas apareçam na TV bradando que os homossexuais são pecadores, pode-se evocar a liberdade de expressão nesse caso ou estamos diante de um outro limite para a liberdade de expressão?

Penso que o assunto merece um post à parte.

Antes de qualquer coisa, o problema, a nível teórico, se resolve de maneira muitíssimo simples: a rigor, a única liberdade que existe é «a liberdade fundamentada sobre a verdade» (Paulo VI, Mensagem para o 9º dia mundial das comunicações sociais, 19 de abril de 1975). A fórmula de Pio XII (Miranda Prorsus, Parte Geral, “Liberdade de Difusão”), por sua vez, é bastante intuitiva e pode nos ser muito útil nesta seara:

[A] verdadeira liberdade consiste no uso regrado da difusão daqueles valores que ajudam ao aperfeiçoamento do homem.

Assim, o único discurso que pode pretender propriamente um “direito” à existência em sociedade é, portanto, o discurso verdadeiro e bom. A mentira, o erro e o engano não podem ter um direito infrene à livre-proliferação em público, e não tem o menor cabimento conceder às verdades e às fábulas o mesmo status social. Enquanto este princípio generalíssimo não for assimilado, não se vai conseguir resolver a contento o problema da «liberdade de expressão» nas sociedades complexas contemporâneas.

Deve ser buscado o «aperfeiçoamento do homem», pois bem. Em teoria, está perfeito. A nível mais concreto, contudo, a questão se impõe com contornos mais complicados a partir do momento em que diferentes pessoas não conseguem entrar em mútuo acordo a respeito de qual seja, especificamente, o discurso verdadeiro e qual o falso, qual o pernicioso e qual o útil. O socialismo matou milhões de pessoas ou é o responsável por avanços civilizacionais de outro modo inalcançáveis? A democracia representativa brasileira contemporânea é eficaz para reproduzir fidedignamente a vontade política dos cidadãos, ou é um instrumento de manipulação demagógica concebido e executado para atender a interesses particulares inconfessáveis? A religião verdadeira é a Católica Apostólica Romana ou é o Islão? Como saber qual dos discursos é verdadeiro e proveitoso,  e qual é falso e daninho? Onde está a verdade?

Evidentemente, não se negam as dificuldades existentes para identificar quem está com a razão em cada caso concreto. É óbvio que a verdade a respeito de toda e qualquer coisa não é imediatamente evidente a toda e qualquer pessoa. Há, no entanto, maneiras civilizadas e inteligentes de minimizar esta contingência:

1. Via de regra, descobrir o que não é verdade é mais fácil do que identificar o que é verdade, e existem muitos casos em que fazê-lo está ao alcance de qualquer pessoa. Por exemplo, diante de alguém que apresenta o punho cerrado e pergunta “o que tenho na mão?”, pode ser bastante difícil descobrir o que a mão fechada esconde; não obstante, é facílimo dizer, com bastante segurança, o que ela não esconde. Diante de tal indagação, alguém pode não saber responder ao certo se o que está na mão do interlocutor é uma moeda, uma tampa de caneta ou um piolho-de-cobra; mas qualquer um consegue dizer, com bastante segurança, que o que está lá não é uma jaguatirica, um capacete de moto tamanho padrão ou a Grande Muralha da China.

As questões que interessam à sociedade são um pouco mais complicadas do que este exemplo ilustrativo, é verdade, mas mesmo entre aquelas é possível encontrar vastos territórios de coisas que inequivocamente não «ajudam ao aperfeiçoamento do homem», para usar a fórmula de Pio XII. Por exemplo, a imensíssima maior parte das pessoas há de concordar que a proposta de acabar com a pobreza exterminando fisicamente os pobres é totalmente inadmissível, e está disposta até mesmo a conceder que a veiculação pública de semelhante ideia possa e deva ser inibida pelos poderes públicos. No atual estado de coisas, aliás, não faz o menor sentido alguém protestar contra a “imposição de limites à liberdade de expressão”: em qualquer lugar civilizado do orbe ela já tem limites, aceitos pacificamente pela esmagadora maioria dos membros da sociedade.

2. Dada a intrínseca contingência humana e a (conseqüente) natural e inevitável falibilidade de tudo o que ele produz – inclusive julgamentos -, nenhum tema pode ser “indiscutível” em absoluto. Futebol, política e religião, tudo, há que se discutir sim. No entanto, duas coisas precisam ser aqui observadas. Por um lado, qualquer assunto só é discutível em razão inversa à solidez que ele estabeleceu na sociedade: isso significa que as coisas com as quais virtualmente todo mundo concorda precisam de novos e fortes argumentos para serem colocadas em discussão, enquanto aquelas que encontram maior resistência social para se disseminar têm exigências argumentativas mais modestas (*). Por todo lado, “discutir” significa se utilizar de um discurso racional argumentativo para convencer o interlocutor de uma determinada tese: a simples peça publicitária (pior ainda, enganosa), a ofensa gratuita, a desmoralização do “oponente” e coisas parecidas estão fora do escopo dessa discutibilidade universal de todas as coisas aqui apresentada.

