Mais Igreja, mais Nazismo

Às vezes, eu fico pensando se vale a pena continuar insistindo contra uma evidente incapacidade ou má-fé intelectual. Refiro-me à tréplica da UNA sobre a Igreja e o Nazismo, em resposta a um post aqui publicado na semana passada. Alegra-me muito ver o Deus lo Vult! ser chamado de “blog ultracatólico”, honra que não mereço – mesmo o pessoal da UNA usando a expressão em sentido pejorativo.

Alegrias à parte, no entanto, vamos nos deter sobre os “argumentos” utilizados pelos unidos ateus brasileiros. Basta dizer que eles parecem não saber o que é uma petição de princípio, por mais elementar que seja a maneira como ela se apresente. Por exemplo: eu afirmei “que a presença do Papa junto a autoridades políticas quaisquer não significa, sob ótica nenhuma, um apoio irrestrito a estas autoridades”. Dei um exemplo de João Paulo II junto a Fidel Castro. Os ateus – pasmem! – responderam que “a igreja nunca foi pilar da revolução cubana”.

Oras, e por acaso a Igreja foi pilar do regime nazista? Esta é precisamente a tese dos ateus. No entanto, eles não parecem dispostos a prová-la; assumem-na como um a priori indiscutível e argumentam para demonstrá-la como se já estivesse demonstrada, num claro raciocínio circular da pior qualidade possível. Dá para continuar debatendo com gente assim?

O resto do blá-blá-blá (que o Papa visitou a Nicarágua, o Chile, etc) é somente blá-blá-blá que nem tem nada a ver com o assunto ora em discussão (Igreja e Nazismo), nem modifica um milímetro o argumento apresentado, contra o qual os ateus somente conseguiram levantar uma Petitio Principii grosseira.

Foi dito, também, que o homem que aparece com Hitler na foto não é o então cardeal Pacelli, mas sim o núncio Cesare Orsenigo. Quem identifica o homem da foto com o cardeal Pacelli são, entre outros, os sites Segunda Guerra.org e Enciclopedia.pt. Se esta foto não é do cardeal Pacelli ou se não existe nenhuma foto do cardeal Pacelli com Hitler, não faz diferença para o argumento (aliás, o negócio fica ainda mais feio para os detratores da Igreja…); o meu ponto é que é perfeitamente possível que haja tal foto (como há uma foto de João Paulo II com Fidel Castro) sem que isto implique em nenhum apoio da Igreja ao regime nazista. Um encontro do núncio apostólico com o ditador nazista não significa que a Igreja apóie o nazismo.

Sobre a “saudação socialista” eu nem vou comentar, porque o pressuposto aqui – de que seja necessário fazer “saudação” nazista ou socialista ou anarquista ou que seja, para que o fulano seja de fato nazista, ou socialista, ou anarquista ou o escambau – é simplesmente sem nenhum sentido. Do fato dos ateus unidos do Brasil não terem vistos padres fazerem uma desconhecida saudação socialista, não segue que tais padres não sejam socialistas.

E, considerando que haja padres socialistas, não segue que a Igreja apóie o socialismo. Querer postular a inexistência de padres socialistas (como faz a UNA) simplesmente porque não há padres fazendo o gesto com a mão fechada que eles desenterraram é simplesmente falso, contrário às evidências, inconcebível para qualquer pessoa que mantenha um mínimo de senso de realidade. Sim, há padres socialistas, sim, houve padres nazistas, não, a Igreja não apóia o socialismo e não, a Igreja não apoiou o Nazismo.

Queixa-se ainda a UNA da ausência de punição aos nazistas. E, para completar a piada: “ao contrário dos padres ‘moderninhos'”. Gostaria muitíssimo que a UNA elencasse os padres “moderninhos” que foram excomungados pelo Vaticano. O fato é que entre “ausência de punição” e “apoio irrestrito” vai uma distância enorme, à qual os ateus fazem vista grossa para poderem atacar a Igreja. De novo uma petição de princípio, porque o argumento subjacente a esta elucubração é: “a Igreja não puniu os padres nazistas porque apoiava o nazismo”. De novo: que a Igreja apoiasse o nazismo é exatamente a tese dos ateus, que precisa ser provada, e não utilizada como premissa para se provar a si mesma.