[(*) No Brasil atual, note-se, ocorre justamente o contrário: coisas evidentíssimas e que gozam de ampla aceitação popular, como por exemplo que o aborto é moralmente condenável e não deve ser aceito, discute-se com a superficialidade das escalações da seleção brasileira, o tempo todo, em todos os foros possíveis e imagináveis. Por sua vez, a uma coisa de que ninguém (a não ser uma meia-dúzia de ditos intelectuais) se convence, que não haja diferença alguma entre o casamento vitalício e monogâmico entre o homem e a mulher e a mera união entre dois homens ou duas mulheres, quer-se conceder ares de indiscutibilidade, chegando até mesmo à criminalização do contraditório…]

Duas implicações decorrem daqui: inexiste um direito de ofender, uma vez que toda e qualquer discussão deve ser construída sobre as bases da argumentação racional e não de ofensas gratuitas; e ao mesmo tempo ninguém tem um direito de não ser ofendido, um vez que o detentor de uma ideia não pode alegar “ofensa” para coibir uma refutação intelectual, racionalmente fundamentada, daquela ideia. Abrem-se, assim, as portas para o futuro e o progresso, ao mesmo tempo em que se protegem as conquistas civilizatórias já historicamente adquiridas.

3. Por fim, é necessário que haja instâncias de decisão para apaziguar os ânimos e arbitrar possíveis discussões entre cidadãos que possam surgir, mormente nos casos-limites (“ah, isso é ridicularizar a minha crença!”, “não, senhor, trata-se de emprego de reductio ad absurdum para demonstrar racionalmente a falsidade da sua tese”…). Tais instâncias necessariamente serão uma espécie de elite intelectual, comprovadamente hábeis na arte de aplicar os princípios acima elencados na solução de conflitos concretos; e precisarão, igualmente, ser dotadas de legitimidade moral para fazer valer as suas decisões sobre os contendedores, i.e., precisarão exercer, em quanto maior medida melhor, uma autoridade natural sobre a sua esfera de “jurisdição”.

Em observância ao princípio da subsidiariedade, é preferível que tais instâncias se multipliquem em diversos níveis – familiar, condomínio/bairro, comunidade, município, região metropolitana, estado etc. -, preservando assim características e valores locais ao mesmo tempo em que se evita a ingerência de pretensos iluminados na autodeterminação dos legítimos agrupamentos sociais intermediários. Começa-se a discutir religião, assim, dentro de casa, e não nos jornais das metrópoles. São os grupos de pais que decidem a respeito da educação de seus filhos, e não os ministros de Brasília.

À luz de todo o exposto, por fim, responde-se ao comentário que deu origem a este post da seguinte maneira:

  • identifica-se a ofensa, primeiramente, pelo critério da evidência: um discurso argumentativo a respeito do que quer que seja é uma coisa, e a veiculação de peça publicitária aviltante é outra coisa completamente distinta;
  • nos hard cases, é necessária a intervenção de uma instância superior, o mais localizada possível, e que (evidentemente) goze de autoridade sobre todas as partes envolvidas no litígio, a fim de discernir se se trata de exercício adequado da liberdade de expressão ou não;
  • o critério para a difusão pública de discursos não é o “movimento gay” e nem ninguém “sentir-se” ou deixar de se sentir “ofendido”, e sim se a mensagem veiculada ajuda «ao aperfeiçoamento do homem» ou não; isso se determina, mais uma vez, pelos critérios supramencionados da racionalidade do discurso e do prestígio (ou falta de prestígio) social de que gozam as teses em lide.

Concordo que é muito difícil obter consenso entre pessoas diferentes; tal, contudo, torna-se completamente impossível se a discussão e o debate racional são socialmente desestimulados. É bem provável que a plena concórdia a respeito de tudo seja inalcançável; penso, no entanto, que existem amplas margens para consensos substanciais a respeito de um grande número de coisas – para a obtenção dos quais é contudo necessário, mais uma vez, que a discussão pública, séria e honesta seja cada vez mais incentivada e não tolhida. Um mundo perfeito é sem dúvidas impossível, mas isso não dá a ninguém o direito de desistir de trabalhar por um mundo um pouco melhor do que este que está aí: em direção a este objetivo, sim, nós podemos e devemos caminhar com valentia e determinação.

Nec rubricat, nec cantat

A frase acima é um antigo adágio latino aplicado aos jesuítas: diz-se que eles nem se preocupam com as rubricas litúrgicas [nec rubricant] e nem cantam [nec cantant]. Não sei qual a origem do ditado, mas ele parece se aplicar muito bem ao Papa Francisco.

Que ele não era um grande liturgista foi uma das primeiras coisas que eu falei aqui no blog, logo após a sua eleição: «Acho pouco provável que voltemos aos piores pesadelos litúrgicos da época de João Paulo II, mas infelizmente penso que tampouco iremos nos embevecer com a sacralidade do ethos de Bento XVI». Hoje o Rorate Caeli pôs uma pequena nota sobre a Missa Pontifícia do último domingo: pela primeira vez, o Papa Francisco distribuiu a Comunhão sem o genuflexório que Bento XVI introduzira nas liturgias papais. No último domingo, portanto, as pessoas que receberam a Eucaristia das mãos do Romano Pontífice, fizeram-no de pé e não de joelhos. E sem a patena, o blog faz questão de frisar.

É certo que se trata de uma notícia profundamente triste, uma vez que a nossa opinião particular é a de que existe uma estreita correlação entre sacralidade litúrgica e ortodoxia; e isso de tal modo que, no meio da terrível crise de Fé que a Igreja atravessa nos dias de hoje, o exemplo é uma das formas mais eficazes e seguras de transmitir os conteúdos da Fé da Igreja. Mas não nos esqueçamos de que o Papa Francisco não está fazendo nada de inesperado ou revolucionário. Não é inesperado, porque – como dissemos antes – os detalhes litúrgicos não nos parecem fazer parte das preocupações mais próximas do Sumo Pontífice. E não é revolucionário porque a rigor é lícito receber a comunhão de joelhos ou de pé, como dizem os documentos vigentes sobre o assunto.

Do fato da comunhão de joelhos expressar mais perfeitamente a Fé Católica na Eucaristia, não segue que recebê-La de pé equivalha a cair em heresia: mesmo quando as regras para a distribuição da comunhão eram mais rígidas, sempre se permitiu que comungassem de pé as pessoas que, por questões de saúde, não podiam se ajoelhar. Ainda, do fato da comunhão de joelhos ser o modo mais perfeito de receber a Nosso Senhor Sacramentado, não segue que um sacerdote não possa distribuir a Eucaristia para comungantes de pé, se julgar prudente em determinadas circunstâncias concretas (*). Por fim, do fato do Papa Francisco ter distribuído a comunhão para comungantes de pé na missa que celebrou na paróquia de Santi Elisabetta e Zaccaria, não segue que este deva ser doravante o modo ordinário de distribuição da Eucaristia. Nem nas liturgias papais, e nem muito menos nas missas celebradas mundo afora.

[(*) É fato que a Primeira Comunhão trata-se exatamente de uma ocasião que, por sua própria natureza, justificaria – quase exigiria até – uma maior solenidade na administração do Santíssimo Sacramento, sendo portanto o mais natural distribuí-Lo com o genuflexório… mas é dever de caridade pensar que o Santo Padre não fez considerações de caráter ideológico quando distribuiu a Eucaristia para crianças de pé no último Domingo. Nada nos autoriza a julgar mal as intenções do Romano Pontífice.]

Enfim… Nec rubricat. Já o sabíamos. Até o próprio pe. Lombardi já havia aludido ao adágio. Mas e quanto ao “nec cantat”? O significado mais literal nos diz que ele simplesmente não canta, o que em linhas gerais é verdade. Mas gosto de pensar em um sentido mais metafórico para a expressão: o Papa Francisco não canta, quer dizer, ele não [se preocupa em] agrada[r]. Ele não busca aplausos, não está em Roma para fazer espetáculos recreativos, e sim para anunciar a Religião do Crucificado com todas as exigências que ela acarreta. Não faz concessões, por mínimas que seja. Não tem palavras bonitinhas para o mundo moderno, mas somente duras admoestações. Já citamos aqui alguns exemplos disso, mas eles se multiplicam a cada dia. Trago mais dois.

Na semana passada, falando sobre o dia de oração pelos católicos chineses, o Papa não fez lamentações genéricas sobre as perseguições sofridas pela Igreja na China e nem se limitou a admoestar os poderes públicos para que respeitassem os direitos humanos, a liberdade religiosa e coisas do tipo. Muito pelo contrário, pediu que os católicos do mundo inteiro rezassem por estas intenções para a China: «para implorar de Deus a graça de anunciar com humildade e com alegria Cristo morto e ressuscitado, de ser fiel à sua Igreja e ao Sucessor de Pedro, e de viver a cotidianidade no serviço a seu país e aos seus compatriotas de modo coerente com a fé que professam». Fidelidade à Igreja de Roma e testemunho público da Fé Católica a despeito do ateísmo estatal: eis o que o Vigário de Cristo acha importante pedir para a China!

Já ontem, fustigando impiedosamente a mentalidade moderna – presente e atuante mesmo entre muitos ditos católicos! – a respeito do casamento, o Papa Francisco afirmou: «Quantos casais se casam e pensam em seu coração, sem ousar dizer: ‘enquanto houver amor e, então, veremos depois'[?]»; e ainda, colocando-se ironicamente “no lugar de um pai católico de hoje”: «Não, eu não quero mais um filho [p.s.: a melhor tradução é “não, não, mais de um filho não!”, como se depreende do original italiano «No, no, più di un figlio, no!» disponível no site do Vaticano], porque não poderemos viajar de férias, não poderemos ir a tal lugar, não poderemos comprar uma casa! (…) Nós queremos seguir o Senhor, mas até certo ponto». A contundência da mensagem foi tamanha que mesmo a mídia secular (pela primeira vez de que eu me recorde) se viu obrigada a compará-lo com Bento XVI não para antagonizá-los, mas para demonstrar a harmônica continuidade entre o Papa reinante e seu predecessor: «[o Papa] Francisco retomou fielmente, mas em termos concretos que podem estar na mente das pessoas, temas que seu antecessor Bento XVI expunha em termos abstratos: casamento concebido como temporário, medo de compromisso, preguiça e recusa de abandonar seu conforto pessoal».

Nec cantat! O Papa não busca a aprovação do mundo moderno, graças a Deus. Não mede esforços por fazer a mensagem cristã conhecida, ainda que isso vá ferir susceptibilidades contemporâneas. A sua pregação não é melosa ou condescendente, muito pelo contrário: as suas palavras são duras! Como as do Cristo de quem ele é vigário [cf. Jo VI, 60]. Mas, para os que somos católicos, elas são uma doce e agradável melodia. O Papa não canta, mas as suas homilias soem ser como música para os nossos ouvidos.

Ives Gandra sobre a Lei Seca e a liberdade religiosa

Primoroso este texto do Dr. Ives Gandra Martins sobre as kafkianas exigências que a Lei Seca impõe aos sacerdotes católicos. Já falei recentemente no blog sobre a Lei Seca no geral e sobre os seus iníquos desdobramentos no tocante ao culto católico em particular; trago agora as palavras do eminente jurista para se somarem às que já escrevi aqui.

A lei de tolerância zero, que cerceia a liberdade de culto – culto este que tem 2 mil anos no mundo inteiro e em todos os países, até mesmo na maioria dos islâmicos – é, neste particular, manifestamente inconstitucional, pois impede o exercício da atividade pastoral dos sacerdotes católicos apostólicos romanos, proibindo-os de dirigir os seus próprios carros para atender os fiéis nos casos em que sua presença se faz necessária, desde o nascimento até a morte (batismo, casamento, extrema unção e encomenda de corpo).