E vejam como é engraçada a “história enviesada” que os ateus contam: falam do cardeal de Viena, Theodore Innitzer, que saudou o Anschluss e pronunciou um sonoro Heil Hitler. No entanto, não contam o resto da história: que o cardeal Pacelli obrigou o cardeal Innitzer a voltar a Roma para prestar contas de sua declaração, que ele foi obrigado a assinar uma retratação (publicada em L’Osservatore Romano), e que a casa do cardeal foi invadida pelos nazistas após isso. Acaso pode-se dizer, em sinceridade de consciência, que uma atitude destas é exemplo de apoio da Igreja ao Nazismo? Ou os ateus só “pescam” da história aquilo que lhes convém, varrendo para debaixo do tapete todo o resto?

Outro exemplo: reclamaram os ateus que 1930 (ano em que uma diocese alemã condenou formalmente o nazismo) era “muito cedo”. A Mit Brennender Sörge é de 1937, e já apareceu ateu aqui para dizer que era “muito tarde”, pois nessa época a Alemanha já havia perdido a Segunda Guerra (!). E o apoio da Igreja ao nazismo nos entreatos, onde é que está? Está somente nas premissas dos ateus. Só nas grosseiras petições de princípio. Quando são pedidos para apresentarem provas de que a Igreja apoiou o nazismo, eles simplesmente não as apresentam: ficam só nos padres que fizeram Heil Hitler, na (suposta) ausência de condenações, nas fotos de autoridades eclesiásticas com Hitler e ministros do Reich, etc., etc. O resto, eles simplesmente ignoram. Pode ser levado a sério este jeito incrível de se fazer história?

Sobre o Zentrum, o negócio fica ainda pior. Em primeiro lugar, em 1933 (ano da assinatura da Concordata) não havia “regime nazi” nos moldes de uma ditadura, como o Nazismo é conhecido hoje. Não havendo ditadura, portanto, não há também “o reconhecimento diplomático do regime nazi pelo Vaticano”. E, por fim, é simplesmente falso que, com a Concordata, a “Igreja aceitou cooperar com Hitler e fechar os olhos para os abusos cometidos por ele” – isto não se encontra no texto da concordata e nem em lugar nenhum. É somente mais uma petição de princípio.

E ainda mais uma: dizem os ateus que “[o] livro de Cornwell [o Papa de Hitler] é ambíguo, coloca a igreja como vilã e coitada em certos momento”. Oras, então o livro dá margem para dizer que Pio XII foi o Papa de Hitler e também que ele foi o Papa Anti-Hitler. No entanto, na lógica dos ateus, já que a Igreja apoiou o Nazismo, são somente as partes nas quais a Igreja é apresentada “como vilã” que são fidedignas no relato do Cornwell. Não é assim que se faz história, afinal de contas?

Após os intermináveis raciocínios circulares e histórias contadas pela metade da União Nacional dos Ateus, resta somente uma curiosidade que eu sempre tive: onde estavam os ateus durante o regime nazista e a Segunda Guerra Mundial? Já que perguntar não ofende, quais foram as ações que eles, em grupo ou individualmente, tomaram durante o III Reich?

Mais sobre Nazismo

Como o pessoal da UNA parece não ter o que fazer, resolveram ressuscitar um post do Deus lo Vult! de mais de três meses atrás, falando (a UNA) sobre as hipocrisias e as mentiras religiosas no tocante à atuação da Igreja Católica durante o III Reich.

Os “argumentos” dos ateus resumem-se, quase todos, a ironias infantis e sem graça do tipo “a igreja é inocentinha… nunca foi comparsa dos nazis…” e outras besteiras.