Viveríamos em tempos melhores se os nossos governantes não padecessem da mais crônica indigência até do bom senso mais elementar. Mas somos governados por delinqüentes. E pior: toleramos os mais patentes autoritarismos legislativos, talvez por julgarmos que isso não tem nada a ver conosco. Infelizmente tem. Oxalá o percebamos antes que seja tarde demais.

Sobre a Liberdade Religiosa e o desenvolvimento doutrinário harmônico da Doutrina Católica

Um leitor publicou no Deus lo Vult! hoje de manhã o link para um texto do Cum ex Apostolatus Officio onde são tecidas críticas bem ásperas a um novo texto do Papa Bento XVI ao qual eu próprio já fizera referência recente aqui no blog. A análise que o Sandro de Pontes faz é radicalmente diferente da minha; sobre o assunto, vale escrever alguns parágrafos.

A acusação principal do texto é a de que o Papa teria confessado «que o Vaticano II realmente não possui a mesma doutrina que foi ensinada desde a revolução francesa até Pio XII» no tocante à liberdade religiosa. Para fins de organização das idéias, o texto do Papa em litígio é este aqui. Sobre ele, vale dizer quanto segue:

– Como eu já tive a oportunidade de dissertar em outras ocasiões, para mim parece claro que a doutrina exposta na Dignitatis Humanae tem por objeto o (por falta de termo melhor) “Estado Natural”, i.e., o Estado considerado em suas formas mais básicas e primitivas, e não se refere (a não ser en passant) ao Estado Confessional.

– Ao contrário, a totalidade dos textos do Magistério pré-conciliar que versam sobre as relações entre a Igreja e o Estado tem diante dos olhos a realidade histórica do Estado Católico e, portanto, trata sempre sobre um tipo específico de Estado, e não sobre “o Estado em si”.

– Parece-me óbvio que, embora exista o «dever moral» – lembrado pela DH! – «que os homens e as sociedades têm para com a verdadeira religião e a única Igreja de Cristo», é fato inconteste que nem todos os homens e sociedades cumprem com este dever e, portanto, existe a realidade factual dos Estados que não reconhecem a Igreja Católica como Religião Verdadeira.

– Assim como até mesmo os homens que não são católicos estão sujeitos aos ditames do Direito Natural, do mesmo modo também os Estados que não são católicos precisam se sujeitar a alguns princípios naturais (mas não naturalistas) da organização das sociedades. Estes princípios obviamente precisam ser mais gerais do que aqueles pelos quais se deve pautar o Estado Confessional Católico. E são estes os princípios que o Magistério do século XX passou a desenvolver (de modo particular na Dignitatis Humanae).

– Por definição, o mais geral é mais abrangente do que o mais específico e, portanto, o que é exposto na DH com relação aos deveres do Estado em matéria religiosa é, sim, realmente, mais amplo e genérico do que o que foi dito por outros Papas com relação aos deveres do Estado Católico. Isto é óbvio e não poderia ser de maneira diferente. Dizer que os princípios específicos “não são mais válidos” (ou qualquer coisa do tipo) porque foi feita (aliás pela primeira vez) uma exposição dos princípios gerais é uma maneira equivocada de interpretar um ensinamento da Igreja que, por definição, só faz sentido se for entendido de maneira orgânica e à luz da totalidade do Magistério.

– Como o “Estado Natural” é um fenômeno moderno, parece-me natural que os documentos do Magistério mais antigos não o tenham abordado diretamente; com o seu surgimento, parece-me igualmente natural que fosse necessário à Igreja debruçar-Se sobre ele.

– Assim, a “insuficiência” da doutrina precedente à qual se refere o Papa decorre simplesmente da (virtual) inexistência deste “Estado Natural” antes do advento do fenômeno do Estado Moderno, da mesma maneira que se poderia falar de uma “insuficiência” da doutrina sobre os juros antes do desenvolvimento da economia ou de uma “insuficiência” da doutrina sobre o respeito devido aos embriões humanos antes do advento da embriologia. Não existe nenhum texto do “magistério pré-conciliar” que trate especificamente dos Estados não-católicos, sendo possível encontrar sobre o assunto apenas determinações esparsas.

– Mesmo entre estes ensinamentos esparsos que é possível recolher nos textos do Magistério pré-conciliar, o que se tem é uma doutrina que, longe de contradizer o ensinamento moderno, vai harmonicamente ao encontro daquilo que se diz na Dignitatis Humanae. Por exemplo, Pio XII na Ci Riesce:

Uma outra questão, essencialmente diferente, é esta: pode-se estabelecer como norma em uma comunidade de estados – ao menos em certas circunstâncias – que o livre exercício de uma prática religiosa ou moral que possua validade em um dos estados-membros não seja prejudicado em todo o território da comunidade de nações por leis nacionais ou medidas coercitivas? Em outras palavras, a questão que se coloca é se nestas circunstâncias [o] “non impedire” ou a tolerância é permitido e se, por conseguinte, a repressão positiva nem sempre é um dever.

Aduzamos a autoridade de Deus. Poderia Deus, embora Lhe fosse possível e fácil reprimir o erro e o desvio moral, em alguns casos escolher o “non impedire” sem com isso contradizer a Sua infinita perfeição? Seria possível que em certas circunstâncias Ele não desse aos homens nenhum mandamento, não impusesse nenhum dever e nem mesmo comunicasse o direito de impedir ou reprimir o que é errôneo e falso? Um olhar sobre as coisas como elas são nos dá [sobre isso] uma resposta afirmativa. A realidade nos mostra que o erro e o pecado existem no mundo em grande medida. Deus os reprova, mas Ele permite que existam. Por conseguinte, a afirmação “o erro religioso e moral deve sempre ser impedido, quando é possível, porque a tolerância deles é imoral em si mesma” não é válida absoluta e incondicionalmente.

Além disso, Deus nem mesmo deu à autoridade humana tal absoluto e universal mandato em matéria de fé e moralidade. Semelhante ordem é desconhecida das convicções comuns da humanidade, da consciência cristã, das fontes da Revelação e da prática da Igreja. Omitindo aqui outros textos escriturísticos que poderiam ser aduzidos para demonstrar este argumento, Cristo na parábola do joio [e do trigo] dá o seguinte conselho: deixe o joio crescer no campo do mundo junto com a boa semente [do trigo], em vistas da colheita (cf. Mt 13, 24-30). O dever de reprimir o erro moral e religioso não pode, assim, ser uma norma última de ação. Ele deve ser subordinado a normas maiores e mais gerais, que em algumas circunstâncias permitem, e até mesmo talvez pareçam indicar como uma melhor política, a tolerância aos erros a fim de promover um bem maior.

Pio XII, Ci Riesce, V

– Nada exige que estas “algumas circunstâncias” sejam sempre uma exceção histórica. É perfeitamente possível e razoável defender que a modernidade, infestada de Estados não-católicos e hostis à Igreja em um mundo globalizado, constitui-se uma dessas “circunstâncias” nas quais a tolerância aos erros é não somente legítima como pode inclusive ser a melhor política a ser adotada.

– Não existe, portanto, nenhuma contradição entre a doutrina tradicional das relações entre a Igreja e o Estado e a liberdade religiosa pregada pela Dignitatis Humanae. Aquela se refere ao Estado Católico e, esta, ao Estado considerado em sua “forma natural”. Aquela estabelece a melhor maneira de se cumprir um dever moral e, esta, orientações práticas a serem exercidas em circunstâncias específicas.

– Por fim, é importante notar – como lembrou o Sandro de Pontes em seu texto – que o próprio Papa Bento XVI disse, textualmente, que os Padres Conciliares «não podiam nem queriam criar uma fé diversa ou uma Igreja nova». Assim sendo, a interpretação de que ele teria “confessado” precisamente aquilo que nega no seu próprio texto com veemência é no mínimo temerária, e não deveria (ao menos por uma questão de respeito intelectual ao escritor cujo texto se está analisando) ser tão prontamente assumida como se fosse um fato auto-evidente. Ao contrário, a prudência exige que se esgotem primeiro as outras alternativas possíveis (mesmo que não sejam as mais simples ou mais imediatas) antes de se acusar alguém de contraditório ou mentiroso.

Os católicos e os tribunais modernos: Igreja nos EUA processa administração Obama

Várias dioceses e organizações católicas americanas estão processando em massa a administração Obama, acusando o presidente de violar a liberdade religiosa e pretender forçar cidadãos americanos a agirem de modo contrário à sua Fé. Especificamente, os processos gravitam em torno da «regulamentação que a Secretária de Saúde e Serviços Humanos Kathleen Sebelius anunciou em Agosto passado e concluiu em Janeiro[,] que solicitava a virtualmente todos os planos de saúde dos Estados Unidos a cobrirem esterilização e anticoncepcionais aprovados pela “Food and Drug Administration”, incluindo aqueles que podem provocar abortos». O site (em inglês) que reúne estas informações é o Preserve Religious Freedom, mantido pela Arquidiocese de Washington

A notícia é curiosa. Em primeiríssimo lugar, merece destaque e é digna de aplausos a iniciativa dos católicos americanos de procurarem fazer alguma coisa para frear as imoralidades que o presidente mais abortista que já pisou nos Estados Unidos da América está tentando impôr a um povo que em sua maioria considera o aborto moralmente incorreto. E, acto contínuo, isto serve para cobrir de vergonha os católicos desta Terra de Santa Cruz, onde a nossa Conferência age – tantas vezes! – de modo apático diante do governo anti-cristão ao qual estamos sujeitos – isto quando não lhe é subserviente. Ó bispos do Brasil, aprendei com os vossos irmãos de báculo e mitra da América do Norte!

Mas é também impossível não guardar um pouco de temor a respeito dessas ações judiciais. Isto porque o Estado não tem potestade para oferecer obstáculos à pregação do Evangelho da Igreja de Cristo; mas, num tribunal revolucionário, a gente não sabe ao certo o que pode acontecer. É possível que juízes iníquos decidam ilegitimamente a favor do presidente anti-cristão. O que aconteceria neste caso?

Certa feita alguém comentava sobre as paróquias e as leis municipais, e argumentava que os párocos de cidades pequenas deveriam realizar nos seus templos as reformas que fossem necessárias ao desempenho de seu ministério, sem se preocupar com burocracias de prefeituras. E citava um causo de um sacerdote que, certa feita, aporrinhado pelo prefeito da cidade a respeito de umas obras na igreja matriz, simplesmente respondeu: “a minha Igreja estava aqui antes da tua prefeitura”.

E neste caso, sim, antigüidade é posto. Pombas, nós construímos as catedrais medievais muito antes do CREA sonhar em existir! Tampouco o órgão burocrático tem credenciais para fazer frente às da Igreja Católica. É óbvio que existem regulamentações necessárias, mas estas não podem vir de cima, como um machado aleatório sufocando as necessidades humanas. Se a administração pública atual fosse transportada à Paris dos séculos XII-XIII, nós não teríamos hoje Notre Dame ou a Sainte-Chapelle.