Por exemplo: é óbvio que a presença do Papa junto a autoridades políticas quaisquer não significa, sob ótica nenhuma, um apoio irrestrito a estas autoridades. Assim, por exemplo, João Paulo II foi a Cuba e se encontrou com Fidel Castro, e tem foto dos dois juntos. Isso significa, por acaso, que a Igreja apóia o comunismo cubano?

Quando isto foi comentado, o assunto era uma famosa foto em que Pio XII, então ainda Cardeal Pacceli, aparece junto com Hitler. O contra-argumento da UNA é o seguinte: “curiosamente não vi estes padres fazendo saudação socialista”. Resta explicar qual seria a “saudação socialista” que eles estavam esperando ver. Ademais, eu também não vi o cardeal Pacelli fazer Heil Hitler.

Quanto ao fato de que houve católicos, inclusive padres e bispos, que apoiaram o regime de Hitler, nós não o negamos. Apenas repetimos o óbvio: isto é a posição particular destes católicos, e não da Igreja. Os padres acaso faziam Heil Hitler em obediência a alguma ordem da Igreja? Onde está essa ordem? Onde está a bula papal ou o decreto da Congregação para os Bispos que determina que os padres façam saudações nazistas sempre que virem passar os oficiais de Hitler?

Engraçado também é o seguinte: “três anos antes que Adolf Hitler subisse ao poder, a arquidiocese de Mogúncia condenou de forma pública o Partido Nazista”, e isto simplesmente não é levado em consideração pelos detratores da Igreja. “Ah”, dirão os anti-clericais raivosos, “isto é somente uma diocese pequena dentro da Alemanha, e esta condenação nunca foi tornada oficial para a Igreja como um todo”. Ué, e daí? E quando acusam a Igreja de cumplicidade com o Nazismo ostentando, aos borbotões, as fotos de clérigos simpatizantes do Nazismo, que não chegam nem mesmo a ser a posição oficial de uma Diocese minúscula? Por que usam dois pesos e duas medidas?

Outrossim, a Reichskonkordat não fala, em nenhum momento, em “Nazismo”, em “Nacional-Socialismo”, em permissão para que os católicos votem em partidos nazistas, nem em nada do tipo. Trata de alguns direitos da Igreja em território alemão. Aliás, quando ela foi assinada, nem havia ainda o Nazismo como um sistema político totalitário, que só se configurou no ano seguinte, em 1934 – e esta informação encontra-se até mesmo na Wikipedia. Qual é, portanto, a relação da Concordata com os descalabros nazistas?

Um argumento do mesmo nível seria o seguinte: o Vaticano assinou recentemente uma concordata com a República Federativa do Brasil, e o governo brasileiro é a favor do aborto. Ergo, deveria dizer um ateu, a Igreja apóia o aborto. Mas ele não ousa expôr este sofisma tão cretino… por quê? De novo, dois pesos e duas medidas. Esta é a honestidade atéia.

Por fim, e a título de curiosidade, vale a pena ler esta seleção de frases tiradas do insuspeito “O Papa de Hitler” de Cornwell, entre as quais destaco:

[A]pesar das confiantes declarações de Hitler, o VATICANO não era absolutamente favorável ao Partido nazista. A Santa Sé não endossava o nazismo implícito ou explícito do nacional socialismo.

[…]

Os nazistas consideraram a encíclica [Mit Brennender Sorge] como um ato subversivo. As empresas que colaboraram na impressão do documento foram fechadas, muitos dos seus empregados foram presos.

[…]

L’Osservatore Romano é condenado pelos fascistas, exemplares destruídos, jornaleiros espancados. Finalmente Pacelli foi emboscado em Roma, em conseqüência ele tornou-se um prisioneiro voluntário dentro do Vaticano.

[…]

[O] plano de Hitler [sobre isto, vejam também aqui] para seqüestrar Pacelli…

Eis o Papa de Hitler! Os ateus, para serem coerentes, deveriam acrescentar mais uma acusação à Igreja Católica: que Ela, além de apoiar o Nazismo, era radicalmente masoquista.