Igualmente, no caso dos planos de saúde americanos, foi a Igreja quem inventou a saúde pública quando os EUA ainda eram terra de Apaches. O governo americano, portanto, não tem legitimidade para dizer como as organizações caritativas e os hospitais católicos devem prestar os seus serviços. E isto independe completamente de qualquer resultado de qualquer tribunal moderno, porque se trata simplesmente do dado factual: nós estávamos aqui antes. É digna de louvor, repito, a atitude dos católicos americanos. Fazem falta ações análogas aqui no Brasil. Mas não podemos perder de vista quem somos e nem tampouco abraçar com entusiasmo as teses modernas que são incompatíveis com a doutrina católica e até mesmo com a realidade elementar.

Afinal, nós e eles enxergamos o papel dos tribunais de formas irredutíveis entre si, e isto precisa ficar claro. Não é nos tribunais que está a nossa última esperança, e sim no Justo Juiz que é Senhor da História, a Cuja Providência confiamos o governo da Sua Igreja. Isto não significa que não devamos nos utilizar dos meios humanos contingentemente disponíveis; mas significa, sim, que estes devem ser sempre colocados em perspectiva.

A hipocrisia da mídia americana: dois pesos e duas medidas do New York Times

[Tradução do texto do Bill Donohue cujo original pode ser encontrado aqui. É sobre a hipocrisia do The New York Times, que publicou recentemente um anúncio muçulmano anti-católico [p.s.: encomendado por um grupo ateu] mas se recusou a publicar um anúncio idêntico que se dirigia contra os muçulmanos. O anúncio original na íntegra pode ser encontrado aqui. Sobre o assunto, vale a pena ler também o Reinaldo Azevedo.]

The New York Times se curva aos muçulmanos

Anúncio anti-católico publicado pelo The New York Times

O presidente da Catholic League, Bill Donohue, comentou [o assunto] conforme segue:

No dia 9 de março, o New York Times publicou um perverso [viciously] anúncio anti-católico encomendado pelo grupo ateísta radical Freedom From Religion Foundation (FFRF); para lê-lo, e a nossa réplica a ele, clique aqui. Em resposta, a ativista anti-islâmica Pamela Geller resolveu submeter um anúncio para o Times que imitava [that played off] o da FFRF [apenas] trocando as palavras, a fim de fazê-lo parecer um ataque ao Islam. Por exemplo, ela pedia aos muçulmanos para abandonar sua religião porque ela oprimia muitas pessoas.

Neil Munro do The Daily Caller escreveu hoje um esplêndido artigo sobre a corajosa jogada [gambit] de Geller [clique aqui para lê-lo]. Ela foi rejeitada [turned down] pelo Times. O artigo foi recusado, eles disseram, porque “os efeitos colaterais [the fallout] de publicar este anúncio agora poderiam colocar as tropas e/ou os civis americanos da região [do Afeganistão] em perigo”.

A razão do Times para negar o anúncio de Geller é prudente [is sound]: como um veterano, eu me oponho a colocar, desnecessariamente, nossas forças armadas em perigo. Mas eu imagino por que é necessário o medo para impedir o New York Times de veicular anúncios fanáticos. A ética não seria suficiente? Ela certamente não foi, quando eles decidiram publicar o anúncio da FFRP que agredia os sentimentos [religiosos] dos católicos [assaulting Catholic sensibilities].

Seria errado nos limitarmos ao Times. Precisamos de uma ampla discussão nacional sobre a forma como a grande mídia [elite media] está conferindo uma posição privilegiada para alguns setores da sociedade, enquanto falha em fornecer a mesma proteção para outros setores.

Se não fosse um católico…

Só comentando en passant: esta eu vi hoje no “Planeta Bizarro”. Estudante é suspenso em escola nos EUA por usar um terço. Procurei a fonte original e cheguei a esta reportagem da ksdk.com. À parte uma pequena imprecisão que deve ser creditada à minha ignorância no inglês (sempre achei que “High School” era uma coisa equivalente ao nosso “Ensino Médio”, e no entanto o Google Translator disse-me que “sophomore” era “estudante de segundo ano universitário”), a notícia americana é a mesma reproduzida aqui no portal do G1 – com a diferença de que a mídia tupiniquim apenas traduziu quatro linhas dela. A matéria americana é do dia 25 de fevereiro p.p.

Quatro linhas! Se o garoto que foi vítima deste preconceito não fosse católico – se fosse, digamos, um sujeito pertencente a alguma religião de matiz africana proibido de usar guias no pescoço, ou se fosse um homossexual proibido de vestir uma camisa com a foto dele e do seu “parceiro”, ou coisa que o valha -, a notícia ganharia as primeiras páginas dos grandes meios de comunicação. Fariam discursos e mais discursos inflamados contra a intolerância desse colégio (aliás, seriam capazes até de dar um jeito de associar o colégio à Igreja Católica). Fariam manifestações na frente da instituição e, no dia seguinte, convocariam os demais estudantes a sairem com guias no pescoço / camisetas com duplas homossexuais / qualquer-outra-coisa-que-fosse-cabível-dependendo-da-“minoria”-então-agredida em protesto contra este preconceito medieval.