Mais Crimen Sollicitationis

Isto não é uma questão de anti-catolicismo, no sentido da malícia com a qual certos segmentos da sociedade americana sempre abordaram a Igreja Católica. Isto é um novo fenômeno – uma tendência de até mesmo as pessoas imparciais [fair-minded] acreditarem nas piores interpretações sobre qualquer história envolvendo a Igreja.

– John L. Allen Jr., August 15, 2003.

As minhas trocas de farpas com o pessoa da UNA deram resultado, motivo pelo qual fico muitíssimo feliz. Os ateus preconceituosos deram-se ao inaudito e louvável trabalho de pensar por conta própria, de ir às fontes e parar com a síndrome-de-papagaio de repetição de chavões. Não conseguiram ainda escapar do fenômeno cuja existência o Allen Jr. evoca na frase em epígrafe, mas já é um bom começo. Oxalá a progressiva abertura da mente à verdade e à honestidade termine por abrir enfim espaço Àquele que é a Verdade.

Após a irresponsável publicação de um documentário velho da BBC sem checar as fontes (e, aliás, repleto de erros crassos de português; ser obrigado a ler “pretesto” foi uma coisa realmente frustrante…), a UNA me surpreendeu com a publicação de um texto incomparavelmente melhor sobre o mesmo assunto, tanto que eu nem seria capaz de atribuir ambos ao mesmo blog. Não vou me deter no exame do documentário: basta dizer que a acusação principal – de que a Crimen Sollicitationis tenciona impedir que os padres pedófilos sejam punidos – é  totalmente descabida, pois segredo canônico não se confunde com investigações policiais.

Quanto ao texto da UNA, é uma pena que o louvável esforço investigativo feito por eles não tenha sido um pouco maior. Se eles tivessem pesquisado um pouquinho a mais, iriam encontrar esta discussão sobre o documento na Wikipedia inglesa que diz que a tradução para o inglês está cheia de erros. Se eles entendessem melhor sobre o assunto que estão falando, também chegariam facilmente à mesma conclusão, porque há trechos do documento que simplesmente não fazem sentido. Por exemplo, o número 11 fala em “penalty of excommunication latae sententiae, ipso facto and without any declaration [of such a penalty] having been incurred and reserved to the sole person of the Supreme Pontiff, even to the exclusion of the Sacred Penitentiary” (Crimen Sollicitationis, 11). Passei um tempo enorme tentando entender o que raios era essa “exclusão da Sagrada Penitenciária” [cheguei a cogitar se o documento não estaria dizendo que a pessoa estava excluída do Sacramento da Penitência], até me deparar com a tradução melhor na supracitada discussão da Wikipedia: a excomunhão é “reserved to the Supreme Pontiff in person alone, excluding even the Apostolic Penitentiary”.

As fontes consultadas pela UNA, portanto, por serem inacuradas, comprometem seriamente a análise que eles fizeram sobre o documento. Algumas coisas ditas, evidentemente, são verdadeiras. Mas outras são erros decorrentes quer da má tradução para o inglês, quer da falta de conhecimento que têm os ateus sobre as leis canônicas da Igreja Católica.

Sobre os erros de tradução, a citada discussão da Wikipedia disse que, em um ponto, chegou-se ao absurdo de que the word “excepted” has been transformed into “accepted”, thereby reversing the meaning (!!!). E este ponto é precisamente o parágrafo 72 da instrução, usado pela UNA para mostrar que a Igreja impunha silêncio às vítimas de pedofilia. Na tradução do blog ateu:

72. Essas coisas devem ser tratadas conforme [as regras dos] pecados de solicitação [que] são válidas aqui, mudando apenas aquelas coisas necessárias para adaptá-las à sua natureza exata, a de pior de todos os pecados [o texto segue e adverte que todos estão obrigados a denunciar um eventual transgressor ao Superior Hierárquico, sob as penas da lei da Igreja, a menos que o conhecimento dos fatos tenha sido obtido por  Segredo de Confissão].