No entanto, foi “só” um católico! Qual o problema em ele ser proibido de usar um terço? O que tem de mal equipará-lo a um membro de uma gangue? E daí se ele é suspenso do colégio pelo simples fato de usar um símbolo religioso? Neste caso a coisa parece ser perfeitamente natural, banal até, e a notícia só merece uma nota de curiosidade em uma seção de notícias estranhas de um jornal eletrônico. Tempos difíceis estes nos quais vivemos…

“Liberdade Religiosa”: a hermenêutica de Paulo VI

[Publico texto do Andrea Tornielli, em tradução feita a partir da tradução espanhola disponibilizada pelo “La Buhardilla de Jerónimo”, sobre a liberdade religiosa. O italiano traz uma nota de Paulo VI escrita em 1965 sobre o tema, que apresento aqui em português.

Fonte: La Buhardilla de Jerónimo]

Uma das questões “candentes” nos diálogos entre a Fraternidade São Pio X e a Santa Sé é, como se sabe, a interpretação do decreto conciliar Dignitatis Humanae, dedicado à liberdade religiosa. O argumento é atual não apenas no âmbito particular daqueles diálogos: basta pensar no debate historiográfico sobre o Concílio Vaticano II e as duas famosas hermenêuticas assinaladas em dezembro de 2005 por Bento XVI, ou nas discussões suscitadas pelo recente livro do professor De Mattei sobre o Concílio, ou ainda nos convites feitos ao Papa Ratzinger para que ele reconsidere a sua decisão de convocar as religiões mundiais a Assis, no 25º aniversário do encontro desejado por seu (quase beato) predecessor.

É iluminador, a este respeito, ler uma nota manuscrita de Paulo VI, escrita em 1965, quer dizer, em plena discussão conciliar, dedicada à liberdade religiosa. Como é conhecido, aquela difícil declaração na sua formulação definitiva definiu o direito à liberdade religiosa como um direito à imunidade (a fórmila do “nemo cogatur nemo impediatur”, em matéria religiosa ninguém seja obrigado e ninguém seja impedido). Agora, alguns sustentam que o resultado do documento conciliar foi o de colocar [todas] as religiões no mesmo nível, de haver favorecido o indiferentismo e inclusive o sincretismo. Os pontífices, ao contrário, têm sustentado sempre que estas são interpretações errôneas da Dignitatis Humanae. Agora um Papa teólogo – a quem certamente não se pode reprovar por falta de clareza sobre o tema – decidiu convocar uma nova reunião de Assis: pode ser útil reler a nota de Paulo VI que está nas atas do Concílio. Coloco-a integralmente.

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Annotationes Manu Scriptae

De libertate religiosa

6 de maio de 1965

I – Liberdade religiosa

1) Pode ser entendida como direito natural (e, portanto, digna de respeito por todos como direito natural e, por isso, digna de respeito e de defesa também pela Igreja, fundada na dignidade e na liberdade de consciência da pessoa humana).

2) Ou [pode ser entendida também] como direito positivo de facto, como na prática a concebe e regula a sociedade atual. Em uma sociedade pluralista, como hoje é em toda parte, e segundo o princípio cristão que distingue duas autoridades: césar e Deus, não se reconhece à autoridade civil o direito de legislar em matéria religiosa. Resulta [daí] que toda religião de facto deve ser respeitada e protegida pelo Estado, no exercício ordenado de sua atividade, no âmbito da ordem pública e em respeito às opiniões dos outros. Este estado de coisas é sem dúvidas aceito hoje pela Igreja, que o define melhor como “tolerância” do que como direito natural. Murray (Aggiorn. Soc. p. 307 – apr. 1965) disse superada a teoria da tolerância referente ao Estado. Mas e referente à Igreja? O Estado não pode ser juiz da verdade religiosa, e por isso deve reconhecer aos cidadãos a “liberdade” de pensar religiosamente como eles crêem. A Igreja, ao contrário, está segura da própria verdade religiosa e por isso a) não podendo impô-La obrigando os outros a aceitarem-Na, b) deve tolerar que os outros sejam livres frente a ela.

3) Pode ser entendida como imunidade de coações externas; liberdade de (nemo cogatur); e como capacidade (jurídica ou de facto) de professar uma religião; liberdade para (nemo impediatur), dentro de certos limites da ordem pública, de respeito aos demais, da moralidade pública, etc.

4) Pode referir-se à pessoa individualmente, e pode referir-se a grupos, associações, comunidades. E pode referir-se à Igreja em respeito ao Estado, quando a Igreja reivindica a própria liberdade religiosa; e pode referir-se ao Estado que deve conceder e tutelar a liberdade religiosa – tanto pluralista, quer dizer, em igual forma e medida para toda religião, quanto preferencial, para a religião própria do povo em seu conjunto, da nação (história, consciência popular, etc.).

II – liberdade religiosa

1) Pode ser estudada nas manifestações históricas, tanto do Antigo Testamento e dos diversos povos quanto na vida e nos documentos da Igreja; e deve ser estudada nos pensamentos de Cristo, no Evangelho e no [Novo?] Testamento em geral, tanto sob o aspecto “nemo cogatur” (cfr. por exemplo a parábola do trigo e do joio, ou ainda Lc. 9, 55: nescitis cuius spiritus estis, ou ainda Jo. 18, 11: mitte gladium tuum in vaginam) quanto sob o aspecto do “nemo impediatur”, referido à liberdade de pregar e testemunhar a verdade religiosa (cfr. os mártires).

2) Pode ser estudada todavia:

– como liberdade do ato de fé, na pessoa individual; aspecto fundamental que reconduz a consideração ao direito da consciência individual.
– como liberdade da autoridade da Igreja, de exercer Sua missão e de governar-Se segundo Suas próprias leis em Sua deontologia interior.