Isto foi dito baseado na versão inglesa do documento, que diz (grifos meus) “having accepted the obligation of the denunciation from the positive law of the Church”. Contudo, o original em latim diz claramente (de novo, meus grifos) “excepta obligatione denunciationis ex lege Ecclesiae positiva”. Francamente, isso não é nem mesmo uma falsa cognata! O que impediu o sujeito que fez a tradução para o inglês de escrever a tradução imediata “excepting the obligation of the denunciation”? Devido ao erro de tradução e à inversão do sentido da frase, a UNA disse que, “nos casos de abuso de menores, prevalece a lei da imposição do silêncio”. Não é verdade. Nos casos de abuso de menores – o “pior de todos os pecados” -, não existe a obrigação de se fazer a denúncia ao Superior e, por conseguinte, não existe o voto de silêncio que é feito nesta denúncia.

Na verdade, não fosse – de novo – por aquele estranho fenômeno ao qual alude o jornalista na citação em epígrafe, os ateus deveriam ter percebido que havia alguma coisa estranha. Imposição de silêncio pontifício para casos de parafilias com “PORCOS, ÉGUAS, GALINHAS E VACAS”? Isso pode fazer sentido na cabeça atéia preconceituosa, mas ofende o bom senso. O voto de silêncio que é exigido nos casos de crimes de solicitação decorre da natureza sigilosa da penitência sacramental. O segredo de confissão é absolutamente inviolável e, por isso, as denúncias de crimes que ocorrem neste contexto também estão envoltas em sigilo. Não havendo Confissão Sacramental, não existe imposição de segredo; e, assim, fica desmascarada esta que talvez seja a mais cretina calúnia contra a Igreja que já tive a oportunidade de analisar aqui no Deus lo Vult!. Agradeço à UNA pela oportunidade.

Por último, e já esclarecida a questão principal e mais importante sobre a falsa “imposição de silêncio” da Igreja às vítimas de pedofilia, resta uma questão de somenos importância sobre se a Crimen Sollicitationis ainda está em vigor ou não. O cân. 6, logo na segunda página do CIC, diz o que segue:

Cân. 6 – §1. Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados:

[…]

3º Quaisquer leis penais, universais ou particulares, dadas pela Sé Apostólica, a não ser que sejam acolhidas neste Código;

[Código de Direito Canônico]

Sempre soube que, com a entrada em vigor do Código de 1983, ficaram ab-rogadas as leis penais – incluindo, portanto, as excomunhões – promulgadas anteriormente. Na verdade, todo católico sabe (aliás, eu já disse aqui mais de uma vez) que só existem oito excomunhões automáticas, que são (1) revelação de sigilo sacramental, (2) absolvição de cúmplice em pecado contra o Sexto Mandamento, (3) agressão física contra o Romano Pontífice, (4) profanação eucarística, (5) heresia, apostasia ou cisma, (6) sagração episcopal sem mandato pontifício, (7) aborto provocado e (8) tentativa de ordenação feminina [esta, é recente]. Não existe nenhuma excomunhão automática para quem “revela Segredo do Santo Ofício”, desde a promulgação do Código vigente.

No entanto, o documento usado pela UNA para “provar” que a Crimen Sollicitationis continua em vigor é a Graviora Delicta. Esta Carta Apostólica não “evoca e confirma” a instrução de 1962 como disseram os ateus – ela apenas cita a instrução dizendo que até o momento estava em vigor. Na minha opinião, ela foi substituída pela própria Graviora Delicta, por força do motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela; por falta de competência, deixo no entanto esta questão para os canonistas, porque ela não faz muita diferença, já que a instrução de 2001 também fala em segredo pontifício para todas as coisas que nela são tratadas: Huiusmodi causae secreto pontificio subiectae sunt.