3) Não se deve confundir com a indiferença, o agnosticismo, a indeterminação, etc., quer dizer, com uma liberdade negativa. Deve estabelecer-se, ao contrário, sobre

– o dever da busca à verdade;
– o dever da fidelidade à verdade;
– o dever do ensino da verdade;
– o dever da profissão e da defesa da verdade religiosa, que é objetivamente uma só e que em sua plenitude é a da Revelação Cristã, guardada e ensinada pela Santa Igreja Católica.

E sobre seu aspecto prático: vantagens e méritos.

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Original: Sacri Palazzi

Tradução para o espanhol: La Buhardilla de Jerónimo

Distribua os panfletos censurados pelo PT!

Via Wagner Moura: Bispos da CNBB são ameaçados de morte por causa de um panfleto. Leiam lá, na íntegra. Faço minhas as palavras dele: “Quem ameaça os bispos católicos? Provavelmente alguém que não quer que a divulgação dos panfletos pró-vida continue”. São, portanto, os inimigos da Igreja que, como tais, devem ser desmascarados.

A distribuição destes panfletos transforma-se, assim, em um dever moral não apenas para os católicos, mas para todos os homens de bem que têm amor à verdade, à liberdade e à democracia. Ei-los abaixo para download, em formato .pdf. Pede-se ampla e irrestrita divulgação. Não deixe a oportunidade passar. Não deixe para amanhã. Satanás não dorme. Os inimigos de Deus não descansam.

Panfleto CNBB – Miolo (download)

Panfleto CNBB – Frente (download)

Robinho – o intolerante?

A polêmica da vez no Twitter é sobre o Robinho. Ao que parece, o jogador recusou-se a participar de uma visita a um lar espírita para crianças deficientes, porque ele é protestante e “falaram que lá dentro [no “Lar Espírita”] estaria havendo um ritual religioso (espírita)”.

Eu sou católico e não tenho nenhum interesse em defender a religião do atacante do Santos. Mas tenho muito interesse em defender o direito de ir e vir dos cidadãos brasileiros, e tenho interesse em defender a liberdade religiosa – dentro de seus limites – do jogador de futebol protestante.

Instaurou-se uma verdadeira cortina de fumaça na internet. Robinho foi pintado como “intolerante”, como se a sua religião o proibisse de “alegrar crianças espíritas”, e o episódio foi pintado como sendo uma afronta “ao ser humano independente de religião”, et cetera, et cetera.

Comecemos com aquilo com o qual eu concordo. Concordo, sem dificuldades, que a repercussão do episódio foi lamentável – mas o problema, a meu ver, não foi a “intolerância religiosa” do jogador, mas sim – ao contrário – a sua excessiva tolerância. O problema de Robinho não está no fato dele ter sido “intolerante” e não ter querido descer do ônibus do Santos quando este chegou ao lar espírita, mas ao contrário: o problema foi que ele não foi intolerante quando deveria ter sido, e não teve peito de dizer, desde o começo, que não iria fazer esta visita.

Ninguém está obrigado a freqüentar centros espíritas, nem igrejas evangélicas, nem terreiros de macumba nem absolutamente nada. Ao saber que o elenco do Santos iria a um orfanato espírita, o jogador do Santos deveria ter tido a coragem de dizer que não iria. Até onde me conste, ele não era obrigado a acompanhar o resto dos jogadores nesta visita.

[O fato muda se – como a notícia deixa a possibilidade de entender – os jogadores haviam se programado somente para entrar no lar espírita, dizer “oi”, entregar brinquedos (ou o que seja) e sair; e, no entanto, quando lá chegaram, perceberam que estava havendo alguma espécie de culto espírita no ambiente, e por causa disso não quiseram entrar. Neste caso, a culpa do constrangimento é muito mais dos responsáveis pelo lar espírita do que dos jogadores protestantes do Santos.]

O que aconteceu, no entanto, foi que todos os paladinos internéticos da tolerância moderna armaram-se de mil pedras contra o jogador santista, como se ele fosse obrigado a entrar no lar espírita ainda que contra a sua consciência religiosa, ou como se não fazê-lo fosse uma espécie de intolerável preconceito e discriminação. Ora bolas, deixem o pobre do jogador do Santos em paz. Ele tem todo o direito de não querer, por motivos religiosos, tomar parte em um culto espírita. Ainda que não estivesse acontecendo um “culto espírita” no lugar, ele tem todo o direito de não querer associar a sua imagem a uma instituição espírita. Qual o problema com isso?

Por acaso os neo-paladinos da tolerância humanitária estariam obrigados a assistir a uma Vigília Pascal ao fim da qual fossem homenageadas crianças carentes? Ou, caso se negassem a encenar a Paixão de Cristo para alegrar crianças cristãs doentes, seriam uns cretinos sem sentimentos para com as pobres crianças que nada têm a ver com a (falta de) Fé deles? Se os “tolerantes” não pensariam duas vezes antes de afirmar o próprio direito de não tomarem parte em cerimônias nas quais não acreditam ou de não se fazerem presentes em lugares onde se professa uma crença da qual não comungam, qual o motivo do linchamento moral público do jogador do Santos? Hipocrisia, somente?

Repito: concedo, com muita facilidade, que houve em todo o episódio um grande constrangimento que poderia ter sido evitado. Mas o problema não está na “intolerância” nem no “preconceito” de Robinho. O problema não foi ele ter se negado a participar da “festa” no lar espírita, mas [no máximo] a maneira como isso foi feito – e a conseqüente repercussão negativa que isso teve. Critique-se, vá lá, o “jogo de cintura” do jogador ou a sua [falta de] habilidade política, mas não se critique a sua religião. Afinal, ainda não existe no país, nesta matéria, obrigação de agir contrariamente à própria consciência.