Demonstrado está, portanto, que a Igreja nunca impôs silêncio às vítimas de pedofilia, nem nos dias de hoje e nem à época da Crimen Sollicitationis. O Segredo Pontifício, antigo “Segredo do Santo Ofício”, decorre – no caso em pauta – do sigilo sacramental e não de uma tentativa da Igreja de “encobrir” os crimes dos Seus pastores; e este segredo, contudo, não se aplica aos casos de pedofilia, ao contrário do que o artigo da UNA se esforçou para provar.

Os ateus. A lei seca. Calvino

– O pessoal da UNA é engraçado. Após eu ter atacado ontem aqui um artigo nonsense sobre a nova encíclica do Papa, fui twittado pelo @UNABr, numa mensagem que, curiosamente, eles apagaram agora, e dizia alguma coisa como “não é a primeira vez que o católico fanático @jorgeferraz critica a UNA com argumentos sem sentido”.

Prontamente respondi-lhes dizendo que tampouco era a primeira vez que a UNA publicava coisas sem sentido para atacar a Igreja. Mandaram-me ler o editorial do blog, dizendo que só atacavam a Igreja “qdo ela dá motivo pra isso”. Respondi: “quando Ela não dá motivo, vocês simplesmente inventam, como foi o caso das duas vezes em que citei a UNA”. Disseram que a “ICAR n tem moral p falar de etica” e mandaram-me ver o documentário que eles tinham postado: trata-se de velharia (aqui, em texto, na BBC) já devidamente refutada há muito tempo (aqui, aqui e aqui), coisa que respondi incontinenti. Para minha surpresa, disseram-me ser “óbvio q o vaticano iria acusar o documentario de falseabilidade”, como se não fosse muito mais óbvio que anti-clericais sem senso moral iriam inventar calúnias contra a Igreja: a defesa d’Ela é simplesmente descartada por ser “da Igreja”, ao passo em que o documentário comprovadamente calunioso é tomado como verdade absoluta, talvez por ser da infalível BBC.

Respondi, em tom irônico: Vai ver, quem tem moral para falar de Ética são os paladinos da UNA, né, os seus textos cheios de “coesão e coerência”… Acho que foi a gota d’água. Em um surto de humildade megalomaníaca, recebi a resposta: “Sim, sou muito mais ético do que qqer padre.  E típico dos religiosos, vc ja começou com as ofensas. Olhe-se no espelho”. E, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, recebo a sentença: “Em três posts, o fanático católico @jorgeferraz já demonstrou ser um TROLL com ofensas, N alimento trolls. Bloqueado”.

Agora, é engraçado. O pessoal despeja porcaria na internet, em público, e fica melindrado quando eu chamo a coisa pelo nome e mostro o nível do anti-clericalismo tupiniquim. O pessoal me twitta e dá xilique quando eu respondo. Vai entender…

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– Entre Milão e Turim, um padre italiano teve a sua carteira de motorista retida porque não passou no bafômetro. “Ele testou positivo para 0,8 grama de álcool por litro de sangue, enquanto o permitido pela legislação italiana é de 0,5”. O padre havia celebrado quatro missas. No ano passado, falei contra a “Lei Seca” brasileira aqui no Deus lo Vult!, citando inclusive o exemplo dos sacerdotes que precisavam tomar o Sangue de Cristo no altar da Santa Missa. Parece que não é só nesta Terra de Santa Cruz que os padres precisam correr riscos no cumprimento de suas obrigações ministeriais.

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Via Gustavo Souza: L’Osservatore Romano e Calvino. O jornal oficioso do Vaticano está ficando cada vez pior! É o péssimo artigo do mons. Fisichella lançando confusão entre o movimento pró-vida mundial, são as loas ao presidente abortista dos Estados Unidos da América e, agora, como se não bastasse, decide L’Osservatore publicar panegíricos a um heresiarca!

O texto original, publicado na última sexta-feira, está disponível aqui. Até pensei em traduzi-lo, mas me faltou estômago. Após ler que o protestante francês não suportava, nas igrejas católicas,  as “immagini troppo venerate, reliquie dubbie, nelle quali vedeva non senza ragione una ricaduta nell’idolatria” e que “[l]’organizzazione calvinista è una creazione geniale”, achei melhor deixar para lá. Talvez já esteja mais do que na hora de enviarmos protestos sérios ao Osservatore Romano.

Os armários intolerantes

A famosa frase de Chesterton – que cito na sua versão que ganhou mais popularidade, e não na literal proferida pelo insigne escritor inglês, mantendo no entanto intacto o sentido das suas palavras – sobre os ateus, “quando alguém deixa de acreditar em Deus, não é que ele passe a não acreditar em nada; na verdade, ele passa a acreditar em qualquer coisa”, dá a cada dia mostras de ser exata literalmente. Foi com surpresa que descobri o blog da “União Nacional dos Ateus” em um post com um vídeo – elogiado! – da mais inacreditável infantilidade.

Para os que não quiserem (sabiamente) perder oito minutos do seu tempo assistindo-o, conto em linhas gerais: é a história de um menino e de uma cultura de “construção de armários”. Os pais dele o ensinaram a construir armários com duas gavetas, porque era assim que um certo “manual” ensinava. Após o menino encontrar pessoas que construíam armários com gavetas em posições diferentes, ou com mais do que duas gavetas, passa a se questionar e recebe sempre respostas intolerantes dos seus pais. Decidido a ler o manual por conta própria e construir o armário do jeito, literalmente, que ele ensina, fabrica uma coisa totalmente tosca e inútil. É aí que ele percebe (1) que o manual é inútil porque não ensina a construir os armários que as pessoas dizem que ensina e (2) que cada um pode construir o seu armário do jeito que quiser. Moral da história: a Bíblia é inútil, cada um acredita naquilo que quiser e a intolerância religiosa é um terrível mal para a humanidade.

Detenhamo-nos um pouco a aplicar os rigores da lógica a esta puerilidade. Uma metáfora que tenha serventia precisa guardar semelhança com a coisa da qual ela se propõe a ser uma representação metafórica; conclusões tiradas com base em analogias só são válidas se respeitarem as semelhanças e dessemelhanças existentes entre o objeto “original” e o seu análogo. Tudo isso é óbvio. Assim sendo, a pergunta que salta aos olhos ao assistir o vídeo é: o que raios têm a ver os alhos com os bugalhos? Por qual misterioso processo intelectual infere-se, a partir de uma estúpida história sobre manuais e armários, que as religiões são males a serem combatidos pelos “iluminados” ateus?

“São coisas análogas”, pode alguém clamar. Não, não são, é óbvio que não são. Existem armários com duas gavetas, com três gavetas, armários toscos inúteis, armários azuis e vermelhos, armários de diversos formatos, e cada um pode ter o armário que bem entender, e cada armário de cada um é um armário diferente. O “objeto” apresentado pelas religiões – Deus – não é “diferente” para cada uma das pessoas, e sim o mesmíssimo Deus único; ao contrário dos armários – onde a multiplicidade dos objetos comporta perfeitamente que haja diferenças entre eles sem nenhum problema lógico -, a unicidade de Deus faz com que seja uma impossibilidade lógica estarem, ao mesmo tempo, corretas duas afirmações contraditórias sobre Ele mesmo. É a própria natureza do problema enfrentado – ao contrário do problema da “construção dos armários” – que faz com que os distintos conhecimentos sobre Deus sejam mutuamente excludentes: está na essência mesma das religiões serem incompatíveis.

Como uma coisa tão gritantemente óbvia “escapa” à inteligência atéia é um mistério inexplicável. Passa a terrível e incômoda impressão de que os ateus não são capazes de entender aquilo que eles estão, não obstante, empenhados em refutar. A fé dos ateus é uma coisa realmente espantosa, pois – ao que parece – faz com que eles acreditem piamente que Deus é um armário. Esta miséria intelectual chega a ser frustante, e chega até a dar saudade de nomes como o de Augusto Comte; ao menos era possível haver polêmicas de verdades